SALES,
Armando
*interv. SP 1933-1935; gov. SP 1935-1936;
cand. pres. Rep. 1937.
Armando de Sales Oliveira
nasceu na cidade de São Paulo no dia 24 de dezembro de 1887, filho de Francisco
de Sales Oliveira e de Adelaide Sá de Sales Oliveira. Sua família pertencia à
alta classe média e seu pai, comerciante português de Jacareí (SP), destacou-se
como engenheiro sanitário, foi presidente da Companhia Mojiana de Estradas de
Ferro e participou de negócios de exportação de café.
Realizou seus estudos na capital paulista, cursando o Colégio
Progresso Brasileiro e o Ginásio do Estado. Ingressou a seguir no curso de
engenharia civil da Escola Politécnica de São Paulo. Com dificuldades
financeiras após a morte dos pais, começou a trabalhar em 1908 na construção de
trechos da Mojiana, ainda durante os tempos de estudante. Concluída a
faculdade, especializou-se em projetos técnicos para companhias de serviços
públicos, destacando-se no cenário estadual como engenheiro e empresário.
Casou-se então com Raquel de Mesquita, filha do proprietário do jornal O Estado
de S. Paulo, Júlio de Mesquita, de quem se tornaria amigo e sócio em diversos
empreendimentos.
Começando
por montar uma pequena usina para a Companhia Força e Luz de Jabuticabal (SP),
logo tornou-se sócio majoritário e diretor da firma. Associou-se em seguida à
Empresa da Eletricidade de Rio Preto (SP) e trabalhou na instalação da usina
hidrelétrica da corredeira de Itaipava, no rio Pardo, pertencente à Companhia
de Eletricidade São Simão-Cajuru, da qual tornou-se proprietário e diretor.
Incorporou outras companhias menores e dirigiu a Empresa Orion, de Barretos
(SP). Nesses empreendimentos teve como sócios Júlio de Mesquita, Cincinato
Braga e Alfredo Braga.
Na década de 1920 realizou diversas viagens de estudos à
Europa, procurando entrar em contato com os progressos da eletrotécnica e da
eletrometalurgia, além de fazer cursos na Sorbonne, em Paris. Em 1925, projetou
e construiu a grande central elétrica do Icem, na cachoeira de Marimbondo, no
rio Grande, ainda em sociedade com seu sogro e com Cincinato Braga. A usina
atendia à demanda crescente da região, principalmente das estradas de ferro Paulista,
Araraquarense e Douradense.
Após tentar obter, sem êxito, financiamentos ingleses
necessários à expansão de seus negócios, vendeu todas as suas empresas para a
companhia norte-americana Bond and Share em 1927. Nesse mesmo ano, com a morte
de Júlio de Mesquita, enquanto O Estado de S. Paulo passava a ser dirigido por
Nestor Rangel Pestana e Júlio de Mesquita Filho, assumiu a presidência da
sociedade anônima proprietária do jornal, na qual desenvolveria atividades
preponderantemente financeiras, ao lado de Francisco Mesquita e Carolino da
Mota e Silva. Também nessa época integrava a diretoria da Mojiana.
Em
agosto de 1929 iniciou-se a campanha da Aliança Liberal, com a promoção da
candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República. O Partido Democrático
(PD) de São Paulo — fundado em 1926 em oposição à dominação exercida pelo
Partido Republicano Paulista (PRP) na política estadual — seria o promotor, no
estado, do movimento aliancista, contrário à candidatura de Júlio Prestes, que
era apoiada pelo presidente da República, Washington Luís, e pelos perrepistas.
Com a vitória de Júlio Prestes nas eleições presidenciais de março de 1930, os
situacionistas de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, contando com o
apoio de uma parcela da oficialidade jovem do Exército, intensificaram o
movimento com vistas à deposição de Washington Luís, enquanto o PD promovia a
conspiração em São Paulo. Em 3 de outubro de 1930 foi deflagrada a revolução,
vitoriosa no dia 24 ao depor o presidente da República, instaurando uma junta
governativa composta pela alta hierarquia militar. A junta atuaria até 3 de
novembro, data em que Getúlio Vargas foi empossado na chefia do Governo
Provisório.
Armando Sales foi um dos organizadores do Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT), fundado em São Paulo em 23 de julho
de 1931, tornando-se seu primeiro presidente. O IDORT, que teria grande
influência na administração pública do estado, visava promover o aumento da
produtividade e a racionalização do trabalho industrial.
Na Revolução de 1932
O
conflito político que vinha se desenvolvendo entre os paulistas e o Governo
Provisório desde a nomeação do tenente João Alberto Lins de Barros para a
interventoria em São Paulo, em novembro de 1930, agravou-se em meados de 1931.
A oposição a João Alberto, liderada pelos democráticos — que viram frustrados
seus planos de assumir o governo paulista —, levou à renúncia do interventor,
cujo pedido de demissão foi apresentado em 13 de junho. Laudo Ferreira de
Camargo, desembargador do Tribunal de Justiça, foi nomeado para substituir João
Alberto em 24 de julho, contando com o apoio dos democráticos. Em 13 de
novembro o novo interventor renunciaria ao cargo por sofrer interferência na
organização de seu secretariado. Foi substituído pelo coronel Manuel Rabelo,
comandante interino da 2ª Região Militar (2ª RM), indicado por Vargas.
Essa nomeação provocaria o recrudescimento da campanha que
desde fevereiro mobilizava os paulistas em defesa da reconstitucionalização do
país e de um interventor “civil e paulista”. Armando Sales, filiado ao PD,
tomou parte ativa na articulação do movimento de união das principais forças
políticas do estado, encabeçadas pelo PD e o PRP, na luta por aquelas
reivindicações. Esse movimento ganharia forma com a criação da Frente Única
Paulista (FUP).
