MARINHO,
Abelardo
*rev. 1922; rev. 1924; rev. 1930; const. 1934; dep.
fed. prof. 1935-1937.
Abelardo Marinho de Albuquerque Andrade nasceu em Fortaleza no dia 27 de outubro de 1892, filho do
médico João Marinho de Andrade, que foi deputado federal pelo Ceará de 1897 a
1899, e de Maria Carolina de Albuquerque Andrade.
Iniciou seus estudos no Liceu do Ceará, em Fortaleza,
matriculando-se em 1910 na Faculdade de Medicina da Bahia, da qual se transferiu
em 1913 para a Faculdade de Medicina do Rio Grande do Sul, onde colou grau em
27 de dezembro de 1915.
Suas atividades políticas tiveram início em 1912, quando
participou da campanha pela eleição do tenente-coronel Marcos Franco Rabelo,
candidato de oposição à presidência do Ceará. O presidente em exercício,
Antônio Pinto Nogueira Acióli, apoiava o desembargador José Domingues Carneiro,
mas foi deposto por representantes da oposição ainda em janeiro de 1912, após
um tiroteio contra o palácio do governo. Eleito em 11 de abril, Franco Rabelo
tomou posse na presidência do estado em 14 de julho. Esse fato daria origem, em
dezembro de 1913, à rebelião encabeçada pelo padre Cícero Romão Batista,
movimento que promoveu a ocupação de Fortaleza e de parte do estado por
multidões de populares que apoiavam a restauração de Acióli. Em março de 1914,
porém, o padre Cícero retornou com seus adeptos a seu reduto de Juazeiro do
Norte (CE), pondo fim ao levante.
Em
1918, Abelardo Marinho tornou-se inspetor sanitário do Departamento Nacional de
Saúde Pública e, quando das eleições para a presidência de seu estado em 1920,
apoiou a candidatura de Justiniano Serpa, do Partido Democrático, participando
da campanha desenvolvida por esse partido em favor da reforma da Constituição
estadual. Justiniano Serpa derrotou nas eleições o candidato do Partido
Conservador, Belisário Távora, garantindo a implementação das medidas propostas
por aquela reforma, consubstanciadas na Constituição estadual promulgada em 4
de novembro de 1921. Entre outros pontos, a nova Carta vedava a reeleição para
a presidência do estado e instituía eleições para as prefeituras dos
municípios.
Abelardo
Marinho tomaria parte nas conspirações tenentistas desencadeadas a partir de
1922, incluindo-se aí as articulações que promoveram a Revolta de 5 de Julho de
1922, no Rio de Janeiro, envolvendo efetivos do forte de Copacabana, da Escola
Militar e da Vila Militar; e a Revolta de 5 de Julho de 1924, em São Paulo,
onde os rebeldes chegaram a ocupar a capital por três semanas. Logo após a
Revolta de 1924, novas conspirações foram articuladas na então capital federal,
desenvolvendo Abelardo Marinho intensas atividades relativas ao aliciamento de
revoltosos e à obtenção de recursos materiais para um novo levante, marcado para
o dia 2 de maio de 1925. Nessa data, um grupo de oficiais atacou o quartel do
3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, e tentou sublevar a tropa, sendo
porém derrotado. Ainda nesse mesmo ano, Abelardo Marinho foi preso, alcançando
a liberdade em 1926. Nos três anos que se seguiram, reintegrado aos quadros do
Departamento Nacional de Saúde Pública, teve relevante atuação na campanha
contra a febre amarela.
Participação na Revolução de 1930
Abelardo Marinho desempenhou papel de destaque na Revolução
de 1930, atuando no Rio de Janeiro. Participou da tomada do forte de
Copacabana, em 24 de outubro, quando a alta cúpula do Exército depôs o
presidente Washington Luís e instituiu uma junta governativa provisória,
passando a dominar a capital do país.
