GALLOTTI, Antônio
*mov. integralista; pres. Light 1956-1974.
Antônio Gallotti nasceu
em Tijucas (SC) no dia 29 de agosto de 1908, filho de Beniamino Gallotti e de
Francesca Angeli Gallotti, imigrantes italianos que se estabeleceram em Santa Catarina no final do século XIX, fugindo à repressão que então se movia na Itália aos
partidários de Giuseppe Garibaldi. Seu pai possuía um próspero negócio de
cultura de cereais e exportação de madeiras. Entre seus 14 irmãos, exerceram
importantes cargos públicos Francisco Benjamim Gallotti, senador por Santa Catarina
de 1947 a 1954, de 1955 a 1957 e de 1958 a 1961 e Luís Gallotti, interventor em Santa Catarina de 1945 a 1946 e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
de 1949 a 1974, além de presidente dessa corte de 1967 a 1969.
Antônio Gallotti iniciou os estudos secundários em 1919 no
Ginásio Catarinense, dos jesuítas em Florianópolis. Mudou-se para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 1927, e ingressou
na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, onde fundou o Centro
Acadêmico de Estudos Jurídicos (Caju), ao lado de Gílson Amado, Francisco
Clementino de San Tiago Dantas, Hélio Viana, Vicente Chermont de Miranda,
Plínio Doyle e Américo Jacobina Lacombe. O grupo dedicou-se a combater as teses
marxistas, e Gallotti, aluno exemplar e bom orador, destacou-se por sua
habilidade nas articulações de bastidores, sempre criticando “o pensamento
dominado pela preocupação econômica” e recorrendo aos teóricos fascistas.
A adesão de Antônio Gallotti ao nascente movimento fascista
brasileiro foi conseqüência natural dessas posições. Em abril de 1931,
participou da reunião convocada no Rio de Janeiro por Plínio Salgado com o
objetivo de aglutinar elementos em torno das idéias expostas no manifesto que
redigira, de fundação da Legião Revolucionária de São Paulo, lançado no mês
anterior. Ainda antes de diplomar-se, Gallotti pronunciou uma série de
conferências no Nordeste exigindo o fim do regime liberal e burguês.
Bacharel no final de 1931, Gallotti iniciou no ano seguinte
um curso de pós-graduação em direito.
O integralismo
Criada a Ação Integralista Brasileira (AIB) em outubro de
1932, Gallotti logo assumiu postos de direção na organização, chegando a ser um
de seus dez secretários nacionais e o responsável pelo setor de relações
internacionais, encarregado da correspondência com as organizações congêneres
de todo o mundo. Colaborou também em A Ofensiva, semanário integralista que circulou a partir de maio de 1934. Em junho desse mesmo ano,
tornou-se um dos professores dos cursos de doutrina integralista, inaugurados
pelo departamento de doutrina da província da Guanabara. Concorreu ainda, na
legenda da AIB, às eleições de outubro de 1934.
Segundo a revista Visão, Gallotti foi integralista até
1938, quando se iniciou seu processo de afastamento. Mais tarde, em 1945,
observou ele que sua opção pelo fascismo fora ditada pela necessidade de
combate ao comunismo: uma vez que “ao internacionalismo, o fascismo respondia
com o nacionalismo; à luta de classes, com o corporativismo: ao materialismo,
com o espiritualismo”.
O ingresso na Light
Ainda em 1932, ao lado de San Tiago Dantas, Gallotti passou a freqüentar o bar do Palace, onde se reuniam Edmundo da Luz
Pinto, Alexandre Marcondes Filho, João Mangabeira, Augusto Frederico Schmidt e
Gilberto Amado, entre outros políticos e intelectuais da época. Edmundo da Luz
Pinto, seu mestre e amigo, indicou-o a Kenneth McCrimmon, então presidente da
empresa canadense Brazilian Traction, Light and Power Company, o qual, em 1933,
admitiu o recém-formado advogado no contencioso da companhia, evitando assim
seu retorno ao estado natal.
