PASSEATA
DOS CEM MIL
Denominação
com que ficou conhecida a manifestação realizada no Rio de Janeiro em 26 de
junho de 1968, da qual participaram cerca de cem mil pessoas que protestavam
contra as violências praticadas pela polícia alguns dias antes no centro da
cidade, atingindo estudantes e populares. Promovida pelo movimento estudantil —
na época o principal núcleo de oposição ao regime militar instaurado no país em
março de 1964 —, a marcha contou também com a participação de intelectuais,
operários, profissionais liberais e religiosos, além da adesão maciça de
populares. As principais reivindicações dos manifestantes eram o
restabelecimento das liberdades democráticas, a suspensão da censura à imprensa
e a concessão de mais verbas para a educação.
A UNE na ilegalidade
Uma
das primeiras medidas tomadas pelos militares que afastaram o presidente João
Goulart do poder foi o fechamento, em abril de 1964, da União Nacional dos
Estudantes (UNE), entidade representativa dos estudantes universitários que
havia apoiado o governo do presidente deposto. Embora ilegal e bastante debilitada,
a UNE se manteve e em julho de 1966 realizou seu XXVIII Congresso em Belo
Horizonte. Nesse encontro, os estudantes concentraram suas críticas no acordo
firmado pouco antes entre o governo federal e a United States Agency for
International Development (USAID), conhecido como Acordo MEC-USAID, que entre
outros pontos visava estimular a privatização do ensino superior brasileiro
através da transformação das universidades mantidas pelo Estado em fundações.
O XXIX Congresso da UNE foi realizado em agosto de 1967, num
mosteiro beneditino perto de Campinas (SP), sempre na ilegalidade. Pouco antes
do encontro, haviam ocorrido conflitos de rua entre policiais e estudantes na
capital paulista. Na reunião, as maiores críticas dirigiram-se contra a
política educacional do governo, que admitia a interferência de organismos
estrangeiros em sua orientação, e contra a contenção geral dos salários posta
em prática pelos militares. Até o final de 1967, os estudantes promoveram
numerosas demonstrações de protesto em diversas cidades brasileiras.
A morte de Edson Luís
O nível de tensão entre o governo e o movimento estudantil
ganhou nova dimensão em 28 de março de 1968, quando o estudante secundarista
Edson Luís Lima Souto, de 18 anos, foi morto a bala pela polícia no Rio durante
uma manifestação contra o fechamento do restaurante do Calabouço, que atendia
sobretudo a estudantes pobres oriundos de outros estados. Cerca de 20
estudantes saíram feridos da agressão policial. A morte de Edson Luís foi
imediatamente denunciada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido
de oposição, na Assembléia Legislativa do então estado da Guanabara, para onde
o corpo do estudante foi levado.
No dia 29 de março, cerca de 60 mil pessoas participaram do
cortejo fúnebre até o cemitério São João Batista, em Botafogo. A manifestação
transcorreu normalmente, sem a intervenção policial. No resto do país,
entretanto, ocorreram demonstrações e marchas de protesto. Em Salvador, Belo
Horizonte, Goiânia e Porto Alegre, estudantes e populares entraram em choque
com as forças policiais. A UNE decretou greve geral dos estudantes.
Em
31 de março, data do quarto aniversário da derrubada de Goulart, ocorreram
novas demonstrações de repúdio contra o assassinato do estudante. O governador
da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, temeroso de perder o controle da
situação, solicitou a presença do Exército para garantir a ordem pública. Os
protestos de rua acabaram se convertendo num conflito aberto entre estudantes e
populares de um lado, e efetivos do Exército do outro, que provocou a morte de
duas pessoas, ferimentos em quase cem e cerca de duzentas prisões.