Em
13 de janeiro de 1932 o PD lançou um manifesto declarando seu rompimento com o
Governo Provisório e reivindicando a convocação de uma constituinte. O
documento foi seguido por um manifesto dos republicanos apoiando a formação da
FUP. O Estado de S. Paulo teria intensa participação na organização da frente,
atuando Júlio de Mesquita Filho como um dos principais articuladores da aliança
entre democráticos e republicanos. Armando Sales, enquanto presidente da
sociedade proprietária do jornal, teve também grande influência na consolidação
do projeto. Em 16 de fevereiro seria publicado o manifesto de lançamento da
FUP, em que os dois principais partidos paulistas proclamavam sua união na luta
pela pronta reconstitucionalização do país e pela restituição ao estado da
autonomia de que se achava privado havia 16 meses. A dissolução da aliança só
se efetivaria, segundo o manifesto, quando esse objetivo fosse alcançado.
No dia 2 de março Vargas nomeou o embaixador Pedro de Toledo,
que era apoiado pelos políticos da FUP, para substituir o coronel Rabelo na
interventoria em São Paulo. Toledo organizou um secretariado de coalizão entre
os políticos paulistas e os representantes das correntes revolucionárias
tenentistas, conforme entendimentos feitos com as lideranças dos “tenentes”, o
general Miguel Costa, comandante da Força Pública, o general Pedro Aurélio de
Góis Monteiro, comandante da 2ª RM, e o coronel João de Mendonça Lima.
Cedendo
à pressão das forças constitucionalistas, Vargas fez publicar, em 14 de maio de
1932, o decreto criando uma comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de
constituição e marcando eleições para 3 de maio de 1933. Por essa época,
entretanto, já se consolidava entre os políticos da FUP a idéia do recurso a um
levante armado contra o Governo Provisório como o único caminho possível para
alcançar sua reivindicação: a volta ao estado de direito. O general Isidoro
Dias Lopes e o coronel reformado Euclides de Oliveira Figueiredo coordenavam
desde o início do ano o planejamento militar do levante armado, que era apoiado
pelos líderes constitucionalistas.
Os
acontecimentos precipitaram-se com a visita do ministro da Justiça Osvaldo
Aranha a São Paulo em 22 de maio, motivada pela decisão de Pedro de Toledo e
dos líderes constitucionalistas de formar um novo secretariado composto
exclusivamente por políticos da FUP. Aranha foi obrigado a acatar a decisão das
lideranças paulistas e, no dia 23, foi organizado o novo secretariado, no qual
o PD obteve os postos mais importantes. Armando Sales foi indicado por seu
partido para ocupar a Secretaria da Fazenda, mas, procurado pelo líder
democrático Valdemar Ferreira para tomar posse imediatamente, recusou o
convite, alegando que se julgava impossibilitado, já que a empresa que presidia
estava em negociações com o Banco do Estado de São Paulo, subordinado à
Secretaria da Fazenda. Por outro lado, ainda no dia 23, realizou-se uma
manifestação de rua de grandes proporções contra o Governo Provisório, que
degenerou em conflitos entre constitucionalistas e tenentistas e resultou em
mortos e feridos. Foi criada então uma sociedade secreta para apoiar o
movimento constitucionalista que recebeu o nome de MMDC, formado com as
iniciais dos nomes de quatro estudantes mortos durante a manifestação.
No mês de junho intensificou-se a conspiração contra o
Governo Provisório. Em 7 de julho o comitê revolucionário criado pelo PD
reuniu-se e marcou a eclosão do movimento para o dia 20 daquele mês,
confirmando o nome do general Isidoro para o comando geral do levante. A
deflagração do movimento foi, entretanto, antecipada para 9 de julho, em
decorrência da punição do general Bertoldo Klinger, comandante da guarnição de
Mato Grosso, comprometido com o levante. Nesse dia Pedro de Toledo se demitiu
da interventoria paulista, sendo aclamado governador do estado, ao mesmo tempo
em que se iniciavam as primeiras operações de guerra na capital. O plano dos
revoltosos era dominar rapidamente a situação na capital paulista e nas
guarnições federais e enviar destacamentos de segurança para as fronteiras com
o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, seguindo-se então a marcha em direção
à capital federal.
Armando Sales participou do esforço de mobilização da
população civil, integrando uma comissão do setor de abastecimento da cidade de
São Paulo. A finalidade dessa comissão era “indicar ao governo, de acordo com
as classes interessadas, as providências para se garantir o abastecimento
regular da população, das indústrias e dos serviços públicos, e indicar as medidas
a serem tomadas para se restabelecer o comércio de importação e exportação e o
mercado de câmbio”. Desenvolvia ainda outras atividades como elemento de
ligação entre o governo revolucionário e o comércio e a indústria do estado.
Os
paulistas, não tendo recebido as esperadas adesões dos governos de Minas Gerais
e Rio Grande do Sul e estando em enorme inferioridade militar em face das
forças legalistas que avançavam progressivamente sobre o estado, decidiram pôr
fim ao conflito. Em 29 de setembro o general Bertoldo Klinger, chefe das forças
revolucionárias, propôs ao governo a suspensão das hostilidades para que a paz
fosse negociada. Paralelamente, o coronel Herculano de Carvalho e Silva,
comandante da Força Pública, decidiu estabelecer uma paz em separado com as
forças legalistas. Em 2 de outubro a Força Pública depôs o governo
revolucionário paulista, sendo o general Valdomiro Castilho de Lima nomeado
interventor militar no estado.
Em
novembro, os principais líderes constitucionalistas, civis e militares, foram
deportados para Portugal, dentre eles Júlio de Mesquita Filho. Com o exílio do
cunhado, Armando Sales assumiria a direção de O Estado de S. Paulo até seu
retorno ao Brasil, um ano depois.
A Chapa Única por São Paulo Unido
Em
janeiro de 1933 foi criada a Chapa Única por São Paulo Unido, coligação
partidária constituída para concorrer às eleições à Assembléia Nacional
Constituinte, que seriam realizadas em 3 de maio. Armando Sales colaborou na
organização do movimento, que reunia republicanos, democráticos, a Liga
Eleitoral Católica e a Federação dos Voluntários de São Paulo, entidade criada
por oficiais revolucionários de 1932. Em abril foram apresentados os 22
candidatos escolhidos para compor a chapa, que contava com uma maioria de
perrepistas, e foi divulgado o programa mínimo a ser por ela defendido na
Constituinte. Os pontos principais desse programa eram o estabelecimento do
voto secreto e do controle judiciário em todas as fases do processo eleitoral,
a representação proporcional à população em uma das câmaras e a representação
igual dos estados na outra, a autonomia plena dos estados, a definição clara
dos casos de intervenção federal nos estados, a discriminação eqüitativa das
rendas federais e estaduais e o restabelecimento do habeas-corpus e outras
garantias individuais consagradas pela Constituição de 1891.