Nessa época, a empresa era responsável pela geração e a
distribuição da energia elétrica no eixo Rio-São Paulo e controlava os serviços
de gás, telefone e bondes no Rio e em São Paulo, bem como todos os serviços de utilidade pública em Santos (SP). Possuía, além disso, diversas subsidiárias
para a instalação de serviços de luz, força, telefone e gás nas principais
cidades do país.
Implantada no Brasil desde o começo do século e beneficiada
durante cerca de 30 anos pela chamada “cláusula-ouro” — que determinava o
pagamento das tarifas metade em moeda corrente, metade acompanhando as
flutuações do preço do ouro, o que implicava um ajuste automático das tarifas
—, a concessionária sofreria um primeiro golpe em seus interesses em 1933,
quando, a exemplo do que fizera o presidente norte-americano Franklin D.
Roosevelt durante a crise de 1929, o Governo Provisório de Getúlio Vargas
proibiu os pagamentos em ouro. O Decreto nº 23.501, de 27 de novembro desse
ano, revogando a cláusula-ouro, tinha caráter retroativo, ou seja, atingia os
contratos anteriores à lei considerados “de caráter constitucional”.
Foi nesse contexto que Gallotti iniciou sua atuação na Light,
tornando-se um especialista na legislação que regulava as concessionárias de
serviços públicos. Em 1934, a empresa foi novamente atingida por outra lei,
assinada por Vargas em 10 de julho: o Código de Águas, produto do esforço de
uma equipe de juristas e engenheiros que atuavam sob a orientação do ministro
da Agricultura, o major Juarez Távora. A nova lei veio consolidar uma
legislação até então dispersa, já que no começo do século os contratos com as
concessionárias de serviços públicos restringiam-se ao âmbito municipal,
enquanto as leis, por autorizarem o uso dos rios, eram estaduais e federais.
Segundo Catulo Branco, graças a esses primitivos contratos, a Light e a Bond
and Share haviam constituído suas primeiras holdings no Brasil: “a
primeira comprando todas as empresas existentes entre Jundiaí e Rio de Janeiro
e a segunda, quase todas as do interior do estado de São Paulo.” O novo código
atingiu diretamente essas concessionárias, pois introduziu um capítulo
determinando a fiscalização das empresas de energia elétrica, inclusive em sua
contabilidade, e o estabelecimento de tarifas para os serviços prestados com
base no preço de custo. Além disso, ficou estabelecido que o capital dessas
empresas seria avaliado de acordo com seu custo histórico, ou seja, o custo
original das instalações.
As
companhias reagiram prontamente ao Código de Águas, tentando demonstrar o que
consideraram sua “ilegalidade”, pois, segundo afirmavam, o documento fora
assinado após 16 de julho — dia da promulgação da Constituição — e antedatado.
Como, depois de promulgada a nova Carta, a Assembléia Nacional Constituinte
passou a funcionar como Câmara dos Deputados, as empresas afetadas consideraram
que a nova lei deveria ser submetida a essa casa. A argüição de
inconstitucionalidade acabou descaracterizada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em 1938, embora viesse a ressurgir em 1962, através de Roberto Campos.
A campanha movida contra o Código de Águas foi tão intensa e
poderosa que impressionou Vargas, levando-o a submetê-lo a Osvaldo Aranha,
então ministro da Fazenda, para um pronunciamento final. Segundo Barbosa Lima
Sobrinho, Juarez Távora teria declarado que “a Light encabeçou as resistências
ao cumprimento dos preceitos legais” do novo código. A influência dessa empresa
era tão grande que, segundo a mesma fonte, João Mangabeira foi levado a
declarar que, no Brasil, os caminhos do poder passavam pelos escritórios da
Light. Aranha confessou haver estudado o assunto inicialmente com certa
prevenção contra o código, influenciado pela violenta campanha dos opositores
da nova legislação. Em 1938, entretanto, terminou por manifestar-se favoravelmente
à sua pronta aceitação. Ainda segundo Barbosa Lima Sobrinho, porém, o Código de
Águas jamais seria implantado, devido à resistência da Light à fiscalização de
sua contabilidade, o que permitiria, tendo-se em conta o custo histórico da
empresa, avaliar o capital por ela efetivamente investido.
