MARCONDES
FILHO
*dep. fed. SP 1927-1930; min. Trab.
1941-1945; min. Just. 1942-1945; const. 1946; sen. SP
1946-1955; min. Just. 1955.
Alexandre Marcondes Machado Filho nasceu na cidade de São Paulo em 3 de agosto de 1892, filho
de Alexandre Marcondes Machado e de Maria Albertina Marcondes Machado. Depois
de exercer o magistério, seu pai tornou-se industrial no ramo da seda.
Marcondes Filho cursou o secundário no Colégio São Luís, em
Itu (SP), ingressando em seguida na Faculdade de Direito de São Paulo, pela
qual se bacharelou em 1914. Ainda acadêmico, trabalhou no escritório da jurista
Alfredo Pujol, companheiro e advogado de Rui Barbosa na Campanha Civilista
(1910), e foi secretário de Bernardino de Campos, importante membro do Partido
Republicano Paulista (PRP), então dominante no estado e muito influente na vida
nacional. Graças a essas atividades, desde sua juventude Marcondes Filho
conviveu com o mundo político, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro,
então Distrito Federal.
Depois de formado, tornou-se promotor público na capital
paulista, cargo do qual exonerou-se para organizar um dos mais movimentados
escritórios de advocacia da cidade, especializado em direito comercial. Foi um
dos fundadores do Instituto dos Advogados de São Paulo, integrando-se mais
tarde à sua diretoria. Em 1926, seu nome foi incluído por Carlos de Campos,
presidente de São Paulo, na chapa do PRP para a Câmara de Vereadores da
capital, onde exerceu as funções de líder da bancada situacionista.
Impressionado com o crescimento do recém-fundado Partido Democrático (PD), que
aglutinava a oposição liberal ao PRP, sugeriu a seus correligionários medidas
voltadas para a dinamizado das atividades partidárias, como a criação de um
jornal popular diferente do Correio Paulistano, órgão oficial do PRP.
Eleito
deputado federal por São Paulo em 1927, na legenda do PRP, Marcondes Filho
continuou a combater sistematicamente as posições do PD e tornou-se importante
auxiliar de Manuel Vilaboim e de José Cardoso de Almeida, que lideravam a
maioria parlamentar em apoio ao governo de Washington Luís. Coerente com sua
proposta anteriormente formulada, foi fundador e diretor do São Paulo-Jornal.
Marcondes
Filho foi reeleito para a Câmara dos Deputados em 1º de março de 1930, no mesmo
dia em que Júlio Prestes derrotou Getúlio Vargas na disputa pela presidência da
República. A vitória situacionista nessas eleições foi contestada por
importantes setores da oposição, que aderiram à preparação de um levante armado
contra o governo federal. Em meio ao crescimento das tensões, Marcondes Filho
pronunciou um efusivo discurso na Câmara em favor do reconhecimento do
resultado oficial do pleito. Entretanto, a revolução foi deflagrada em 3 de outubro
seguinte, chegando à vitória ao cabo de 21 dias de luta e conduzindo à formação
da Governo Provisório chefiado por Vargas (3/11/1930). As atividades
parlamentares foram suspensas e o São Paulo-Jornal foi empastelado, a exemplo
de outros jornais situacionistas. Marcondes Filho retomou então ao exercício da
advocacia, aumentando o prestígio do seu escritório. Pouco depois, foi eleito
para o conselho da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.
O
período posterior à vitória da Revolução de 1930 foi marcado, em São Paulo,
pelo acirramento dos conflitos entre as correntes políticas tradicionais no
estado e as forças tenentistas apoiadas pelo Governo Provisório. Os paulistas
reivindicavam a devolução da autonomia estadual e a rápida reconstitucionalização
do país, enquanto os “tenentes” defendiam o aprofundamento das medidas
revolucionárias. Em 19 de janeiro de 1932, Marcondes Filho foi um dos
signatários do manifesto em que o PRP acusava o Governo Provisório (a “ditadura
de Vargas”) de solapar o regime republicano e democrático. Esse documento
desempenhou importante papel na aproximação entre os dois grandes partidos do
estado, que formaram a Frente Única Paulista (FUP) e lideraram a deflagração da
Revolução Constitucionalista em 9 de julho de 1932. Depois de quase três meses
de combates, os revolucionários foram derrotados e suas principais lideranças
embarcaram para o exílio.