No
decorrer da campanha eleitoral surgiu uma série de atritos entre o interventor
Valdomiro Lima e os paulistas comprometidos com a Chapa Única. O interventor
era acusado de dificultar a propaganda dos candidatos da frente e de colocar o
aparelho de Estado a serviço dos nomes indicados pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB) de São Paulo e pelo Partido da Lavoura, legenda por ele
organizada com a finalidade de concorrer às eleições constituintes.
Realizadas
as eleições em 3 de maio de 1933, a Chapa Única por São Paulo Unido obteve uma
significativa vitória, conseguindo eleger 17 de seus 22 candidatos, enquanto o
Partido Socialista elegeu três deputados e o Partido da Lavoura, dois. Após o
pleito, intensificou-se em São Paulo a oposição a Valdomiro Lima, reavivando-se
o movimento em prol de um interventor “civil e paulista”, o que o levou a
colocar seu cargo à disposição em 9 de junho.
No dia 21 desse mês foi lançado um documento que expressava a
posição das correntes que compunham a Chapa Única em favor de um interventor
civil e paulista que fosse solidário com os postulados do programa da chapa.
Foram apresentadas listas de nomes para ocupar a interventoria e o de Armando
Sales era o único que aparecia em todas elas. Segundo Ricardo Maranhão, Armando
Sales, além de ter prestígio, possuía a indispensável condição de transitar em
quase todas as áreas, por não ter tido anteriormente uma rígida definição
partidária apesar de filiado ao PD.
Ainda
no dia 21 de junho, José Carlos de Macedo Soares, político paulista integrante
da Chapa Única e amigo pessoal de Vargas, escreveu uma carta ao chefe do
Governo Provisório indicando pessoalmente o nome de Armando Sales para a
interventoria paulista, enfatizando que esse candidato era apoiado por todas as
correntes políticas do estado. A indicação de Macedo Soares teria influência
decisiva na escolha do futuro interventor.
Na interventoria e no Partido Constitucionalista
Em
14 de julho, Valdomiro Lima foi exonerado da interventoria, sendo substituído,
em caráter provisório, pelo general Manuel de Cerqueira Daltro Filho,
comandante da 2ª RM. No dia 17 de agosto, Armando Sales foi afinal nomeado por
Vargas interventor em São Paulo, assumindo o compromisso de promover a
colaboração da Chapa Única com o Governo Provisório durante os trabalhos
constituintes e de garantir a ordem no estado. O governo federal, interessado
em destruir os partidos republicanos regionais, vinha incentivando a criação de
novos partidos estaduais que se comprometessem a defender os objetivos da
Revolução de 1930. Assim, Vargas obteve ainda de Armando Sales o compromisso de
criar um novo partido em São Paulo, dentro de uma perspectiva de aproximação
com o governo da República.
O secretariado de Armando Sales foi finalmente composto por
Mário Masagão, na Secretaria de Justiça, Valdomiro Silveira, na Educação e
Saúde Pública, Francisco Alves dos Santos Filho, na Secretaria da Fazenda e
Tesouro, Adalberto Bueno Neto, na Secretaria da Agricultura, Márcio Pereira
Munhoz, na Secretaria da Interventoria, Mário Guimarães, na chefia de polícia,
e Antônio Carlos Assunção, na prefeitura da capital. Em reunião realizada em
outubro, os deputados constituintes eleitos declararam-se solidários com o novo
governo paulista e, em decorrência, com o chefe do Governo Provisório.
Armando Sales iniciou sua gestão em meio a dificuldades que
iam desde a enorme desorganização do aparelho administrativo, em virtude das
demissões e punições políticas efetuadas após o movimento de 1932, até
escaramuças e ameaças de militares insubordinados. O clima de violência e
sedição entre os militares no início do governo manifestou-se algumas vezes em
agressões à população civil. Assim, uma briga ocorrida numa festa de fim de ano
no Teatro Odeon, na passagem de 1933 para 1934, transformou-se num sério
conflito que trouxe problemas para o interventor. A briga envolveu um oficial
do Exército que, julgando-se agredido pelos paulistanos presentes, chamou em
seu auxilio vários soldados, que invadiram o baile a tiros e coronhadas. A luta
deixou vários feridos e, no dia seguinte, a situação se agravou quando os
soldados exigiram junto aos seus comandantes uma retratação dos “paulistas”.
Ao mesmo tempo, grupos de ex-voluntários de 1932 reuniam-se
para discutir a situação e protestar contra a insegurança reinante. Segundo
Ricardo Maranhão, o general Daltro Filho, que se mantinha no comando da 2ª RM,
aproveitava-se da situação, procurando meios de afastar Armando Sales da
interventoria. Em telegramas enviados ao ministro da Guerra, general Góis
Monteiro, o general Daltro Filho responsabilizava Mário Guimarães, chefe de
polícia e pessoa de confiança do interventor, pelos incidentes ocorridos,
acusando-o de estar preparando um “inquérito tendencioso” contra os oficiais e
as tropas. Daltro Filho permitiu, ainda, que grupos de soldados desfilassem
ameaçadoramente diante da casa de Armando Sales, assustando sua família.
Percebendo a gravidade da situação e convencido da inconveniência da “permanência
de certos elementos militares em São Paulo”, o interventor procurou
aproximar-se do general Góis Monteiro, ocasião em que cedeu à jurisdição do
Ministério da Guerra, ainda em janeiro de 1934, a ponta do Munduba, no litoral
paulista, para instalações de defesa costeira.