A ascensão na Light
Em
1942, Gallotti acrescentou a seu currículo o título de catedrático de teoria
geral do direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro,
Mas sua opção definitiva pela advocacia e por uma carreira na Light viria a
ocorrer, segundo Visão, a partir de 1945, quando começaram a
vislumbrar-se novas possibilidades para a iniciativa privada, logo após o
término da Segunda Guerra Mundial e a queda de Vargas. Em 1947 Gallotti casou-se
com Arminda Garcia Zuñiga e, nessa época, conheceu Henry Borden, presidente em
Toronto da Brazilian Traction, de visita ao Brasil para reavaliar os negócios
da companhia. Borden queria consultar um advogado brasileiro sobre a criação de
uma holding das 18 empresas de serviço público que constituíam aquele
grupo no Brasil. Alguns dias depois de seu encontro com Borden, Gallotti
apresentou-lhe o plano da Companhia Brasileira Administradora de Serviços
Técnicos (Cobast), com o qual o industrial canadense não concordou
inteiramente. Todavia, impressionado com a eficiência de Gallotti, convidou-o a
participar em Washington, no ano seguinte, dos entendimentos entre o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também chamado Banco
Mundial, e a Brazilian Traction relativamente a um empréstimo de 90 milhões de
dólares, o primeiro, aliás, concedido por aquela agência financeira da
Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) a uma empresa privada. O BIRD concordou em
conceder o empréstimo a juros de 4% ao ano, em parte porque o governo
brasileiro serviu de avalista na transação.
A
concessão do endosso do governo brasileiro junto ao BIRD foi entretanto uma
operação anômala, já que se tratava de uma empresa estrangeira. Acesos debates
se seguiram na Câmara e no Senado, onde vários discursos contra a atitude do
governo — como o do então deputado Hermes Lima — foram pronunciados. Além
disso, o general Juarez Távora endereçou diversas cartas aos deputados Domingos
Velasco e Gustavo Capanema, com o intuito de lutar para que a operação não
fosse realizada. Todavia, uma grande maioria na Câmara e no Senado aprovou, em
julho de 1948, o projeto de lei que concedia o aval do governo brasileiro ao
empréstimo. Em agosto do mesmo ano, foi constituída uma comissão parlamentar de
inquérito (CPI) para examinar os contratos da Light com o governo federal, da
qual foi presidente o deputado Gustavo Capanema e relator o deputado Afonso
Arinos de Melo Franco. O parecer da CPI confirmou as denúncias formuladas pelo
general Juarez Távora quanto à irregularidade daqueles contratos. Segundo o
semanário Opinião, a companhia canadense repassou o empréstimo à sua
filial brasileira, cobrando juros de 8% ao ano, com uma lucrativa transferência
graças à qual conseguiu não só pagar os seus juros como amortizar o empréstimo
sem nada despender.
A
vultosa soma do empréstimo concedido pelo BIRD destinava-se à continuação das
obras, avaliadas em 150 milhões de dólares, do desvio do rio Paraíba, em Barra
do Piraí (RJ), interrompidas em 1947. A Light obtivera a concessão para desviar
o curso desse rio em 10 de maio de 1945, numa época de crise política, a partir
de um artifício que consistiu em considerar o desvio como ampliação de suas
instalações da velha usina de Fontes, no ribeirão das Lajes, inaugurada em 1908
para o suprimento do Rio de Janeiro. Entretanto, o projeto fora considerado
inaceitável pelo Clube de Engenharia em virtude do encarecimento da energia
elétrica. Segundo Catulo Branco, visando a manter sua posição monopolista na
produção e na venda de energia elétrica, a empresa iniciara uma nova ofensiva
no vale do Paraíba, impedindo com o projeto a construção da usina de
Caraguatatuba.
