COSTA,
Lúcio
*arquiteto e urbanista.
Lúcio Costa nasceu em Toulon, França, no dia 27 de
fevereiro de 1902, e foi registrado na embaixada brasileira, filho do
engenheiro naval Joaquim Ribeiro Costa e de Alina Ferreira da Costa.
Com poucos meses de idade veio com os pais para o Rio de
Janeiro, então Distrito Federal. Retornou à Europa aos oito anos de idade, onde
cursou a escola básica em Newcastle-on-Tyne, na Inglaterra, e em Montreux, na
Suíça. De volta em definitivo ao Brasil aos 15 anos, em 1917 foi matriculado
pelo pai na Escola Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro. Estudioso do
período colonial, tendo como mestre José Mariano Carneiro da Cunha, formou-se
em arquitetura em 1922. Nesse mesmo ano abriu seu primeiro escritório com
Fernando Valentim. Segundo narra em seu livro de memórias, “era a época do
chamado ecletismo arquitetônico, os estilos ‘históricos’ eram aplicados sans
façon de acordo com a natureza do programa em causa e também do
neocolonial, visão acadêmica e equivocada da arquitetura colonial brasileira”.
Seu primeiro projeto construído foi a Casa Rodolfo Chambelland, no Rio de
Janeiro, com colaboração de Evaristo de Sá. Em 1924 houve o seu primeiro
contato ao vivo com a arquitetura autêntica do período colonial, ao fazer uma
viagem de estudos a Diamantina (MG). De 1926 a 1927 realizou obras “neocoloniais”, defendendo uma arquitetura de cunho colonial. Sua conversão ao modernismo
teria ocorrido no final dessa década, após ter lido toda a obra de Le Corbusier
e trabalhos de Gropius e Mies van der Rohe. Quando viu, em 1929, uma foto da
casa modernista de Gregori Warchavchik em São Paulo, descobriu uma arquitetura coerente com as novas tecnologias construtivas. Em 1930 publicou sua primeira
obra intitulada Razões de nova arquitetura.
Convertido ao modernismo racionalista no ano seguinte, logo
após a Revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder, foi nomeado diretor
da Escola Nacional de Belas-Artes. Ao promover o Salão Nacional de Belas-Artes,
convidou os modernistas Anita Malfati e Manuel Bandeira para o júri que acabou
revelando grandes expoentes das artes brasileiras, como os pintores Di
Cavalcanti, Cândido Portinari, Tarsila do Amaral, Guignard, Bruno Giorgio e
Cícero Dias, entre outros, e os arquitetos Gregori Warchavchik e Afonso Reidy.
Para a escola levou Warchavchik, um arquiteto brasileiro de origem russa, como
seu assistente, introdutor entre alunos das posturas do funcionalismo do mestre
Le Corbusier. A semente lançada germinou, frutificou, e seu trabalho à frente
dessa instituição teve atuação fundamental para a renovação do pensamento
artístico e arquitetônico no país. Mas Lúcio Costa, por falta de apoio político
e devido às pressões dos professores refratários à reforma efetuada, deixou o
cargo pouco tempo depois. Sua saída levou os alunos a deflagrarem uma greve que
durou um ano.
Com
a reconstitucionalização do país, em 1935 Gustavo Capanema foi nomeado pelo
presidente Getúlio Vargas para a pasta do então Ministério da Educação e Saúde.
Nessa condição, após anular o concurso havido e pagar os prêmios aos
vencedores, em 1936 Capanema contratou o escritório de Lúcio Costa, um dos
pioneiros da arquitetura moderna do Brasil, para desenvolver o projeto
revolucionário para construção da sede desse ministério na capital federal,
atualmente denominado palácio da Cultura. Essa equipe era composta ainda por
Carlos Leão, sócio de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Afonso Reidy, Jorge Machado
Moreira e Ernâni Vasconcelos, sob inspiração do arquiteto suíço naturalizado
francês Le Corbusier, que veio ao Brasil como consultor. Entretanto, o
presidente Getúlio Vargas não queria a vinda do mestre europeu por achá-la um
exagero, mas foi o próprio Lúcio Costa quem o convenceu de que era necessária a
presença do arquiteto. Nesse mesmo ano também elaborou o projeto da Cidade
Universitária, onde hoje se encontra o Jardim Zoológico, no Rio de Janeiro, mas
que fora sumariamente recusado pelos responsáveis e só viria a se concretizar
alguns anos mais tarde, na ilha do Fundão. No final de 1937, foi admitido no
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), órgão ligado ao
Ministério de Educação e Saúde, criado em novembro daquele ano. Em 1939 venceu
o concurso de projetos para construção do Pavilhão Brasil da Feira Mundial de
Nova Iorque e convidou Oscar Niemeyer, que havia sido o segundo colocado, para
participar dos trabalhos.
Tornando-se conhecido internacionalmente, em 1950 projetou a
Casa do Brasil na Cidade Universitária, em Paris. Dois anos depois publicou O arquiteto e a sociedade contemporânea. Em 1954,
vítima de um acidente de automóvel que era dirigido pelo próprio Lúcio Costa,
faleceu sua mulher Julieta. Em várias entrevistas que concedera se dizia
culpado pela tragédia.
