CARLOS,
Antônio
*dep. fed. MG 1911-1917; min. Faz.
1917-1918; dep. fed. MG 1919-1925; sen. MG 1925-1926; pres. MG 1926-1930; rev.
1930; const. 1934; dep. fed. MG 1935-1937.
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada nasceu em Barbacena (MG) no dia 5 de setembro de 1870, filho
de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e de Adelaide Feliciano Duarte de Andrada.
Seu pai, também conhecido como o “segundo Antônio Carlos”, fundou o ramo
mineiro da família Andrada ao transferir-se de Santos (SP), onde nascera, para
Barbacena, por motivo de saúde. Além de advogado e juiz municipal nessa cidade,
foi deputado-geral por Minas Gerais em 1884 e senador estadual em 1891.
Seu avô paterno, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, ao lado
dos irmãos José Bonifácio de Andrada e Silva e Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva, integrou a família mais proeminente no processo de
independência do Brasil e dos primeiros tempos da monarquia. Netos do português
José Ribeiro de Andrada, que se radicou em Santos em 1678, os três irmãos foram
personalidades de primeiro plano na emancipação do Brasil de Portugal. Enquanto
José Bonifácio, o Patriarca da Independência, organizou o ministério de janeiro
de 1822 e liderou a pressão junto ao futuro dom Pedro I para a conquista da
independência, e Antônio Carlos, grande orador, foi deputado às cortes
portuguesas em 1821, constituinte em 1823 e figura de proa no golpe de Estado
que proclamou a maioridade de Pedro II, Martim Francisco foi ministro da Fazenda
em julho de 1822, constituinte em 1823, deputado geral por Minas de 1830 a 1833
e mais uma vez ministro da Fazenda após a maioridade de dom Pedro II. De seu
casamento com sua sobrinha Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada, filha de José
Bonifácio, nasceram, além do “segundo Antônio Carlos”, Martim Francisco Ribeiro
de Andrada, deputado geral por São Paulo de 1861 a 1868 e de 1878 a 1886,
ministro de Estrangeiros em 1866 e da Justiça de 1866 a 1868 e conselheiro de
Estado em 1879, e José Bonifácio de Andrada e Silva, também deputado geral por
São Paulo de 1861 a 1868 e em 1878, senador em 1878 e ministro da Marinha em
1862 e do Império em 1864.
A mãe de Antônio Carlos era filha de um grande proprietário
de terras mineiro, dono da fazenda da Borda do Campo, fundador do município de
Santos Dumont, próximo a Barbacena. Era também irmã de José Rodrigues de Lima
Duarte, o visconde de Lima Duarte, senador e ministro da Marinha de 1881 a
1882, e bisneto de José Aires Gomes, um dos inconfidentes mineiros.
Dos irmãos de Antônio Carlos, destacou-se também na política
José Bonifácio de Andrada e Silva, que foi deputado federal por Minas Gerais de
1899 a 1930 e depois embaixador do Brasil em Lisboa (1931) e em Buenos Aires
(1933-1937).
Antônio Carlos fez os estudos primário e secundário em sua
cidade natal, no Colégio Abílio, de Abílio César Borges, barão de Macaúbas. Em
1887, matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde teve como colega
de turma outro mineiro de família tradicional que se projetaria na vida política
do país, Afrânio de Melo Franco.
Na
faculdade, aderiu à causa republicana, fundando o Clube Republicano dos
Estudantes Mineiros e filiando-se ao Clube Republicano Acadêmico. Foi também
redator do jornal Vinte e Um de Abril. Diplomou-se em 1891 e no
mesmo ano transferiu-se para Ubá (MG), onde foi nomeado promotor público. De
Ubá, passou para Palma (MG), onde foi juiz municipal.
Em 1894, instalou-se como advogado em Juiz de Fora, a cidade
mais importante da Zona da Mata mineira, e também a mais importante nas
proximidades de Barbacena. Por concurso, tornou-se professor de história geral
e de economia política da Escola Normal de Juiz de Fora, lecionando também
direito comercial na Academia de Comércio local. Ingressou na política através
do jornalismo, em 1896, ao se tornar diretor-proprietário do Jornal do
Comércio de Juiz de Fora, único órgão diário do estado além do jornal
oficial publicado na então capital, Ouro Preto. Nessa época, foi eleito
vereador e vice-presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora.
Em 1899, casou-se com Julieta de Araújo Lima Guimarães, filha
de Domingos Custódio Guimarães, barão do Rio Preto, e bisneta de Pedro de
Araújo Lima, marquês de Olinda, constituinte em 1823, deputado-geral, senador,
várias vezes ministro do Império e quatro vezes presidente do Conselho de
Ministros entre 1848 e 1865.
Embora ligado aos interesses da Zona da Mata, Antônio Carlos
se tornaria na política mineira, segundo Afonso Arinos de Melo Franco na
coletânea Antônio Carlos: o Andrada da República, um
representante da “Velha cultura mineradora” do estado. Mais liberal do que
autoritária, essa cultura se opunha ao grupo ligado à “nova economia, agrícola
e pioneira [do] café da Zona da Mata”, ao qual pertenciam, entre outros, Artur
Bernardes, Raul Soares e Carlos Peixoto.
O especialista em finanças públicas
Com
a eleição de Francisco Sales para a presidência de Minas Gerais, Antônio Carlos
foi convidado a ocupar a Secretaria de Finanças do estado, assumindo o cargo ao
inaugurar-se o novo governo, em 7 de setembro de 1902.
O principal setor da economia estadual era o café,
concentrado na Zona da Mata, seguido da pecuária, desenvolvida no Sul mineiro.
A instabilidade caracterizava as finanças do estado, já que a principal fonte
de receita pública era o imposto de exportação, baseado na produção e
comercialização do café. Qualquer alteração dos preços do café nos mercados
internacionais refletia-se violentamente no total da arrecadação tributária.
A política executada por Antônio Carlos na Secretaria de
Finanças foi de contenção drástica das despesas públicas, de estímulo à
produção agropecuária e de redistribuição da tributação, com a criação do
imposto sobre o valor das transações comerciais internas, que evitou novas
quedas na arrecadação tributária. Em substância, essa política representava a
continuidade em relação ao governo anterior, de Siviano Brandão, homem ligado,
como Francisco Sales, aos interesses do Sul, onde o café era a segunda fonte de
riqueza e não a primeira, como na Zona da Mata.
Mas, o estado de Minas Gerais, como um todo, era regido pelos
interesses cafeeiros — não só os locais como os de São Paulo, que comandavam a
economia nacional. Ainda na Secretaria de Finanças, em fevereiro de 1906,
Antônio Carlos participou das negociações que conduziram à assinatura do
Convênio de Taubaté. Assinado pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro, esse acordo destinava-se a evitar uma grave crise decorrente da
superprodução de café, que não se conseguira impedir. Comprando estoques, os
três governos garantiam aos produtores um preço mínimo, superior ao que
decorreria do excesso de oferta do produto no mercado mundial.
O Convênio de Taubaté inaugurou uma política, posteriormente
encampada pelo governo federal, de intervenção direta no mercado do café. Era a
política dita de valorização do café. Como escreveu John Wirth na História
geral da civilização brasileira, o governo mineiro não tinha
praticamente outra opção, porque os cafeicultores do estado produziam cafés de
tipo inferior e altos custos, e não teriam sobrevivido no mercado mundial sem a
sustentação de um preço mínimo. Entretanto, “é evidente que a valorização tirou
o caráter de urgência dos esforços para desenvolver novos produtos estaduais”.
Ainda
em 1906, Antônio Carlos foi também prefeito de Belo Horizonte, capital do
estado desde 1898. Findo o governo de Francisco Sales em 7 de setembro daquele
ano, voltou para Juiz de Fora. Em 1907, foi eleito senador estadual e vereador
nessa cidade, de cuja Câmara Municipal foi escolhido presidente, tornando-se
também, conseqüentemente, agente executivo (o equivalente ao atual prefeito) da
cidade.
Sua passagem para a política de âmbito nacional deu-se em
1911, quando foi eleito na legenda do Partido Republicano Mineiro (PRM),
partido único no estado entre 1897 e 1930, deputado federal para preencher a
vaga aberta no ano anterior com a renúncia de Artur Bernardes, nomeado para a
Secretaria de Finanças de Minas Gerais.
Na Câmara dos Deputados, foi escolhido, logo após a sua
posse, para integrar a Comissão de Finanças, a mais importante da época, e
designado relator do orçamento da receita. Reeleito em janeiro de 1912 deputado
federal, elaborou os pareceres justificativos do orçamento da receita em 1912,
1913 e 1914. Em 1914, com a ida de Wenceslau Brás — político do sul de Minas —
para a presidência da República, foi designado líder da maioria na Câmara dos
Deputados e presidente da Comissão de Finanças.
Novamente eleito para a Câmara dos Deputados em 1915, exerceu
a liderança da maioria e a presidência da Comissão de Finanças até setembro de
1917, quando foi nomeado ministro da Fazenda de Wenceslau Brás, em substituição
a João Pandiá Calógeras. Essa, nomeação teve o sentido de compensar a
designação de Artur Bernardes para governar Minas Gerais de 1918 a 1922, feita
pelo PRM ainda em 1917, quando Antônio Carlos tivera sua candidatura ao governo
do estado patrocinada, sem êxito, por Wenceslau.
Pandiá Calógeras adotara no Ministério da Fazenda, em meio a
uma crise econômico-financeira agravada pela Primeira Guerra Mundial, medidas
de combate aos desvios de dinheiro e à corrupção que existia nas alfândegas, e
de restrições aos desperdícios orçamentários e às facilidades na aplicação das
verbas federais, o que lhe valeu a oposição dos políticos que tinham no
orçamento um apoio eleitoral. Aumentara também o imposto de consumo, atingindo
as camadas mais pobres da população. Devido à agressiva campanha desfechada
contra sua gestão, mas que o atingia pessoalmente, pediu demissão.
Impossibilitado de angariar recursos no exterior, em virtude
dos termos do empréstimo de consolidação da dívida externa brasileira (funding
loan) negociado pelo governo de Hermes da Fonseca, e ainda por causa
da guerra que se desenvolvia na Europa, o governo de Wenceslau Brás vira-se na
contingência de realizar emissões monetárias para fazer face aos problemas
financeiros do governo e às dificuldades da agricultura de exportação,
provocados pela queda dos preços do café.
Ao
assumir a pasta da Fazenda em setembro de 1917, Antônio Carlos continuou a
aplicar a política que estivera a cargo de Calógeras, e que consistia também em
reduzir os déficits na execução do orçamento federal produzidos pelo declínio
da principal fonte de receita, o imposto de importação. Realizou reformas
aperfeiçoando a fiscalização da receita pública e aprovou nova regulamentação
referente aos impostos de consumo e de renda. Reteve no país a produção de
ouro, mediante contrato com as companhias de mineração estipulando que o
Tesouro nacional compraria tudo o que fosse produzido. Ainda em 1917, destinou
120 mil contos de réis à aplicação da política de valorização do café em São
Paulo.
