BARROS,
Ademar de
*rev. 1932; interv. SP
1938-1941; gov. SP 1947-1951; cand. pres. Rep. 1955; pref. São Paulo
1957-1961; cand. pres. Rep. 1960; gov. SP 1963-1966.
Ademar Pereira de Barros
nasceu em Piracicaba (SP) no dia 22 de abril de 1901, filho de Antônio Emídio
de Barros, grande proprietário de terras em São Manuel (SP), e de Elisa Pereira de Barros, também pertencente à oligarquia cafeeira. Seus
irmãos Antônio Emídio de Barros Filho e Geraldo Pereira de Barros exerceram
atividades políticas. O primeiro foi suplente do senador paulista Lino de Matos
na legislatura iniciada em 1956 e o segundo foi deputado federal de 1963 a 1967, ambos eleitos pelo Partido Social Progressista (PSP).
Depois de completar o curso secundário no Ginásio
Anglo-Brasileiro, na capital paulista, Ademar ingressou na Faculdade de
Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, no então Distrito Federal, pela
qual se formou em 1923. Viajou em seguida para a Alemanha, onde cursou durante
quatro anos a Universidade Popular de Berlim. Na viagem de volta ao Brasil,
conheceu sua futura esposa Leonor, filha de Otávio Mendes, renomado professor
da Faculdade de Direito de São Paulo.
Fixando-se no Rio de Janeiro, trabalhou no Instituto Osvaldo
Cruz até a eclosão da Revolução Constitucionalista de São Paulo em julho de
1932, quando se engajou como médico nas fileiras revolucionárias. Recebeu a
patente de capitão e foi designado para servir na região de Lorena e Aparecida,
em São Paulo, onde permaneceu até a derrota do movimento no início de outubro
seguinte. Exilado inicialmente no Paraguai e, depois, na Argentina, estreitou
relações com líderes da Revolução de 1932 e se ligou ao grupo do coronel
Euclides Figueiredo, que procurava, sem sucesso, rearticular o movimento armado
contra o Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas.
De volta ao Brasil, Ademar ingressou no Partido Republicano
Paulista (PRP), sendo indicado por Ataliba Leonel para concorrer pelo 5º
Distrito Eleitoral, com sede em Botucatu, às eleições de outubro de 1934 para a
Assembléia Constituinte do estado de São Paulo. Seu nome enfrentou sérias
resistências por parte de grupos adversários da família Barros em São Manuel e de elementos de maior tradição no partido, que também ambicionavam esta
indicação. O próprio bispo de Botucatu, dom Carlos Duarte Pereira, tentou
impugnar sua candidatura, mas não obteve êxito em virtude do apoio a Ademar
prestado pela Congregação Mariana local e pelos Capacetes de Aço, organização
formada por elementos remanescentes do movimento de 1932 e presidida por
Juvenal Rodrigues de Morais.
Eleito, participou em 1935 da elaboração da Constituição de
São Paulo e permaneceu na Câmara Estadual durante a legislatura ordinária
subseqüente. Adotou nesse período uma posição agressiva contra Vargas e Armando
de Sales Oliveira, líder do Partido Constitucionalista, interventor federal em São Paulo de 1933 a 1935 e governador até 1936, quando se desligou do Executivo estadual para
dedicar-se à articulação da sua candidatura para a presidência da República nas
eleições previstas para janeiro de 1938.
A campanha de Armando Sales, com ligações e alianças em
escala nacional, representava uma ameaça de revigoramento dos forças que em
1932 haviam combatido Vargas de armas na mão. O governo federal apoiava
discretamente a candidatura de José Américo de Almeida, que contava com a
simpatia do PRP. Na condição de presidente do diretório desse partido no bairro
da Liberdade, na capital paulista, Ademar de Barros engajou-se ativamente na
campanha de José Américo. Entretanto, em 10 de novembro de 1937 um golpe
militar chefiado pelo próprio presidente Vargas implantou o Estado Novo,
cancelando as eleições e suprimindo os partidos políticos e os órgãos legislativos
do país. Ademar perdeu então seu mandato de deputado estadual.
Na interventoria de São Paulo
Com o advento do Estado Novo, os estados voltaram a ser
governados por interventores federais nomeados pelo presidente da República.
Com a prisão e o exílio dos principais líderes do Partido Constitucionalista, o
chefe do governo paulista, José Joaquim Cardoso de Melo Neto, perdeu sua
principal base de sustentação no estado. Apesar de sua adesão ao novo regime,
membros do extinto PRP passaram a pressionar Vargas para nomear um interventor
saído dos quadros desse partido.
Vargas decidiu atender a essa reivindicação, mas, ao mesmo
tempo, buscou um nome capaz de impedir o fortalecimento da corrente perrepista,
de modo a facilitar o controle federal sobre o estado e neutralizar a força das
correntes políticas tradicionais. Para surpresa geral, sua escolha recaiu sobre
Ademar de Barros que, apesar de possuir pouca projeção dentro do antigo PRP, se
empenhava pessoalmente em obter o cargo através de Filinto Müller, homem de
confiança de Vargas e chefe de polícia do Distrito Federal. Em 25 de abril de
1938, Cardoso de Melo Neto passou o governo ao general Francisco José da Silva
Júnior, que dois dias depois deu posse a Ademar.
O secretariado do novo governo paulista foi formado com os
ex-membros do PRP: César Lacerda de Vergueiro (Justiça), Antônio Sales Júnior
(Fazenda), Mariano Wendel (Agricultura), Guilherme Winter (Viação e Obras
Públicas) e o tenente-coronel Dulcídio do Espírito Santo Cardoso (Segurança),
além de Augusto Meireles dos Reis Filho (Educação), sem filiação partidária
anterior. A prefeitura da capital coube a Francisco Prestes Maia. Mesmo assim,
logo surgiram conflitos entre as lideranças tradicionais do PRP e o novo
interventor, que passou a construir sua própria máquina política em lugar de
prestigiar as correntes estabelecidas. Com esse objetivo, Ademar demitiu todos
os prefeitos do estado, nomeando para seus lugares elementos jovens, muitos dos
quais sem qualquer ligação com o PRP e, às vezes, vinculados a grupos rivais a
esse partido. Ao mesmo tempo, impôs um estilo dinâmico de administração,
realizando obras públicas de grande porte, como a eletrificação da Estrada de
Ferro Sorocabana e a construção das rodovias Anhangüera e Anchieta, esta última
de proporções gigantescas para a época. Realizou também várias obras de impacto
na área da saúde, dando início à construção do Hospital das Clínicas e de
numerosos sanatórios para tuberculosos.
A administração do prefeito Prestes Maia na capital foi
responsável por notável obra de remodelação urbana, com a abertura de novas
avenidas, a construção do estádio do Pacaembu e a retificação do curso do rio
Tietê, que permitiu aproveitar 17km2 de
terras de várzea para construir avenidas marginais e outras obras públicas.
A assistência ao interior também foi dinamizada através do
Departamento das Municipalidades, órgão diretamente subordinado ao interventor,
que abriu créditos especiais para obras de saneamento e implantou um sistema de
financiamento mais flexível para as prefeituras, com menores taxas de juro. As
obras realizadas com o apoio do governo eram sistematicamente inauguradas com
festividades em que Ademar entrava em contato direto com a população local, o
que contribuiu para afirmar sua imagem de administrador ousado e político
atento aos problemas do povo humilde. Essa imagem foi cuidadosamente alimentada
através da utilização da máquina administrativa do estado, dos prefeitos
nomeados e de uma ativa política de propaganda que chegou a utilizar o cinema,
como na série de documentários intitulada O bandeirante na tela. Além
disso, todas as noites, às 19 horas, o interventor fazia pelo rádio a “Palestra
ao pé do fogo” destinada especialmente ao povo do interior. Segundo Mário Beni,
Ademar “tinha aquela conversa de caboclo franco. Não era discurso inflamado,
não... falava errado até”.
Sempre
procurando manter um bom relacionamento com o empresariado, Ademar criou em
1938 o Conselho de Expansão Econômica, voltado para formular propostas de
política econômica e transmitir ao Conselho Federal de Comércio Exterior as
sugestões de São Paulo.O próprio interventor assumiu a presidência desse órgão,
integrado por representantes de importantes instituições econômicas, como
Roberto Simonsen (pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo),
Osvaldo Magalhães (pela Associação Comercial), Plínio de Oliveira Adams (pela
Sociedade Rural Brasileira), Heitor Penteado (pelo banco do estado e outros
bancos), Alberto Whately (pelo Instituto de Engenharia) e outros. “Assim”,
discursava Ademar nessa época, “estão as classes conservadoras legislando para
si mesmas e a elas reconhecemos dever inestimável colaboração, traduzida pelo
próprio esforço na restauração de nossas atividades produtivas.”