A partir de 1934, Armando Sales foi consolidando sua
liderança e afirmando seu governo. As linhas mestras da sua interventoria eram
a reconstrução do aparelho administrativo estadual e a reaglutinação política
das elites paulistas. No plano administrativo, sua primeira preocupação foi a
de recompor os quadros do funcionalismo. Em carta de 22 de janeiro, pediu a
Vargas que reintegrasse os funcionários federais nos cargos que ocupavam antes
da Revolução de 1932. Quatro dias depois, o chefe do Governo Provisório
declarou que mandaria readmitir imediatamente todos os demitidos, suspensos ou
transferidos em conseqüência da revolução. Paralelamente, o interventor
preocupava-se com uma reorganização administrativa global, que tornasse mais eficiente
o aparelho de Estado. Contando com a colaboração do IDORT, procuraria impor aos
órgãos do governo os princípios de racionalidade tecnicamente desenvolvidos por
aquela instituição. Assim, com base num relatório preparado pelo IDORT, que em
106 volumes analisava todo o complexo administrativo do estado, tentou imprimir
relações mais eficientes entre os órgãos das diversas secretarias, a fim de
estabelecer um plano de unificação das funções puramente administrativas,
abrangendo os serviços de contabilidade, material, controle, pessoal, veículos
e expediente.
Uma das realizações mais significativas do governo de Armando
Sales foi a criação da Universidade de São Paulo (USP). A extensão e o
aperfeiçoamento do sistema educacional, visto como fator de progresso e como
solução de problemas sociais, era uma de suas preocupações. Por decreto de 25
de janeiro de 1934, o interventor reuniu as sete faculdades oficiais — de
Direito, Engenharia, Medicina, Farmácia e Odontologia, Veterinária, Agronomia e
o Instituto de Educação — em um mesmo corpo administrativo. Além disso, foi
criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, destinada prioritariamente
à formação de professores do ensino secundário e que se tornou o núcleo central
de organização da universidade. Para desenvolver a nova instituição, Armando
Sales e seus colaboradores procuraram o concurso de importantes professores da
Alemanha, França e Itália, assim como de intelectuais brasileiros de renome,
como Fernando de Azevedo. Este último foi um dos principais organizadores da
Faculdade de Filosofia, ao lado de Antônio de Almeida Prado e de professores
franceses, como o sociólogo Paul Arbousse Bastide, o historiador Emile
Coornaert e o geógrafo Pierre Deffontaine.
No plano político, Armando Sales estimulou e coordenou os
trabalhos da bancada paulista na Assembléia Constituinte, instalada desde
novembro de 1933. Sob a sua orientação, os representantes paulistas lutaram
pela concessão de anistia aos punidos e exilados de 1932. Nisso foram
parcialmente vitoriosos ainda em fins de 1933, com o retorno ao país de
diversos políticos que atuaram na Revolução Constitucionalista. Em maio do ano
seguinte, seria decretada uma anistia ampla, que abrangia inclusive os
militares implicados. A bancada paulista apresentou, até janeiro de 1934, 203
emendas ao anteprojeto governamental de Constituição, refletindo os principais
pontos do programa da Chapa Única.
No período inicial de seu governo, Armando Sales empenhou-se
em articular as elites estaduais visando à formação do Partido
Constitucionalista de São Paulo, que não seria, segundo ele, nem contra 1930
nem contra 1932, mas “uma síntese das aspirações que as duas revoluções
defenderam”. Criticando a atuação do velho PRP, afirmava que “a existência de
partidos políticos com programas definidos” era uma necessidade para São Paulo.
“A decadência da política paulista nas duas últimas décadas... vem do fato de
se ter anulado diante dos chefes do Executivo o próprio partido que os elegia.
De abdicação em abdicação, o partido não só perdeu a noção de responsabilidade,
como deixou embotar-se até o próprio instinto de conservação. Daí a falta de
equilíbrio e a espantosa descontinuidade de ação que caracterizaram os últimos
governos constitucionais de São Paulo, e que podem ser exprimidas concretamente
pelo balanço da situação financeira que deles herdamos.”
Fundado em 24 de fevereiro de 1934, o novo partido congregava
organizações de ex-combatentes de 1932 — como a Federação dos Voluntários de
São Paulo e a Liga de Defesa Paulista —, uma ala dissidente do PRP, denominada
Ação Nacional Republicana, e os ex-integrantes do PD. Este último,
recém-dissolvido, constituiu a principal força política na composição do
Partido Constitucionalista. O grupo perrepista que integrou a nova agremiação
havia rompido com a direção de seu partido, que fazia oposição a Armando Sales
desde a época de sua nomeação para a interventoria no estado. O PRP seria
severamente afetado pela dissidência, integrada por mais de 20 militantes. O
manifesto de fundação do novo partido, comprometido com uma linha de
pacificação com o governo federal, enfatizou que seus membros se empenhariam em
“tornar realidade as justas aspirações da lavoura, da indústria, do comércio e
do trabalho”.
No mês de abril, dois decretos de importância foram baixados
pelo governo estadual: o que criava o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do
Estado de São Paulo, anexo à Escola Politécnica, e o que reorganizava o
Departamento Estadual do Trabalho. Em maio, baixou-se novo decreto
reorganizando a Diretoria Geral de Ensino e, em junho, um que remodelava os
institutos disciplinares do estado, imprimindo-lhes cunho profissional e
criando o Serviço de Reeducação.
Em meio às articulações em torno da eleição presidencial que
deveria ser feita pela Assembléia Constituinte logo após a promulgação da nova
Carta, cresciam os boatos acerca de um golpe militar liderado pelo general Góis
Monteiro e apoiado por setores da alta oficialidade do Exército. O general
Daltro Filho, ainda no comando da 2ª RM, alinhava-se entre os militares que
criticavam a Constituinte e, em entrevista de 10 de abril, declarou seu apoio a
uma “república ditatorial”. Armando Sales, que sofria forte oposição de Daltro
Filho, escreveu a Vargas afirmando que estava do seu lado, junto com as principais
forças políticas do estado. Nessa carta, datada de 9 de maio, mostrava-se
apreensivo com a possibilidade de um levante liderado por aquele general e
pedia reforços em armas e munições para as forças militares legalistas sediadas
em São Paulo. No fim de maio, Daltro Filho foi afastado do comando da 2ª RM,
sendo substituído pelo general Olímpio da Silveira, que apoiava o governo. Com
essa mudança, atenuou-se a inquietação militar no estado.