Marcondes
Filho só retornou à vida pública depois da implantação do Estado Novo
(10/11/1937). Convidado por Getúlio Vargas, assumiu a vice-presidência do
Departamento Administrativo do Estado de São Paulo (DAESP), presidido por
Gofredo Teixeira da Silva Teles. Reunido pela primeira vez em julho de 1939, a
DAESP tinha por encargo aprovar empreendimentos e decretos da administração estadual
paulista, constituindo-se em uma instância de controle federal sobre São Paulo.
Em 1940, Marcondes Filho integrou a representação do Brasil ao Congresso de
Direito Internacional Privado, realizado em Montevidéu.
Em
junho de 1941, o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Valdemar Falcão,
foi indicado para o Supremo Tribunal Federal, sendo substituído interinamente
por Dulfe Pinheiro Machado. Em dezembro Vargas convidou Marcondes Filho para o
cargo, ressaltando sua ligação com São Paulo, onde se encontrava grande parte
da indústria instalada em território nacional. Segundo o historiador John
Foster Dulles, essa escolha teve relação com a crise política que em meados do
ano levara à demissão do interventor paulista, Ademar de Barros. Nos anos seguintes,
a atuação de Marcondes Filho no governo federal ganhou grande expressão, tendo
acumulado as pastas do Trabalho e da Justiça entre 1942 e 1945.
No Ministério do Trabalho
Em 29 de dezembro de 1941, Marcondes Filho assumiu a chefia
do Ministério do Trabalho, criado depois da Revolução de 1930, numa
demonstração da maior importância que o governo passou a conceder à indústria e
ao operariado. A política oficial em relação aos trabalhadores fora marcada nos
anos anteriores pela combinação de concessões efetivas a alguns de seus
interesses — como a implantação do salário mínimo em 1940 — com a subordinação
crescente do movimento operário ao Estado, expressa inclusive na Constituição
de 1937. Ela considerava o empregado, o empregador e o Estado como um só conjunto
e determinava que a produção seria organizada em corporações que, “colocadas
sob a assistência e proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções de
poder público”. Somente os sindicatos regularmente reconhecidos pelo Ministério
do Trabalho poderiam exercer seu papel de representação e a greve, definida
como “recurso anti-social”, era proibida. Ao Ministério do Trabalho estavam
vinculados os institutos de seguro social e de aposentadorias e pensões,
criados na década de 1930, além do Serviço de Alimentação e Previdência Social
(SAPS).
Marcondes Filho deu continuidade à política social aplicada
pelo Estado Novo. Em 1942, regulamentou o decreto de 8 de julho de 1940 que
criou o imposto sindical, obrigando o trabalhador a contribuir com o
equivalente a um dia de trabalho anual em benefício da associação profissional
de sua categoria, embora esse pagamento não implicasse sindicalização. A
arrecadação do imposto, feita através do Banco do Brasil, conferia ao Estado
grande soma de recursos e maior capacidade de interferência na vida sindical.
No mesmo ano, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai),
órgão de direito privado subordinado à Confederação Nacional da Indústria (CNI)
e sustentado pela contribuição compulsória das empresas, proporcional à sua
folha de pagamentos.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em agosto
de 1942, foram tomadas medidas para aumentar o controle do ministério sobre o
movimento operário. No dia 31 desse mês, foi decretado que todas as categorias
passariam a colaborar “permanentemente com os poderes públicos... no
desenvolvimento da consciência cívica nacional... nos planos de mobilização
econômica... na propaganda do serviço militar” etc. As assembléias ou reuniões
de conselhos de representantes dos sindicatos passaram a depender de aprovação
prévia das autoridades do Ministério do Trabalho, que deveriam também ser
consultadas em caso dessas entidades pretenderem se filiar a quaisquer
movimentos, mesmo de caráter cívico. Esse elenco de medidas foi acrescido do
decreto de 16 de setembro de 1943, determinando que os dissídios coletivos só
poderiam ser iniciados depois de audiência dos sindicatos com o ministro do
Trabalho, encarregado de apreciar sua oportunidade. Além disso, o quorum
exigido para a realização de assembléias passou de 1/3 para a metade dos
associados dos sindicatos. Na mesma época, a pedido dos industriais, o governo
permitiu o aumento da jornada diária de trabalho para dez horas.
