GOMES,
João
*militar; comte. 1ª RM 1934-1935; min. Guerra
1935-1936.
João Gomes Ribeiro Filho
nasceu em Maceió no dia 9 de março de 1871, filho de João Gomes Ribeiro, político,
advogado e jornalista, e de Carolina Gomes Ribeiro.
Em
fevereiro de 1889, matriculou-se na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de
Janeiro, incorporando-se à arma de artilharia.
Ainda no início de sua carreira profissional foi levado a
participar dos conflitos da época. Promovido a segundo-tenente em setembro de
1893, João Gomes foi designado no início de 1894 para o comando de um pelotão
de alunos da Escola Militar que, a bordo do rebocador Andradas, combateu a
Revolta da Armada, movimento de oposição ao governo de Floriano Peixoto
deflagrado no Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1893 sob a liderança do
contra-almirante Custódio José de Melo. No combate de Armação, em águas
próximas a Niterói, quando os rebeldes iniciaram a retirada, João Gomes dirigiu
a abordagem do encouraçado Aquidabã, pelo que recebeu elogios das autoridades.
Em 1901 foi promovido a primeiro-tenente e em 1908 a capitão.
Nesse posto formou-se em engenharia, obtendo o título de bacharel em matemática
e ciências físicas. Elevado a major em dezembro de 1917, alcançou a patente de
tenente-coronel em maio de 1920.
Durante o ciclo revolucionário tenentista da década de 1920,
João Gomes foi encarregado de importantes missões a serviço das forças
governamentais. Foi promovido a coronel, por merecimento, em fevereiro de 1923,
e a general-de-brigada em dezembro de 1924. No ano seguinte, combateu no Piauí
a Coluna Prestes que, formada no Paraná com a junção de revoltosos gaúchos e
paulistas em 1925, percorrera extensas regiões do país até chegar àquele
estado. Em janeiro de 1926, quando as tropas governamentais se concentraram
mais intensamente no Ceará, dirigiu-se a Fortaleza para aguardar e enfrentar a
Coluna.
Em 1928, foi eleito para a presidência do Clube Militar.
Contrário à Revolução de 1930, João Gomes foi, a princípio, alvo de suspeição
por parte dos integrantes do movimento vitorioso. Entretanto, o Governo
Provisório, reconhecendo seu espírito legalista, nomeou-o para o comando da 1ª
Região Militar, no Rio de Janeiro (então Distrito Federal). Permaneceu nesse
posto por pouco tempo, exonerando-se em virtude da indisciplina reinante entre
a oficialidade, conseqüência da ação política do Clube 3 de Outubro, que reunia
a ala mais radical do movimento tenentista. Foi então transferido para o
comando da 1ª Brigada de Infantaria, sediada na Vila Militar do Rio de Janeiro,
onde ficou até junho de 1932.
A
participação de João Gomes na Revolução Constitucionalista de 1932 é objeto de
controvérsias. Antes da deflagração do movimento, reuniu-se na casa de Nestor
Penha Brasil com Júlio de Mesquita, o capitão Justino Alves Bastos e os
coronéis Euclides Figueiredo e Basílio Taborda, participantes da conspiração, a
fim de discutir a situação política de São Paulo e o plano militar dos
constitucionalistas.
No folheto Nós e a ditadura, escrito e publicado no exílio em
co-autoria com o general Bertoldo Klinger e outros oficiais, Euclides
Figueiredo afirma que João Gomes teria assumido o compromisso de levantar
tropas no Rio de Janeiro em apoio aos paulistas, descumprindo-o depois da
eclosão do movimento. Nestor Penha Brasil, em depoimento escrito, apresenta uma
versão segundo a qual João Gomes, inquirido pelo coronel Figueiredo acerca das
possibilidades de apoio do Rio à revolução, teria respondido: “Se efetivamente
trata-se de um movimento nacional em que, como afirmam, estão empenhados Rio
Grande, Minas, São Paulo e Mato Grosso (frente única), acredito que a guarnição
daqui (Rio) cooperará.” Entretanto, o levante se resumiu a São Paulo e Mato
Grosso, sem que João Gomes tenha intervindo em seu favor. Um de seus filhos, o
tenente José Gomes Ribeiro, aderiu à revolução e integrou o pequeno grupo de
aviadores do exército constitucionalista, morrendo em combate no mês de
setembro. Em 13 de outubro de 1932, logo depois da rendição das forças
constitucionalistas, João Gomes foi promovido a general-de-divisão.
Em março de 1933 foi nomeado para o comando da 5ª Região
Militar, sediada em Curitiba, onde combateu a atuação do tenentismo,
desenvolveu o aparelhamento da força militar e realizou a primeira inspeção da
zona limítrofe entre Brasil e Paraguai, na região de Foz do Iguaçu (PR). Em
maio de 1934, tomou posse no comando da 3ª Região Militar, em Porto Alegre. Um
remanejamento nos altos comandos militares, porém, reconduziu-o em seguida à
chefia da 1ª Região Militar. Nessa condição, pronunciou-se favoravelmente ao
projeto da primeira Lei de Segurança Nacional, sancionada em 4 de abril de
1935.