Deixou o Ministério da Fazenda em 1º de novembro de 1918,
duas semanas antes do fim do governo de Wenceslau Brás, para se
desincompatibilizar e poder se reeleger deputado federal. Nessa ocasião,
aceitou convite para ser membro do conselho da Companhia Sul América de
Seguros, tornando-se pouco depois um de seus diretores.
De volta ao Congresso Nacional
Eleito sempre na legenda do PRM, Antônio Carlos voltou à
Câmara dos Deputados em maio de 1919, reassumindo a presidência da Comissão de
Finanças, na qual permaneceu até 1923, contracenando sobretudo com o deputado
paulista Cincinato Braga, depois ministro da Fazenda de Artur Bernardes
(1922-1926). Ainda em 1923, publicou Bancos de emissão no Brasil, livro
que teve muita repercussão e no qual defendia, em nome de princípios clássicos,
a redução do meio circulante.
Em 1924, voltou a ocupar a liderança da maioria na Câmara dos
Deputados, cabendo-lhe defender a política autoritária e repressiva do
presidente Bernardes, às voltas com generalizado e persistente descontentamento
da opinião pública e com os movimentos tenentistas armados. Designando para
esse posto um de seus rivais no PRM, que já ocupara a liderança da bancada
mineira por imposição de Raul Soares (presidente do estado de 1922 a 1924),
Bernardes se fortaleceu na arena federal, pois contrapunha a seus adversários a
unidade da política mineira.
Coube
a Antônio Carlos, em meados de 1925, submeter ao presidente de São Paulo,
Carlos de Campos, e por intermédio deste ao Partido Republicano Paulista (PRP),
o nome escolhido por Bernardes e pelo PRM para ser o próximo presidente da
República: Washington Luís. Essa escolha já se havia definido na verdade em
1921, quando as oligarquias paulista e mineira examinaram a sucessão de
Epitácio Pessoa (1919-1922) e escolheram o nome de Bernardes, estabelecendo um
acordo tácito no sentido de que o sucessor deste seria, no quadriênio
1926-1930, o então presidente de São Paulo, Washington Luís. Segundo a política
dos acordos “café-com-leite”, tratava-se naquele momento de restabelecer a
alternância de presidentes saídos do PRP ou do PRM, interrompida com a eleição
do paraibano Epitácio Pessoa para a chefia do governo federal. Por outro lado,
nessa mesma sistemática estava inscrita a volta de Minas à presidência da
República, a partir de 1930, presumivelmente através do próprio Antônio Carlos.
No
mesmo ano de 1925, Antônio Carlos foi eleito para o Senado por seu estado, e
nesta casa do Congresso foram encontrá-lo as articulações para a sucessão de
Fernando de Melo Viana (1924-1926) na presidência de Minas Gerais. Melo Viana,
o sucessor do falecido Raul Soares, foi a única figura importante da política
mineira a contestar a candidatura de Washington Luís, emitindo declarações de
cunho democratizante e, nessa medida, críticas em relação ao governo de
Bernardes. Mas este lhe ofereceu a vice-presidência na chapa de Washington Luís
e conseguiu, assim, reincorporá-lo ao esquema situacionista, aplainando as
discrepâncias.
A contrapartida do resgate de Melo Viana foi a aceitação, por
Bernardes, da candidatura de Antônio Carlos ao governo de Minas, homologada em
setembro de 1925 pela comissão diretora do PRM — conhecida como a “Tarasca” —,
poucos dias depois da oficialização da chapa Washington Luís-Melo Viana. Tal
escolha completava a unificação do partido naquele período de definição dos
nomes dos futuros presidentes do país e de Minas Gerais.
Ainda em 1925, Antônio Carlos representou o Brasil no
Congresso de Finanças, em Londres, e no Congresso Parlamentar realizado em
Genebra, na Suíça.
Em março de 1926, foi eleito para a presidência de Minas,
juntamente com Alfredo Sá (vice-presidente), sem concorrentes. Sua vaga no
Senado seria preenchida, no ano seguinte, por Artur Bernardes.
Na presidência de Minas Gerais
Tomando posse em 7 de setembro de 1926, Antônio Carlos chegou
à presidência de seu estado aureolado pela fama de hábil e experimentado
parlamentar, “o mais consagrado manobrista político, habituado a conviver com
os contrários, removedor de dificuldades (...) mágico da elaboração de
fórmulas”, de quem se dizia ser capaz de “tirar as meias sem tirar os sapatos”,
segundo Dário de Almeida Magalhães na publicação Digesto Econômico. Barbosa
Lima Sobrinho não lhe negaria a notória “inteligência arguta, ágil, sutil”, mas
acrescentaria, crítico: “Faz lembrar as épocas de decadência, em que costumam
florescer espíritos assim, flutuantes, indecisos, céticos, requintados,
divertindo-se com a palavra em exercícios de pura prestidigitação verbal.”
O novo presidente de Minas nomeou para a Secretaria do
Interior o deputado federal Francisco Campos, que se tornaria o mais influente
de seus auxiliares no governo; para a Secretaria de Finanças, Gudesteu de Sá
Pires, que deixaria o cargo em novembro de 1929 para concorrer à Câmara dos
Deputados, sendo então substituído por José Bernardino Alves Júnior; para a
Secretaria de Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas, o
veterano deputado federal e líder da maioria Augusto Viana do Castelo, que
ainda em novembro de 1926 foi nomeado ministro da Justiça de Washington Luís,
sendo substituído por Djalma Pinheiro Chagas. Finalmente, para a Secretaria de Segurança
e Assistência Pública, que não existia anteriormente e foi extinta ao
encerrar-se seu governo (para ressurgir somente em 1956), nomeou José Francisco
Bias Fortes, substituído em outubro de 1929, em meio à campanha para a sucessão
de Washington Luís, pelo deputado federal Odilon Braga.
Do governo de Antônio Carlos em Minas se apresenta geralmente
um saldo bastante positivo, em confronto com outras administrações do período
e, sobretudo, com os governos de seus antecessores. Há entretanto quem julgue,
como Barbosa Lima Sobrinho, que suas realizações foram motivadas pelo afã de
projetar nacionalmente seu nome tendo em vista a sucessão de Washington Luís, e
ganharam destaque, na verdade, graças a um bem montado esquema de
publicidade.
De
toda forma, foi grande o contraste, no plano político, entre a atitude de
Antônio Carlos em Minas Gerais — liberal e tendendo ao congraçamento das várias
correntes do PRM — e o desempenho da bancada mineira na Câmara dos Deputados, a
qual, obedecendo ao seu comando (e sob a liderança de seu irmão José
Bonifácio), apoiou integralmente a ação do presidente da República, até a
eclosão da crise sucessória, na segunda metade de 1929. Assim, a bancada
mineira — de longe a maior, com seus 37 deputados — acatou a recusa da anistia
aos revolucionários de 1922 e 1924, prometida por Washington Luís antes de sua
posse, e defendeu a aprovação, em agosto de 1927, do projeto Aníbal de Toledo,
que deu origem à chamada Lei Celerada, responsável pelo reinício de rigorosa
censura à imprensa e outras formas de cerceamento à liberdade de expressão.
Antônio Carlos justificava esse comportamento, segundo Virgílio de Melo Franco,
pela necessidade de evitar pretextos à desconfiança ou hostilidade do governo
da União.
Ainda no curso de seu governo, Antônio Carlos modernizou a
ferrovia do Sul de Minas (Rede Sul-Mineira) e iniciou a implantação da estrada
de ferro de Paracatu. Promoveu melhoramentos nas estâncias hidrominerais do
estado, especialmente em Poços de Caldas. Belo Horizonte, cuja evolução urbana
vinha se arrastando desde o início do século e sofrera uma aceleração a partir
de 1922, conheceu também em seu quadriênio, com Cristiano Machado à frente da
prefeitura, um surto de desenvolvimento considerável.
No terreno econômico-financeiro, sua política não ofereceu
novidades substanciais em relação ao que se vinha fazendo: apoio ao café e à
pecuária da Zona da Mata e do Sul. As crônicas dificuldades orçamentárias do
estado diminuíram, na medida em que aumentaram os rendimentos do Tesouro
estadual: em 1928, eles haviam atingido 180 mil contos de réis, contra menos da
metade (70 mil conto de réis) em 1923. Contribuiu para tanto a diversificação
da tributação. Segundo John Wirth, Carlos foi o primeiro governante mineiro,
desde a introdução do imposto territorial em 1901, a “transferir um quinhão
mais significativo do encargo fiscal para os proprietários de imóveis rurais”.
Em 1928, o imposto territorial se elevou 9,3% das rendas do
estado (contra 5 a 6% anteriormente), para chegar em 1933, no governo seguinte,
a 15,8%.
Antônio
Carlos também não contraiu dívidas de monta, elevando-se o serviço anual da
dívidas consolidada do estado em 1928 a apenas 9% da receita arrecadada. Na
verdade, ao final do governo restariam apenas as dívidas assumidas por Minas
para cumprir sua parte ao lado do Rio Grande do Sul e da Paraíba na conspiração
que resultaria na Revolução de 1930.
Seguindo
em Minas a política de Washington Luís, Antônio Carlos facilitou a assinatura
do contrato da Itabira Ore Company, que vinha sendo tentada pelo empresário
norte-americano Percival Farquhar desde 1920, quando Artur Bernardes, na
presidência do estado, lhe criara incontornáveis obstáculos. Mas o projeto de
exploração de minério de ferro de Farquhar acabaria tendo sua efetivação
definitivamente impedida após a Revolução de 1930, durante o governo do
presidente Getúlio Vargas.
Foi no setor educacional que o governo de Antônio
Carlos teve atuação mais notável. Em setembro de 1927, foi criada em Belo
Horizonte a Universidade de Minas Gerais (atual Universidade Federal de Minas
Gerais). O secretário do Interior, Francisco Campos, dirigiu, em experiência
pioneira no país, a renovação de todo o ensino primário e normal do estado,
segundo os postulados da “escola nova”, que haviam chegado ao Brasil, através
de educadores como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, após a Primeira
Guerra Mundial.
Francisco Campos e um grupo de psicólogos e professores
estrangeiros traçaram todo um plano de reforma do ensino, do qual resultou,
notadamente, a criação da Escola de Aperfeiçoamento, destinada a formar e
reciclar educadores na linha da “escola nova”. O número de escolas primárias
foi triplicado entre 1926 e 1929, quando mais de quinhentos mil alunos (para
uma população em torno de seis milhões de habitantes) as freqüentavam. Em 1928,
provocando alguma celeuma nos meios políticos e angariando a simpatia da Igreja
Católica, Antônio Carlos reintroduziu o ensino religioso nas escolas públicas.
Foi ainda no terreno político que seu governo se notabilizou,
com a reforma que instituiu o voto secreto nas eleições municipais e estaduais.
Em setembro de 1927, e era a primeira vez que isso acontecia na história do
país, essa modalidade de sufrágio foi introduzida em Minas Gerais.
Regulamentada em abril de 1928, a lei foi logo aplicada em três eleições
municipais e para o preenchimento de duas vagas, no Senado mineiro, ainda no
mesmo ano.