A bancada paulista na Constituinte, que garantira inicialmente
o seu apoio a Vargas, passaria a opor-se à candidatura do chefe do Governo
Provisório à presidência da República. Já em abril, os deputados paulistas
apresentaram uma emenda, que não foi aprovada, tornando inelegíveis o chefe do
Governo Provisório, seus ministros, e os interventores federais. Em inícios de
julho, Armando Sales telegrafou aos constituintes paulistas aconselhando-os a
apoiarem o nome de Vargas para a presidência da República. A bancada paulista
decidiu, no entanto, apoiar a candidatura de Antônio Augusto Borges de
Medeiros, que aglutinava a oposição ao chefe do Governo Provisório. Promulgada
a nova Constituição do Brasil em 16 de julho de 1934, a eleição do presidente
da República foi realizada no dia seguinte e Vargas saiu vitorioso com 175
votos contra 59 obtidos por Borges de Medeiros.
No dia 20 de julho, iniciando seu período de governo
constitucional, Vargas compôs novo ministério, no qual figuravam dois paulistas
indicados pelo Partido Constitucionalista — José Carlos de Macedo Soares na
pasta das Relações Exteriores e Vicente Rao na Justiça e Negócios Interiores.
Ainda no mês de julho, foi baixado pelo governo de São Paulo,
um decreto criando o Departamento de Estradas de Rodagem, subordinado à
Secretaria de Viação e Obras Públicas. Nessa época, Armando Sales começou a
empenhar-se na campanha com vistas às eleições marcadas para 14 de outubro.
Nesse pleito seriam eleitos os deputados à Câmara Federal ordinária e também às
assembléias constituintes estaduais. Estas últimas teriam a incumbência de
elaborar as constituições estaduais e de escolher os novos governadores e dois
senadores em cada estado.
Segundo Ricardo Maranhão, iniciou-se aí a fase de maior
destaque na carreira política de Armando Sales, que demonstrou grande
habilidade de organização e capacidade de liderança nas reuniões e comícios de
seu partido. Tratava-se não apenas de rearticular a máquina política estadual e
mobilizar o eleitorado, mas de derrotar o tradicional prestígio do PRP entre os
“coronéis” oligarcas do interior.
O
prestígio do governo estadual e o sucesso de Armando Sales nos comícios
populares realizados nas principais cidades paulistas tornaram claras as
perspectivas de vitória dos candidatos do novo partido. Revelando-se como
orador, Armando Sales preparava seus próprios discursos, ricos em informações e
dados estatísticos sobre as realizações de seu governo. Nos últimos dias da
campanha, nas cidades do vale do Paraíba, fez alguns de seus discursos mais
famosos e aplaudidos, como o de Taubaté (SP), em 12 de outubro. Ali afirmou sua
certeza na vitória, ironizando os adversários “prestes a morrer” politicamente.
A campanha do Partido Constitucionalista foi ainda apoiada pelo jornal O Estado
de S. Paulo, que publicava diariamente páginas de propaganda do partido, ao
passo que o Correio Paulistano, órgão do PRP, tinha sua ação limitada pela
censura.
Nas eleições de 14 de outubro, o Partido Constitucionalista
venceu o PRP por ampla margem. Elegeu 22 deputados federais e obteve maioria na
Assembléia Legislativa, com 34 representantes.
Nos seus últimos meses, como interventor, Armando Sales
baixou, entre outros, decretos dispondo sobre a reformulação da Secretaria de
Segurança Pública e da Guarda Civil de São Paulo, em dezembro de 1934, a
organização da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, em março de 1935, e a
criação da Caixa Patrimonial dos Funcionários Públicos do Estado, em abril do
mesmo ano.
Governador constitucional
A Assembléia Constituinte estadual instalou seus trabalhos em
8 de abril de 1935, realizando dois dias depois as eleições indiretas para a
escolha do governador constitucional de São Paulo. Candidato do Partido
Constitucionalista, Armando Sales derrotou o perrepista Altino Arantes por 36
votos contra 22. O governo federal, que considerava conveniente a eleição de
quase todos os interventores que haviam participado da obra de pacificação
nacional empreendida com a convocação da Constituinte, apoiou a candidatura de
Armando Sales. Na mesma ocasião foram eleitos os dois senadores paulistas,
ambos do Partido Constitucionalista.
Iniciando seu governo constitucional, Armando Sales escolheu
o seguinte secretariado: Sílvio Portugal, para a pasta da Justiça; Clóvis
Ribeiro, para a da Fazenda e Tesouro; Ranulfo Pinheiro de Lima, para a de
Viação e Obras Públicas; Cantídio de Moura Campos, para a da Educação e Saúde;
Artur Leite de Barros Júnior, para a de Segurança Pública; Luís de Toledo Piza
Sobrinho, para a da Agricultura, Indústria e Comércio e Carlos de Morais
Barros, para a Secretaria de Governo.
Dando continuidade à reforma administrativa estadual, Armando
Sales contaria no novo período com a colaboração do economista e administrador
Clóvis Ribeiro, do IDORT. O quadro financeiro que se apresentava ao novo
secretário da Fazenda era bastante grave, com déficits orçamentários que se
acumulavam desde 1931. A violenta queda dos preços do café, decorrentes da
crise mundial iniciada em 1929, havia privado São Paulo de uma de suas mais
importantes receitas, gerada pelas taxas sobre a exportação do produto. Armando
Sales e Clóvis Ribeiro preocupavam-se com a necessidade de renovar a política
econômica estadual num momento em que o governo da República procurava
centralizar a política cafeeira. O seu trabalho conjunto, que incluiu a redução
dos impostos e a racionalização do sistema tributário estadual, permitiria a
apresentação de um superávit financeiro e um funcionamento mais eficiente da
máquina administrativa ao final do governo.