As
resistências das lideranças políticas tradicionais ao crescimento da força de
Ademar provocaram sucessivos atritos e constantes modificações na composição do
secretariado de governo. Outro foco de descontentamento era formado por antigos
integrantes dos partidos Democrático (PD) e Constitucionalista, que formavam
uma ala liberal de oposição ao Estado Novo e consideravam o interventor como um
fantoche a serviço de Vargas. Em 1940, Francisco Morato, ex-presidente do PD,
organizou comemorações relativas ao centenário do nascimento do conselheiro
Antônio Prado, fundador desse partido. Através do jornal Correio Paulistano,
a assessoria de imprensa de Ademar de Barros acusou os promotores do evento
de tentarem formar um novo MMDC, organização que exercera importante papel na
Revolução Constitucionalista de 1932. Em seguida, o governo realizou inúmeras
prisões e acusou o jornal O Estado de S. Paulo de envolvimento na
conspiração contra o regime, provocando a intervenção federal que atingiu esse
órgão entre abril de 1940 e dezembro de 1945.
Em 1941, Ademar foi alvo de uma forte campanha deflagrada por
Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (amigo pessoal de Vargas), Coriolano
de Góis (ex-secretário da Fazenda de seu governo) e membros do Departamento
Administrativo do Estado de São Paulo (DAESP), órgão vinculado ao governo
federal e incumbido de controlar a administração estadual. Coriolano de Góis
apresentou a Vargas um farto dossiê, que foi reforçado em seguida pela
publicação do livro A administração calamitosa do sr. Ademar de Barros em São Paulo, de João Ramalho — segundo versões
correntes na época, pseudônimo de Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. As
acusações eram de natureza diversa, tratando do caráter perdulário da
administração estadual, desvios de dinheiro público, negociatas com firmas
privadas durante a realização de obras públicas, prática do jogo ilícito,
ligações com organizações subversivas vinculadas aos comunistas e relações com
grupos integralistas, que teriam informado previamente Ademar sobre a intentona
de 1938. Até seus discursos anti-getulistas na Câmara Estadual de São Paulo em
meados da década de 1930 foram lembrados. Em conseqüência, em 4 de junho de
1941 Vargas nomeou seu ministro da Agricultura, Fernando Costa, para substituir
Ademar de Barros na interventoria de São Paulo, mas não permitiu o
prosseguimento do inquérito instaurado pelo novo governo paulista sobre aquelas
irregularidades.
Ademar retornou à atividade política ostensiva durante a
reorganização dos partidos com vistas às eleições convocadas por Vargas em
1945. Ingressou inicialmente na União Democrática Nacional (UDN), que agregava
a oposição liberal ao Estado Novo, mas encontrou sérias resistências a seu nome
nesse partido, principalmente da parte de antigos integrantes do PD e do
Partido Constitucionalista. Valdemar Fernandes, João Sampaio e outros
utilizaram todos os recursos para impedir a participação do grupo ademarista no
primeiro congresso da UDN, mas não obtiveram êxito em virtude da intervenção de
Pedro Aleixo, Virgílio de Melo Franco e José Américo de Almeida, da direção
nacional, favoráveis ao ingresso do antigo interventor. Assim, enquanto Ademar
comparecia ao congresso nacional da UDN, o diretório paulista dessa agremiação
prosseguia tentando marginalizar o grupo sob sua liderança. Essa disputa ficou
patente quando, durante a campanha eleitoral, Ademar foi impedido de encontrar em São Paulo o candidato udenista à presidência da República, o brigadeiro Eduardo Gomes.
A fundação do Partido Social Progressista
Segundo Mário Beni, Ademar percebeu que nem a UDN nem o
Partido Social Democrático (PSD) lhe dariam legenda para concorrer ao governo
de São Paulo. “Diante desse risco”, escreveu Beni, “um grupo de companheiros
fiéis lhe sugeriu que fundássemos a nossa própria agremiação. Era justamente o
que ele queria..., mas desejava antes auscultar a disposição dos que o
serviam.” Nasceu assim a proposta de criação do Partido Republicano
Progressista (PRP), idéia logo encampada pelos coronéis Asdrúbal Cunha (mais
tarde prefeito da capital, deputado e presidente da Assembléia Legislativa) e
Nélson de Aquino (mais tarde secretário de Segurança Pública e presidente do
banco do estado), Mário Beni (mais tarde deputado e secretário da Fazenda),
Erlindo Salzano (mais tarde vice-governador), Paulo Lauro (mais tarde prefeito
da capital e deputado), Alkinder Junqueira e João Batista Gomes Ferraz (mais
tarde secretários do governo paulista).
Em
setembro de 1945 foram lançados o programa e o manifesto do novo partido,
começando em seguida a campanha pela obtenção do número necessário de filiações
previsto pelo Código Eleitoral. A legalização, entretanto, só ocorreu depois de
Ademar de Barros unir seus esforços com João Café Filho, que também vinha
encontrando dificuldades para registrar seu partido, cuja principal base estava
no Rio Grande do Norte. A queda do Estado Novo em 29 de outubro de 1945 em nada
alterou esse processo, pois o calendário eleitoral foi mantido. Superado o
obstáculo do registro legal, o PRP pôde apresentar chapas para as eleições à
Assembléia Nacional Constituinte, realizadas em 2 de dezembro desse ano, mas só
conseguiu eleger Café Filho, pelo Rio Grande do Norte, e Romeu de Campos
Vergal, por São Paulo. No pleito presidencial, realizado na mesma data, o
partido apoiou a candidatura do udenista Eduardo Gomes, derrotado por Eurico
Dutra, do PSD.
No
ano seguinte, o PRP se fundiu com dois pequenos partidos paulistas, o Popular
Sindicalista (PPS), liderado por Miguel Reale e José Adriano Marrey Júnior, e o
Agrário Nacional (PAN), chefiado por Mário Rolim Teles. Ambos haviam obtido
resultados inexpressivos nas eleições de dezembro de 1945. Dessa fusão nasceu o
Partido Social Progressista (PSP), cujo programa defendia o fortalecimento do
Legislativo em relação ao Executivo, pregava a ação conjunta do Estado com as
empresas privadas como melhor caminho para realizar a justiça social e
ressaltava sua oposição ao socialismo. Ademar de Barros foi escolhido
presidente do PSP e lançado em seguida candidato às eleições de 19 de janeiro
de 1947 para o governo paulista.
O PSD lançou o nome de Mário Tavares para concorrer a esse
cargo, confiando na sua condição de principal força político-eleitoral do país
e nos 46% de votos que recebera em São Paulo em 1945. A UDN, que obtivera a preferência de 20% do eleitorado estadual nesse ano, apresentou Antônio
de Almeida Prado, enquanto o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), detentor de
17% dos votos paulistas em 1945, escolheu inicialmente Hugo Borghi, que não
conseguiu o apoio da direção nacional do partido, inclusive de Vargas, e
terminou expulso em meio a uma grave crise interna na seção estadual do PTB.
Borghi continuou disputando o governo na legenda do Partido Trabalhista
Nacional (PTN), enquanto o PTB passava a apoiar informalmente Ademar.
Procurando
ampliar sua base popular, o candidato do PSP se aproximou também do Partido
Comunista Brasileiro — então Partido Comunista do Brasil (PCB) — que, atuando
na legalidade depois de muitos anos, recebera 11% dos votos paulistas em 1945.
Em troca do apoio do PCB, Ademar se comprometeu a defender a Constituição e a
existência legal de todos os partidos, além de tomar medidas contra o aumento
do custo de vida. Por outro lado, o PCB, precavendo-se contra as manobras que
estavam sendo articuladas para cassar seu registro legal, indicou nomes para
compor a chapa do PSP às eleições complementares para o Senado e a Câmara,
assim organizadas: Euclides Vieira e Cândido Portinari para o Senado, e Antônio
Roberto Maués, Franklin de Almeida, Moacir de Freitas, Olinto Pinto Mendonça,
Diógenes de Arruda Câmara e Pedro Pomar para a Câmara Federal. Os dois últimos,
militantes do PCB, foram eleitos junto com Franklin de Almeida, cabendo a
Euclides Vieira a cadeira no Senado.