A instituição do voto secreto estava de fato implícita na
plataforma de governo com que Antônio Carlos se apresentara ao eleitorado
mineiro, em 1926: “É indispensável que nos inspiremos na sadia lição que aponta
o voto livre como sendo o único meio eficaz para prevenir e debelar,
pacificamente, ainda as mais graves crises políticas.” A plataforma exaltava
também a autonomia dos poderes legislativo e judiciário, condenando a
“tendência usurpadora do Poder Executivo”, o qual, “intervindo, ainda que
dissimuladamente, na esfera desses outros poderes (...) diminui e desmerece o
prestígio moral do regime”.
Contemplando os direitos oposicionistas, a pregação liberal
de Antônio Carlos era: “Manterei, imprescritivelmente, a maior tolerância
diante das opiniões contrárias, estimando na sã oposição o valioso papel de
eficaz colaboradora na ação dos governos.” O corolário desse pensamento exposto
em 1926, contrário às idéias e à prática que marcaram o governo de Washington
Luís, seria depois resumido na frase mais conhecida de Antônio Carlos: “Façamos
a revolução antes que o povo a faça.”
Na campanha da Aliança Liberal
Quanto mais aplicava em Minas — com os condicionamentos e a
mentalidade da época — essa política, tanto mais Antônio Carlos se afastava do
situacionismo federal, a despeito da postura cordata da bancada mineira na
Câmara dos Deputados.
Avolumaram-se,
ao mesmo tempo, os conflitos entre uma política federal baseada na defesa dos
interesses cafeeiros paulistas e as aspirações dos grupos dominantes em outros
estados importantes. Desde as sucessões de Delfim Moreira (1919) e Epitácio
Pessoa (1922) estava em curso, embora lento e sinuoso, mas real, um processo de
estiolamento da política de predomínio concertado de São Paulo e Minas Gerais,
levando a reboque um Rio Grande do Sul freqüentemente contrariado.
Mas
o que acelerou tal processo, conduzindo à cisão definitiva das oligarquias que
dominaram a República Velha e à derrubada do quadro institucional de 1891, foi,
mais uma vez, a questão sucessória. Foi em torno da escolha do sucessor de
Washington Luís que se condensaram as contradições entre a política oficial e
as instituições, de um lado, e a situação real da sociedade e da economia, de
outro.
Com sua argúcia, Antônio Carlos percebeu que Washington Luís
não respeitaria a rotina dos acordos “café-com-leite”. Em maio de 1927, o
presidente da República impôs o nome de seu líder na Câmara dos Deputados,
Júlio Prestes, para concorrer pelo PRP à presidência de São Paulo, que ficara
vaga com o falecimento de Carlos de Campos e a subseqüente renúncia do
vice-presidente, Fernando Prestes, pai do próprio Júlio Prestes. Eleito em
junho, com a preterição de velhos e prestigiosos nomes do PRP (o que revelava a
obstinação de Washington Luís em promovê-lo), Júlio Prestes assumiu em julho a
presidência de São Paulo.
Ao iniciar-se o ano de 1928, já havia fortes indícios de que
Washington Luís se fixaria na candidatura de seu protegido Júlio Prestes, entre
outras razões, para garantir a continuidade, no quadriênio seguinte, da linha
mestra de seu governo, a política monetária de retorno ao padrão-ouro e de
fixação da taxa de câmbio acima dos índices do mercado, favorecendo as
exportações.
Vários episódios foram marcando a hostilidade entre os
presidentes da República e de Minas. Antônio Carlos não custou a entender que,
vetada pelo palácio do Catete, sua candidatura se tornava praticamente
inviável. Viável seria, entretanto, resistir à imposição de Júlio Prestes, com
a apresentação de um forte candidato oposicionista.
As cisões nos grupos dominantes estaduais tinham adquirido
expressão partidária com a criação do Partido Democrático paulista e da Aliança
Libertadora gaúcha. Essas agremiações usaram as eleições de fevereiro de 1927,
em seus respectivos estados, para denunciar os métodos antidemocráticos
vigentes. Em setembro do mesmo ano, foi criado no Rio o Partido Democrático
Nacional, fusão dos democráticos paulistas com os libertadores gaúchos, os
quais, em março de 1928, transformaram a Aliança no Partido Libertador (PL) do
Rio Grande do Sul.
Para
que as oposições pudessem pensar em eleger um presidente da República, era
necessário que se unissem aos partidos republicanos dos grandes estados. Em
Minas, Antônio Carlos, seu irmão José Bonifácio e o deputado Afrânio de Melo
Franco, figuras de relevo do PRM, compreenderam o problema. No Rio Grande do
Sul, o líder da bancada do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) na Câmara
Federal, João Neves da Fontoura, chegou à mesma conclusão no início de 1929,
acompanhando assim o pensamento do chefe histórico do partido e ex-presidente
do estado durante longos anos, Antônio Augusto Borges de Medeiros.
Não
havia, em perspectiva, maiores problemas para manter o PRM unido nessa direção.
Já no Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, que deixara o Ministério da Fazenda de
Washington Luís para assumir a presidência do estado em janeiro de 1928,
praticava uma política de tolerância em face da forte oposição libertadora
local, chefiada por Joaquim Francisco de Assis Brasil. Caberia ao situacionismo
mineiro favorecer o entendimento dos tradicionais adversários gaúchos. E isto
seria tanto menos difícil na medida em que se designasse, como candidato
oposicionista, um político gaúcho. Getúlio Vargas seria esse candidato. Foi com
essa visão que Antônio Carlos autorizou José Bonifácio e Afrânio de Melo Franco
a entrarem em contato com João Neves, o grande articulador da unidade gaúcha
respaldada por Minas.
Washington
Luís queria, em desacordo com a praxe republicana, que o problema da sucessão
presidencial só fosse introduzido no debate político nacional a partir de
setembro de 1929, seis meses antes das eleições, marcadas para 1º de março de
1930. Em junho, porém, a questão foi suscitada no Congresso Nacional, e o
secretário de Segurança de Minas, José Francisco Bias Fortes, abordou-a em
discurso numa cerimônia oficial. No dia 17, as negociações entre Minas e o Rio
Grande do Sul foram traduzidas num acordo secreto, assinado por Francisco
Campos e José Bonifácio, representantes de Antônio Carlos, e João Neves,
representante de Vargas e de Borges de Medeiros. Pelo acordo, que ficou
conhecido como o Pacto do Hotel Glória, os dois estados apoiariam a candidatura
de um mineiro que viesse a ser proposta por Washington Luís, mas, no caso de o
presidente propor um candidato de qualquer outro estado, Minas o recusaria e
lançaria um nome gaúcho — Borges de Medeiros ou Getúlio Vargas. Embora não
fosse ignorada uma remotamente hipotética candidatura de Antônio Carlos, o
sentido principal do pacto foi o de repudiar o nome de Júlio Prestes.
Em julho, Getúlio Vargas e Antônio Carlos trocaram cartas com
Washington Luís a propósito do problema sucessório. Getúlio revelou a um
incrédulo presidente da República que era candidato, com o apoio de Minas. Em
30 de julho, a comissão executiva do PRM aprovou por unanimidade os nomes de
Vargas e de João Pessoa, presidente da Paraíba, para concorrer à presidência e
à vice-presidência da República. No início de agosto, a oposição libertadora do
Rio Grande do Sul deu-lhes seu apoio, sendo criada a Frente Única Gaúcha (FUG).
O passo seguinte foi a criação da Aliança Liberal, coligação oposicionista de
âmbito nacional. O programa da Aliança Liberal propunha a concessão de uma
anistia ampla a todos os presos políticos, processados e perseguidos desde o 5
de julho de 1922, e ainda, capitaneando uma série de reformas políticas, o voto
secreto. Sob a presidência de Antônio Carlos, a Aliança Liberal realizou sua
convenção nacional em 20 de setembro de 1929, no Rio, homologando as
candidaturas de Vargas e João Pessoa.
Segundo Bóris Fausto, “quando a Aliança Liberal se
estabeleceu, como arma de pressão (junto à burguesia do café) aberta a todo
tipo de conciliações”, não teve condições de contrapor ao status quo um
novo rumo econômico e social, “além de tímidas referências à necessidade de
diversificação econômica”, restando-lhe apenas erguer a bandeira das reformas
políticas.
Como Vargas, Antônio Carlos fez questão de dizer que,
vitoriosa a oposição, a política do café não seria modificada. Em entrevista
concedida ao Diário Nacional de São Paulo em agosto de 1929, insistiu
nesse aspecto, lembrando sua própria atuação pregressa e garantindo que a
atitude de Vargas coincidiria “inteiramente com as diretrizes e com a atuação que
a mentalidade paulista, com inteiro acerto, tem ditado aos seus dirigentes”.
Repeliu as acusações de regionalismo dirigidas a Minas e ao Rio Grande do Sul e
esclareceu que a formação da Aliança Liberal tinha como motivo primordial
“contestar ao presidente da República o direito de servir-se do poder para, à
revelia da manifestação livre das forças políticas, eleger o seu sucessor”.
Como sugere João Camilo de Oliveira Torres, “fazer” seu sucessor era um direito
que competia a Washington Luís, mas não pessoalmente, e sim “como chefe da
política nacional”, considerando “a posição e os interesses dos
condes-eleitores, isto é, os governadores dos grandes estados e certas figuras
de projeção”. Mais adiante, em telegrama a Epitácio Pessoa datado de novembro de
1929, Antônio Carlos definiria a Aliança Liberal como “movimento cívico que
propugna para a soberania popular o livre exercício do direito de escolha do
supremo magistrado da nação”.
A política mineira não entrou unida na Campanha da Aliança
Liberal. De início, Washington Luís conseguiu recrutar, para a campanha do
candidato oficial Júlio Prestes, o ministro da Justiça, Viana do Castelo, e o
diretor da Carteira Comercial do Banco do Brasil, Manuel de Carvalho Brito,
ligado à política do estado. Outro problema era a candidatura do
vice-presidente da República, Melo Viana, à sucessão de Antônio Carlos. O
presidente de Minas não queria essa candidatura, não queria candidatura alguma
que não significasse a continuidade de sua política. No dia 18 de outubro de 1929,
teve início uma série de reuniões da comissão executiva do PRM para examinar o
problema.
A manobra de Melo Viana consistiu em vetar todos os nomes
sugeridos e dizer que só aceitaria os de Wenceslau Brás ou Artur Bernardes,
porque sabia que um não aceitava o nome do outro. Antônio Carlos,
aproveitando-se do impasse criado pelo entrechoque das três candidaturas,
avançou como solução conciliatória o nome do septuagenário Olegário Maciel,
presidente do Senado estadual. Para vice-presidente, propôs a candidatura de
Pedro Marques de Almeida, presidente da Assembléia Legislativa e seu genro. Com
Olegário na presidência de Minas, calcularam todos, a disputa pela hegemonia na
política estadual permaneceria em aberto, já que ele não dispunha mais de
condições para exercer o comando efetivo do PRM e da própria máquina
administrativa. E se ele falecesse no curso do mandato, hipótese bastante
plausível, o beneficiado seria Antônio Carlos, com a ascensão de Pedro Marques.
As duas candidaturas propostas por Antônio Carlos foram
aprovadas na madrugada do dia 22 de outubro pela “Tarasca”. Imediatamente, Melo
Viana, percebendo a extensão de sua derrota, retirou-se da reunião e rompeu com
o partido, seguido pelo vice-presidente do estado, Alfredo Sá. Com mais cinco
deputados federais e vários congressistas estaduais, integraram-se depois na
Concentração Conservadora, movimento criado em Minas sob a presidência de
Carvalho Brito para apoiar Júlio Prestes.