Em
junho de 1931, passou a integrar as fileiras do Clube 3 de Outubro, organização
de cunho tenentista criada no mês anterior com o objetivo de defender e
aprofundar o programa da Revolução de 1930. Nessa ocasião, pronunciou-se pelo
“prolongamento da ditadura para realizar a ideologia dos dois 5 de julho,
anular os políticos profissionais e os medalhões e destruir os antigos vícios e
práticas administrativas”. Em sua opinião os cargos políticos deveriam ser
delegados aos “técnicos honestos, preferindo-se, dentre estes, os
revolucionários moços”. No decorrer da campanha pela reconstitucionalização
imediata do país, que começou a ganhar corpo em fins de 1931, colocou-se ao
lado dos elementos mais radicais do tenentismo, a favor da permanência do
Governo Provisório encabeçado por Vargas.
Após
a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932 em 2 de outubro desse ano, a
luta em favor da volta ao regime constitucional não esmoreceu e, em 26 de
outubro, o governo organizou uma comissão para elaborar o anteprojeto de
constituição, estabelecendo o dia 3 de maio de 1933 como a data das eleições
para a Assembléia Nacional Constituinte. Abelardo Marinho tornou-se um dos
líderes da campanha em favor da introdução da representação profissional na
Constituinte, idéia que foi defendida pelos partidos identificados com os
princípios da Revolução de 1930 e que acabaria por ser incorporada ao Código
Eleitoral.
Em
outubro de 1932, juntamente com Valdemar Falcão, Herculino Cascardo e Estênio
Caio de Albuquerque Lima, Abelardo Marinho elaborou a proposta governamental
consubstanciada no anteprojeto da Lei de Sindicalização e Representação
Política das Classes. Este anteprojeto defendia o sindicato único, com uma
organização simétrica para empregados e empregadores, a subordinação das
entidades sindicais ao Ministério do Trabalho e o seu enquadramento numa ordem
corporativa, através da eleição de seus delegados para os conselhos técnicos e
as assembléias legislativas.
Em 1933, escolhido representante dos profissionais liberais,
tornou-se deputado federal constituinte, ao lado de Ranulfo Pinheiro Lima e
Levi Carneiro. Às vésperas da instalação da Constituinte, foi um dos
articuladores do movimento contra a eleição de Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada para a presidência da Assembléia, por ser este contrário à
representação profissional, propondo a candidatura alternativa do general
Cristóvão Barcelos, simpático aos “tenentes”. Entretanto, Antônio Carlos foi
eleito a 12 de novembro, enquanto o general obtinha a vice-presidência. Os
deputados classistas decidiram dar seu apoio ao eleito, já que o Partido
Progressista de Minas Gerais modificara sua posição contrária ao princípio da
representação profissional.
Na Constituinte
Assumindo
a liderança da representação classista na Constituinte, Abelardo Marinho foi um
dos mais ativos defensores do programa tenentista durante os trabalhos,
abordando sobretudo as questões da sindicalização e da representação
profissional nos órgãos do governo. Na sessão de 24 de fevereiro de 1934,
denunciou a “falência do sistema representativo no Brasil”, sustentando ser
“preciso desviar da rotina secular, dos hábitos inveterados a massa votante. É
preciso dispor, sob feição acentuada, nova, as unidades constitutivas do
eleitorado. É preciso criar para os cidadãos condições que lhes permitam
conhecer seus verdadeiros interesses; pleitear diretamente a justa satisfação
dos mesmos; e ter consciência do seu próprio valor e da sua própria força”.
Defendia, assim, a representação profissional como a forma
mais eficiente de promover “o saneamento da mentalidade e dos costumes
eleitorais vigentes no Brasil”; propunha a adoção do “sufrágio corporativo ou
profissionalista ao lado do sufrágio universal”, a representação corporativa a
par da representação política. A questão da representação profissional estaria
intimamente vinculada à da sindicalização, já que aquela representação se
deveria basear na prévia “organização profissional”, sendo a “organização das
profissões” a base do “sufrágio profissionalista”. Por outro lado, a implementação
do “sufrágio profissionalista” estimularia “a organização das classes na
base profissional”. Nesse sentido, apresentou uma série de emendas, todas
datadas de 13 de abril e versando não apenas sobre os problemas da
representação profissional, mas também sobre a organização sindical.