Ademar de Barrros foi eleito em janeiro de 1947 governador de
São Paulo, com 393.637 votos, ficando Hugo Borghi em segundo lugar com 340.502
votos, Mário Tavares em terceiro com 289.575 e Almeida Prado em último, com
93.169. O apoio do PCB, portanto, foi decisivo para a sua vitória. O
crescimento de seu prestígio ficou patente também pelo bom desempenho do
PSP, que conquistou nove das 75 cadeiras da Assembléia Constituinte estadual,
número igual ao da UDN. O PCB elegeu 11 deputados estaduais, o PTB 14 e o PSD
continuou em primeiro lugar com 26.
No governo de São Paulo: 1947-1951
Com
a divulgação dos resultados eleitorais, pessedistas e udenistas de São Paulo
começaram a se movimentar para impedir a posse do novo governador. Com esse
objetivo, vários recursos foram impetrados na Justiça Eleitoral, sustentando
que os registros do PSP e de seu candidato haviam sido ilegais e que houvera
irregularidades nas apurações. Além disso, a aliança com o PCB também foi
objeto de grande exploração, bem como um processo instaurado contra Ademar em
1941 e ainda em andamento na Justiça Federal, referente ao emprego irregular de
verbas secretas da polícia.
Para atenuar essas pressões, Ademar buscou um acordo com o
PSD, inclusive abrindo seu secretariado às forças que o atacavam. Segundo
Benedito Costa Neto, ministro da Justiça de Dutra, o governador eleito se
comprometeu a apoiar sua posição no governo federal e ingressar no PSD durante
a convenção que esse partido realizaria em junho de 1947. Com a aceitação desse
acordo, o PSD arrefeceu a campanha e Ademar pôde tomar posse em 14 de março de
1947, nomeando o pessedista Luís Gonzaga Noveli Júnior para a Secretaria de Educação
e o petebista Cássio Ciampolini para a Secretaria do Trabalho. A UDN se recusou
a colaborar com o novo governo, o que levou à formação de uma dissidência
chefiada por Paulo Nogueira Filho. Intitulada Ação Popular Renovadora, essa
facção rompeu com o partido em junho de 1947 e ingressou em seguida no PSP,
levando vários prefeitos e vereadores.
Uma das primeiras medidas de Ademar no governo paulista foi a
substituição de todos os prefeitos nomeados por seu antecessor, o interventor
José Carlos de Macedo Soares. Mais uma vez, o fortalecimento da máquina
partidária ademarista encontrou resistências e oposição por parte das forças
políticas estabelecidas — nesse caso, principalmente a UDN e o PSD —, levando
Noveli Júnior a se demitir rapidamente da Secretaria de Educação. Aquelas duas
agremiações, o Partido de Representação Popular (PRP) e o grupo borghista,
formaram um bloco de oposição ao governador na Assembléia Constituinte
estadual, ao mesmo tempo que o deputado federal pessedista Edgar Batista Pereira encabeçava na Câmara violentos ataques contra Ademar. Estava em curso nessa
época a movimentação para o cancelamento do registro do PCB e isso fazia com
que a aliança eleitoral de Ademar com os comunistas fosse intensamente
explorada por seus adversários, que chegaram a sugerir alguma participação do
governador na fracassada revolta de novembro de 1935.
A situação se agravou depois do pronunciamento do deputado
federal gaúcho José Antônio Flores da Cunha, da UDN, sobre uma possível
intervenção federal em São Paulo. Ao mesmo tempo, as forças paulistas de
oposição tentaram substituir o anteprojeto constitucional do estado, já
aprovado, por um outro projeto de constituição provisória que continha
disposições destinadas a facilitar o pedido de impedimento do governador pela
Assembléia Legislativa. Entretanto, essa proposta foi derrotada pela aliança
das bancadas do PSP, PTB, PCB, Partido Democrata Cristão (PDC) e Partido
Republicano (PR), que contaram ainda com a adesão de alguns deputados
dissidentes da UDN e do PSD.
Em
7 de maio de 1947, o registro legal do PCB foi cancelado pela Justiça
Eleitoral. Rompendo os compromissos anteriores, Ademar se manteve neutro nessa
questão, o que intensificou a oposição a seu governo a partir da esquerda. Os
conflitos se aguçaram com a aproximação da eleição direta para o cargo de
vice-governador, prevista para 9 de novembro de 1947. Pretendendo paralisar a
campanha intervencionista, Ademar apoiou a candidatura de Noveli Júnior,
procurando assim reconstruir a aliança com o PSD. Este partido se dividiu, pois
sua comissão executiva estadual não aderiu à proposta do governador e lançou o
nome de Carlos Cirilo Júnior, que obteve o apoio do PTB e do PCB, já na
ilegalidade. A UDN, por sua vez, lançou Plínio Barreto.
Diante do clima de grande violência instaurado na campanha,
com sucessivos “quebra-quebras” e até mesmo um ataque à prefeitura da capital,
Ademar ameaçou recorrer ao Exército. Realizado o pleito, Noveli Júnior foi
vitorioso, mas, contrariando as expectativas do governador, ocorreu um
revigoramento da campanha intervencionista, pois os pessedistas — aliados à UDN
e ao PTB — vislumbraram a possibilidade de conquistar o controle do estado com
o afastamento de Ademar. Mesmo assim, o governador obteve uma importante
vitória nas eleições municipais, realizadas também em 9 de novembro de 1947,
quando o PSP elegeu sozinho 27% dos prefeitos, mais do que qualquer outro partido.
Em
março de 1948, ocorreu nova crise no governo paulista, com o rompimento entre
Noveli Júnior e Ademar e o afastamento de Hugo Borghi da Secretaria da
Agricultura. O motivo, largamente explorado pelas forças oposicionistas, foi a
idéia de Borghi de reunir cerca de 1.500 lavradores eleitos em todos os
municípios do estado para discutir questões de crédito, técnicas agrícolas,
sindicalização do trabalhador rural etc. As pressões então dirigidas contra
esse projeto foram encampadas pelo vice-governador, levando à suspensão do
encontro e à demissão do secretário da Agricultura.
Diante dessa posição assumida por Noveli Júnior, as duas alas
do PSD paulista se reconciliaram e, com o apoio da UDN, PTB, PR e PRP,
retomaram as investidas contra Ademar, acusado de corrupção, negociatas,
concorrências fraudulentas, exploração do jogo do bicho etc. Em abril de 1948, a mesa provisória da Assembléia Legislativa encaminhou ao presidente Dutra um ofício assinado
por líderes do PSD, UDN, PTB e PR, solicitando providências dos poderes
federais contra o governador paulista, já que o Legislativo estadual não
contava com meios de efetivá-las. Ao mesmo tempo, deputados estaduais e
federais de São Paulo assinaram um manifesto a favor da intervenção federal com
base no inciso I do artigo 7ª da Constituição brasileira, que previa esse
recurso nos casos de ameaça à integridade nacional. Esse documento era seguido
de um relato sobre a situação financeira do estado, que consideravam
deplorável.
Mas
Ademar também agia para neutralizar essas pressões, contando para isso com
alguns aliados importantes. A direção nacional da UDN e o governador de Minas,
Mílton Campos, eram contrários à posição de seus correligionários paulistas, o
mesmo ocorrendo com figuras de destaque do PSD, incluindo Adroaldo Mesquita da
Costa, ministro da Justiça. Buscando ampliar suas bases de apoio, Ademar voltou
a fazer concessões aos comunistas, libertando presos, garantindo liberdade de
circulação para a imprensa do partido e levando a bancada federal do PSP a
votar contra a cassação dos mandatos dos parlamentares eleitos na legenda do
PCB. Entretanto, modificou rapidamente essa política depois de negociar com o
ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa, que se comprometeu a
não apoiar a intervenção federal em troca de medidas repressivas contra o PCB,
que, havia pouco tempo, lançara violento manifesto a favor da continuação do
governo de Ademar.
De posse dos documentos da oposição paulista, o presidente
Dutra se posicionou contra a intervenção e encaminhou o manifesto dos deputados
ao ministro da Justiça, que indicou a formalização de uma denúncia à Justiça
Comum ou a ação da Assembléia Legislativa como caminhos para os opositores de
Ademar.
Em
junho de 1948, as forças favoráveis à intervenção recorreram novamente aos
poderes federais, encaminhando ao ministro da Fazenda, Pedro Luís Correia e
Castro, relatório contendo críticas e acusações à administração das finanças
públicas de São Paulo. O ministro enviou esse documento ao Senado, que em fins
de julho aprovou os pareceres das comissões de Justiça e de Finanças,
contrários à intervenção.