A
partir da assessoria prestada no episódio do empréstimo, Gallotti escalou
rapidamente os quadros hierárquicos da Light: de subdiretor do departamento
jurídico em 1949, passaria a vice-presidente e a consultor-geral em 1951.
Até 1950, no final do governo Dutra, segundo a pesquisadora
norte-americana J. Tender, citada por Barbosa Lima Sobrinho, a Light ainda
aguardava obter a declaração de inconstitucionalidade do Código de Águas: “Até
que isso pudesse ser possível, a companhia preferia tratar com os governos na
base da influência do que através da regulamentação existente.” O Código de
Águas não representava grande empecilho, já que a companhia se recusava a
admitir o controle do governo em sua contabilidade, mantendo-se alheia à
legislação em vigor. Todavia, para que o governo aceitasse a majoração das
tarifas, seria indispensável esse exame da escrita.
O
advento do novo governo de Vargas, em 1951, pautado desde o início por uma
estratégia de nacionalismo econômico, modificou o equilíbrio anterior, mais
acessível ao poder de influência da empresa. O ano de 1952 foi acentuadamente
marcado pela intensa campanha nacionalista em favor da criação da Petrobras,
que se concretizaria em outubro de 1953. No mesmo discurso — pronunciado em 31
dezembro de 1951 — em que defendeu a criação da Petrobras, Vargas atacou as
“exorbitantes” remessas de lucros das empresas estrangeiras beneficiadas pela
supervalorização das taxas de câmbio. Em janeiro de 1952, o presidente baixou
um decreto que impunha um limite de 10% para as remessas de lucros, caso a pressão
do balanço de pagamentos assim o determinasse. Entretanto, o decreto não foi
aplicado porque a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) preferiu não
exercer esse poder, tendo em vista os preços compensadores das exportações
nacionais durante todo o ano de 1952.
Assim,
a mudança de contexto político e as investidas nacionalistas de Vargas
influíram diretamente no comportamento das empresas estrangeiras — entre as
quais a Light —, que receavam, segundo Thomas Skidmore, uma possível encampação
por parte do governo, razão pela qual hesitaram em expandir sua capacidade
produtiva. Na verdade, a Light revelava um grande déficit de produção de
energia elétrica, tornando-se suas tarifas e serviços alvos de constantes
críticas dos setores nacionalistas. Como observou Veja, a Light esteve
presente em nossa cultura urbana freqüentemente satirizada na música, sobretudo
em sambas e marchas carnavalescas, aparecendo também em expressões de uso comum
na gíria.
Em janeiro de 1953, Vargas promulgou a Lei nº 1.807, que
extinguia a taxa cambial especial para grande parte das operações da Light. Em
conseqüência, a empresa perdeu as compensações que vinha tendo através do
câmbio e que, segundo ela, a ressarcia dos prejuízos que lhe advinham das
tarifas em vigor. No ano seguinte, o presidente da República enviou ao
Congresso um projeto de lei que visava à criação da Eletrobrás, fato que
somente se consumaria no governo de Jânio Quadros, em 1961.
Presidente da Light
Presidente
da Light em 1955, Gallotti, segundo Visão, galgou o mais elevado cargo
da empresa no Brasil no momento em que esta se empenhava em descaracterizar sua
imagem de grupo estrangeiro. Enfrentou séria crise em seus primeiros anos de
gestão devido ao crescente sentimento nacionalista que levara o governo a
iniciar, pouco antes, uma política de congelamento das tarifas. Em 1956,
irrompeu uma greve estudantil no Rio de Janeiro contra o aumento das passagens
de bonde, o que provocou quebra-quebras. Gallotti só conseguiria romper o
bloqueio tarifário após 1964.