Coube a Marcondes Filho coordenar os trabalhos desenvolvidos
por Dorval de Lacerda, Arnaldo Lopes Sussekind e José Segadas Viana, visando
sistematizar e ordenar toda a matéria referente à legislação social e à
organização sindical. Desses estudos resultou a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), apresentada em 1º de maio de 1943 e, no essencial, vigente até
os dias atuais. Nela, foram minuciosamente regulamentadas as relações entre
empregados e empregadores, a proteção ao trabalhador e as condições do trabalho
fabril (horários, férias, higiene, iluminação, segurança, trabalho noturno
etc.), com especificações para diversas profissões.
A CLT regulou também as penalidades aplicáveis a operários e
patrões em caso de desobediência de seus dispositivos ou de decisões dos
tribunais e juntas de conciliação da Justiça do Trabalho, onde, entre os
juizes, têm assento representantes classistas. Foi mantido o princípio do
sindicato único por categoria, cujo reconhecimento continuou dependendo do
Ministério do Trabalho, que controlava minuciosamente o processo eleitoral e a
administração dos recursos da entidade, além de poder interferir em seu
funcionamento. Segundo o artigo 528 da CLT, “Socorrendo dissídios ou
circunstâncias que perturbem o funcionamento do sindicato, o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio poderá nele intervir por intermédio de delegado
com atribuições para administração da associação, e executar ou propor medidas
necessárias para normalizar-lhe o funcionamento”.
A
CLT não foi apenas uma compilação das leis existentes. Representou, em muitos
aspectos, uma ampliação dos direitos do trabalhador, o que, junto com outras
medidas tomadas pelo Estado Novo, conferiu grande popularidade a Vargas e ao
próprio Marcondes Filho, que dispunha de um programa radiofônico semanal
durante a Hora do Brasil.
No Ministério da Justiça
A
partir de 1942, a evolução da conjuntura internacional começou a provocar
divergências no interior do governo brasileiro, que desde 1939 assumira posição
de neutralidade em relação à Segunda Guerra Mundial, chegando a manifestar em
algumas ocasiões uma velada simpatia pelas forças do Eixo. A situação mudou com
a entrada dos Estados Unidos na guerra e a crescente simpatia da opinião
pública em favor dos Aliados. Esses fatores repercutiram fortemente no governo
brasileiro, submetido a pressões internas e externas para romper relações com
os países do Eixo. Osvaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores e detentor
de grande prestígio no governo, adotou uma posição abertamente favorável à
participação do Brasil na luta contra o nazi-fascismo, sendo apoiado pelo
ministro da Fazenda, Artur de Sousa Costa. Entretanto, o chefe de polícia do
Distrito Federal, Filinto Müller, e os generais Eurico Gaspar Dutra e Pedro
Aurélio de Góis Monteiro, respectivamente ministro da Guerra e chefe do Estado-Maior
do Exército, opunham-se a essa orientação. Segundo Edgar Carone, Marcondes
Filho também era contrário ao rompimento com o Eixo.
Entre
15 e 28 de janeiro de 1942, foi realizada no Rio de Janeiro a III Reunião de
Consultas dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas,
convocada pelos Estados Unidos. Durante o encontro, o Brasil se posicionou ao
lado dos Aliados e no último dia anunciou o rompimento de suas relações com o
Eixo, o que provocou um aguçamento dos conflitos internos do governo e
fortaleceu a atuação dos setores favoráveis ao envio de tropas para a Europa.
Pouco depois, os estudantes, defensores dessa proposta, resolveram promover uma
gigantesca passeata no dia 4 de julho, data da independência dos Estados
Unidos, obtendo para isso o apoio de Osvaldo Aranha e de Ernâni Amaral Peixoto,
interventor federal no estado do Rio de Janeiro. Filinto Müller tentou impedir
a realização do ato, o que motivou violenta reação de Vasco Leitão da Cunha,
chefe de gabinete e várias vezes ministro interino da Justiça. Eclodiu então
uma grave crise dentro do governo que, ligada à questão da participação
brasileira na guerra, levou ao afastamento dos principais expoentes civis
pró-Eixo, como Filinto Müller, Francisco Campos (ministro da Justiça) e
Lourival Fontes (chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda — DIP). Vasco
Leitão da Cunha, embora favorável à nova orientação da política externa
brasileira, também saiu do governo, mas não houve mudança nos altos postos
militares.