Outra conseqüência da cisão no PRM foi o início do conflito
entre os Andradas e os Bias Fortes em Barbacena, onde, desde então, as duas
famílias passaram a disputar a hegemonia da política municipal. José Murilo de
Carvalho mostrou, em artigo publicado na Revista Brasileira de
Estudos Políticos, que, até então, as duas famílias eram “aliadas e
amicíssimas”. José Francisco Bias Fortes, nomeado em 1926 por Antônio Carlos
para a Secretaria de Segurança por influência de seu irmão José Bonifácio,
apoiou a pretensão de Melo Viana ao governo de Minas e, quando este aderiu à
Concentração Conservadora, acompanhou-o, pedindo demissão de seu cargo no dia
28 de outubro de 1929. Após a vitória da Revolução de 1930, a nomeação de um
Andrada para a prefeitura de Barbacena exacerbaria o conflito, conferindo-lhe
conotações de violência política e mesmo policial. Com o Estado Novo em 1937,
as posições se inverteriam, indo Bias Fortes para a prefeitura e passando os
Andradas à condição de oposicionistas perseguidos. Depois de 1945, a luta se
travaria nas urnas, sem a violência de antes, com a alternância do Partido
Social Democrático (PSD), dos Bias, e da União Democrática Nacional (UDN), dos
Andradas.
Por
outro lado, as conseqüências da crise econômica mundial irrompida em outubro de
1929 sobre a economia cafeeira, aguçando suas contradições e, como escreveu
Bóris Fausto, as “das instituições que consagravam seu predomínio”,
radicalizaram a campanha eleitoral. No fim do ano, repetidos conflitos entre
parlamentares situacionistas e oposicionistas tiveram um desenlace trágico com
o assassinato, na Câmara dos Deputados, do deputado pernambucano Manuel
Francisco Sousa Filho por seu colega gaúcho Ildefonso Simões Lopes.
Cresceu, também, o apoio popular à Aliança Liberal. No dia 1º
de janeiro de 1930, Getúlio Vargas, acompanhado de João Pessoa, leu sua plataforma
de candidato numa grande manifestação popular realizada na esplanada do
Castelo, no Rio de Janeiro. Depois, a Aliança Liberal organizou caravanas que
percorreram os estados fazendo a pregação de seu programa.
Choques violentos ocorreram em Garanhuns (PE), Vitória e
Montes Claros (MG). Nesta última cidade, Carvalho Brito programara a realização
de um Congresso do Algodão para o dia 6 de fevereiro. Quando o cortejo da
Concentração Conservadora, encabeçado por Melo Viana, passou diante da
residência do chefe aliancista local, João Alves, houve um tiroteio do qual
resultaram vários mortos e feridos, entre estes últimos o próprio
vice-presidente da República, pisoteado na confusão que se estabeleceu.
Houve então uma troca de telegrama entre o ministro da
Justiça, Viana do Castelo, e Antônio Carlos, que acusou o governo federal de,
através do bloqueio dos Correios e Telégrafos e da Estrada de Ferro Central do
Brasil, impedir a comunicação e o acesso das autoridades estaduais a Montes
Claros. Para Antônio Carlos, isto teria o propósito de exagerar os
acontecimentos (segundo as primeiras informações, Melo Viana teria sido
atingido por vários disparos no pescoço) e de suscitar a indignação da opinião
pública. O inquérito aberto pelo governo mineiro foi acompanhado pelo
procurador da República Luís Galloti.
O mais importante dos conflitos suscitados nos estados pela
campanha eleitoral teve início no mesmo mês de fevereiro. Foi a revolta da
cidade de Princesa, atual Princesa Isabel (PB), sob a liderança do chefe político
local José Pereira Lima, contra o governo de João Pessoa. Assim como no
episódio de Montes Claros, o governo federal não deu nenhum apoio ao governo
estadual, ficando nítida sua hostilidade aos estados de Minas e da Paraíba no
período pré-eleitoral.
Na Revolução de 1930
À
medida que se aproximava a data das eleições, os políticos mais radicais da
Aliança Liberal — como os mineiros Afrânio e Virgílio de Melo Franco e os
gaúchos João Neves, José Antônio Flores da Cunha, João Batista Luzardo e Osvaldo
Aranha, secretário do Interior de Vargas — foram reforçando sua convicção de
que Washington Luís impediria por todos os meios a vitória dos candidatos
oposicionistas.
Começaram assim a contemplar a hipótese de desencadear um
movimento armado contra o governo federal. Desde fins de 1929, passaram a ser
procurados por oficiais revolucionários de 1922 e 1924, como Antônio de
Siqueira Campos, Newton Estillac Leal, João Alberto Lins de Barros, Juarez
Távora, Leopoldo Néri da Fonseca, Eduardo Gomes e Osvaldo Cordeiro de Farias. O
principal intermediário entre os “tenentes” e as forças políticas mineiras e
gaúchas foi Virgílio de Melo Franco, que era deputado estadual em Minas.
Essa primeira fase do movimento conspirativo não implicava,
ainda, uma preparação para a luta armada, sendo os contatos realizados
paralelamente à propaganda eleitoral da oposição. No fundo, segundo Virgílio de
Melo Franco, os dirigentes dos três estados oposicionistas “não estavam de todo
resolvidos a apelar para o extremo recurso da revolução, senão em último caso
(...) o Sr. Antônio Carlos, sobretudo, tinha um supremo horror à idéia de
revolução”.
No dia 1º de março de 1930, não foi difícil para Washington
Luís — aplicando os métodos típicos da época, aos quais não se furtou a
oposição, onde pôde — obter a vitória de Júlio Prestes e de seu companheiro de
chapa, o baiano Vital Soares, com grande diferença de votos sobre a chapa da
Aliança Liberal. Ganhou alento, então, a perspectiva de um movimento armado.
Em 19 de março, contudo, o chefe do PRR, Borges de Medeiros,
deu uma entrevista reconhecendo a vitória de Júlio Prestes, considerando
positivo o fato de ele ter superado Vargas por margem indiscutível, de modo a
encerrar o assunto, e dizendo que o Rio Grande do Sul deveria, se convidado, cooperar
com o futuro governo do vencedor.
Ao mesmo tempo, no Rio, João Batista Luzardo, que era um dos
dirigentes do PL, entrou em contato com Virgílio de Melo Franco para lhe
afirmar estarem as forças políticas gaúchas dispostas a adotar o caminho
armado, sob a condição de que seu estado fosse acompanhado por Minas e pela
Paraíba. Em 22 de março, foram ambos a Petrópolis (RJ) para entrar em
entendimentos com o ex-presidente Epitácio Pessoa. Epitácio lhes disse que,
antes de se pronunciar sobre a perspectiva da rebelião aberta, preferia
aguardar a tomada de posição de Antônio Carlos. Virgílio e Batista Luzardo
seguiram imediatamente para Juiz de Fora, onde se entrevistaram com o
presidente de Minas. Luzardo foi autorizado a declarar aos chefes políticos gaúchos
e a Epitácio Pessoa que Antônio Carlos e seu estado aceitariam a solução
sediciosa caso o Rio Grande do Sul a adotasse.
Na volta para o Rio, os dois políticos passaram por
Petrópolis, onde Epitácio Pessoa concordou com a opinião de Antônio Carlos,
comprometendo-se a consultar João Pessoa, a quem caberia a última palavra sobre
a atitude da Paraíba. Luzardo chegou a Porto Alegre, com as opiniões de Antônio
Carlos e Epitácio, no dia 25 de março, e reuniu-se imediatamente com Osvaldo
Aranha, João Neves, Flores da Cunha e outros chefes políticos gaúchos
envolvidos na conspiração. No dia seguinte, foi recebido por Vargas, a quem
informou sobre os contatos realizados. De volta ao Rio no dia 28, relatou a
Virgílio o resultado de sua viagem: Borges de Medeiros havia retificado suas
declarações relativas à eleição de Júlio Prestes, Getúlio não deixara dúvidas
quanto à sua disposição de desencadear o movimento e Osvaldo Aranha se
encontrava em plena atividade conspirativa.
No fim de março, Virgílio e Luzardo refizeram o roteiro
anterior. Antônio Carlos os autorizou a convidar o coronel João Xavier de Brito
para dirigir, em Minas, a preparação revolucionária. Como Xavier de Brito
estivesse doente, em estado desesperador, convidaram em seu lugar o capitão
Néri da Fonseca. Passaram a aguardar, no Rio, a chegada de Luís Aranha, que
viria do Rio Grande do Sul com plenos poderes para discutir se se
comprometeriam a entrar na revolução.
No pleito de 1º de março, os eleitores tinham votado também
para a renovação do Congresso Nacional. A sem-cerimônia com que a maioria
governista se serviu do processo de reconhecimento dos eleitos na Paraíba e em
Minas foi mais um fator de indignação contra Washington Luís.
Em Minas, a junta apuradora, ligada a Carvalho Brito,
instalou-se numa das salas do Conselho Municipal (Câmara de Vereadores) de Belo
Horizonte, cujo prédio foi cercado por uma companhia do Exército. Os efetivos
federais na capital mineira foram reforçados a partir de então. Outras medidas
de hostilidade do governo foram denunciadas por Antônio Carlos, além do que ele
chamou de “preparo e provocação de conflitos com os órgãos do poder estadual”:
restrições dos serviços telegráficos e ferroviários, pertencentes à União;
manejo de autoridades e funcionários federais com finalidades
político-eleitorais, e processos tendentes a embaraçar a vida econômica e
financeira do estado.
Na Paraíba, a junta apuradora diplomou todos os candidatos a
deputados federais e o candidato a senador apresentados pela oposição estadual,
“degolando” os aliancistas. Em Minas, numa decisão ratificada no dia 20 de maio
pela Câmara dos Deputados, motivando novo protesto de Antônio Carlos, foram
“degolados” 14 aliancistas, em benefício de candidatos apresentados pela
Concentração Conservadora. A bancada mineira, fixada em 37 deputados com base
numa população sabidamente superestimada em 7,4 milhões de habitantes
(setecentos mil a mais do que a população que seria recenseada em 1940), foi
assim “redimensionada”, ficando os aliancistas com 23 cadeiras (as bancadas
paulista e baiana, que vinham em segundo lugar, tinham 22 deputados cada).
Segundo John Wirth, “o desastre foi agravado pela perda de todas as
presidências de comissões e pela imposição de sanções econômicas federais,
coisa que nunca, até então, se fizera em Minas. Tratados como um pequeno
estado, os mineiros optaram, relutantes, pela revolução”.
O esquema de preparação do movimento armado fora transmitido
em abril, por Virgílio, Luzardo e Luís Aranha, a Epitácio Pessoa, Artur
Bernardes e Antônio Carlos. Osvaldo Aranha acelerava a conspiração,
encomendando na Tchecoslováquia cerca de 16 mil contos de réis em material
bélico e munições. O Rio Grande do Sul deveria participar com a metade dessa
soma, cabendo seis mil contos a Minas e dois mil à Paraíba.