No dia 4 de abril, foram celebradas duas missas de sétimo dia
pela alma de Edson Luís na igreja da Candelária, no centro do Rio. A primeira,
encomendada pela mesa da Assembléia Legislativa da Guanabara, realizou-se às
11:30h da manhã. Cerca de mil pessoas compareceram ao ato fúnebre e um número
muito maior se concentrou fora do templo. Encerrada a missa, a multidão foi
atacada por policiais a cavalo armados de sabres e cassetetes, enquanto
helicópteros da Marinha e aviões da Força Aérea Brasileira sobrevoavam a área
da Candelária. O esquema repressivo contou também com a participação de agentes
do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), que lançavam bombas de gás
lacrimogêneo em qualquer agrupamento de pessoas. Por outro lado, todo um vasto
aparato bélico encontrava-se de sobreaviso. Os contingentes em regime de
prontidão reuniam 20 mil homens do I Exército, dez mil da Polícia Militar (PM),
1.200 da Guarda Civil e quatrocentos detetives da Secretaria de Segurança,
concentrados, sobretudo, no Centro e na Zona Sul da cidade. O comandante do I
Exército, general Cunha Garcia, acompanhou de perto a mobilização.
Durante
a tarde do dia 4, o policiamento do Centro do Rio continuou ostensivo, com os
soldados e agentes de segurança procurando impedir a presença de estudantes e
populares nas proximidades da Candelária, já que uma outra missa — encomendada
pela UNE e pela União Metropolitana dos Estudantes (UME) — fora marcada para as
18:15h. A cerimônia começou na hora estabelecida, com a igreja totalmente
tomada por 2.500 pessoas. A PM dispersou todos os que não conseguiram entrar na
igreja e se aglomeravam do lado de fora.
Encerrada
a missa, percebendo a possibilidade de uma ação policial, o padres saíram na
frente da multidão formando um cordão protetor. Embora não tivessem sido
registrados incidentes na saída do templo, em vários pontos do Centro da cidade
— completamente cercado pela PM e por soldados das três forças armadas —
ocorreram violências. As agressões ficaram por conta dos homens da PM e dos
agentes do DOPS, que agrediram a socos e pontapés estudantes e populares. Entre
16 e 22 horas, 380 pessoas foram detidas pela PM e pelo DOPS; cerca de duzentas
já haviam sido presas no início da tarde e levadas para a fortaleza de Santa
Cruz, em Niterói.
Além
da Candelária, igrejas de vários bairros do Rio oficiaram missa pela alma de
Edson Luís. Por iniciativa da UNE e de entidades estudantis locais, foram celebradas
missas em diversas capitais, entre as quais Porto Alegre, Goiânia, Recife,
Belém, João Pessoa e Belo Horizonte. Nestas duas últimas cidades,
registraram-se choques de rua entre policiais e estudantes. Em outras cidades,
como São Paulo, Santo André (SP) e Salvador, houve passeatas de protesto contra
a morte do estudante.
O movimento em recuo
Depois da missa de sétimo dia de Edson Luís, o movimento
estudantil experimentou um ligeiro recuo, produzido em grande parte pelas
medidas policiais e pelas disposições repressivas contidas na Instrução nº 177,
portaria baixada em 5 de abril pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e
Silva.
No final de abril, o governo teve de enfrentar um outro
antagonista, praticamente ausente do cenário político desde março de 1964: o
movimento operário. Com efeito, no dia 22 daquele mês, foi deflagrada em
Contagem, cidade industrial próxima a Belo Horizonte, a primeira greve no país
desde a ascensão dos militares. A paralisação envolveu cerca de 6.700 operários
metalúrgicos que tinham como principal reivindicação um aumento salarial de
25%. Ameaçados pelas autoridades de enquadramento na Lei de Segurança Nacional,
os grevistas voltaram ao trabalho depois de três dias de suspensão das
atividades.
Em maio, duas iniciativas tomadas na área de governo
ligavam-se diretamente ao movimento estudantil. No dia 14, foi divulgado o
relatório do general Carlos de Meira Matos referente à situação universitária
do país. No documento, o oficial, além de admitir a existência de numerosos problemas
no ensino superior, chamava a atenção do presidente da República, marechal
Artur da Costa e Silva, para o fato de que uma “repressão excessiva leva a uma
radicalização crescente das reivindicações”. No dia 22, buscando reforçar os
poderes da polícia, os menores de 18 anos foram declarados responsáveis nos
casos de certas infrações, entre as quais os crimes contra a segurança
nacional.