A
administração de Ademar se caracterizou pela realização de grandes obras
públicas. Criou o Plano da Casa Própria Popular, elaborou um plano de água e
esgoto para a capital, realizou obras em redes de água no interior, construiu o
emissário de Tamanduateí, concluiu as obras do Hospital das Clínicas e das vias
Anhangüera e Anchieta, aumentou o número de escolas industriais no interior,
criou o Conselho Estadual de Energia Elétrica e a Comissão de Assistência
Técnica à Lavoura, e ampliou a Escola de Agronomia Luís de Queirós, em Piracicaba. A ampliação dos serviços prestados pelo estado provocou um déficit considerável
nas finanças oficiais. Para enfrentar essa dificuldade, o governo emitiu grande
número de títulos que passaram a funcionar como verdadeira moeda auxiliar,
sendo amplamente utilizados como meio de pagamento. Mesmo assim, a situação
financeira do governo tornou-se extremamente crítica, pois o dispositivo legal
que limitava a emissão de títulos em, no máximo, 25% da receita estadual não
foi cumprido.
Apesar dessas dificuldades, Ademar conseguiu recuperar sua
força política a partir de julho de 1948, superando a campanha
intervencionista. A repressão que se abateu sobre o PCB depois do cancelamento
do seu registro e a crise interna do PTB paulista, agravada com a expulsão de
Hugo Borghi, abriram um grande espaço para a política clientelista e assistencialista
de Ademar, que conseguiu se reaproximar do PTB e do PSD, entregando as
secretarias da Fazenda, da Justiça e do Trabalho à chamada “ala velha” dessa
agremiação. Esse acordo provocou nova crise no PSD paulista, levando à
transferência de um expressivo conjunto de adeptos desse partido — conhecido
como “Grupo dos Nove” — para o PSP. Assim, às vésperas das eleições de 1950,
Ademar contava com grande força no estado de São Paulo e, conseqüentemente,
significativa projeção nacional. Aproximava-se o fim do mandato presidencial de
Dutra e sua sucessão passava a ocupar o primeiro plano da movimentação política
em todo o país.
As eleições de 1950
O
governo federal preferia apoiar um candidato único, indicado pela aliança entre
o PSD, a UDN e o PR, que, através do Acordo Interpartidário, vinham-lhe
fornecendo uma base de sustentação no Congresso. Percebendo a inviabilidade de
conseguir apoio para a sua candidatura à presidência através do esquema
situacionista, Ademar procurou aproximar-se do PTB, que contava com o grande
trunfo representado pela liderança de Vargas e tentava influir para frustrar a
aliança PSD-UDN-PR. Junto com seu correligionário Erlindo Salzano, o governador
paulista iniciou conversações com o major Newton Santos e, em seguida, com
Danton Coelho, representantes do PTB.
Os entendimentos se revelaram difíceis, pois desde o início o
PTB deixou claro que não apoiaria Ademar, independente do lançamento ou não da
candidatura de Vargas. Nesse contexto, as principais lideranças do PSP ficaram
reticentes em relação às aspirações presidenciais do governador, pois a pequena
expressão do partido fora de São Paulo tornava impossível sua vitória sem um
forte esquema de alianças. Além disso, com a desincompatibilização de Ademar, o
governo estadual passaria para as mãos do pessedista Noveli Júnior.
Em fins de março de 1950, Erlindo Salzano recebeu autorização
de Ademar para viajar a São Borja (RS) e firmar o acordo que considerasse
melhor com Vargas. Dessa viagem resultou o chamado Protocolo dos Santos Reis — nome
da estância do ex-presidente —, que garantia a retirada da candidatura de
Ademar e o apoio do PSP a Vargas. Em troca, caberia ao PSP indicar o
vice-presidente e participar da escolha dos nomes que comporiam o ministério,
ficando assegurado ainda o apoio de Vargas a Ademar nas eleições para a
presidência em 1955. Em 2 de abril de 1950, o governador paulista lançou
manifesto apoiando Vargas e atacando violentamente o PSD e o governo Dutra.
A aliança PSP-PTB passou por momentos de tensão,
especialmente quando João Café Filho foi escolhido pelo PSP candidato à
vice-presidência. Vargas pretendia oferecer esse cargo ao general Pedro Aurélio
de Góis Monteiro com o objetivo de neutralizar a resistência militar à sua
candidatura e, diante da irredutibilidade de Ademar em relação à indicação de
Café Filho, as forças getulistas ameaçaram apoiar a candidatura de Hugo Borghi
ao governo de São Paulo. Entretanto, o conflito entre PSP e PTB foi superado e
o protocolo integralmente retomado depois das garantias oferecidas por Góis
Monteiro e outros chefes militares em relação à candidatura Vargas, que se
fortalecia nacionalmente.
Diante da dificuldade de encontrar nos quadros do PSP um nome
capaz de unificar o partido na disputa pelo governo paulista, Ademar escolheu
Lucas Garcez, detentor de pequena projeção nos meios políticos do estado. Dessa
forma, pretendia também assegurar sua própria influência no futuro governo.
A aliança PSP-PTB foi plenamente vitoriosa no pleito de 3 de
outubro de 1950, com a eleição de Vargas, Café Filho e Lucas Garcez. O
eleitorado paulista teve um peso significativo na vitória de Vargas, Café. O
PSP tornou-se a principal força da bancada de São Paulo na Câmara Federal,
conquistando 12 cadeiras, enquanto o PTB elevou sua representação para nove deputados,
em detrimento das bancadas do PSD e da UDN. Além disso, o PSP elegeu também o
vice-governador Erlindo Salzano e o senador César Lacerda de Vergueiro,
formando a maior bancada partidária da Assembléia Legislativa de São Paulo.
Na formação da equipe do governo de Vargas, Ademar indicou
Álvaro Pereira de Sousa para o Ministério de Viação e Obras Públicas e Ricardo
Jafet para a presidência do Banco do Brasil, influindo na escolha de Horácio
Lafer para o Ministério da Fazenda.
Ademar e o PSP durante o governo Garcez
Ao contrário das expectativas de Ademar, Garcez não se
subordinou às suas diretrizes políticas. O primeiro atrito entre ambos ocorreu
logo na formação do secretariado, que o ex-governador pretendia manter sob
total controle do PSP. Entretanto, Garcez entregou a Secretaria do Trabalho ao
PTB, a da Agricultura ao PSD e a da Justiça ao PRP, nomeando ainda para várias
outras secretarias membros do PSP que não pertenciam ao círculo mais próximo de
Ademar e possuíam características mais acentuadamente técnicas do que
políticas. Paralelamente, o novo governador articulou na Assembléia Legislativa
uma coligação que conseguiu reunir a quase-totalidade dos partidos, ficando de
fora apenas o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e a maioria da UDN.
As divergências entre Ademar e Garcez se agravaram durante a
campanha para as eleições municipais de 1951. Nessa época, o PSP se posicionou
radicalmente contra o PTB e passou a pressionar o governador para romper o
acordo interpartidário, chegando a sugerir seu afastamento temporário do cargo
a fim de que o vice-governador Erlindo Salzano garantisse o apoio oficial às
chapas pessepistas. Essa sugestão não chegou a ser concretizada, mas, mesmo
assim, o PSP obteve significativa vitória, elegendo sozinho 133 prefeitos e
mais 52 em coligação com outros partidos, nos 305 municípios em que houve
eleição.
As divergências entre Ademar e Lucas Garcez se agravaram
novamente em 1953, quando o governador articulou a candidatura do seu
secretário de Saúde, Francisco Antônio Cardoso, para a prefeitura da capital,
tendo como companheiro de chapa Fernando Nobre, indicado pelo PTB. O candidato
oficial recebeu inclusive apoio da UDN, mas sua eleição ficou incerta com o
lançamento, pelo PSB e o PDC, do deputado estadual Jânio Quadros, figura
carismática de crescente aceitação popular. Apareceram ainda dois outros
candidatos de pequena densidade eleitoral, André Nunes Júnior, do PTN, e
Osvaldo Junqueira Ortiz Monteiro, do PST, apoiado também pelos comunistas.
Impossibilitado
de lançar uma candidatura exclusivamente pessepista, Ademar atuou no sentido de
esvaziar a campanha de Francisco Antônio Cardoso, passando inclusive a dar
apoio financeiro a Jânio Quadros, candidato vitorioso. Assim, as eleições para
a prefeitura de São Paulo em 1953 tiveram grande importância na evolução da
política estadual. De um lado, ocorreu o rompimento definitivo entre o PSP
ademarista e Lucas Garcez, que se desligou do partido acompanhado de vários
deputados estaduais e federais e, de outro lado, iniciou-se a ascensão política
de Jânio Quadros, cuja presença na prefeitura serviu contudo para fortalecer a
oposição a Ademar. Ao mesmo tempo, o PSP passou a hostilizar Vargas
abertamente, responsabilizando-o pela alta do custo de vida e acusando-o de
isolar São Paulo a fim de criar condições para um golpe de Estado.