Em 17 de julho de 1942, Marcondes Filho assumiu interinamente
a chefia do Ministério da Justiça, que passou a acumular com a pasta do
Trabalho. Para a chefia de polícia do Distrito Federal foi nomeado o
tenente-coronel Alcides Gonçalves Etchegoyen e para o DIP, o major Antônio José
Coelho dos Reis.
Marcondes
Filho foi efetivado no Ministério da Justiça em 28 de abril de 1943, quando
crescia a oposição ao Estado Novo. Em agosto seguinte, a Ordem dos Advogados do
Brasil organizou um congresso jurídico nacional para comemorar o seu
centenário, convidando Marcondes Filho para presidi-lo. Durante o evento,
grande número de participantes enviou um requerimento ao ministro solicitando a
realização de três sessões plenárias para a discussão de teses sobre direitos
humanos e democracia. O pedido foi negado, o que levou muitos congressistas,
entre os quais Pedro Aleixo e os demais delegados mineiros, a abandonarem o
encontro. O incidente motivou um almoço de desagravo a Pedro Aleixo e originou
o chamado Manifesto dos mineiros, lançado em 24 de outubro de 1943,
reivindicando a implantação da democracia liberal; o documento obteve grande
repercussão em todo o país.
Nessa época, a oposição passou a defender a realização do
plebiscito previsto pela Constituição de 1937 para seis anos após a instalação
do Estado Novo, com o objetivo de referendar ou não o regime e a permanência de
Vargas na chefia do governo. Em discurso pronunciado no dia 10 de novembro de
1943 durante a Conferência dos Conselhos Administrativos do Estado, Marcondes
Filho justificou o adiamento do plebiscito, em função do estado de guerra, que
provocara a suspensão “dos direitos indispensáveis ao livre exercício de
qualquer processo de voto para a manifestação da opinião pública”.
Diante
do enfraquecimento do regime, novas propostas políticas começaram a ser
formuladas a partir do próprio governo. Marcondes Filho propôs a realização de
eleições através da estrutura corporativa dos sindicatos por considerá-la “a
maneira mais exeqüível e apropriada no Brasil para estabelecer o regime
definitivo”. Embora essa idéia tivesse encontrado forte oposição entre
personalidades ligadas ao governo Vargas afirmou, em discurso pronunciado ao
dia do sexto aniversário do Estado Novo, sua intenção de atribuir nova função
política aos sindicatos. Segundo ele, depois da guerra a estrutura política da
nação seria reajustada através de consultas populares, ressaltando que “das
classes trabalhadoras organizadas tiraremos de preferência os elementos
necessários à representação nacional”.
A
partir de 1944, o quadro político se alterou rapidamente, com o crescimento da
oposição nos meios civis e militares. Osvaldo Aranha e João Alberto Lins de
Barros (revolucionário de 1930 e presidente da Fundação Brasil Central) pediram
demissão de suas funções em agosto desse ano. Góis Monteiro, Juraci Magalhães,
Eduardo Gomes, Cordeiro de Farias e outros influentes militares passaram a
criticar abertamente o regime. Em janeiro de 1945, o I Congresso Brasileiro de
Escritores se posicionou em defesa da redemocratização e, no mês seguinte, a
publicação de uma entrevista de José Américo de Almeida no Correio da Manhã
marcou o fim da censura à imprensa. No plano internacional, a iminente derrota
do Eixo contribuía para o fortalecimento das correntes democráticas.
Nesse contexto, Vargas encarregou Marcondes Filho de estudar
as providências necessárias para a reabertura dos órgãos de representação
política, recebendo deste em 22 de fevereiro de 1945 uma exposição de motivos
quanto à adaptação das normas constitucionais à nova situação. O documento,
publicado na íntegra pelo jornal situacionista carioca O Radical no dia
seguinte, enfatizava que a iniciativa do processo de redemocratização partia do
próprio governo e defendia a realização de eleições diretas para os poderes Executivo
e Legislativo tanto em nível federal quanto estadual. Desaconselhava,
entretanto, a convocação de uma assembléia constituinte, reivindicação
oposicionista, defendendo que a liberalização deveria ocorrer nos marcos da
Constituição de 1937.