Na
última semana de maio, sob o impacto do movimento estudantil irrompido naquele
momento na França e em outros países europeus, os estudantes voltaram às ruas
em diversas cidades do país. No dia 24, ergueram barricadas no centro de São
Paulo e enfrentaram os policiais; na parte da tarde, promoveram uma passeata,
autorizada pelo governo estadual. Essa autorização do governador Roberto Abreu
Sodré desagradou ao comandante do II Exército, general Manuel Rodrigues de
Carvalho Lisboa, que emitiu uma nota a respeito. No dia seguinte, houve uma
grande passeata de estudantes, que contou com a participação de professores e
do deputado federal Davi Lerer, do MDB. Na ocasião, foi jogada uma bomba na
redação do jornal O Estado de S. Paulo. Em Brasília, os policiais dissolveram
uma passeata que os estudantes tentaram organizar. Em Belo Horizonte, 120
estudantes foram presos na Escola de Medicina.
Um aspecto importante dessa etapa do movimento estudantil é
que as passeatas do final de maio já contaram com a participação expressiva de
trabalhadores, descontentes com a política salarial do governo. As tentativas
governamentais de conter a adesão dos operários às palavras de ordem dos
estudantes — como foi o caso da Lei nº 5.451, sancionada em 12 de junho,
concedendo aos trabalhadores um abono de emergência e revendo certos pontos da
política salarial — não lograram o resultado esperado.
A Passeata dos Cem Mil
Na
segunda metade de junho, o movimento estudantil entrou em nova fase de ascenso,
tendo atingido nesse período seu ponto mais alto em termos de mobilização de
massa. Mais uma vez, as principais manifestações tiveram lugar no Rio. No dia
18, uma passeata promovida pelos estudantes cariocas convergiu para o palácio
da Cultura, antiga sede do Ministério da Educação e Cultura (MEC), no Centro da
cidade, onde foi reprimida pela polícia. Durante a manifestação, foi preso o
líder estudantil Jean Marc van der Weid, acusado de ter incendiado uma viatura
policial. Na tarde do dia seguinte foi realizada uma assembléia geral de
estudantes na reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na
qual foi decidido que se incluiria a libertação dos estudantes detidos em
manifestações anteriores na lista de reivindicações do movimento. Após a
assembléia, mais de trezentos estudantes foram presos por numeroso contingente
policial.
Em
21 de junho, depois de uma concentração em frente ao MEC, os estudantes saíram
em passeata em direção à avenida Presidente Wilson. Pararam em frente à sede da
embaixada norte-americana, sendo recebidos a bala por dois policiais de
plantão. Os estudantes reagiram, quebrando os vidros do prédio a pedradas.
Inicialmente rechaçados pelos manifestantes, os policiais — com seus efetivos
reforçados — voltaram à carga quando a passeata já estava praticamente no fim.
A partir desse momento, desencadeou-se um violento conflito entre tropas de
choque da PM e populares, armados de pedras, tijolos e material de construção.
Durante horas, a avenida Rio Branco transformou-se num verdadeiro campo de
batalha, cercado de nuvens de gás lacrimogêneo. Na praça 15 de Novembro,
viaturas policiais foram queimadas. O confronto só terminou às 20 horas, com um
saldo de 28 mortos, segundo informações dos hospitais — ou três, segundo a
versão oficial —, centenas de feridos, além de mil prisões. O episódio ficou
conhecido como a “Sexta-Feira Sangrenta”.
No dia seguinte, 22 de junho, o conselho universitário da
UFRJ suspendeu as aulas por tempo indeterminado, e o governador da Guanabara,
Francisco Negrão de Lima, antecipou as férias na rede estadual de ensino.
As
lideranças estudantis marcaram uma manifestação de grande envergadura para a
quarta-feira seguinte, dia 26 de junho, que acabou sendo permitida pelas
autoridades depois de superadas as divergências entre o governo federal e o
estadual. A autorização foi em grande parte motivada pela crescente oposição
pública ao comportamento do governo, pelas violentas críticas da imprensa à
repressão policial e pelo anúncio da presença, na passeata, do bispo-auxiliar
do Rio de Janeiro, dom José de Castro Pinto, além de outros religiosos. Assim,
na noite do dia 25, Negrão de Lima compareceu à televisão para anunciar que a
passeata fora autorizada e que a PM não estaria nas ruas. No dia seguinte,
antes do início da manifestação, o general Luís França, secretário de Segurança
da Guanabara, informou que a PM carioca dispunha de dez mil homens prontos para
entrar em ação “caso houvesse baderna”.