Antônio Carlos concordou com o esquema proposto e incumbiu
Francisco Campos de acompanhar Luís Aranha ao Rio Grande do Sul, para verificar
in loco o andamento dos preparativos. Francisco Campos ficou no Rio
Grande do Sul entre 18 e 27 de abril, quando voltou ao Rio de Janeiro. Depois
de se entrevistar com Artur Bernardes, seguiu para Minas com Virgílio de
Melo Franco e o capitão Néri da Fonseca. O presidente de Minas autorizou o
início da preparação material do movimento. A tarefa militar do estado consistiria
em distrair as tropas federais que nele se encontrassem e fechar as próprias
fronteiras, atraindo tropas federais, que assim seriam retiradas da fronteira
sul de São Paulo. Os sediciosos contavam dominar as tropas federais no Rio
Grande do Sul e marchar em seguida rumo à capital da República.
No dia 27 de maio — depois da “degola” dos deputados
aliancistas —, Antônio Carlos presidiu uma reunião da comissão executiva do PRM
em que a participação de Minas no movimento armado foi por todos aprovada. Em
19 de junho, Vargas lançou um manifesto à nação, denunciando os
procedimentos do governo federal no processo eleitoral e afirmando não estar
longe “a necessária retificação, para vermos a democracia brasileira no regime
que exige a felicidade pátria”.
Nos dias seguintes, porém, Antônio Carlos começou a recuar.
Numa entrevista com João Neves e Flores da Cunha, levados a Juiz de Fora por
Virgílio de Melo Franco, declarou — segundo este último — que estava com o Rio
Grande do Sul e seguiria a sua orientação, mas “insinuou que o melhor seria
firmar-se uma sólida aliança entre os três estados para uma campanha política,
ficando de pé o compromisso com a revolução, caso o governo federal interviesse
na Paraíba”.
Dias depois, Virgílio levou a Belo Horizonte, para nova
conversa com Antônio Carlos, o capitão Néri da Fonseca e Pedro Ernesto Batista,
principal articulador do movimento no então Distrito Federal. Pedro Ernesto
informou que fora escolhida a data de 16 de julho, a ser confirmada
oportunamente, para a deflagração da revolução. O presidente de Minas
mostrou-se hesitante e criticou o que considerava como precipitação dos
revolucionários gaúchos, aos quais acusou ainda de terem marginalizado Borges
de Medeiros.
Virgílio de Melo Franco explicaria depois que ele e seus
companheiros de conspiração atuantes em Belo Horizonte haviam exagerado muito,
aos olhos de Antônio Carlos, a extensão dos preparativos do movimento, não só
em Minas como em outros pontos do país, sobretudo em São Paulo. Em meados de
junho, achando-se Virgílio ausente da capital mineira, chegaram de São Paulo
dois emissários do tenente Henrique Holl, o principal responsável pela
conspiração nesse estado. Levados a Odilon Braga, que substituíra Bias Fortes
na Secretaria de Segurança, fizeram-lhe um relato que mostrava não ser a
situação tão favorável quanto supunha Antônio Carlos. No mesmo dia, Francisco
Campos recebeu pelo rádio — principal meio de contato entre os conspiradores,
que trocavam mensagens cifradas — uma comunicação de Osvaldo Aranha na qual
este fazia minuciosas indagações sobre a situação em Minas.
Antônio
Carlos, ainda segundo o relato de Virgílio, ficou profundamente mal
impressionado com o que chamou de falta de preparação do movimento. “Em São
Paulo, dizia, a situação era muitíssimo diferente da que lhe tínhamos nós
pintado. Além disto, acrescentava, naquele momento, poucos dias antes da
projetada explosão revolucionária, Osvaldo Aranha ainda não sabia o que em
Minas se passava. (...) Acusou-nos a todos de o estarmos envolvendo, e
ao nosso estado, em uma aventura louca”, mostrando-se “irredutível nos seus
propósitos de fazer abortar o movimento”.
Em
17 de junho, Antônio Carlos ordenou a Francisco Campos que mandasse a Osvaldo
Aranha um radiograma, assinado pelo secretário do Interior, afirmando que o
presidente de Minas considerava o movimento inteiramente sem articulação,
deficientemente preparado e sem probabilidade de sucesso, e propunha uma
concertação entre Minas e o Rio Grande do Sul com vista a uma campanha
política. Osvaldo Aranha respondeu instando o governo mineiro a se definir em
relação à luta armada.
No dia 21, Francisco Campos voltou a se comunicar com Osvaldo
Aranha, reiterando que Antônio Carlos preconizava, como diretriz, uma ação exclusivamente
política, e concluindo com a opinião — que deu como sua, mas que lhe fora
ditada pelo próprio presidente de Minas — de que o chefe do governo mineiro
queria evitar o movimento.
Dois dias depois, veio a áspera resposta de Aranha: arcava o
presidente de Minas com a inteira responsabilidade da desistência (“Meu
pensamento situação pior que dos negros sofreram escravidão com menor
ridículo”). Preocupado com a repercussão de sua atitude, Antônio Carlos
procurou transferir a responsabilidade da participação ou não de Minas ao
presidente eleito (em março) do estado, Olegário Maciel. Virgílio de Melo
Franco, percebendo a manobra, obteve de Cristiano Machado, responsável pela
pasta do Interior no secretariado escolhido por Olegário Maciel, que enviasse a
este uma mensagem sugerindo-lhe uma resposta desencorajadora das pretensões de
Antônio Carlos.
Em 27 de junho, depois de entendimentos realizados com a
direção do PRM, Virgílio radiografou a Osvaldo Aranha dizendo-lhe que a
situação não devia ser encarada com pessimismo, de vez que o presidente de
Minas estava isolado em sua posição vacilante. Achava ainda que, se o Rio
Grande do Sul exigisse o cumprimento do compromisso assumido, o próprio Antônio
Carlos não faltaria à palavra dada. Osvaldo Aranha respondeu-lhe no dia seguinte:
“Minha convicção você e eu vítimas mistificação vergonhosa. Estou farto dessa
comédia. Impossível continuar sob direção chefe tão fraco que desanima os
próprios soldados. Minha disposição inabalável abandonar vida política.”
Entrementes, o recuo de Antônio Carlos deu a Getúlio o pretexto de que
precisava para recuar ele próprio. Osvaldo Aranha se demitiu da Secretaria de
Justiça do governo gaúcho. A primeira tentativa de desencadear a revolução
fracassara.
Virgílio foi ao Rio para discutir a situação com João Neves,
Lindolfo Collor (deputado federal pelo PRR) e Maurício Cardoso, que estava em
missão de observação, enviado pela comissão diretora do PRR. Virgílio e
Maurício Cardoso realizaram novo périplo de conversações. Estiveram primeiro em
Viçosa (MG), onde Virgílio obteve de Artur Bernardes uma carta dirigida a
Olegário Maciel: “Não vejo saída digna para nós senão pela porta da revolução —
única deixada aberta pelo inimigo.” Depois de contatos feitos em Belo
Horizonte, resolveram voltar ao Rio, onde Maurício Cardoso aguardaria a chegada
de Olegário Maciel, para entrevistar-se com ele na presença de Artur Bernardes
e de Lindolfo Collor, que substituíra João Neves na liderança da bancada do
PRR.
Enquanto os conspiradores mais obstinados lutavam para manter
armada a trama revolucionária, que se desmanchava sob o efeito de fracassos e
discordâncias, ocorreu o assassinato de João Pessoa, em Recife, no dia 26 de
julho de 1930. Reinstalou-se então a perspectiva revolucionária. Antônio Carlos
propôs a Getúlio o lançamento de um manifesto à nação no qual Washington Luís
seria apontado como o mandante do assassínio e declarado, por isto, fora da
lei. Vargas repeliu a idéia: “Um manifesto dessa natureza, sem a sua imediata e
lógica sucessão, seria um suicídio e um crime.”
Virgílio de Melo Franco, que chegara a Porto Alegre junto com
a notícia do assasinato de João Pessoa, tratou de informar aos chefes do PRM
que a revolução viria, ainda que o Rio Grande do Sul a fizesse sem Minas.
Reatou as negociações entre os dois estados, apesar de Antônio Carlos ter
mandado dizer a Getúlio que ele não representava o pensamento de Minas Gerais.
Ao mesmo tempo, no Rio, Olegário Maciel declarou a Maurício Cardoso estar de
acordo com o movimento, desde que ele ocorresse ainda sob o governo de Antônio
Carlos, que lhe transmitiria a presidência do estado em 7 de setembro.
Osvaldo Aranha marcou a deflagração do movimento para 26 de
agosto, mas, poucos dias antes, comunicou que não havia preparação suficiente
para que ele eclodisse antes da posse de Olegário Maciel. Numa situação marcada
por desconfianças recíprocas entre os conspiradores dos diferentes estados, a
notícia gerou uma grande tensão.
Mário
Brant, deputado federal do PRM, Djalma Pinheiro Chagas, secretário de
Agricultura de Antônio Carlos, e Pedro Ernesto dirigiram-se aos gaúchos
afirmando que o movimento só seria possível até 7 de setembro. Antônio Carlos,
por seu turno, comunicou-se diretamente com Getúlio para validar a hipótese da
eclosão da revolta depois daquela data, dizendo-se autorizado por Olegário
Maciel a fazê-lo. Em 25 de setembro, finalmente, Vargas e Osvaldo Aranha
marcaram para 3 de outubro a data de deflagração da revolução.
A hesitação de Antônio Carlos, no final de junho, provocando
o adiamento do levante, acabou sendo benéfica para seu desencadeamento em
Minas, segundo a opinião de Virgílio de Melo Franco, porque as tropas federais
que reforçavam a guarnição de Belo Horizonte foram retiradas antes da posse de
Olegário Maciel, cuja adesão à conspiração aparentemente não era levada a sério
por Washington Luís, o qual, de resto, só percebeu a evidência dos fatos, de
modo geral, quando eles já haviam ocorrido e produzido suas graves
conseqüências.
A revolução começou em Porto Alegre às 17:30h do dia 3 de
outubro. Às 11 da noite estavam dominadas todas as guarnições militares da
capital gaúcha, à exceção de um batalhão de cavalaria, que se rendeu no dia
seguinte. Em Belo Horizonte, a luta começou no mesmo momento, mas a resistência
oferecida pelo 12º Regimento de Infantaria (12º RI), apesar da prisão de seu
comandante, coronel José Joaquim de Andrade, na mesma tarde do dia 3, foi mais
tenaz: o regimento resistiu ao cerco e aos ataques dos rebeldes (tropas da
Força Pública) durante cinco dias.
Enquanto Odilon Braga, que fora secretário de Segurança até 7
de setembro, articulava as atividades revolucionárias na capital mineira, onde
se encontravam Olegário Maciel e Artur Bernardes, Antônio Carlos e os outros
chefes civis e militares do movimento, inclusive a maior parte do governo
estadual, se deslocaram para a região de Barbacena e Juiz de Fora. Para aí se
transportou a base de operações após a rendição do 12º RI, no dia 8. O 10º
Batalhão de Cavalaria, de Ouro Preto, já fora dominado pelas forças rebeldes
sediadas em Barbacena. Com o auxílio das tropas liberadas em Belo Horizonte
pela rendição do 12º RI, foram dominados, no dia 15, o 11º RI de São João del
Rei, e o regimento de cavalaria de Três Corações.