Esse
documento, recebido com muitas críticas pela oposição, serviu de base para a
elaboração da Lei Constitucional nº 9, também conhecida como Ato Adicional,
assinada em 28 de fevereiro de 1945, fixando o prazo de 90 dias para a
convocação das eleições. A reação oposicionista à nova lei também foi
extremamente negativa, chegando o Diário Carioca a publicar em manchete: “Em
moldes totalitários! Decretado o Ato Adicional. Mantidos os poderes ditatoriais
do presidente da República.” Pouco depois, Eduardo Gomes lançou sua candidatura
à chefia do governo, sendo apoiado por importantes setores oposicionistas que
mais tarde formaram a União Democrática Nacional (UDN). Em meio às pressões, o
governo decretou a anistia, em 18 de abril de 1945.
Depois da repressão negativa produzida pela Lei
Constitucional nº 9 Marcondes Filho foi substituído no Ministério da Justiça em
3 de março pelo interventor federal em Pernambuco, Agamenon Magalhães, amigo
pessoal do general Dutra. Manteve-se, entretanto, no cargo de ministro do
Trabalho.
A formação do PTB e o fim do Estado Novo
Em março de 1945, os agrupamentos que deram origem aos novos
partidos políticos já estavam em vias de organização. No dia 27 desse mês, o
interventor federal em Minas Gerais, Benedito Valadares, apresentou a candidatura
do general Dutra à presidência. Em 7 de abril, foi fundada a UDN e 14 dias
depois sua convenção homologou o nome de Eduardo Gomes para concorrer com
Dutra. Em 8 de abril, mais de cinco mil pessoas assinaram a ata de fundação do
Partido Social Democrático (PSD), formado principalmente em torno dos
interventores federais nos estados, com o apoio de Getúlio.
Nesse
processo de reorganização partidária, Marcondes Filho, também apoiado por
Vargas, passou a dedicar-se à organização do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), fundado em 15 de maio de 1945. A movimentação em torno desse partido
coincidiu com o chamado “movimento queremista”, que reivindicava a convocação
de uma constituinte com Getúlio Vargas no poder, política endossada pelo
movimento sindical e também pelo Partido Comunista Brasileiro, então Partido
Comunista do Brasil (PCB), que nesse mês retornou à legalidade.
Em
28 de maio de 1945 foi decretada a Lei Eleitoral, definindo as condições (voto
secreto, universal e obrigatório) do pleito para a presidência da República, o
Conselho Federal (que, na Constituição de 1937, correspondia ao Senado) e a
Câmara dos Deputados, e fixando a data de 2 de dezembro seguinte para a sua
realização. O mesmo decreto marcou para 6 de maio de 1946 as eleições para os governos
e assembléias legislativas estaduais. A partir dessa lei, os partidos e
agrupamentos políticos começaram a tomar providências para a obtenção do
registro junto à Justiça Eleitoral.
A
convenção nacional do PTB realizou-se no Rio de Janeiro em 14 de setembro de
1945, elegendo o mineiro Paulo Baeta Neves para a presidência do partido.
Getúlio Vargas e Marcondes Filho foram escolhidos, respectivamente, presidente
e vice-presidente de honra da agremiação. Nesse período, a participação
política dos sindicatos aumentou, com a realização de uma série de comícios
coordenados pelo Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), e no dia 10 de
outubro Vargas discursou sobre os quatro objetivos fundamentais do PTB:
“Primeiro, defender os trabalhadores das tentativas de absorção por parte de
elementos extremistas; segundo, evitar que os operários constituam massa de
manobra para os políticos; terceiro, permitir que os trabalhadores escolham
‘representantes saídos do seu seio’; quarto, permitir a ‘organização constitucional
em bases verdadeiramente democráticas’.”
A oposição via com crescente preocupação o sustento do PTB e
o crescimento do “movimento queremista” (apoiado pelos comunistas), temendo que
Vargas estivesse preparando as condições para a sua permanência no poder.
Assim, a antecipação das eleições para prefeitos e governadores também para 2
de dezembro foi interpretada como o início de uma manobra para o cancelamento
do pleito, levando os liberais a começarem a apelar diretamente para a
intervenção das forças armadas a fim de forçar a renúncia de Vargas.