Assim,
a candidatura de Ademar ao governo paulista pelo PSP chegou enfraquecida às
eleições de 1954. A formalização do seu rompimento com o bloco governista em
nível federal, ocorrida durante a campanha, acirrou as divergências com o PTB
sem produzir um estreitamento das suas relações com os setores mais
conservadores da política paulista, engajados na violenta campanha
antigetulista então em curso. Por outro lado, a liderança ascendente de Jânio
Quadros criava também um obstáculo poderoso a Ademar, que não contava mais com
o controle da máquina administrativa estadual. O governador Lucas Garcez,
desligado de qualquer compromisso com o PSP, articulou o lançamento da
candidatura de Francisco Prestes Maia, apoiado por um esquema interpartidário
que, tendo sua principal base no PSD, contava também com o PR, o PDC, o PRP,
parte do PTB e outros partidos menores, além de carrear simpatias da UDN. Outra
facção do PTB optou por uma candidatura própria, sem chances de vitória, com
Vladimir de Toledo Piza, enquanto uma terceira corrente desse partido passou a
apoiar Jânio Quadros, da coligação PSB-PTN, chegando a indicar o
vice-governador de sua chapa, José Porfírio da Paz.
A campanha foi polarizada entre os dois líderes mais fortes e
carismáticos. Ademar conservava a imagem de político populista que harmonizava
dinamismo administrativo e atenção aos humildes, sendo freqüentemente defendido
por seus correligionários com a frase: “Rouba, mas faz.” Jânio Quadros aparecia
como um líder novo, descomprometido com as forças tradicionais da política
brasileira, defensor da moralidade e decidido a “varrer” a corrupção. Por isso
seu símbolo de campanha era a vassoura.
O resultado das eleições favoreceu Jânio por pequena margem:
660.264 votos contra 641.960 dados a Ademar, enquanto Prestes Maia obteve
492.518 votos e Toledo Piza foi escolhido por 79.783 eleitores. Ao mesmo tempo,
diminuiu a representação do PSP paulista na Câmara Federal e na Assembléia
Legislativa, embora esse partido conservasse a maior bancada nessa última casa,
com 17 cadeiras, e elegesse Lino de Matos para o Senado com larga vantagem
sobre seus concorrentes. Em nível nacional, o PSP aumentou de 7,9% (em 1950)
para 9,8% sua representação na Câmara dos Deputados.
Candidato à presidência da República
Logo depois de empossado, Jânio Quadros começou a desalojar o
PSP da máquina do governo e empreender uma vasta campanha de desmoralização
pessoal e administrativa de Ademar. Com esses objetivos, promoveu perseguições
aos elementos ligados ao PSP, transferiu funcionários públicos e reabriu o
processo iniciado durante a gestão de Lucas Garcez sobre a compra irregular de
automóveis Chevrolet na época da administração de Ademar. Mas a eleição da
chapa Jânio-Porfírio para o governo estadual deixou vaga a prefeitura da
capital, determinando um novo enfrentamento entre as duas principais correntes
políticas locais em 1955. O PSP, em aliança com o PTB e com o apoio dos
comunistas, apresentou Lino de Matos, que foi beneficiado pela divisão das
forças janistas entre Emílio Carlos e José Antônio Rogê Ferreira e venceu
facilmente com 46% dos votos. Começou então uma acirrada disputa de poder entre
o prefeito e o governador que, entre outras pressões, solicitou do Senado a
suspensão da licença anteriormente concedida a Lino de Matos.
Nessa
época, Jânio acionou mais um processo contra Ademar, acusando-o de roubo de uma
urna marajoara que fora doada ao Museu Paulista. Sujeito a esses violentos
ataques, Ademar teve nas eleições presidenciais de 1955 uma possibilidade de
reafirmar seu prestígio e sua força política em nível nacional. Tentou negociar
com João Goulart, presidente nacional do PTB, o apoio à sua candidatura, mas essa
agremiação preferiu fazer uma aliança com o PSD em torno de Juscelino
Kubitschek, governador de Minas Gerais. Mesmo assim, Ademar conseguiu atrair
para compor sua chapa o petebista Danton Coelho, que por esse motivo foi
expulso do partido. A UDN lançou Juarez Távora e o Partido de Representação
Popular (PRP) concorreu com o antigo líder integralista Plínio Salgado.
Mesmo
sem contar com o apoio das forças getulistas, Ademar procurou atrair a
preferência do eleitorado popular com uma campanha fundamentalmente
antiudenista. No pleito de 3 de outubro de 1955, Juscelino alcançou 3.077.411
votos, Juarez Távora obteve 2.610.462 e Ademar ficou em terceiro lugar com
2.222.725 votos, cabendo a Plínio Salgado a preferência de 714.379 eleitores.
Embora derrotado, o líder do PSP obteve expressiva votação (26% dos sufrágios
de todo o país) e confirmou seu prestígio em São Paulo, onde foi vitorioso com 867.320 votos contra 626.627 dados a Juarez Távora e apenas
240.940 a Kubitschek.
Logo
após as eleições, Jânio Quadros voltou à ofensiva com o objetivo de liquidar
politicamente Ademar de Barros. No início de março de 1956, o ex-governador foi
condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a dois anos de reclusão no
processo sobre a compra irregular dos automóveis Chevrolet. Numa série de
lances rocambolescos, conseguiu fugir para o Paraguai, de onde rumou para a
Bolívia. Durante o período em que Ademar esteve fora do país o PSP perdeu o
controle da máquina administrativa da capital paulista, com a renúncia, em
abril de 1956, do prefeito Lino de Matos, que estava ameaçado de perder suas
imunidades parlamentares em virtude do recurso de Jânio Quadros ao Senado.
Em
9 de maio de 1956, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas-corpus a
Ademar, permitindo sua volta. Este fato foi habilmente explorado por seus
correligionários, que o apresentaram como “vítima inocente” e mandaram celebrar
uma missa em ação de graças assistida por cerca de 12 mil pessoas na catedral
da Sé.
Disposto
a retornar ativamente à política, Ademar começou a articular sua candidatura à
prefeitura de São Paulo em 1957, enfrentando resistências no próprio PSP, pois
o grupo ligado a Lino de Matos já estava comprometido com Oscar Pedroso Horta.
Mesmo assim, conseguiu a legenda e obteve apenas uma ala dissidente do PTB,
enquanto Pedroso Horta se registrava como candidato do Partido Republicano
Trabalhista (PRT) com o apoio dos petebistas ligados a Toledo Piza e Prestes
Maia era lançado pela UDN, contando com a simpatia do governo do estado. A
grande disputa ficou entre os candidatos do PSP e da UDN, com uma vitória
apertada do primeiro: Ademar obteve 408.766 votos (51,3% do eleitorado), contra
376.310 dados a Prestes Maia (47,2%) e apenas 11.346 a Pedroso Horta (1,4%). Essa vitória, que deu a Ademar o controle da Prefeitura de São Paulo
entre 1957 e 1961, foi um importante passo para a recuperação da sua força e a
preparação do seu novo enfrentamento com Jânio nas eleições para a sucessão
estadual, em 3 de outubro de 1958.
As eleições estaduais de 1958
O prestígio de Jânio Quadros ainda estava em franca ascensão
no período final de seu mandato de governador, o que lhe permitia aparecer, no
plano nacional, como o principal oponente do governo Kubitschek e representante
dos setores conservadores. Jânio indicou seu secretário de Finanças, Carlos
Alberto Alves de Carvalho Pinto, para enfrentar Ademar na disputa pela sucessão.
Lançado pelo PTN e o PSB e, tal como o próprio Jânio, contando com o apoio da
UDN, do PR e do PDC, Carvalho Pinto também baseou sua campanha no moralismo e
na eficiência administrativa. Ademar, concorrendo pelo PSP, obteve o apoio do
PCB e do PTB, que indicou Porfírio da Paz para o cargo de vice-governador,
contrariando assim a expectativa de Lino de Matos, que rompeu em seguida com o
PSP. Segundo depoimento de Ivete Vargas, então deputada federal por São Paulo
na legenda do PTB, o apoio de seu partido a Ademar foi determinado pela direção
nacional que, acompanhando o pensamento de João Goulart, pretendia impedir
qualquer aproximação entre petebistas e os seguidores de Jânio. Mas, ainda
segundo Ivete, a direção nacional atrapalhou a campanha, pois não queria que
Ademar ganhasse “e nem que o PTB de São Paulo participasse dessa vitória”.