Entre os decretos baixados em 1935 destacam-se o que criou o
Tribunal de Impostos e Taxas, a 5 de junho, e o que modificou o sistema
tributário do estado, a 16 de dezembro; na área da segurança pública, o decreto
de 21 de junho, que criou a Polícia Especial, subordinada à
Superintendência de Ordem Política e Social e o de 5 de julho, organizando o
Departamento de Comunicações e Serviço de Radiopatrulha da Secretaria de
Segurança. Em 20 de outubro de 1936 os governos de São Paulo e Minas Gerais
ratificaram o acordo estabelecido em Belo Horizonte no ano anterior, fixando em
definitivo a linha divisória entre os dois estados.
A segunda gestão de Armando Sales desenvolveu um projeto de
remodelação das cidades paulistas, a começar pela capital. Com a colaboração do
engenheiro Francisco Prestes Maia nos planos de urbanização, introduziram-se na
cidade de São Paulo os parques para educação física e foi constituído o prédio
da Biblioteca Pública Municipal.
O
ensino primário passou por uma reorganização, sendo dividido em regiões e
unidades escolares. Em 1935 foram criadas cerca de 506 dessas unidades. O
ensino secundário, que até 1930 era exclusivo da elite econômica, também
mereceu atenção: em 1936 já existiam 34 estabelecimentos oficiais secundários e
a Faculdade de Filosofia começava a formar professores. Quando Armando Sales
deixou o governo, estava prestes a entrar em funcionamento o Ginásio Modelo,
anexo àquela faculdade e de estrutura semelhante à dos liceus franceses.
Candidato à presidência da República
Em
fins de 1936 iniciaram-se em São Paulo as articulações partidárias em torno da
escolha de um candidato para concorrer à presidência da República nas eleições
que seriam realizadas em 1938. Apoiado por seus correligionários, Armando Sales
foi ao Rio de Janeiro comunicar a Vargas sua disposição de candidatar-se àquele
cargo. Opondo-se às pretensões do governador de São Paulo, Vargas referiu-se à
“inoportunidade” da realização de eleições diante do clima “tenso” reinante no
país, que vivia sob o regime de estado de guerra desde o levante comunista de
novembro de 1935. Vargas declarou achar conveniente a prorrogação de todos os
mandatos executivos, proposta que foi rejeitada por Armando Sales. Em troca da
desistência de sua candidatura, o presidente ofereceu-lhe o Ministério da
Fazenda e a presidência do Banco do Brasil para serem ocupados por pessoas que
ele indicasse, proposta que foi igualmente recusada.
Retornando
a São Paulo, Armando Sales preparou-se assim mesmo para o lançamento de sua
candidatura à presidência da República na legenda do Partido
Constitucionalista, o que implicava sua desincompatibilização do governo
estadual. Em manifesto datado de 25 de dezembro, os chefes do Partido
Constitucionalista solicitaram-lhe que assumisse a presidência do diretório
estadual do partido, renunciando ao governo. Essa renúncia deu-se efetivamente
a 29 de dezembro, e o governo foi entregue a José Joaquim Cardoso de Melo Neto,
eleito pela maioria constitucionalista na Assembléia Legislativa. Isso
significava que Armando Sales praticamente já se tornara candidato à
presidência da República e, em conseqüência, os ministros Vicente Rao e Macedo
Soares afastaram-se do governo federal.
Em
fevereiro de 1937 foi lançada oficialmente a candidatura de Armando Sales,
iniciando-se o processo para constituir um partido de âmbito nacional que a
apoiasse. Em junho foi fundada a União Democrática Brasileira (UDB), sob a
presidência de Armando Sales, reunindo as situações de São Paulo e Rio Grande
do Sul e as oposições de Minas Gerais, Bahia, Ceará, Paraná, Santa Catarina e
Rio de Janeiro. As principais forças políticas da UDB estavam no Partido
Constitucionalista de São Paulo, no Partido Republicano Liberal do Rio Grande
do Sul, chefiado pelo governador José Antônio Flores da Cunha, que se
encontrava em posição de franca hostilidade ao presidente da República, e nos partidos
oposicionistas mineiros — o Partido Republicano Mineiro, chefiado por Artur
Bernardes e o Partido Progressista, chefiado por Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada. Criada para apoiar a candidatura de Armando Sales num momento em que
se tornava cada vez mais palpável a ameaça de um golpe militar, a UDB defendia
o regime democrático e a Constituição de 1934, reivindicando a realização
normal das eleições marcadas para 3 de janeiro de 1938.
Paralelamente
a essas articulações, em 25 de maio foi lançada a candidatura de José Américo
de Almeida, considerado o candidato do governo e apoiado pela maior parte dos
situacionismos estaduais, e no mês de junho foi apresentada pela Ação
Integralista Brasileira (AIB) a candidatura de seu líder, Plínio Salgado.
Em
agosto Armando Sales iniciou sua campanha eleitoral em Minas Gerais,
discursando em Belo Horizonte e Juiz de Fora, onde defendeu a ampliação dos
direitos sociais estabelecidos pela legislação trabalhista. Em setembro viajou
ao Rio Grande do Sul e em companhia de Flores da Cunha visitou Porto Alegre,
Bajé e Pelotas, discursando sobre o tema da segurança nacional e defendendo o
reequipamento e a modernização das forças armadas.
Oficialmente, Vargas cooperava com a campanha presidencial,
negociando com as lideranças estaduais, mas já promovia as articulações que
preparariam o terreno para um golpe de Estado. Contando com o apoio do ministro
da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, e do general Góis Monteiro, que desde
julho assumira a chefia do Estado-Maior do Exército, desenvolvia um trabalho de
neutralização das lideranças políticas estaduais que lhe eram desfavoráveis.
A 1º de outubro o governo solicitou ao Congresso Nacional
autorização para reinstaurar o estado de guerra, que fora suspenso em julho de
1937. A justificativa do pedido era a “descoberta” de um suposto plano de ação
comunista — conhecido por Plano Cohen — contendo instruções do Komintern para a
tomada do poder no Brasil. Posteriormente ficaria comprovado que o Plano Cohen
não passava de uma falsificação utilizada para justificar o golpe de estado que
se preparava. Antevendo a iminência do golpe, os deputados e senadores
integrantes da UDB colocavam-se contra a decretação do estado de guerra, que
poderia acabar sendo aprovada pelo Congresso Nacional no mesmo dia 1º de
outubro.