No
início do governo de Jânio Quadros, em 1961, Gallotti enviou um telegrama ao
presidente cumprimentando-o pela criação da Eletrobrás, o que determinou fortes
críticas das associações empresariais. Sua atitude como presidente de uma
grande companhia privada era aparentemente contraditória, já que o aparecimento
da nova holding estatal poderia levar, a médio prazo, ao estrangulamento
das atividades da Light no setor de energia elétrica. Gallotti previu,
entretanto, a possibilidade de estabelecer uma forma de cooperação com a
Eletrobrás, percebendo ainda que a medida iria solucionar o impasse causado
pelo congestionamento tarifário. Efetivamente, logo em seguida à sua criação, a
Eletrobrás passou a defender uma política de aumento de tarifas, o que veio
beneficiar também as empresas do grupo Light.
O período governamental de João Goulart (1961-1964) veio
reabrir as poderosas campanhas em favor da encampação das empresas de utilidade
pública. Em abril de 1962, Gallotti participou dos entendimentos que levaram à
intervenção federal na Companhia Telefônica Brasileira (CTB) — também
pertencente à Light —, explorando habilmente as divergências entre João Goulart
e Carlos Lacerda, governador do então estado da Guanabara. Este resolvera
encampar a CTB, enquanto Goulart, preocupado com o agravamento das relações com
os Estados Unidos e com as constantes ameaças de suspensão da ajuda econômica
ao Brasil — em conseqüência da encampação da telefônica gaúcha, decretada pelo
governador Leonel Brizola —, se encontrava de partida para aquele país e
procurava evitar maiores atritos. Quando Lacerda assinou o decreto sem esperar
resposta de Goulart, fugindo assim ao compromisso assumido com Gallotti, este informou
ao governo federal sobre as possíveis conseqüências da medida em relação à
segurança nacional. Logo em seguida, foi decretada a intervenção na CTB, e o
então comandante da 1ª Região Militar, general Jair Dantas Ribeiro, preparou-se
para cumprir a interventoria, anulando a encampação por esta não haver sido
ainda publicada oficialmente.
Ainda em 1962, Gallotti autorizou a Light a contribuir
mensalmente com a quantia de duzentos mil cruzeiros para o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS), entidade criada por um grupo de empresários
com o propósito de “enfrentar a propaganda estatista e esquerdista que ganhava
todo o Brasil”, e de influir mais diretamente na condução da política nacional.
A expansão do grupo Light
A
partir de 1963, a Brazilian Traction passou a diversificar seus investimentos,
até então concentrados na geração e na distribuição de energia. O grupo possuía
8,5 milhões de dólares de lucros acumulados que não podia enviar para o
exterior porque a Lei de Remessa de Lucros — votada em novembro de 1962 pela
Câmara dos Deputados, ainda durante o período parlamentarista do governo
Goulart —, estipulava limites máximos à evasão de divisas. Por outro lado, a
empresa também não podia reinvestir no setor porque o Plano Nacional de
Eletrificação havia reservado, em 1963, a produção energética para a esfera estatal, permitindo que as empresas privadas atuassem apenas na distribuição.
Criou-se
então uma pequena holding, a Organização e Empreendimentos Gerais (OEG),
reativando-se ainda uma empresa de investimentos, a Brascan, Expansão e
Investimentos, criada em 1958 para o lançamento da São Paulo Light. O grupo
dedicou-se a cinco setores da economia brasileira — serviços financeiros, bens
de consumo popular (alimentos e bebidas, sobretudo), mineração, turismo e
exportação.
Ainda em 1963, segundo Opinião, a Brazilian Traction
entrou em choque com o governo brasileiro, que pretendia nacionalizar as
companhias telefônicas dos estados da Guanabara, de São Paulo e do Espírito
Santo. O governo acusou a empresa de prejudicar o serviço telefônico nesses
estados, calculando que seriam necessários investimentos da ordem de 450
milhões de dólares para recuperar a rede telefônica. Em sua defesa, o grupo
alegava lucros reduzidos no setor, recusando-se a realizar os investimentos.