No
dia 27 de outubro, o chefe de polícia do Distrito Federal, João Alberto,
proibiu a realização de um comício programado pelos sindicatos, levando o chefe
do governo a substituí-lo por seu irmão Benjamim Vargas. Essa medida encontrou
forte resistência entre civis e militares, levando à deflagração, no dia 29, de
um golpe militar articulado pelo general Góis Monteiro, que assumira a chefia
do Ministério da Guerra em agosto. Na ausência de um Poder Legislativo, o
presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, assumiu a presidência da
República e, em conseqüência, Marcondes Filho deixou o Ministério do Trabalho,
permanecendo algum tempo em prisão domiciliar.
Durante o Estado Novo, Marcondes Filho se empenhara também em
aprimorar os instrumentos estatais de apoio à industrialização, sendo o
criador, em 1944, do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial
(CNPIC), que contou com a participação do empresário Roberto Simonsen.
No Senado
Após
a queda do Estado Novo, Marcondes Filho retornou à sua cidade natal com a saúde
gravemente abalada. Encontrava-se ainda internado em hospital quando, no dia 2
de dezembro de 1945, foi eleito senador por São Paulo à Assembléia Nacional
Constituinte na legenda do PTB, junto com Getúlio Vargas. Entretanto, só teve
condições de assumir efetivamente o mandato durante a primeira legislatura
ordinária que se seguiu ao fim dos trabalhos constituintes, passando a presidir
a Comissão Interparlamentar de Direito Social. Nesse período, defendeu na
tribuna do Senado sua gestão à frente do Ministério do Trabalho e o próprio
Estado Novo, exerceu a presidência da Comissão Técnica de Trabalho e Legislação
Social, e apresentou projetos criando a disciplina de psicologia médica no
ensino de nível superior e o Código Brasileiro de Radiodifusão.
Em 1951, Vargas retornou à chefia do governo federal através
do voto direto, tendo como companheiro de chapa João Café Filho que, de acordo
com a Constituição de 1946, tornou-se vice-presidente da República e presidente
do Senado. Entre julho e dezembro desse ano, Marcondes Filho exerceu a
presidência da comissão executiva da seção pautista do PTB que conseguiu, nos
pleitos municipais realizados nesse período, elevar de oito para 82 o número de
seus prefeitos no estado. Ainda em 1951, apoiado por Café Filho, Marcondes
Filho derrotou Fernando Melo Viana na disputa pela vice-presidência do Senado,
cargo que ocupou durante três anos através de sucessivas reeleições. Viajou no
ano seguinte para a Europa a fim de estudar uma solução para o problema de
novas instalações para o Senado. No dia 1º de junho, obteve uma audiência com o
papa Pio XII e tornou-se portador de uma mensagem sua ao povo brasileiro, que
teve ampla divulgação no país.
Sempre
fiel a Vargas, Marcondes Filho teve seu nome cogitado em 1954 para
candidatar-se ao governo de São Paulo, o que não se verificou. Em março desse
ano, foi nomeado vice-presidente da delegação brasileira à Conferência de
Caracas, que discutiu a situação das colônias e territórios ocupados por
potências extracontinentais na América. Os brasileiros defenderam a tese de que
a solução desse problema desse buscada no foro da Organização das Nações Unidas
(ONU), mas sua proposta foi derrotada pelo projeto argentino, que afirmava a
competência da comunidade das repúblicas americanas para buscar sozinha o fim
da dominação estrangeira sobre aqueles territórios. Em 12 de abril de 1954,
Marcondes Filho ocupou a tribuna do Senado para fazer um minucioso relato sobre
sua participação na conferência.
Com
o suicídio de Vargas e a ascensão de Café Filho à presidência da República em
agosto de 1954, Marcondes Filho passou a ocupar a presidência do Senado. No
exercício dessas funções, conseguiu obter o consenso das correntes parlamentares
na interpretação do texto constitucional a fim de que o novo presidente pudesse
ser formalmente empossado perante o Congresso, e sustentou também — com êxito —
a tese de que não havia necessidade de eleger novo vice-presidente. Pouco
depois, Café Filho, interessado em obter o apoio do PTB para o seu governo,
convidou Marcondes Filho para reassumir a chefia do Ministério do Trabalho, mas
este declinou do convite, afirmando que sua participação no Senado era mais
conveniente aos interesses de São Paulo.