Para Ademar, a aproximação com o PCB e o PTB se inseria na
estratégia de aumentar sua ligação com o eleitorado popular. Sua campanha
ganhou uma conotação ligeiramente de esquerda e até mesmo nacionalista, o que
contrastava com suas posições anteriores, como na época da criação da
Petrobras.
Carvalho
Pinto venceu o pleito de 3 de outubro, conquistando 1.312.017 votos contra
1.105.017 dados a Ademar. Auro de Moura Andrade, candidato do Partido Social
Trabalhista (PST), recebeu 170.627 votos. O cargo de vice-governador coube a
Porfírio da Paz, companheiro da chapa de Ademar. O PSP continuou com a maior
bancada na Assembléia Legislativa, obtendo 16 cadeiras e, em nível nacional,
baixou sua representação na Câmara dos Deputados de 9,8% para 7,7%.
As eleições presidenciais de 1960
A
principal questão política do Brasil em fins de 1959 passou a ser a sucessão
presidencial. Jânio Quadros aparecia como forte candidato, capaz de empolgar a
classe média com sua bandeira de moralidade administrativa, encampada pela UDN.
De outro lado, a aliança PSD-PTB lançou o marechal Henrique Teixeira Lott, cuja
campanha, marcada por traços nacionalistas, foi apoiada pelo PCB na
ilegalidade. Ademar lançou novamente a sua própria candidatura na legenda do
PSP, apesar das pressões contrárias exercidas pelo PSD, temeroso de que o
ex-governador paulista retirasse votos decisivos para a vitória de Lott.
Decidido a concorrer, Ademar adotou uma imagem de dinamismo empresarial,
insistindo em se apresentar como o “gerente” de que o Brasil necessitava.
Para a vice-presidência, concorriam João Goulart, pela
coligação PSD-PTB, Mílton Campos, da UDN, e Fernando Ferrari, líder da
dissidência petebista que formou o Movimento Trabalhista Renovador (MTR).
Formaram-se durante a campanha diversas combinações de chapa, com os petebistas
colocando Goulart, alternadamente, como companheiro dos três candidatos à
presidência.
Jânio
Quadros, que assumiu durante a campanha sua clara oposição ao governo
Kubitschek, foi vitorioso por larga margem, obtendo 5.636.623 votos contra
3.846.825 dados a Lott. Ademar ficou novamente em terceiro lugar com 2.195.709
sufrágios. João Goulart foi eleito vice-presidente com 4.547.010 votos,
enquanto Mílton Campos obteve 4.237.719 e Ferrari 2.133.382. A vitória de Jânio
também foi expressiva em São Paulo, onde obteve 1.588.593 votos contra 855.093
de Ademar e 441.755 dados a Lott. Esse resultado parecia confirmar a tendência
declinante do ademarismo, derrotado nas eleições de 1958 e 1960, apesar de
permanecer como uma força expressiva em São Paulo.
No governo de São Paulo
Em abril de 1961, Ademar viajou para Paris, onde estabeleceu
residência temporária. Manteve nesse período contatos telefônicos sistemáticos
com o Brasil e recebeu freqüentes visitas de líderes do PSP, relutando
entretanto em candidatar-se novamente ao governo de São Paulo. Por outro lado,
a renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto e a crise subseqüente
redefiniram profundamente o quadro político nacional, pois o veto militar à
posse do vice-presidente Goulart só foi superado depois da adoção, pelo
Congresso, do regime parlamentarista, que reduzia em grande parte os poderes
presidenciais. Essas mudanças afetaram diretamente as possibilidades eleitorais
de Ademar, levando-o a modificar sua posição.
Durante a fase parlamentarista, o PSP aliou-se à UDN no
combate ao retorno do presidencialismo desejado pelos partidários de Goulart.
Essa linha geral foi reafirmada por Ademar depois do lançamento de sua
candidatura ao governo de São Paulo na convenção do PSP reunida no início de
1962. Nos meses seguintes, as forças conservadoras ficaram cada vez mais
temerosas diante do crescimento dos movimentos trabalhistas e passaram a
considerar Goulart incapaz de enfrentar a crise econômica então em curso. Ademar, apoiado pelo PRP e o PSD, percebeu que amplos setores do eleitorado eram
sensíveis à pregação pela ordem, passando a enfatizar em sua campanha o combate
à subversão. Além de se beneficiar da frustração de boa parte do eleitorado
janista com a renúncia, enfrentou adversários divididos. O governador Carvalho
Pinto articulou a candidatura de José Bonifácio Coutinho Nogueira, com o apoio
da UDN, PR, PDC e PTB, o próprio Jânio foi lançado na legenda do PTN e do MTR,
enquanto o PSB indicava Cid Franco.
Ademar
venceu o pleito, realizado em 7 de outubro de 1962, com 1.249.414 votos,
correspondentes a 43% do eleitorado. Jânio Quadros obteve 1.125.941 votos, ou
seja, quase 38%, José Bonifácio ficou com 722.823, quase 22%, e Cid Franco
limitou-se a 35.653 sufrágios. Segundo Francisco Weffort: “Ademar de Barros foi
mais votado do que Jânio Quadros no interior que na capital, onde este venceu;
Jânio, no interior, tendia a ser mais votado quanto maior a importância urbana
e industrial.”
Laudo Natel, do PR, foi eleito vice-governador, afastando
ainda mais Jânio e Carvalho Pinto dos centros de poder. O resultado das
eleições paulistas atingiu também o governo federal, pois Ademar se aproximava
de modo crescente da UDN e dos setores mais oposicionistas da sociedade
paulista. Logo depois, em 6 de janeiro de 1963, Goulart obteve uma vitória
parcial com a realização do plebiscito que definiu a volta ao regime
presidencialista por larga margem de votos. Pretendendo recompor sua base de
alianças, o presidente tentou aproximar-se de Ademar, nomeando Teotônio
Monteiro de Barros, do PSP, para o Ministério da Educação. O governador eleito
de São Paulo aceitou essa aproximação, mas, ao mesmo tempo, não tentou deter a
conspiração então em curso contra o governo federal.
A derrubada de João Goulart
Logo depois de assumir o governo paulista em 31 de janeiro de
1963, Ademar começou a projetar seu nome nacionalmente, tendo em vista as
eleições presidenciais de 1965. Assumiu então a posição de defensor
intransigente dos valores tradicionais da sociedade brasileira, que estariam
ameaçados pela “comunização do país”. Ao mesmo tempo, em nome da solidariedade
às regiões mais pobres, lançou um programa de auxílio econômico aos estados do
Norte e Nordeste, chamado de Aliança Brasileira para o Progresso, definido pelo
próprio Ademar como “um chamamento dos brasileiros de São Paulo para um esforço
da iniciativa privada e dos institutos governamentais em favor do erguimento
econômico dessas zonas e de sua completa integração no complexo nacional”.
Logo nos primeiros meses de 1963, Ademar de Barros e o PSP
passaram a assumir abertamente sua posição contrária ao governo federal,
combatendo de forma radical a política externa e a proposta de reformas de base
defendida por Goulart, em particular a reforma agrária. Essa oposição declarada
de Ademar ao governo federal facilitava o desenvolvimento, em São Paulo, de uma conspiração que envolvia políticos, empresários e militares para derrubar
Goulart. Em março de 1963, o general Olímpio Mourão Filho, adepto da
conspiração, assumiu o comando da 2ª Região Militar (2ª RM) e o governo
estadual passou a participar ativamente da preparação de um movimento armado.
Em
abril, Ademar divulgou um manifesto propondo “um entendimento franco” com os
demais governadores para enfrentar as ameaças existentes contra o regime
democrático. Sugeria ainda a formação de um organismo de defesa dos partidos,
convocável a qualquer momento pelos signatários para a troca de informações ou
a definição de ações comuns. Esse documento contou com a adesão de Carlos
Lacerda (Guanabara), Pedro Gondim (Paraíba), Virgílio Távora (Ceará), Luís
Cavalcanti (Alagoas), e Ildo Meneghetti (Rio Grande do Sul).
Ainda em abril, o governador paulista enviou uma carta aberta
ao Congresso combatendo o projeto de reforma agrária proposto pelo Executivo.