Paralelamente,
Vargas pressionava cada vez mais Flores da Cunha, pretendendo intervir no Rio
Grande do Sul. Intimado a transferir o comando da Brigada Militar do estado
para o comandante da 3ª RM, o governador gaúcho decidiu renunciar a 17 de
outubro e buscou exílio no Uruguai. No dia seguinte reuniram-se os líderes da
UDB, decidindo lançar um manifesto, redigido por Otávio Mangabeira e João
Carlos Machado, que denunciava o afastamento do governador gaúcho como mais um
passo na escalada do golpe. Os parlamentares signatários decidiram não
comparecer à Câmara até a data marcada para a leitura do manifesto.
Armando Sales convocou no dia 8 de novembro uma reunião do
diretório da UDB em sua residência, no Rio de Janeiro, com a finalidade de
apresentar um documento por ele elaborado e dirigido aos chefes militares
denunciando a conspiração em andamento. Advertia e, ao mesmo tempo, apelava aos
militares, afirmando que “se alguma força poderosa não intervier a tempo de
impedir que se cumpram os maus pressentimentos que hoje anuviam a alma
brasileira, um golpe terrível sacudirá de repente a nação, abalando os seus
fundamentos até as últimas camadas e mutilando cruelmente as suas feições”. O
documento encerrava-se de forma incisiva: “A nação está voltada para os seus
chefes militares: suspensa, espera o gesto que mata ou a palavra que salva.” À
noite, portadores especiais correram o Rio de Janeiro, entregando aos
principais chefes do Exército e da Marinha, em suas residências, cópias da carta
assinada por Armando Sales. Era uma última tentativa de levantar a resistência
ao golpe.
No
dia 9 de novembro o documento foi lido na Câmara dos Deputados e no Senado. Ao
anoitecer, o ministro da Guerra comunicou a Vargas que o manifesto estava sendo
distribuído nos quartéis e que não garantiria a manutenção da ordem se não
fossem tomadas medidas de repressão. O golpe, que fora marcado para 15 de
novembro, acabou sendo antecipado para o dia 10. Nessa data foi instaurado o
Estado Novo, fechado o Congresso Nacional e cancelada a eleição de janeiro do
ano seguinte.
A
residência onde Armando Sales se hospedara no Rio de Janeiro havia algumas semanas
fora invadida por soldados do Exército. Ele ali permaneceu, sob prisão
domiciliar, até 20 de novembro. Depois foi conduzido a outra prisão domiciliar
nas minas de Morro Velho, em Minas Gerais, onde permaneceu numa casa de
propriedade dos engenheiros da Companhia Inglesa de Minas. Os principais
elementos de sua equipe política também foram presos e perseguidos. Júlio de
Mesquita Filho foi recolhido a um quartel do Exército no Rio de Janeiro.
O exílio no Estado Novo
Em
maio de 1938, Armando Sales foi transferido para São Paulo e, sempre sob
rigorosa vigilância, foi obrigado a permanecer em uma fazenda de parentes em
Espírito Santo do Pinhal. Em fins de outubro foi novamente chamado à capital
paulista, recebendo ordens de embarcar imediatamente, como exilado político,
para o exterior. Tal determinação lhe foi dada pelo próprio Getúlio Vargas em
telegrama enviado por intermédio do general Góis Monteiro. No dia 3 de
novembro, Armando Sales embarcou para a França, a bordo do vapor Lipari. O
passaporte que lhe foi concedido só era válido para a Europa e os Estados
Unidos. Seguiu para o exílio acompanhado de sua mulher e seu filho, além de
Júlio de Mesquita Filho e esposa.
Os
exilados desembarcaram a 25 de novembro em Paris, para onde seguiram também
vários perseguidos pelo Estado Novo: Paulo Duarte, Paulo Nogueira Filho, Luís
de Toledo Piza Sobrinho, Otávio Mangabeira, Mário Brant e Lindolfo Collor,
dentre outros. Da capital francesa, o grupo procurou estabelecer contatos entre
todos os que se encontravam na mesma situação e desenvolver um sistema de
comunicação clandestino com seus aliados no Brasil, ao mesmo tempo em que fazia
publicar apelos e manifestos em vários jornais.
No dia 7 de janeiro de 1939 foi publicada a Mensagem dos
exilados brasileiros ao presidente Roosevelt, que aplaudia o presidente
norte-americano pelas suas intenções em defesa da democracia e denunciava a
ditadura do Estado Novo. Armando Sales foi um dos signatários. A 25 de
fevereiro publicou uma carta dirigida ao general Góis Monteiro intitulada O
Exército Nacional e o Estado Novo, denunciando o autoritarismo do general e
acusando-o de ser o principal conspirador contra o regime democrático no país.
Ante
o avanço do fascismo na Europa e as ameaças de uma invasão da França pelos
alemães, os exilados decidiram retirar-se para os Estados Unidos. A 4 de abril
de 1939 Armando Sales desembarcou em Nova Iorque e no final do ano fez publicar
novo manifesto contra o regime brasileiro, “uma das mais notáveis peças da
literatura política dos liberais exilados”, segundo Ricardo Maranhão. O
documento, de 60 páginas, intitulado Diagrama de uma situação política,
analisava as causas do golpe militar, o significado político dos atos de Vargas
e as principais forças políticas do país. Advertia os brasileiros do perigo
representado pelo avanço do totalitarismo fascista e fazia um apelo ao Exército
para que promovesse a união dos brasileiros em defesa da democracia: “A união,
só o Exército a pode realizar, porque é a única força nacional não
desorganizada pela demência autoritária.” Esse apelo refletia a esperança de
romper a unidade do bloco de chefes militares em torno de Vargas.
No Brasil, a repressão conduzida pelo Estado Novo atingiu O
Estado de S. Paulo. Em 26 de março de 1940 o jornal teve sua sede invadida por
soldados da Força Pública, por ordem do interventor federal Ademar de Barros.
Permaneceu sob ocupação até 7 de abril, quando voltou a circular com nova
direção, articulada com os interesses do governo. Essa orientação seria mantida
até 1945.