Em
24 de outubro, quando as tropas partidas do Rio Grande do Sul já estavam na
fronteira do Paraná com São Paulo, Washington Luís foi deposto no Rio de
Janeiro, assumindo o governo uma junta governativa militar. As intenções da
junta não eram claras. Seus integrantes se declararam dispostos a aceitar que
Vargas, o chefe da revolução, assumisse a presidência de um colegiado de
governo. Mas os planos de Getúlio não previam a partilha do poder. Ele se
tornou chefe do Governo Provisório em 3 de novembro, depois que a junta cedeu
diante da ameaça de as tropas rebeldes prosseguirem seu avanço rumo à capital
federal.
Da Legião de Outubro ao Partido Progressista
A vitória da revolução fortaleceu, em Minas Gerais, a
autoridade de Olegário Maciel — único governante estadual que não foi
substituído por um interventor federal — e do PRM, representante dos grupos
dominantes locais. O presidente do partido, Artur Bernardes, desempenhara um
papel importante na preparação política do movimento, mantendo uma posição
firme, que contrastava com a conduta vacilante de Antônio Carlos e do próprio
Olegário Maciel.
A
situação tornou-se entretanto instável porque encerrava uma contradição entre
os objetivos dos “tenentes” e dos jovens políticos radicais da Aliança Liberal,
como Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco, e os das forças políticas
tradicionais. Para estas, a revolução havia sido “um movimento armado que
visava a restabelecer o jogo político rompido por São Paulo”. Já a intervenção
dos “tenentes” na vida política mineira “tinha como objetivo principal a
neutralização do poder político das oligarquias, encontrando na facção
bernardista um alvo e uma resistência”, conforme o trabalho de Helena Bomeny
publicado em Regionalismo e centralização política.
Ao
mesmo tempo, a divisão se instalara dentro do PRM desde o processo de escolha de
Olegário Maciel para governar o estado, em outubro de 1929, e a subseqüente
criação da Concentração Conservadora, cuja atividade roubara ao candidato
Getúlio Vargas muitos votos em Minas no pleito de 1º de março de 1930. Desde
sua posse, no início de setembro, Olegário Maciel vinha se defrontando com
sérias dificuldades para constituir dentro do PRM um grupo que pudesse servir
de base de apoio ao seu governo. Era grande a influência de Bernardes em Minas,
e ela pareceu crescer após o triunfo do movimento armado.
Ainda em novembro de 1930, os “tenentes” começaram a
pressionar Olegário no sentido de estabelecer uma aliança antibernardista. O
alvo mais importante, contudo, não era a presença de Bernardes na vida política
mineira, mas o próprio PRM e seu sistema de poder, como expressões de uma
mentalidade e de práticas que a revolução, na concepção dos “tenentes”, viera
erradicar. Em 21 de novembro, Olegário recebeu um telegrama assinado por vários
ministros do Governo Provisório, pelo chefe de polícia do Distrito Federal,
Batista Luzardo, e pelo ex-chefe do Estado-Maior das Forças Revolucionárias,
tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, sugerindo a criação da Legião
de Outubro em Minas, como instrumento de defesa e propagação dos ideais da
revolução.
No fim do mês, Antônio Carlos se recusou a ser o patrono de
uma “Legião Revolucionária Antônio Carlos”, instruindo seus correligionários a
se enquadrarem no processo de formação da Legião de Outubro. Dias antes, a
facção bernardista tinha sido golpeada com a demissão, por Olegário Maciel, de
três secretários estaduais que haviam tentado convencê-lo a renunciar:
Cristiano Machado (Interior), Alaor Prata (Agricultura) e José Carneiro de
Resende (Finanças), substituídos, respectivamente, por Gustavo Capanema, Cincinato
Noronha Guarani e Amaro Lanari.
No início de 1931, Antônio Carlos, da mesma maneira que Artur
Bernardes, declinou de um convite de Vargas para assumir uma embaixada no
exterior (seu irmão José Bonifácio, porém, concordou em ser nomeado embaixador do
Brasil em Lisboa).
A Legião de Outubro foi fundada em Minas no dia 27 de
fevereiro de 1931, por Francisco Campos (ministro da Educação e Saúde Pública
do Governo Provisório), Gustavo Capanema e Amaro Lanari, não tardando a revelar
seu caráter fascistizante, Antônio Carlos integrou-se sem maior entusiasmo no
movimento, sendo eleito para sua direção. Em 21 de abril, Francisco Campos
organizou um desfile na Legião em Belo Horizonte. Os legionários, constituindo
uma milícia uniformizada de “camisas-cáqui”, acorreram de quase todos os
municípios do estado. A organização passou então a denominar-se Legião Liberal
Mineira, e conseguiu arregimentar um grande contingente de perremistas, através
de pressões e intimidações.
No início de julho, Antônio Carlos afirmou em entrevista que
o programa da Legião Mineira era a fusão do manifesto da Aliança Liberal com a
plataforma do candidato Getúlio Vargas. Conforme Helena Bomeny, a ambigüidade
marcou, desde o início, a Legião: “resultante de um projeto tenentista, viu-se na
contingência de ser implantada por forças anárquicas do estado. Se
ideologicamente caracterizava-se pela crítica ao regionalismo oligárquico, na
prática era impulsionada por setores da oligarquia.”
O PRM resistiu ao assédio dos “tenentes” e das forças oliárquicas
representadas no governo do estado e agregadas na Legião Mineira. Em 15 de
agosto, iniciou-se em Belo Horizonte, num clima de grande agitação, uma
convenção do partido. Osvaldo Aranha, ministro da Justiça de Vargas, articulou
um golpe militar para coincidir com a reunião. Seu objetivo era derrubar
Olegário Maciel e colocar Virgílio de Melo Franco à frente do governo mineiro.
A tentativa foi feita no dia 18, pelo comandante do 12º RI, coronel Júlio
Pacheco de Assis, instruído por Osvaldo Aranha, mas fracassou diante da
resistência de Olegário, respaldado pela força pública.
Artur
Bernardes e outros membros do PRM foram detidos na capital mineira. O governo
federal acabou definindo o 18 de Agosto como um “lamentável equívoco”, sem
maiores explicações. Antônio Carlos, que fora um dos defensores da permanência
de Olegário no poder, temendo sobretudo um retorno de Bernardes à chefia do
Executivo mineiro, repeliu como absurda a hipótese de um apoio do Governo
Provisório ao PRM no episódio. Assim, o maior acusado foi o partido, na figura
de Bernardes. O PRM entrou em desagregação.
No
final de 1931, conquanto estivesse fora de cogitação entregar o poder ao
bernardismo, percebeu-se que não se poderia governar Minas Gerais à inteira
revelia desta facção. As forças antagonistas começaram a negociar um acordo,
por inspiração de Getúlio e com a intermediação de Gustavo Capanema. A idéia
era fundir num só partido a Legião de Outubro (que definitivamente não vingara
como partido) e o PRM, para constituir a base de apoio dos governos estadual e
federal. Em fevereiro de 1932, essa aliança ficou conhecida como “Acordo
Mineiro” e se traduziu na criação do Partido Social Nacionalista (PSN), tendo
Antônio Carlos, Bernardes, Wenceslau Brás e Virgílio de Melo Franco na comissão
diretora.
Daí até a eclosão da Revolução Constitucionalista de julho de
1932, a política mineira oscilou entre a defesa do Governo Provisório e o apoio
à causa paulista. Em abril de 1932, Olegário Maciel, Antônio Carlos, Bernardes
e Virgílio lançaram um manifesto declarando ser “dever do povo mineiro apoiar
com firmeza o governo originado da revolução” e comunicando que emissários
mineiros entrariam em contato com os líderes de São Paulo, do Rio Grande do Sul
e do movimento tenentista para tentar um acordo que garantisse a estabilidade
do Governo Provisório.
Bernardes
aderiu à causa constitucionalista, enquanto Antônio Carlos propendia para a
busca de uma solução de compromisso que evitasse o confronto armado entre o
governo de Vargas e os grupos dominantes paulistas, que contavam com o apoio
popular. Olegário, entrementes, hesitava. O primeiro efeito das novas
divergências foi a dissolução do PSN em maio.
A Revolução Constitucionalista eclodiu em São Paulo no
dia 9 de julho de 1932. Durante os primeiros dias, o governo mineiro permaneceu
indeciso, até que, no dia 19, Olegário manifestou o apoio de Minas ao Governo
Provisório. A revolução seria esmagada, após violentos combates, em 2 de
outubro, quando foi assinada a rendição dos revoltosos. Bernardes, preso em
Minas quando tentava articular o apoio armado a São Paulo, acabou sendo exilado
em dezembro, como outros líderes presos em diversos estados.
Com o exílio de Bernardes, Djalma Pinheiro Chagas e Mário
Brant, o PRM, agora definitivamente um partido de oposição, ficou bastante
enfraquecido, Ao seu processo de desagregação contrapôs-se a reorganização
partidária no estado, apoiada e estimulada por Vargas. Em fevereiro de 1933,
essa reorganização teve seu desfecho com a fundação, por Olegário Maciel,
Antônio Carlos, José Monteiro Ribeiro Junqueira, Gustavo Capanema e Virgílio
de Melo Franco, do Partido Progressista (PP) de Minas Gerais.
Antônio Carlos foi eleito para a presidência do partido, cargo que
ocuparia até setembro de 1936.
Na presidência da Constituinte
As eleições para uma assembléia nacional constituinte
marcadas por Vargas foram confirmadas para a data de 3 de maio de 1933. Em
abril, Olegário Maciel encontrou-se com o chefe do Governo Provisório,
assegurando o apoio irrestrito da futura bancada progressista na Constituinte a
Getúlio. Este prometeu, por sua vez, apoiar a indicação de um candidato mineiro
à presidência da assembléia. Desde novembro de 1932, Antônio Carlos fazia parte
de uma comissão designada pelo governo para elaborar o anteprojeto da
Constituição. Após sua eleição para a presidência do PP, reforçou-se sua
candidatura ao futuro cargo de presidente da Constituinte.
No pleito de 3 de maio de 1933, o PP elegeu 31 deputados
constituintes (entre os quais Antônio Carlos), cabendo as outras seis cadeiras
da representação mineira ao combalido PRM. Nos meses seguintes, Minas ascendeu
ao primeiro plano da política nacional, sobretudo por deter a maior bancada
estadual na Constituinte (as proporções das representações estaduais que
vigoravam no antigo regime foram mantidas).
No início de agosto, Juarez Távora, ministro da Agricultura,
e os interventores Carlos de Lima Cavalcanti (Pernambuco) e Juraci Magalhães
(Bahia) viajaram a Belo Horizonte, onde asseguraram seu apoio à candidatura de
Antônio Carlos, em troca do apoio mineiro às reivindicações dos estados
nordestinos. Antônio Carlos estava comprometido desde abril com a eleição de
Vargas para a presidência do primeiro governo constitucional após a Revolução
de 1930, a ser realizada pela Constituinte, e reafirmou essa posição. O apoio
de Vargas à sua candidatura tornou-se público em seguida a esses entendimentos.