Na manhã do dia 26, o Centro do Rio foi tomado por grupos de
estudantes, artistas, intelectuais e outros setores da população, que se
concentraram em diversos pontos da área. A Cinelândia abrigou um elevado número
de estudantes, enquanto artistas de teatro, cinema, música e artes plásticas se
reuniam em frente à loja Mesbla, no Passeio Público.
Pouco
antes das duas horas da tarde, teve início a marcha reunindo cerca de 50
mil pessoas — incluindo numerosos padres e freiras que carregavam cartazes e
faixas com dizeres como “O povo organizado derruba a ditadura” e “Abaixo o
imperialismo” e proferiam lemas do mesmo teor. Munidos de frascos de tinta de
tipo spray, os manifestantes pichavam as ruas do Centro com frases contendo reivindicações
e críticas ao governo. Durante o trajeto, a passeata foi engrossada por grande
número de populares e estudantes. Às 15 horas, quando a passeata já reunia
cerca de cem mil pessoas, o líder estudantil Vladimir Palmeira fez um discurso
em frente à igreja da Candelária. A marcha terminou por volta das 17 horas
diante do palácio Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa carioca, e em suas
três horas de duração não se registraram incidentes.
A
organização e o comando geral da marcha couberam à cúpula estudantil
centralizada em Vladimir Palmeira e assessorada pelos comandos de intelectuais,
de religiosos, de trabalhadores e de mães. Cada categoria contava com um
chefe-geral e era dividida em setores. Por exemplo, os intelectuais — liderados
pelo psicanalista Hélio Pelegrino — dividiam-se em setores de artes plásticas,
cinema, teatro, música e jornalismo, cada um com seu respectivo chefe; o clero
tinha um chefe para os lazaristas, um para os dominicanos, um para os jesuítas
etc. As várias faculdades de uma mesma universidade obedeciam a um superior.
Por sua vez, cada setor dividia-se nos chamados “grupos dos dez”, copiados dos
estudantes franceses.
Convocada como uma forma de protesto contra as mortes, as
prisões e a violência policial, a Passeata dos Cem Mil — como ficou conhecida a
marcha — paralisou o Rio de Janeiro durante quase todo o dia 26 e marcou o
momento de maior amplitude do movimento estudantil brasileiro desde 1964.
A
imprensa carioca deu grande cobertura à manifestação. O jornal Última Hora
ressaltou “a capacidade da própria massa popular de manter a ordem, na ausência
de uma polícia que até então só fizera perturbá-la”, e elogiou “a decisão
política do senhor Negrão de Lima, jogando a sorte do seu governo nesse lance,
quando tantos ainda indicavam o caminho da repressão”. O elogio foi extensivo
ao general Siseno Sarmento, comandante do I Exército, por não ter cedido à
insistência de certos setores “para repetir um show armado na cidade”.
Depois
da Passeata dos Cem Mil, o presidente Costa e Silva mostrou-se propenso a
iniciar um diálogo com os estudantes. Por intermédio de dom Castro Pinto, foi
marcada para 2 de julho, em Brasília, uma audiência entre o presidente e uma
comissão do movimento. A comissão, escolhida em praça pública durante a passeata,
foi formada por Hélio Pelegrino, Irene Papi — representante das mães —, o padre
João Batista Ferreira e dois estudantes, Marcos Medeiros e Franklin Martins.
Suas quatro reivindicações básicas, já apresentadas na manifestação de 26 de
junho, eram as seguintes: libertação dos estudantes presos, reabertura do
restaurante do Calabouço, fim de toda repressão policial e suspensão da censura
às artes. A princípio conciliador — admitiu soltar os presos em troca do fim
das passeatas —, Costa e Silva acabou rejeitando em bloco todos os pedidos da
comissão.
Após a negativa do governo federal em atender às
reivindicações do movimento, foi realizada nova manifestação de protesto no
centro do Rio. Embora de menores proporções, a chamada Passeata dos 50 Mil foi
mais radical em termos políticos do que a anterior, e assinalou o início do
descenso da ação de massas do movimento estudantil.