Ademar criticava a redistribuição da propriedade e defendia a modernização da
agricultura, a abertura de créditos especiais para o setor e a melhoria da
assistência social ao trabalhador rural. Nessa época, Ademar estava promovendo
a chamada “reforma agrária paulista”, baseada na venda de terras devolutas do
estado aos pequenos produtores, com prazos de pagamento que variavam de cinco a
dez anos.
Com
o agravamento da crise econômica e o aumento dos conflitos sociais em todo o
país, a situação política nacional se tornou progressivamente mais tensa.
Segundo Hélio Silva, o secretário de Segurança de São Paulo, general Aldério
Barbosa, tolerava e até controlava as atividades de vários grupos de
conspiradores, enquanto Ademar tinha acesso a conversas do presidente,
interceptadas através de dispositivos eletrônicos clandestinos. O presidente da
República, por sua vez, identificava nos governos paulista e carioca a
existência de núcleos de conspiradores. Na reforma ministerial promovida em
meados de junho de 1963, Teotônio Monteiro de Barros, do PSP, foi demitido do
Ministério da Educação e Carvalho Pinto foi nomeado para a pasta da Fazenda,
para tentar atenuar a pressão oposicionista do empresariado paulista contra o
governo federal. O presidente determinou também que as gestões para a obtenção
de ajuda econômica em países estrangeiros teriam que passar pelo Ministério das
Relações Exteriores, tentando dessa forma bloquear a ajuda que os Estados
Unidos dispensavam aos governos estaduais mais identificados com a oposição.
Diante
da crescente radicalização social e política, o presidente Goulart encaminhou
ao Congresso em outubro um pedido de decretação do estado de sítio, considerado
na época como uma tentativa de golpear simultaneamente a direita e a esquerda.
Segundo essas versões, estaria nos planos do governo uma possível intervenção
na Guanabara e em São Paulo, acompanhada de restrições às liberdades sindicais
e de um endurecimento em relação ao governo de Pernambuco, chefiado por Miguel
Arrais e identificado com as reformas de base. Ficando claro o desacordo da
maioria do Congresso em relação ao estado de sítio, o pedido governamental foi
retirado, possibilitando que a oposição adotasse uma postura mais ofensiva.
Ademar chegou a autorizar a bancada do PSP a realizar entendimentos com vistas
ao impedimento do presidente, mas essa iniciativa não teve desdobramentos
porque os círculos políticos a consideraram prematura. Ainda em outubro, Ademar
manteve entendimentos com José de Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais,
com o objetivo de atraí-lo para a política desenvolvida pelos governos de São
Paulo e da Guanabara.
Desfraldando a bandeira da ameaça comunista representada pelo
governo federal, no início de 1964 Ademar radicalizou suas declarações,
freqüentemente misturadas com apelos de ordem religiosa, chegando a pregar
publicamente a intervenção das forças armadas na luta contra Goulart. Suas
declarações ressaltavam a ameaça de golpe por parte do governo federal, o
avanço comunista (“Do jeito que as coisas estão eles tomarão tudo sem dar um
tiro”), o bloqueio econômico exercido pelo Banco do Brasil contra São Paulo e a
necessidade de reagir em defesa dos valores tradicionais da sociedade
brasileira.
A convenção nacional do PSP realizada em fevereiro de 1964
lançou a chapa Ademar de Barros-Danton Coelho para concorrer às eleições
presidenciais previstas para o ano seguinte. A luta política se acirrou ainda
mais com a realização, em 13 de março de 1964, com a presença de Goulart, do
grande comício da Central do Brasil, no Rio, a favor das reformas de base.
Ademar denunciou esse acontecimento como parte integrante de um plano nacional
de agitação e manifestou sua convicção de que as eleições presidenciais
seriam adiadas, pois “o que aí está será derrubado”. No dia 19 seguinte, as
forças conservadoras de São Paulo responderam nas ruas ao Comício da Central,
com a realização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por
Leonor Mendes de Barros, esposa de Ademar, que reuniu cerca de trezentas mil
pessoas. Durante a manifestação, um helicóptero sobrevoou várias vezes o local
conduzindo o governador paulista. A marcha contribuiu decisivamente para a unificação
dos grupos paulistas que conspiravam e apressou a preparação do movimento
político-militar contra o governo federal. Intensificando suas atividades,
Ademar consolidou sua união com Carlos Lacerda e viajou em seguida para o Rio
Grande do Sul a fim de apoiar Ildo Meneghetti, que também se pronunciara contra
o comício de Goulart no Rio.
No dia da eclosão do movimento político-militar que derrubou
Goulart, 31 de março de 1964, Ademar discursou às 22 horas em cadeia estadual
de rádio e televisão comunicando que a sublevação contava com o apoio do
governo paulista e do II Exército, chefiado pelo general Amauri Kruel.
A cassação dos direitos políticos de Ademar
Nos dias seguintes à consolidação da vitória do movimento,
Ademar participou de várias reuniões para a escolha do novo presidente da
República. Em 5 de abril, apoiou formalmente a indicação do general Humberto
Castelo Branco e orientou a bancada pessepista na Câmara Federal para sufragar
seu nome. Apesar disso, não conseguiu influir na composição do novo ministério,
principalmente devido às restrições que a seção paulista da UDN fazia a seu
nome. Mesmo assim, a liderança do PSP na Câmara assinou no início de 1964 um
termo de compromisso com a UDN, o PSD, o PDC e outros partidos menores para a
formação de uma maioria parlamentar em apoio ao novo governo.
A
ação da UDN provocou um progressivo isolamento de Ademar, que passou a
enfrentar sucessivas crises resultantes das pressões por seu afastamento do
governo. A primeira crise começou quando vários elementos ligados ao governo
paulista foram indiciados em inquéritos policiais-militares (IPMs) instalados em São Paulo, o que provocou, inclusive, o surgimento de boatos sobre a iminente decretação do
impedimento de Ademar. Entretanto, a crise foi resolvida de forma favorável a
Ademar, que conseguiu o afastamento do coronel Romão Mena Barreto, um dos
principais responsáveis pelos IPMs e seu adversário declarado.
Preocupado
em fortalecer o presidente Castelo Branco contra as pressões da chamada “linha
dura” militar, Ademar divulgou em 18 de novembro de 1964 um manifesto de apoio
à legalidade, assinado também pelos governadores Jarbas Passarinho (Pará),
Francisco Lacerda de Aguiar (Espírito Santo), Newton Belo (Maranhão), Fernando
Correia da Costa (Mato Grosso), Nei Braga (Paraná), Ildo Meneghetti (Rio Grande
do Sul) e Virgílio Távora (Ceará). Essa iniciativa não impediu que, em fins
desse ano, Ademar passasse a assumir uma atitude de oposição ao governo
federal, endossando as críticas que Carlos Lacerda vinha fazendo aos rumos do
movimento de 1964 e concordando com as reclamações dos setores empresariais de
São Paulo contra a retração industrial, o cerceamento do crédito e a elevação
dos impostos determinados pela política econômica de Roberto Campos, ministro
do Planejamento. Contrariando as diretrizes federais, Ademar chegou a autorizar
a emissão de título da dívida pública do estado de São Paulo. Suas críticas se
tornaram mais incisivas quando foi anunciado o projeto de reforma tributária
elaborado pelo governo federal, acusado publicamente por Ademar de pretender
restringir a autonomia estadual e municipal.
A
posição de Ademar ficou mais debilitada depois do resultado das eleições para o
governo de 11 estados em outubro de 1965, quando o candidato indicado por
Carlos Lacerda, Carlos Flexa Ribeiro, foi derrotado no estado da Guanabara.
Como conseqüência dos resultados eleitorais relativamente favoráveis à
oposição, o governo reforçou seus poderes discricionários através da edição do
Ato Institucional nº 2 (AI-2), de 27 de outubro de 1965, que reabriu o processo
de cassações, extinguiu os partidos políticos existentes, instaurou as eleições
indiretas para a presidência da República e reforçou as atribuições do Poder
Executivo frente ao Legislativo. Com a reorganização política subseqüente em
moldes bipartidários, os adeptos do PSP passaram a integrar a Aliança
Renovadora Nacional (Arena), nova agremiação situacionista.