Em 21 de abril de 1940 foi publicado no Diário de São Paulo
um relatório do delegado Hugo Auler, parte integrante do inquérito policial
remetido ao Tribunal de Segurança Nacional, em que Armando Sales era acusado de
insurreição contra o Estado Novo. O ex-governador seria condenado pelo TSN,
juntamente com Otávio Mangabeira e Paulo Nogueira Filho, que também continuavam
exilados.
Durante sua permanência nos Estados Unidos, Armando Sales
passou a colaborar na revista Free World, de tendência socialista moderada,
dirigida pelo exilado espanhol Álvares del Vayo. O vice-presidente
norte-americano Henry Wallace era presidente de honra da organização que
editava o periódico. Segundo depoimento de Paulo Duarte em entrevista dada a O
Estado de S. Paulo em 14 de maio de 1947, Armando Sales aprofundou seus ideais
democráticos, aproximando-se do socialismo durante o período em que trabalhou
com o grupo da Free World. “Ele via a revolução universal, com toda a sua
violência, que iria acabar por convulsionar os próprios Estados Unidos... para
o advento da confraternização humana, uma confraternização sem fronteiras e sem
totalitarismo, num mesmo clima de liberdade de pensamento e dignidade humana.
Vi-o negar-se um dia a colaborar para a formação de um banco, do qual passaria
a diretor quando voltasse ao Brasil, porque já não admitia o particular
comerciando o dinheiro, mercadoria de exploração privativa do Estado... Chegou
mesmo a redigir um programa político, cujas idéias avançadas foram alarmar a
pasmaceira ideológica dos antigos chefes do Partido Constitucionalista.”
Desejando transferir-se para a Argentina, Armando Sales não
conseguiu um visto de saída do governo norte-americano, que temia a reação do
governo brasileiro ante a presença de exilados políticos perto de suas fronteiras.
Deixaria os EUA apenas em fins de 1943, quando o secretário de Estado Cordell
Hull arranjou-lhe um visto de saída para o México. Nesse país, Carlos de Lima
Cavalcanti, embaixador brasileiro, conseguiu-lhe saída para a Argentina. Dali
acompanhou atentamente o que se passava no Brasil, especialmente o movimento
antifascista e de oposição ao Estado Novo. Em 10 de dezembro de 1943, publicou
em Buenos Aires uma carta aos brasileiros, apontando a incoerência do governo
Vargas, que participava do conflito mundial ao lado dos Aliados, lutando contra
as ditaduras européias ao mesmo tempo em que mantinha outra ditadura
internamente. Procurando articular-se com a crescente oposição ao Estado Novo,
entrou em contato com o brigadeiro Eduardo Gomes quando da visita deste a
Buenos Aires, em 1944. Nessa ocasião, segundo Ricardo Maranhão, o brigadeiro
manifestou-lhe a intenção de depor Vargas através de um golpe e convocar
eleições.
Sofrendo de câncer no estômago, Armando Sales foi submetido a
uma cirurgia, na capital argentina, ainda em 1944. Recuperado, chegou a viajar
ao Uruguai, em companhia de Paulo Nogueira Filho, para estabelecer contatos com
brasileiros ligados à nascente União Democrática Nacional (UDN).
O
ano de 1945 marcaria a consolidação do processo de redemocratização do país. Em
28 de fevereiro, Vargas assinou a Lei Constitucional nº 9, que previa eleições
com data a ser marcada em 90 dias. As articulações em torno de candidatos para
concorrerem à presidência da República já se iniciavam. Nesse mesmo mês foi lançada
a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, apoiada pelos opositores de Vargas,
que se organizavam na constituição da UDN.
A 2 de abril, quinhentos advogados impetraram perante o
Supremo Tribunal Federal um pedido de habeas-corpus em favor dos exilados
políticos brasileiros, dentre eles o ex-candidato à presidência. Cinco dias
depois, Armando Sales retomava ao Brasil, desembarcando em São Paulo, onde foi
recebido por uma verdadeira multidão. Gravemente doente, dirigiu-se
imediatamente para o Hospital Boa Esperança, no morro dos Ingleses.
Armando
Sales chegaria a tomar parte da primeira reunião do diretório nacional da UDN,
realizada em 21 de abril, sendo escolhido para integrar a comissão diretora do
partido. Mas poucos dias depois, a 17 de maio de 1945, cercado de inúmeros
correligionários e amigos, veio a falecer em sua terra natal. O interventor
federal em São Paulo, Fernando Costa, decretou luto oficial no estado por três
dias.
Escreveu Discursos (1935), Jornada democrática (discursos
políticos, 1937), Para que o Brasil continue (discursos políticos, 1937) e
Diagrama de uma situação política; manifestos políticos do exílio (1945).
A
seu respeito foram publicados Síntese do pensamento de Armando de Sales
Oliveira, de Joaquim A. Sampaio Vidal (1937), Armando de Sales Oliveira, de
Cesário Coimbra, Manuel dos Reis e Moacir E. Álvaro (1946), Armando de Sales
Oliveira, de A.C. Pacheco Silva (1966) e o artigo “Armando de Sales Oliveira”,
de Ricardo Maranhão (“Suplemento do Centenário” de O Estado de S. Paulo,
1715/1975).
Vilma Keller
FONTES: ARAÚJO, A.
Chefes; ARAÚJO, M. Cronologia; ARQ. GETÚLIO VARGAS; CARONE, E. Estado; DEP.
PESQ. ESTADO SP; DUARTE, P. Prisão; DULLES J. Getúlio; Efemérides paulistas;
Encic. Mirador; Estado de S. Paulo (17/5/75); FUND. GETULIO VARGAS. Cronologia
da Assembléia; Grande encic. Delta; LEITE, A. História; LEVINE, R. Vargas;
MELO, L. Dic.; Novo dic. de história; OLIVEIRA, A. Carta; OLIVEIRA, Y. Otávio;
PEIXOTO, A. Getúlio; POPPINO, R. Federal; SILVA, A. Armando; SILVA, H. 1934;
SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937; Súmulas.