O
outro candidato era Virgílio de Melo Franco, também eleito constituinte na
legenda do PP. Tinha o apoio de Osvaldo Aranha, que continuava querendo fazê-lo
interventor em Minas, para que o estado se integrasse “política e
administrativamente” ao novo regime. Entretanto, o nome de Virgílio era
problemático para Vargas, não só do ponto de vista de suas reais possibilidades
de coordenar a maioria governista na Assembléia, como também em relação à
garantia da eleição do chefe do Governo Provisório para a presidência da
República.
Em 10 de agosto, Olegário Maciel participou de uma reunião da
comissão executiva do PP com os deputados eleitos, para definir a plataforma do
partido na Constituinte. Apesar dos compromissos assumidos anteriormente com
Vargas, o programa aprovado pelo PP nesse encontro colidia em vários aspectos
com o projeto de Constituição elaborado pela comissão de que Antônio Carlos
fizera parte entre novembro de 1932 e maio de 1933, e que fora presidida pelo
ministro das Relações Exteriores, Afrânio de Melo Franco. Foram aprovadas teses
como a manutenção do regime federativo, a autonomia dos estados e municípios, a
dualidade da Justiça, a instauração de um regime representativo com duas
câmaras eleitas pelo sufrágio popular e universal, e a oposição à representação
de classes na Assembléia Constituinte. Esse programa era de tal modo impregnado
pelas concepções federalistas “clássicas” (ou de tal modo correspondente a
arraigados interesses regionais), que o próprio PRM não relutou em apoiar a
candidatura de Antônio Carlos à presidência da Constituinte. Assim, apesar de
todos os conflitos ocorridos em Minas após a vitória do movimento
revolucionário, um novo equilíbrio político vinha sendo obtido no estado.
A
morte de Olegário Maciel, no dia 5 de setembro, rompeu esse equilíbrio e
precipitou a política mineira em nova crise. Imediatamente, Antônio Carlos
apoiou a nomeação do secretário do Interior, Gustavo Capanema, para assumir em
caráter interino a interventoria em Minas. Envolvido por Vargas no processo
decisório da nomeação do interventor efetivo, que se arrastaria por mais três
meses, Antônio Carlos viu mitigar-se a oposição de Virgílio de Melo Franco, o
rival de Capanema na disputa pela interventoria, a suas pretensões à
presidência da Assembléia. A nomeação de Capanema era reivindicada pelo
interventor no Rio Grande do Sul, José Antônio Flores da Cunha, enquanto a de
Virgílio, como se sabe, atenderia às aspirações de Osvaldo Aranha.
“Para
Vargas”, escreveu Helena Bomeny, “mais importante do que consolidar uma ligação
de compromisso político com Aranha ou Flores da Cunha, pelo atendimento de suas
aspirações na solução do caso mineiro, era garantir sua eleição à primeira
presidência constitucional do país. O reconhecido peso político da bancada
mineira no processo eleitoral era uma força de barganha que não poderia
descartar. Fortalecer a um ou a outro desses políticos de legitimado peso
nacional era, entre outros fatores, reconhecer a possibilidade de suas próprias
eleições. A habilidade de Vargas caracteriza-se justamente pela forma como
associa a presidência da Assembléia Nacional Constituinte à solução do caso
mineiro. Ele apóia incondicionalmente o nome de Antônio Carlos para esse cargo,
e em troca desse apoio recebe do líder progressista a confirmação de sua
autoridade para escolher o novo interventor.”
Vargas não resolveu o problema mineiro antes da definição da
situação na Constituinte. Em 11 de novembro, Antônio Carlos, indicado por
Virgílio, foi eleito líder do PP. No dia seguinte, foi eleito presidente da
Constituinte, recebendo 128 votos (metade do total mais um). Os 40 votos da bancada
classista — obtidos depois que o PP reconsiderou sua posição inicial e passou a
defender a participação dela na Constituinte — permitiram a vitória de Antônio
Carlos logo no primeiro escrutínio.
A Assembléia Nacional Constituinte iniciou seus trabalhos em
15 de novembro de 1933. No dia seguinte, Osvaldo Aranha foi designado líder da
maioria e, no dia 17, Virgílio de Melo Franco substituiu Antônio Carlos na
liderança do PP.
A
partir de então, Getúlio deixou transparecer sua intenção de não nomear nem Capanema,
nem Virgílio. Encomendou ao PP listas de candidatos nas quais os dois não
figuravam. Fez com que fosse acrescentado a uma delas o nome do deputado
progressista Benedito Valadares, pouco mais que obscuro, mas que acabaria sendo
nomeado para a interventoria em 12 de dezembro. Dessa forma, Vargas neutralizou
os esforços de Osvaldo Aranha e Flores da Cunha, controlando ao mesmo tempo o
avanço político de Antônio Carlos. Mais do que isso, estabeleceu um novo pacto
político entre o poder federal e a política mineira.
Antônio Carlos teve de se contentar em influenciar na
nomeação de dois secretários de governo de Valadares: Noraldino Lima (Educação)
e Alcides Lins (Finanças). Capanema e Virgílio romperam politicamente com
Vargas. O segundo foi acompanhado por seu pai, Afrânio de Melo Franco, e por
Osvaldo Aranha, que pediram demissão, respectivamente, dos ministérios das
Relações Exteriores e da Fazenda. Depois de idas e vindas, Osvaldo Aranha
acabou retirando seu pedido de demissão e permaneceu na pasta até julho de
1934. Capanema também se recomporia mais adiante com Getúlio, sendo nomeado
ministro da Educação de seu governo constitucional.
Virgílio, acreditando ter perdido por obra de Antônio Carlos
os cargos de presidente da Constituinte ou de interventor em Minas, passou a
hostilizá-lo, mobilizando-se para obter sua renúncia. Vargas temia, entretanto,
que a renúncia de Antônio Carlos acarretasse a quebra do compromisso da maioria
da bancada mineira com sua eleição, e o presidente da Constituinte soube
utilizar esse temor para garantir sua posição, com o apoio de 27 deputados do
PP, cuja liderança passou a ser ocupada por Valdomiro Magalhães, em
substituição a Virgílio.
Além da matéria constitucional e das discussões sobre a
maneira de examiná-la e sobre ela deliberar, temas da conjuntura política se
introduziram nos debates da Assembléia, com os critérios para eleger o primeiro
presidente constitucional e seus sucessores, a elegibilidade ou não de Vargas e
dos interventores, a data da eleição, a anistia, a censura à imprensa. O PP
tendeu a uma posição moderada, evitando atacar frontalmente as medidas
governamentais e colocar em questão a manutenção de Vargas no poder. O PRM,
mantendo uma postura oposicionista, reagiu veementemente a um possível
continuísmo, chegando a lançar a candidatura do ministro da Guerra, general
Góis Monteiro, à presidência da República.
Em fevereiro de 1934, a discussão girou em torno de uma
possível inversão da ordem dos trabalhos, desejada por Vargas, de modo a que a
eleição do presidente constitucional se desse antes do exame e votação do texto
da nova Carta. A eleição acabou ficando para depois, mas foram adotadas medidas
para acelerar os trabalhos da Assembléia.
Em abril, a bancada gaúcha apresentou um conjunto de
proposições constitucionais que contrariavam substancialmente a linha
programática do PP, entre as quais a definição da representação dos estados na
Câmara dos Deputados em função do eleitorado, e não da população, com números
mínimos e máximos de deputados por estado, e a supressão do Senado Federal. O
PP e o PRM convergiram na defesa da manutenção da representação proporcional à
população — e sem teto numérico — e na manutenção do Senado como garantia da igualdade
federativa.
Os deputados mineiros foram acompanhados pelos paulistas e
baianos na rejeição das proposições gaúchas. O episódio funcionou como um teste
para a eleição de Getúlio, mostrando o grau de imprevisibilidade do
comportamento das grandes bancadas. Antônio Carlos, segundo Helena Bomeny,
“teve que redobrar seus esforços para que seus correligionários progressistas
apoiassem sem reservas a candidatura de Vargas”, cujo manifesto de lançamento
ele e Valdomiro Magalhães, entre outros, assinaram.
A Assembléia Nacional Constituinte encerrou seus trabalhos em
16 de julho de 1934 e, no dia seguinte, elegeu Getúlio Vargas para a
presidência da República, por 175 votos. Dez outros nomes foram sufragados
(inclusive o de Antônio Carlos, que recebeu um voto), mas o grande derrotado no
processo foi Góis Monteiro, que tentara arrebatar para si o cargo e recebeu
apenas quatro votos.
Na presidência da Câmara dos Deputados
Promulgada a nova Constituição Federal, a Constituinte se
transformou em Câmara dos Deputados, incorporando provisoriamente as funções do
Senado. As eleições para a primeira legislatura ordinária do Congresso Nacional
e para as assembléias constituintes estaduais — que elegeriam os novos
governadores e os senadores federais, aprovariam as constituições estaduais e
se transformariam em assembléias ordinárias — foram marcadas para 14 de
outubro de 1934.
Antônio Carlos, que assumira automaticamente a presidência da
Câmara, tornando-se o substituto legal do presidente Vargas (a Constituição de
1934 eliminou a figura do vice-presidente da República), foi um dos 26
deputados federais eleitos em outubro de 1934 na legenda do PP. O PRM,
recuperando-se, aumentou sua participação na bancada mineira para 11 deputados,
entre os quais o anistiado Bernardes. Para a Constituinte mineira, o PP elegeu
34 deputados, contra 14 do PRM.
Como afirma Edgar Carone: “O reforço do esquema governamental
— Getúlio e oligarquias dos estados — torna praticamente pacífico o jogo
político. A frente comum formada pelas forças situacionistas na Câmara Federal
representa maioria esmagadora e, contra ela, só se apresenta a Minoria
Parlamentar. A oposição, ou as oposições, segundo as circunstâncias, existem e
se organizam contra o governo, mas sua ação é limitada pela pequena representatividade,
fator compensado pela combatividade de João Neves da Fontoura, Otávio
Mangabeira e muitos outros. Apesar da pressão exercida sobre elas, o governo
teme as suas denúncias e, sempre que possível, tenta acordo, para
silenciá-las.”
Em janeiro de 1935, o ministro da Justiça, Vicente Rao, e o
deputado Raul Fernandes apresentaram à Câmara um projeto de lei de segurança
nacional. Diante das reações contrárias, o projeto foi substituído em fevereiro
por um novo texto, de autoria do deputado Henrique Bayma, abrandando em alguns
aspectos o original. A Lei de Segurança Nacional (Lei nº 38) foi aprovada pela
Câmara em 27 de março e promulgada no dia 4 de abril, sob os protestos da
oposição, que viu nela uma possível fonte de interpretações perigosas, capaz de
levar à negação dos direitos políticos previstos na Constituição.
Na
mesma data, em Belo Horizonte, instalou-se a Constituinte estadual e o
interventor Benedito Valadares foi eleito governador do estado, com os 34 votos
do PP e na ausência da bancada do PRM. A oposição do PRM à eleição de Valadares
havia conseguido incorporar um segmento dissidente do PP, incluindo-se aí
parlamentares muito ligados a Antônio Carlos, como Arinos de Morais Câmara.