Marcondes Filho não foi incluído na lista de candidatos do
PTB às eleições parlamentares de 3 de outubro de 1954. Em fevereiro do ano
seguinte, substituiu o demissionário Miguel Seabra Fagundes à frente do
Ministério da Justiça. Sua nomeação, que contrabalançava a forte posição da UDN
no gabinete de Café Filho, foi recebida com hostilidade pelo governador de São
Paulo, Jânio Quadros, e pelos ministros militares mais próximos daquele
partido, gerando o boato de que Juarez Távora (chefe da Casa Militar), Eduardo
Gomes (ministro da Aeronáutica) e Edmundo Amorim do Vale (ministro da Marinha)
pediriam demissão, o que não chegou a ocorrer.
De volta ao Ministério da Justiça
Marcondes
Filho elaborou o programa básico do governo de Café Filho, publicado em 30 de
março de 1955 com o objetivo de conciliar todas as principais correntes
políticas e ampliar a base de sustentação do governo. Entretanto, suas
propostas fundamentais geraram grande polêmica. Pretendia reduzir os gastos
públicos supérfluos, reprimir a especulação, coibir os lucros ilícitos e taxar
rigorosamente os excessivos, atrair capitais estrangeiros e manter a legislação
vigente sobre a exploração do petróleo. Falava também em “apressar a adoção de
leis e medidas administrativas que... corrijam a inconveniência do nosso regime
de exploração da terra”, defendendo o acesso do trabalhador à terra e a
extensão do sistema de previdência social ao campo. Do ponto de vista político,
propunha que a Constituição fosse emendada, a fim de tornar necessária a obtenção
de maioria absoluta de votos para a eleição do presidente, dos governadores e
dos prefeitos. Determinava ainda a adoção de uma reforma eleitoral, o
cancelamento do registro dos partidos que não elegessem candidatos para as
assembléias legislativas e a proibição de que um parlamentar mudasse de legenda
durante o exercício do mandato.
Marcondes
Filho encomendou em seguida ao ministro Edgar Costa, presidente do Tribunal
Superior Eleitoral, a preparação de um projeto de reforma do Código Eleitoral,
tendo em vista o pleito de 3 de outubro de 1955. A proposta então elaborada — e
posteriormente recusada pela Câmara dos Deputados por 97 votos contra 11 —
indicava providências visando à melhor identificação dos eleitores e instituía
a cédula oficial de votação (na época, cada partido imprimia suas próprias
cédulas).
Em 18 de abril de 1955, Marcondes Filho pediu demissão do
ministério, sendo substituído por José Eduardo Prado Kelly, membro da UDN. Sua
decisão foi tomada em conseqüência do acordo entre Jânio Quadros e Café Filho,
pelo qual o primeiro abriu mão de sua candidatura à presidência da República
nessa época em troca da indicação de José Maria Whitaker e Otávio Marcondes
Ferraz para os ministérios da Fazenda e de Viação e Obras Públicas,
respectivamente. Essa mudança no gabinete, realizada na primeira quinzena de
abril, enfraqueceu a posição de Marcondes Filho que, ao pedir demissão,
ressaltou a falta de apoio do governo de São Paulo a seu nome.
Quatro meses após sua renúncia, partiu para a Europa,
cumprindo a missão, confiada pelo Ministério da Educação e Cultura, de estudar
as medidas necessárias ao incremento da cooperação intelectual luso-brasileira.
Durante a viagem, encontrou-se novamente com o papa Pio XII, a quem entregou
uma mensagem de agradecimento de Café Filho pela atenção dedicada pelo Sumo
Pontífice à idealização do Congresso Eucarístico Internacional no Rio de
Janeiro em 1955.
De volta ao Brasil, retirou-se definitivamente da vida
pública, retomando suas atividades profissionais em São Paulo, onde faleceu em
16 de outubro de 1974.
Foi casado com Maria Mercedes Marcondes Machado.
Publicou inúmeros artigos, discursos e conferências.
O arquivo de Marcondes Filho encontra-se depositado no Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da
Fundação Getulio Vargas.
Jorge Miguel Mayer
FONTES: ARAÚJO, A.
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Índice; Jornal do Brasil (17/10/74); LEITE, A. História; LEITE, A. Páginas;
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