Com
a eleição de Juscelino Kubitschek para a presidência da República em 1955 e sua
assunção ao poder no ano seguinte, dando início à implementação do seu projeto
de transferência da capital brasileira para o Planalto Central, em 1957 Lúcio
Costa venceu o concurso, organizado por Oscar Niemeyer, então diretor do
departamento de arquitetura da Companhia Urbanizadora da Nova Capital
(Novacap), empresa responsável pela construção de Brasília, para apresentação
do projeto do plano piloto da cidade, para onde seria transferida a nova
capital federal. Na oportunidade, apresentara-se à comissão organizadora do
concurso nacional para escolha do plano urbanístico por meio de um portador,
pouco antes de terminar o prazo, com simples rolos de papel, nos quais se
encontravam suas ponderações e riscos esquemáticos, enquanto seus concorrentes
enviaram maquetes, painéis com fotomontagens, perspectivas e outros recursos
possíveis, mas Costa venceu a todos. Esse projeto tornou-se uma notável
contribuição ao urbanismo contemporâneo e Brasília uma referência urbanística
mundial. Em 1959 publicou mais uma obra: A crise da arte contemporânea.
Sua obra teórica teve papel central no desenvolvimento do ensino da
arquitetura e do urbanismo.
Combativo
e incansável, com esse projeto de Brasília Lúcio Costa e a geração de
arquitetos e urbanistas à sua volta estavam determinados a acabar com o
ecletismo, uma possibilidade arquitetônica segundo ele flácida, onde o artista
simplesmente usava um estilo preexistente que se encaixasse nas necessidades da
encomenda, e ninguém criava nada. Nos últimos anos dizia sempre, em entrevistas
esporádicas, que sentia um perigoso retorno desse ecletismo na arquitetura
contemporânea. O ideário proposto por Lúcio Costa e seus companheiros, cheio de
concreto, vidros e vãos monumentais, foi imediatamente criticado por
desumanizar as cidades. Somente há pouco mais de dez anos que o arquiteto e
urbanista começou a tecer comentários sobre as contradições da arquitetura e
suas aplicações práticas. Sobre a não-existência de comunidades operárias no
projeto de Brasília, por exemplo, disse que ela “não foi projetada para
resolver os problemas de desigualdade social no Brasil, nem a arquitetura tem
tais poderes”.
Sua parceria com Oscar Niemeyer nunca foi impossibilitada
pelas suas diferentes opiniões políticas. Mesmo a militância comunista do amigo
era, segundo Lúcio Costa, um dado de suas trajetórias bem-sucedidas, pois “isso
aumentava as encomendas”, e ironizava dizendo que a “burguesia adorava ter sua
cobertura projetada por um comunista”. Mas essa parceria correu um certo risco
inicial de não acontecer pois, no início do projeto do palácio Gustavo
Capanema, atual palácio da Cultura, Lúcio Costa confessou que pensou até em desencorajar Niemeyer e “mandá-lo trabalhar num banco”, mas ele logo revelou o seu talento e
se notabilizou.
Foi
também o autor do Plano Diretor da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro em 1969,
durante o governo de Negrão de Lima (1966-1971). Concebida com um horizonte
diametralmente oposto ao de Brasília, a Barra deveria ser ocupada com método e
planejamento durante cerca de meio século ou mais. Gabaritos variados previam
prédios baixos à beira-mar e maiores no interior do bairro. Às margens da lagoa
de Marapendi projetou ancoradouros para um ecológico sistema de transportes
fluviais e infra-estrutura. Com a desordenada ocupação do bairro na década de
1980 e o desrespeito ao seu plano piloto, Lúcio Costa evitava falar do assunto
ao conceder entrevistas. Quando o fazia, era com a antiga clareza e
combatividade, mesclada a uma resignação que foi surgindo com os anos. Em
entrevistas e conversas com amigos, lamentava que a ganância dos empresários
tenha afastado o perfil original da Barra — cheio de verde, mar e estradas
sinuosas — da realidade dos prédios enormes e apartamentos diminutos. Hoje a
lembrança de todo esse plano do arquiteto é pequena. Seu nome foi dado a uma
ponte, que terá construída ao lado outra igual, cujo homenageado será Oscar
Niemeyer.
Nos últimos anos, mesmo com a saúde debilitada, Lúcio Costa ainda
encontrou forças para lutar contra o que considerava desrespeito arquitetônico,
como o projeto da Prefeitura do Rio de gradear o Parque Guinle, em 1995, e a
demolição, anos depois, da casa projetada por Niemeyer em 1969, na rua Eduardo
Guinle, em Botafogo, que estava sendo demolida para construção de um prédio de
apartamentos. O parque ficou sem as grades, mas o prédio não existe mais.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 13 de junho de 1998.
De seu casamento com Julieta Guimarães Costa, teve duas
filhas.
Publicou
ainda Lúcio Costa: registro de uma vivência (memórias, 1995), além de
vários trabalhos sobre o período colonial brasileiro, entre os quais O
Aleijadinho e a arquitetura tradicional, Arquitetura jesuítica no Brasil
e Notas sobre a evolução do mobiliário brasileiro.
Alan
Carneiro
FONTES: Encic.
Barsa (1999); Encic. Larousse Cultural; Estado de S. Paulo (14/6/98);
Folha de S. Paulo (14/6/98); INF. FAM.; Jornal do Brasil (14/6/98).