Passada
a crise político-institucional decorrente do movimento político-militar de
março de 1964, a questão da CTB só seria resolvida em 1966, quando a Light
vendeu a companhia ao governo brasileiro por 96 milhões de dólares. O acordo
celebrado entre o grupo Light e o governo brasileiro previa ainda que cerca de
65 milhões de dólares deveriam ser reinvestidos no Brasil. Com esse dinheiro,
foi criada uma segunda holding: a Empresa Técnica de Organizações e
Participações (TOP). Além da OEG e da TOP, foi fundada mais tarde a Brascan
Participações e Investimentos, enquanto a antiga Brascan, Expansão e
Investimentos era transformada numa companhia operacional, o Banco Brascan de
Investimentos. A partir de 1969, a Brazilian Traction, Light and Power Company
passou a denominar-se Brascan Limited, permanecendo com o controle da Light
Serviços de Eletricidade S.A.
Em
março de 1972, Gallotti participou do conselho consultivo da III Conferência
Nacional das Classes Produtoras, reunida no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano,
tornou-se membro do conselho administrativo da Companhia Brasileira de
Metalurgia e Mineração, cujo capital pertencia em parte a empresas
norte-americanas. Em outubro de 1973, recebeu das mãos do senador Jessé Pinto
Freire, presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o troféu O
Mascaste, que lhe foi conferido como o mais destacado empresário do ano, numa
promoção conjunta da CNC e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(Senac).
Em dezembro de 1973, Gallotti foi eleito O Homem de Visão do
Ano, homenagem concedida anualmente por Visão àquele que essa revista
considera como o nome de maior destaque da área empresarial. Na ocasião, além
de presidente da Light, Serviços de Eletricidade S.A., Gallotti era
vice-presidente da Brascan Ltda., o maior investidor estrangeiro no Brasil.
Segundo Opinião, era também o executivo mais bem remunerado do país e
integrava um conselho internacional do Chase Manhattan Bank ao qual também
pertenciam, entre outros, Giovanni Agnelli, presidente da Fiat, e Hermann Abbs,
presidente do Deutsche Bank, um dos mais importantes bancos do mundo. Ainda em
1973, segundo o critério do lucro líquido, a Brascan era a quarta maior empresa
no Canadá, acima da General Motors.
Em
abril de 1974, conforme anunciara no ano anterior, Gallotti deixou o cargo de
chefe-executivo da Light e do grupo Brascan no Brasil — então com participação
em mais de 45 empresas —, tornando-se presidente do conselho de administração
da Brascan, Administração e Investimentos, organização cujos investimentos eram
estimados em dois bilhões de dólares.
A compra da Light
Desde
a criação da Eletrobrás, em 1961, previa-se que sua conseqüente expansão
tornaria fatal a incorporação das empresas privadas à empresa pública, o que,
aos poucos, foi ocorrendo em todo o setor de energia elétrica. Segundo
Gallotti, antes mesmo desse fato, em 1952, quando era ainda vice-presidente e consultor-geral
da Light, os dirigentes da empresa já pensavam em propor sua venda ao governo
brasileiro, provavelmente desesperançados, segundo J. Tendler, de obter a
declaração de inconstitucionalidade do Código de Águas, e, sobretudo,
desanimados pelas intensas campanhas nacionalistas então em andamento no país.
Segundo Veja, depois da Eletrobrás, a Brascan passou a considerar a
venda ou a encampação da Light uma questão de tempo.
Somente em 1974, entretanto, é que John Henderson Moore,
presidente do conselho de administração da Brascan, teve um encontro com o
ministro de Minas e Energia do governo Geisel, Shigeaki Ueki, e aventou a
possibilidade da compra da companhia pelo Estado. Gallotti assessorou Moore
nesses primeiros entendimentos com o governo brasileiro, tendo sido ainda quem
estabeleceu o valor do patrimônio da empresa: um bilhão de dólares, o que
reafirmaria mais tarde, em maio de 1978. Na época, entretanto, o governo não se
interessou em efetuar a transação.