Essa
integração de Ademar e seus correligionários na Arena não foi tranqüila, pois,
além da resistência desenvolvida pelos ex-membros da UDN paulista, o governo
federal também procurou impedir que o grupo oriundo do PSP assumisse o controle
da nova agremiação no estado. As articulações contra Ademar contavam inclusive
com o apoio de antigos correligionários seus, como Arnaldo Cerdeira, que
passara a ser o homem de confiança de Castelo Branco em São Paulo. Conscientes de seu isolamento dentro do bloco no poder, Ademar redobrou suas
críticas ao governo em janeiro de 1966, passando a defender a volta ao
pluripartidarismo e a realização de eleições diretas em todos os níveis. Nessa
época, chegou a afirmar que, “no fundo, chegamos à conclusão de que fizemos a
revolução contra nós mesmos”. Em 11 de março de 1966 exigiu publicamente a
renúncia de Castelo Branco e dois dias depois lançou um manifesto denunciando
as “manobras continuístas” do presidente e exigindo a imediata restauração da
democracia do país.
A crise entre Ademar e o novo regime se agravou quando os
deputados dissidentes da Arena paulista se aliaram à oposição e derrotaram por
64 votos contra 49 a chapa oficial indicada pela comissão executiva do partido
situacionista para compor a mesa da Assembléia Legislativa, levando o deputado
Francisco Franco à presidência da casa. A possibilidade de repetição desse
episódio na escolha do sucessor de Ademar — que também seria feita pela
Assembléia — levou o presidente Castelo Branco a convocar para maio de 1966 uma
reunião com a direção da seção paulista da Arena para debater o assunto. Ficou
então acertado que a diretoria regional e os parlamentares arenistas enviariam
uma lista tríplice, composta de “revolucionários autênticos”, para o presidente
escolher o candidato oficial. Roberto de Abreu Sodré, Laudo Natel e Paulo
Egídio Martins, nessa ordem, foram os nomes enviados, recaindo sobre o primeiro
a preferência de Castelo. Subsistia, entretanto, a possibilidade de Ademar se
articular com a oposição e dissidentes da Arena para garantir maioria dos votos
a outro nome. Assim em 4 de junho de 1966, Castelo Branco se reuniu com os
generais Golberi do Couto e Silva (chefe do Serviço Nacional de Informações) e
Ernesto Geisel (chefe do Gabinete Militar da Presidência), e os ministros Mem
de Sá (da Justiça), Otávio Gouveia de Bulhões (da Fazenda) e Pedro Aleixo (da
Educação), decidindo cassar o mandato e suspender por dez anos os direitos
políticos de Ademar. Antes de oficializar a medida, o presidente consultou
Roberto Campos sobre a repercussão entre os empresários, o impacto nos meios
econômico-financeiros internacionais e a reação popular, receada pelo general
Artur da Costa e Silva, ministro da Guerra. Campos respondeu que, a seu ver, a
desintegração administrativa e a desordem econômica existentes em São Paulo levariam o empresariado a apoiar a substituição do governador e a repercussão
negativa nos meios internacionais seria passageira. Quanto à reação popular,
Campos afirmou: “Ademar é um político clientelesco e não ideológico. Estes,
como Brizola, são perigosos porque podem despertar lealdades fanáticas. Aqueles
aglutinam interesses temporários. Em face da perspectiva de luta, o cliente do
político clientelesco não derrama sangue por teses ou idéias. Busca logo um
novo patrão.”
Castelo
Branco consultou também o comandante do II Exército, general Amauri Kruel, que
não colocou restrições à medida. Assim, a cassação de Ademar foi assinada no
dia 5 de junho de 1966 e o vice-governador Laudo Natel assumiu o governo
paulista com a recomendação de nomear o general João Paulo da Rocha Fragoso
para a Secretaria de Segurança, o coronel João Batista Figueiredo para o
comando da Força Pública e o professor Antônio Delfim Neto para a Secretaria da
Fazenda.
Ameaçado
de prisão, Ademar deixou o país em 7 de junho, recomendou a seus seguidores que
permanecessem na Arena, contrariando assim notícias veiculadas dias antes sobre
a iminente transferência dos ex-pessepistas para o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Sem a presença do seu principal líder e sem o controle da
administração estadual, os remanescentes da corrente ademarista começaram a se
dispersar dentro do novo esquema governista.
Durante
o último mandato de Ademar à frente do governo paulista, ocorreu o desmembramento
da Secretaria da Justiça para formar a Secretaria do Interior; a elaboração do
Plano de Descentralização da Assistência ao Psicopata; a construção do Hospital
de Cardiologia; a realização do I Congresso Estadual de Educação; a instalação
do Conselho Estadual de Ensino Superior; a doação de áreas para a construção
das colônias de férias dos grandes sindicatos; a criação da Escola de Polícia;
a ampliação da rede de frigoríficos de pescado e da rede de armazéns e silos, e
a ampliação das redes de esgoto no interior.
Ademar de Barros exerceu ainda atividades empresariais. Foi
presidente da Fábrica de Tecidos Nossa Senhora Mãe dos Homens, situada em Porto Feliz (SP), e da Fábrica Redenção, em Itu (SP), além de proprietário de fazendas em São Manuel, Taubaté, Itapeva e Caraguatatuba — todas em São Paulo —, onde desenvolvia culturas experimentais de cacau, pimenta-do-reino e seringueiras. Foi diretor das Indústrias
de Chocolate Lacta (posteriormente dirigida por Ademar de Barros Filho), da
Fábrica de Produtos Químicos Vale do Paraíba, da Sociedade Extrativa de Taubaté
e da Sociedade Extrativa Limitada de Itapeva. Foi também acionista da Sociedade
Aricanduva, que explorava a venda de terrenos em Jardim Leonor e Jardim Aricanduva.
Ademar de Barros faleceu em Paris no dia 12 de março de 1969.
Era casado com Leonor Mendes de Barros, com quem teve dois filhos: Antônio
Mendes de Barros, deputado federal entre 1963 e 1967, e Ademar de Barros Filho,
deputado federal de 1967 a 1983. Seu sobrinho Reinaldo Emídio de Barros foi
prefeito de São Paulo de 1979 a 1982.
Em
4 de fevereiro de 1970, a revista Veja publicou extensa matéria sobre o
roubo de um cofre que pertencera a Ademar e estava guardado, em nome de Ana
Benchimol Capriglioni, na casa do médico Aarão Burlamarqui Benchimol, no Rio.
Ana era amiga íntima do ex-governador, que se referia a ela com o pseudônimo de
“doutor Rui”. A ação, realizada em setembro de 1969, rendeu à organização
esquerdista Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) aproximadamente dois milhões
e 500 mil dólares. Com a divulgação da notícia, Ademar de Barros Filho negou
que o cofre pertencesse a seu pai.
Além de inúmeros discursos, Ademar publicou Histerectomia
subtotal, sua tese de doutoramento, e Pensamento e ação de Ademar de
Barros (1948). A seu respeito, foram escritas, entre outras obras: Ademar
de Barros, seu pensamento e sua ação (1939), de Válter Ribeiro, A
administração calamitosa do sr. Ademar de Barros (1941), de João
Ramalho, Um homem ameaça o Brasil (1954), de Francisco Rodrigues Alves
Filho, Ademar de Barros perante a nação (1954), de Rodrigues
Lopes, Ademar de Barros e o PSP (1982), de Regina Sampaio e Ademar, de
Mário Beni. Sobre o ademarismo, Hélio Jaguaribe escreveu “O que é o
ademarismo?”, em Cadernos do Nosso Tempo (1954); Francisco Weffort
escreveu “Raízes sociais do populismo em São Paulo”, na Revista Civilização Brasileira (1965) e Guita Grin Debert publicou Ideologia e populismo:
Ademar de Barros, Miguel Arrais e Leonel Brizola (1979).
Jorge
Miguel Mayer
FONTES: ARAÚJO, A. Chefes,
ARQ. GETÚLIO VARGAS; BANDEIRA, L. Governo; BENI, M. Ademar; CAFÉ
FILHO, J. Sindicato; CASTELO BRANCO, C. Introdução; COSTA,
M. Cronologia; COUTINHO, A. Brasil; DULLES, J. Getúlio;
Efemérides Paulistas; Encic. Mirador; Estado de S. Paulo
(16/3/69); Folha de S. Paulo (13/3/69); Grande encic. Delta; HIPÓLITO,
L. Campanha; Jornal do Brasil (13/3/169); Jornal do
Comércio, Rio (13/3/69); KUBITSCHEK, J. Meu; LEITE, A. Páginas;
LEVINE, R. Vargas; MIN. GUERRA. Subsídios; MOURÃO, M. Dutra;
SAMPAIO, R. Ademar; SILVA, H. História; SILVA, H. 1964; SKIDMORE,
T. Brasil; Veja (4/2/70); VIANA FILHO, L. Governo (1965-2);
VÍTOR, M. Cinco.