Em 5 de julho, o clima de tensão reinante entre governo e
estudantes se agravou com a proibição, pelo ministro Gama e Silva, da realização
de qualquer tipo de manifestação em todo o território nacional. A medida foi
ratificada pelo Conselho de Segurança Nacional nos dias 11 e 17 daquele mês.
Em
meados de julho eclodiu nova greve, dessa vez em Osasco, cidade industrial da
Grande São Paulo, criando mais um foco de tensão para o regime militar. Três
mil metalúrgicos paralisaram suas atividades e ocuparam seis fábricas. O
sindicato da categoria foi colocado sob intervenção federal e 60 grevistas
foram presos. Perto de seiscentos operários foram demitidos depois da suspensão
do movimento paredista.
A escalada da repressão
O mês de agosto foi marcado pela intensificação da repressão
policial contra as lideranças estudantis e contra o movimento como um todo.
Vladimir Palmeira foi preso no Rio no dia 2 de agosto, e nos dias que se
seguiram à sua prisão a polícia efetuou cerca de 650 detenções; mais de 14 mil
soldados foram requisitados para manter a ordem no Centro da cidade, onde dois
mil estudantes promoviam demonstrações de protesto. Também houve incidentes em
São Paulo onde, no dia 4, cerca de trezentos estudantes foram presos. No dia
15, o Supremo Tribunal Federal recusou o pedido de habeas-corpus impetrado
pelos advogados de Vladimir Palmeira. No dia 21, a Câmara dos Deputados
rejeitou um projeto de lei que previa a anistia para estudantes e operários
comprometidos nas manifestações. Em 30 de agosto, a Universidade Federal de
Minas Gerais foi fechada após intervenção da polícia. Nesse mesmo dia, a
Universidade de Brasília foi invadida pela PM.
Depois
de um mês de setembro relativamente calmo, no dia 2 de outubro, no centro da
capital paulista, os estudantes da Faculdade de Filosofia da Universidade de
São Paulo entraram em choque com alunos da Universidade Mackenzie, liderados
por elementos do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). O conflito prosseguiu
pelo dia seguinte, quando o secundarista José Guimarães foi morto por uma
rajada de balas vinda do prédio do Mackenzie.
Mas
o acontecimento mais importante do mês de outubro ocorreu sem dúvida no dia 12,
quando o XXX Congresso da UNE, realizado na ilegalidade em Ibiúna (SP), foi
desbaratado pela polícia. Mais de setecentos estudantes foram presos, e entre
eles as principais lideranças do movimento — Vladimir Palmeira (libertado no
Rio pouco antes), José Dirceu, Luís Travassos, Franklin Martins e Jean Marc van
der Weid.
No dia 16, o Conselho de Justiça Militar de São Paulo
condenou Travassos, José Dirceu e Vladimir a vários meses de prisão. Nos dias
seguintes foram promovidas manifestações de protesto em todo o país, sendo
deflagradas greves em Belo Horizonte, Fortaleza e Aracaju e realizadas
passeatas em Florianópolis, Belém, Aracaju e Rio de Janeiro. Em 22 e 23 de
outubro, conhecidos como os “Dias de Protesto”, foram registradas no Rio pelo
menos três mortes, de um estudante e dois operários.
A
repressão ao congresso de Ibiúna marcou o início do refluxo do movimento
estudantil enquanto movimento de massa e a entrada de seus primeiros
integrantes para a clandestinidade. Esse quadro agravou-se ainda mais com a
promulgação, em 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5, que conferiu
contornos mais autoritários e centralizadores ao regime instaurado em março de
1964, e do Decreto-Lei nº 477, em 26 de fevereiro de 1969, que vedou
terminantemente qualquer atividade de cunho político no interior das
universidades.
Sérgio Lamarão
FONTES: CASTELO
BRANCO, C. Militares; Fatos e Fotos (18/4/68); FIECHTER, G. Regime; FLYNN, P.
Brazil; Jornal do Brasil (5/4/68); MELO, J. Revolução; ROMAGNOLI, L. Volta;
Última Hora (27/6/68).