Segundo
Veja, embora a nova política tarifária implantada no país fosse
favorável à Light, a necessidade de realizar grandes investimentos no setor do
fornecimento de energia elétrica era contrária às diretrizes da Brascan,
interessada em aplicar em áreas mais rentáveis e de retorno mais rápido. A
crise do petróleo e a nova estratégia econômica adotada pelo governo viriam
pesar mais sobre a questão. O Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
(DNAEE) foi encarregado de elaborar um novo sistema tarifário que definisse “a
tarifa pelo custo e não a qualquer custo”, tornando mais rígido seu controle.
Além disso, “a estratégia de desconcentração proposta pelo II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) exigira uma equalização das tarifas em todo o país”. Foi
então criado um fundo, a “reserva global de garantia”, através do qual as
regiões mais desenvolvidas subsidiariam as tarifas das menos desenvolvidas, o
que, para a Brascan, significava que a Light passaria a arcar também com o ônus
do “custo social”, o que era contra os interesses da empresa. Após a proposta
feita a Ueki, Moore renovou a mesma proposição verbal ao presidente Geisel,
junto ao qual não obteve também nenhum resultado.
Declarada
em disponibilidade, a Light chegou a iniciar as negociações em 1976 com a
Empresa Brasileira de Participações (Embrapar), formada por um grupo de 20
grandes empresários nacionais, coordenados pelos advogados José Luís Bulhões
Pedreira e Rafael de Almeida Magalhães. O grupo propôs comprar a Light com
recursos da ordem de 680 milhões de dólares, subsidiados pelo governo. O
diretor do DNAEE, Oscar Pimentel, inicialmente favorável à compra, rejeitou-a
depois de considerar “a falta de garantias efetivas para o programa de
investimentos da empresa”.
A
maior oposição, porém, partiu do presidente da Eletrobrás, Antônio Carlos
Magalhães, conforme declarações feitas por Gallotti ao Jornal do Brasil em
maio de 1978, quando afirmou também que o prazo de concessão da Light jamais
terminaria. Veja, entretanto, apontou como causa decisiva para o malogro
da operação com a Embrapar o amplo vazamento de informações pela imprensa
ocorrido na época. Algum tempo depois de fracassadas as negociações com aquela
companhia, a Cataguases-Leopoldina — empresa privada de energia elétrica de
Minas Gerais, tendo por detrás de si, segundo Veja, a poderosa American
Express a maior empresa de cartões de crédito do mundo — tentou adquirir a
Light, oferecendo trezentos milhões de dólares à Brascan.
Finalmente,
nos últimos dias do governo Geisel, em dezembro de 1978, consumou-se a venda da
Light ao governo federal por 380 milhões de dólares, pagando-se 210 milhões à
vista e os restantes 170 milhões em 90 dias. O governo brasileiro pagaria ainda
o imposto de renda devido pela Brascan (56,4 milhões de dólares), mas ficaria
com os lucros da Light durante o segundo semestre de 1979, estimados entre 45 e
70 milhões de dólares (a Brascan propusera 460 milhões de dólares excluído o
imposto de renda, e o governo brasileiro, em contrapartida, 280 milhões de
dólares, ou seja, 70% do valor contábil da Brascan no Canadá).
De acordo com Veja, tanto Geisel quanto João Batista
Figueiredo, futuro presidente da República, acompanharam as negociações, tendo
este último considerado conveniente que fosse Geisel quem autorizasse a compra,
caso este assim o preferisse. A Eletrobrás não fez nenhuma apreciação técnica
do negócio, e somente no momento do acerto final é que seu presidente, Arnaldo
Barbalho, foi chamado a participar da transação.