A proposta da representação profissional nas assembléias
legislativas e nos conselhos técnicos foi aprovada na Constituinte. Quanto à
questão da organização sindical, a proposta do sindicato único subordinado ao
Ministério do Trabalho, também defendida pelas correntes ligadas aos “tenentes”
e particularmente por Abelardo Marinho, não foi aprovada. O artigo 120 da nova
Carta estipularia a pluralidade e a autonomia dos sindicatos. Entretanto, dois
dias antes da promulgação da Constituição de 1934, o Decreto nº 26.624, de 14
de julho de 1934, reintroduziria medidas que assegurariam a supervisão das
entidades sindicais pelo Ministério do Trabalho.
Nos meses de janeiro a março de 1934, Abelardo Marinho teve
ainda importante participação no movimento desenvolvido em torno da proposta de
inversão da ordem dos trabalhos da Assembléia. Tal proposta — que defendia a
eleição do presidente da República antes da promulgação da Constituição e cujo
objetivo era assegurar a permanência de Getúlio Vargas no poder —, foi
apresentada pelo líder da maioria, Antônio Garcia de Medeiros Neto, tornando-se
conhecida como a Indicação Medeiros Neto. Após várias articulações políticas,
entretanto, encontrou-se uma solução conciliatória, a Fórmula Simões Lopes, que
acabou sendo aceita, garantindo assim a aprovação da Carta antes da eleição
presidencial.
Abelardo Marinho participou de uma reunião coordenada pelo
ministro Juarez Távora, realizada em 7 de maio, durante a qual foram discutidos
os pontos do primeiro capítulo do projeto constitucional apresentado pela
Comissão Constitucional, e foram propostas algumas modificações. Tomou parte
ainda nos debates que decidiram pela não transformação da Assembléia
Constituinte em Câmara Legislativa Ordinária. Encerrados os trabalhos da
Assembléia, a nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934 e Getúlio
Vargas foi eleito presidente da República no dia seguinte.
Estado Novo
Abelardo
Marinho foi reeleito representante dos profissionais liberais para a
legislatura ordinária iniciada em 3 de maio de 1935. Em 26 de maio de 1937,
participou da convenção nacional para o lançamento da candidatura oficiosa de
José Américo de Almeida às eleições para a presidência da República previstas
para janeiro de 1938. Às vésperas da decretação do Estado Novo, promoveu uma
reunião na casa de seu amigo Eudoro Oliveira, à qual levou José Américo. Dessa
reunião participou também Otávio Mangabeira, um dos líderes da candidatura
oposicionista de Armando de Sales Oliveira. Mangabeira foi o portador de um
manifesto que, aprovado pelos presentes e lido no dia seguinte na Câmara dos
Deputados e no Senado, confirmava a oposição de seus signatários ao golpe de
Estado iminente.
Após
o fechamento do Congresso Nacional em virtude da instauração do Estado Novo, em
10 de novembro de 1937, Abelardo Marinho voltou a exercer a medicina,
tornando-se em 1940 membro do Conselho Nacional do Trabalho. Já no período
constitucional, foi nomeado em 1954 diretor do Departamento Nacional de Saúde —
cargo no qual permaneceria até 1956 — e presidente do Conselho Nacional de
Serviço Social — função que exerceu de 1957 a 1960 e de janeiro a julho de
1964.
Membro do Sindicato Médico Brasileiro, do Sindicato dos
Técnicos de Higiene e Saúde Pública e da Sociedade Brasileira de Higiene,
deixou várias obras no campo da saúde pública, entre as quais se destaca A
sorodiagnose do câncer, pela reação de Abderhalden, que lhe valeu a medalha de
ouro pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Faleceu no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1968.
Vilma Keller
FONTES:
ALBUQUERQUE, J. Cearenses no Rio; ALBUQUERQUE, J. Cearenses no Rio e em SP;
ARQ. CLUBE 3 DE OUTUBRO; ARQ. GETÚLIO VARGAS; ASSEMB. NAC. CONST. 1934. Anais
(1); Boletim Min. Trab. (5/36); CÂM. DEP. Deputados; Câm Dep. seus componentes;
CONSULT. MAGALHÃES, B.; Diário de Notícias, Rio (26/5/37); Diário do Congresso
Nacional; GIRÃO, R. Ceará; GODINHO, V. Constituintes; SANTOS, J. Cearense;
SILVA, H. 1922; SILVA, H. 1937.