Entretanto, Getúlio, sondado por Antônio Carlos através de João Carlos Machado,
líder da bancada majoritária gaúcha, havia deixado bem claro que, às voltas com
dificuldades no Rio Grande do Sul e em São Paulo, não abriria mão da eleição de
Valadares em hipótese alguma. Assim, Antônio Carlos nada pudera fazer senão obter
a unanimidade da bancada progressista.
A
primeira legislatura ordinária do Congresso Nacional teve início em 3 de maio
de 1935, data em que Antônio Carlos foi confirmado na presidência da Câmara. No
dia 17 de maio, tendo Vargas viajado ao Uruguai e à Argentina, assumiu
interinamente a presidência da República, permanecendo no cargo até o retorno
do presidente, em 8 de julho seguinte.
O
fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização antifascista e
nacionalista animada pelo Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista
do Brasil (PCB), foi, em julho de 1935, um dos episódios que marcaram o
progressivo fechamento do regime, que culminaria com o golpe do Estado Novo em
1937. A solução golpista começara a se desenhar, como hipótese, com a aprovação
da Constituição de 1934 e a confirmação de Vargas na chefia do Executivo. A
propensão a romper a legalidade constitucional, presente em primeiro lugar nas
forças armadas, foi estimulada, em novembro de 1935, pela tentativa
insurrecional com que os comunistas reagiram ao fechamento da ANL e à marcha do
regime em direção ao autoritarismo, acompanhada pela ascensão da Ação
Integralista Brasileira (AIB), movimento fascista.
O
estado de sítio — trazendo em seu bojo a censura à imprensa — foi aprovado pelo
Congresso após a eclosão, no dia 23 de novembro, da revolta comunista em Natal.
Sem enfrentar reações maiores no Senado, foi combatido na Câmara pela Minoria
Parlamentar (ou Oposições Coligadas), sendo aprovado por 172 votos contra 52. No
dia 27, o prosseguimento da tentativa insurrecional em unidades militares da
capital federal pareceu justificar a medida. Em dezembro, o estado de sítio foi
transformado em estado de guerra. Instaurada inicialmente por 90 dias, essa
medida de exceção seria prorrogada sucessivas vezes, sempre em nome da luta
contra o comunismo, a partir de março de 1936, quando senadores e deputados
oposicionistas foram presos sob a acusação de envolvimento no levante
comunista.
Os
trabalhos legislativos foram reabertos, após o recesso parlamentar de fim de
ano, em 3 de maio de 1936. No dia 8, Antônio Carlos foi reeleito para a
presidência da Câmara, exercendo cumulativamente a liderança da bancada do PP
na casa. Desde janeiro, aparecia como possível candidato à sucessão de Vargas
nas eleições diretas previstas para janeiro de 1938, juntamente com outros
nomes, como o do interventor gaúcho Flores da Cunha.
Até a colocação aberta da questão sucessória, que se
desenvolveu ao longo de 1936, os grupos dominantes da política nacional
estiveram unidos no apoio às medidas de exceção. Em julho, o Congresso deu
permissão para que fossem processados os parlamentares presos e Vargas enviou
ao parlamento uma mensagem propondo a criação de um tribunal de exceção, o
Tribunal de Segurança Nacional, que começaria a funcionar em setembro.
A
política de Benedito Valadares em Minas Gerais foi o fator determinante do
processo que levaria Antônio Carlos a entrar em oposição a Getúlio. Valadares
tentou estabelecer um acordo com o PRM, encontrando resistência por parte de
Artur Bernardes. Procurou então Djalma Pinheiro Chagas, que se encarregou de
realizar gestões junto a seus correligionários e, finalmente, transmitiu ao
governador a conclusão de suas consultas: o candidato mais indicado à sucessão presidencial
era Antônio Carlos.
Valadares,
que desejava o fim do carlismo em Minas, preferiu então negociar com Francisco
Campos, Virgílio de Melo Franco e outras lideranças atritadas com Antônio
Carlos. Manteve no Rio dois encontros com Bernardes, que protelou sua decisão a
respeito do acordo. A essa altura dos acontecimentos, Flores da Cunha tinha
resolvido apoiar o nome de Antônio Carlos para a sucessão de Vargas.
Compreendendo que a intenção de Valadares era destruir politicamente o
presidente da Câmara, Flores da Cunha induziu Bernardes a evitar a conciliação.
Em
agosto, Valadares promoveu a substituição de Abílio Machado na presidência da
Assembléia Legislativa mineira, o qual era ligado a Pedro Aleixo, deputado do
PP que exercia a liderança da maioria na Câmara Federal. Pedro Aleixo renunciou
ao cargo. No dia 29 de agosto, Antônio Carlos, diante das pressões crescentes
de Valadares, renunciou à liderança da bancada majoritária mineira. Dois dias
depois, resolveu renunciar à presidência da Câmara, sabedor de que Valadares
pedira a Vargas uma definição: ou ele ou Antônio Carlos.
Por iniciativa de João Carlos Machado, os parlamentares
impediram que Antônio Carlos pronunciasse o discurso de renúncia. Havia no
plenário um quorum excepcional, de cerca de duzentos deputados, nesse
dia 31 de agosto. João Carlos Machado foi o primeiro a falar, no fim da tarde,
evocando a atuação de Antônio Carlos desde a presidência da Constituinte e
afirmando que ele continuaria a presidir a Câmara. Os deputados aplaudiram de pé,
acompanhados pelas tribunas. Antônio Carlos quis falar, mas foi novamente
impedido, desta feita por Levi Carneiro, do Rio de Janeiro, que também defendeu
sua permanência no cargo. Mais de 30 deputados de diferentes estados e partidos
revezaram-se na tribuna para exprimir sua solidariedade. De prorrogação em
prorrogação, a Câmara entrara em sessão permanente.
À noite, finalmente, Antônio Carlos tomou a palavra: “Eu não
estaria à altura de vossa estima se não obedecesse às ordens de um voto tão
inequívoco. E seria ingrato e injusto para com os meus colegas se insistisse em
manifestar um propósito que todos não querem ver concretizado.” A intromissão
de Benedito Valadares e de Vargas, que lhe dava cobertura, fora repelida pela
Câmara.
No
dia seguinte, porém, Valadares reuniu os parlamentares do PP, que entrara em
desagregação, e os deputados do PRM que não haviam permanecido fiéis a
Bernardes — como Cristiano Machado, José Francisco Bias Fortes e Djalma
Pinheiro Chagas —, obtendo sua concordância com a renúncia de Antônio Carlos à
liderança da bancada majoritária mineira e a aprovação do nome de Noraldino
Lima, ligado a Wenceslau Brás, para substituí-lo.
Em fins de 1936, afastadas as hipotéticas candidaturas de
Antônio Carlos e Osvaldo Aranha à sucessão de Vargas, cresceu o apoio à
candidatura de Armando de Sales Oliveira, governador de São Paulo. No dia 29 de
dezembro, Armando de Sales demitiu-se do governo do estado para se
desincompatibilizar. Em fevereiro de 1937, assumiu a presidência do Partido
Constitucionalista de São Paulo, oficializando sua candidatura.
Com o país imerso num clima de tensão crescente, o ano de
1937 foi dominado pela questão da sucessão de Vargas. Este, em abril, reagiu ao
lançamento da candidatura do ex-governador de São Paulo promovendo o lançamento
da de José Américo de Almeida, articulada por Benedito Valadares.
Na abertura da terceira sessão legislativa do Congresso, em 3
de maio, as articulações de Valadares e Getúlio contra Antônio Carlos chegaram
ao auge. Pedro Aleixo aceitou concorrer à presidência da Câmara e derrotou
Antônio Carlos por 152 votos contra 131. A queda de Antônio Carlos seria depois
interpretada como mais um passo para a instalação do Estado Novo. Embora Pedro
Aleixo o tenha negado no fim de sua vida, como afirma Carlos Chagas, é
amplamente aceita a versão de que participou de uma articulação subterrânea
para derrubar Antônio Carlos.
Definitivamente
batido por Valadares na política mineira, e por Vargas em âmbito nacional,
Antônio Carlos fundou em Juiz de Fora, no dia 17 de maio, o Partido
Progressista Democrático, para dar apoio a Armando Sales. Com integrantes do
moribundo PP mais a dissidência do PRM, Valadares criou o Partido Nacionalista
Mineiro, destinado a apoiar a candidatura de José Américo, lançada em 25 de
maio. Ao mesmo tempo, Bernardes conduziu o PRM à união com todos os partidos e
facções que apoiavam o candidato oposicionista.
Em 10 de junho de 1937, foi instalada no Rio de Janeiro, para
fazer a campanha de Armando Sales, a União Democrática Brasileira, cuja
comissão executiva provisória era presidida por Bernardes e integrada ainda por
Antônio Carlos, Otávio Mangabeira, João Carlos Machado e Valdemar Ferreira.
As eleições não chegaram a se realizar. Em 10 de novembro,
Vargas comandou um golpe que estabeleceu a ditadura do Estado Novo. Fechados o
Congresso Nacional e as câmaras estaduais e municipais, Antônio Carlos perdeu
seu mandato e abandonou definitivamente a política, para dedicar-se à atividade
empresarial, como presidente do Banco Hipotecário Lar Brasileiro, vinculado à
Companhia Sul América de Seguros.
Em 1943, recusou-se a assinar o Manifesto dos
mineiros, documento distribuído clandestinamente no dia 24 de
outubro, aniversário da Revolução de 1930. Articulado por um grupo de políticos
oposicionistas mineiros, o manifesto foi a primeira manifestação unitária
expressiva das forças que desejavam o fim do Estado Novo. Antônio Carlos se
teria recusado a juntar sua assinatura às dos 76 signatários do documento (aos
quais se acrescentaram posteriormente outros 16) por ter sido ele uma
iniciativa na qual tiveram papel destacado, entre outros, Virgílio de
Melo Franco e Pedro Aleixo.
Antônio Carlos faleceu no Rio de Janeiro em 1º de
janeiro de 1946.
De seu casamento com Julieta Guimarães de Andrada, em 1899,
nasceram cinco filhos. Seus dois filhos homens atuaram na política mineira até
o advento do Estado Novo: Fábio Ribeiro de Andrada foi constituinte estadual em
1935 e José Bonifácio Olinda de Andrada foi secretário da Educação e Saúde
Pública de Minas no governo de Benedito Valadares, entre 1935 e 1936. De sua
família tiveram ainda destaque no cenário político nacional seus sobrinhos José
Bonifácio Lafayette de Andrada, deputado federal por Minas Gerais entre 1946 e
1979, e Antônio Carlos Lafayette de Andrada, que foi ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) de 1945 a 1969.
Antônio Carlos escreveu Bancos de emissão no Brasil (1923),
além de artigos, relatórios oficiais e pareceres, e numerosos discursos. Em
1946, seu filho Fábio Andrada organizou uma coletânea de artigos intitulada Antônio
Carlos — o Andrada da República. Sua neta Maria Andrada Batista de Oliveira
Mega publicou, em 1980, a monografia Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
O arquivo de Antônio Carlos encontra-se depositado no Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da
Fundação Getulio Vargas.
Em 1948, um dos distritos de Barbacena foi elevado à
categoria de município com o nome de Antônio Carlos.
Mauro
Malin
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