A compra da Light pelo governo federal, pelo valor das
operações e pelas cláusulas que envolveu, suscitou reações dos meios
oposicionistas, que acusaram o governo de não consultar a nação sobre a
conveniência da operação. Questões como a proximidade do término do contrato de
concessão, em 1990, com a cláusula de reversão sem indenização do acervo da
Light ao governo — e até mesmo a possibilidade de uma encampação —, foram
levantadas pela oposição. Outro ponto fundamental nos debates foi o valor da
indenização. O jornal O Estado de S. Paulo criticou acerbamente a
operação por esta haver sido realizada quase em sigilo e apresentada como
“fato consumado” em pleno recesso parlamentar. Criticou também a dívida total
assumida pelo governo, ainda “objeto de polêmica e interpretações”, além da
questão do pagamento, processado praticamente à vista num momento de escassez
de recursos financeiros do governo.
Situação financeira da Light e da Brascan
Em 1975, segundo Visão, a Light, Serviços de
Eletricidade S.A., possuía um capital de 831,4 milhões de dólares e empregava
cerca de 31.555 trabalhadores. Nessa mesma época, segundo A economia
brasileira e suas perspectivas, a população da área de concessão da Light
era de aproximadamente 20 milhões de habitantes atendidos, direta ou
indiretamente, através de 3.862.438 ligações, das quais 3.359.262 para fins
residenciais, 440.303 comerciais, 43.361 industriais e 19.512 para outros fins.
Além
disso, a empresa forneceu a seus consumidores um total de 27.376.000.000Kw/h —
10% a mais do que no ano anterior. O consumo industrial absorveu mais da metade
de toda a energia distribuída pela empresa.
Por sua vez, a Brascan, logo após a venda da Light, mantinha
ainda no Brasil investimentos da ordem de 479 milhões de dólares, distribuídos
nos setores financeiros, de bens e serviços e de mineração, entre outros.
Somente nos setores financeiros, por exemplo, havia aplicado 278 milhões de
dólares no Banco Brascan de Investimentos, de sua exclusiva propriedade; no
setor de bens e serviços, cem milhões de dólares estavam investidos em 41% do
total das ações da Skol-Caracu — vendida em 1980 à Companhia Cervejaria Brahma
—, 41% da Swift Armour, 31% da Fábrica Nacional de Vagões, 49% da
Empreendimentos Florestais Agrícolas (Embrasca), 100% da Brascan Imobiliária,
60% da Gávea Hotelaria e Turismo e 49% da Colonização Laranjeiras. No setor de
mineração, quatro milhões de dólares estavam aplicados em 60% da Mineração
Jacundá, que opera em Rondônia, e em 100% da Promisa Mineração e Prospecções
Minerais, que explora ouro, cobre e diamantes em diversas regiões do país, enquanto
97 milhões de dólares estavam investidos em companhias menores do Brasil. No
Canadá, os negócios da empresa atingiam, naquela ocasião, um montante de 328
milhões de dólares.
Gallotti exerceu também os cargos de presidente do Banco de
Desenvolvimento e Investimentos Brascan, da OEG e da TOP, tendo sido ainda
diretor-conselheiro do Banco de Investimentos do Brasil, e membro do conselho
consultivo da Refinaria e Exploração de Petróleo União e da Junta de Ajustes de
Lucros do governo federal.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 4 de dezembro de 1986.
Casou-se em segundas núpcias com Míriam Branca Atalla, com
quem teve três filhos. Casou-se pela terceira vez com Mírtia Galotti.
Sônia
Dias
FONTES: ANÁLISE E
PERSPECTIVA ECON. Economia (1975 e 1976); BANDEIRA, L. Presença;
BRANCO, C. Energia; BROXSON, E. Plínio; CONFERÊNCIA NAC.
CLASSES PRODUTORAS. Carta; FIALHO, A. Compra; Grande encic. Delta;
Jornal do Brasil (2/10/73; 11/12/77; 16/5, 27 e 31/12/78); LEVINE,
R. Vargas; Ofensiva; Opinião (24/9/73); Quem é quem (1975);
SILVA, H. 1938; SILVA, H. 1964; SKIDMORE, T. Brasil; TAVARES,
J. Radicalização; TODARO, M. Pastors; Veja (3/1/79); Visão (10/
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