Nesse mês, diante de intensas polêmicas em torno do
reajustamento dos vencimentos dos militares, João Gomes redigiu um boletim
secreto, através do qual chamava à ordem seus oficiais. Atentava também para o
fato de que os boatos sobre conspirações ou levantes armados — muito freqüentes
na época — visavam tumultuar o ambiente, impondo-se, portanto, a necessidade de
evitar a anarquia.
Em
face da gravidade assumida pela questão dos vencimentos, que adquiria
conotações francamente políticas, e das diversas interpretações havidas quanto
ao boletim, o ministro da Guerra, general Pedro Aurélio de Góis Monteiro,
convocou uma reunião de generais em seu gabinete no dia 15 de abril. No
encontro, João Gomes conseguiu fazer prevalecer sua opinião sobre a questão
militar, sendo incumbido de redigir uma nota à imprensa. Retida por Góis
Monteiro, essa nota não chegou a ser divulgada, aparecendo outra em seu lugar,
datada de 17 de abril e levada a público pelo gabinete do ministro da Guerra.
No dia 18, João Gomes publicou um desmentido formal de que essa fosse a nota de
sua autoria.
A crise prosseguiu e, ainda no mês de abril, depois de uma
sucessão de reuniões de Getúlio Vargas com altas autoridades militares — entre
as quais João Gomes, que concordou com os pontos de vista do presidente — ambos
se encontraram a sós, resultando dessa conversa importantes modificações nos
altos comandos da região, a começar pela designação do general Eurico Dutra
para o comando da Vila Militar em substituição ao general João Guedes da
Fontoura, cuja atitude diante da questão, militar desagradava ao governo.
No Ministério da Guerra
O
próprio ministro da Guerra, que também concordara com as opiniões de Vargas,
terminou por se exonerar do cargo, depois de divergências com o governador do
Rio Grande do Sul, José Antônio Flores da Cunha. João Gomes foi nomeado para
sucedê-lo em 7 de maio de 1935, deixando então o comando da 1ª RM.
Nesse momento, o eixo dos conflitos políticos se deslocava
cada vez mais para a atuação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização
criada em 30 de março de 1935 com o apoio dos partidos Socialista (PSB) e
Comunista (PCB) e dos sindicatos, além de numerosos liberais e democratas.
Propondo amplas reformas sociais dirigidas principalmente contra o latifúndio e
o imperialismo, a ANL experimentou um crescimento vertiginoso nos primeiros
meses de sua existência, marcados pela rápida radicalização política.
Após
comício aliancista realizado em 28 de maio, João Gomes determinou a expulsão de
diversos sargentos e praças do Exército e a punição dos capitães André Trifino
Correia e Carlos da Costa Leite, que haviam comparecido ao ato. Em 11 de julho
o governo decretou o fechamento da ANL, que, na clandestinidade, sob a
hegemonia do PCB, começou a preparar um levante que eclodiria nos dias 23, 25 e
27 de novembro de 1935 em Natal, Recife e Rio de Janeiro, respectivamente.
Nesta cidade sublevaram-se o 3º Regimento de Infantaria (3º RI), localizado na
Praia Vermelha, e a Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos.
Pernoitando no ministério devido ao regime de prontidão em
que se encontravam as tropas, João Gomes dirigiu-se à Praia Vermelha,
acompanhado por oficiais de seu gabinete, tão logo foi informado do início da
rebelião. Junto com o general Dutra, comandou o ataque ao 3º RI, para onde
avançou sob intenso tiroteio. Depois que seu ajudante-de-ordens foi atingido
por tiros de metralhadora, ordenou carga de artilharia contra os amotinados,
dominando-os em poucas horas. Segundo Luís Vergara, secretário de Vargas, João
Gomes estaria decidido a passar pelas armas os prisioneiros, sendo dissuadido
pelo presidente e o general Dutra. Este, no entanto, contestou a veracidade
dessa acusação.
Depois do levante aliancista, João Gomes desenvolveu intensa
repressão aos comunistas, cassando patentes e afastando oficiais. Por outro
lado, elevou ao generalato o coronel Newton Cavalcanti, simpatizante do
integralismo que, dias antes da rebelião, fora preterido nas promoções.
Em 3 de dezembro, presidiu uma reunião, no Rio de Janeiro,
com o objetivo de examinar a situação política do país. Esteve presente toda a
cúpula do Exército, incluindo Góis Monteiro, Dutra e outros 22 generais. João
Gomes declarou-se informado de que o julgamento dos implicados no processo da
ANL ainda demoraria no mínimo dois meses e meio para se realizar e que, dentro
da legislação vigente, as penas não ultrapassariam seis anos de reclusão.
Depois de criticar o liberalismo da Constituição, solicitou autorização dos
presentes para agir junto aos poderes competentes no sentido de conseguir o
apressamento da conclusão do processo, no que obteve unanimidade favorável.
Preparou então um esboço de projeto de lei a ser encaminhado ao presidente da
República, determinando a expulsão do Exército por “crime de alta traição à
pátria” de todos os oficiais envolvidos no levante de novembro, sem prejuízo
das outras penalidades legais. Também resultaram dessa reunião mais três
propostas de emendas à Constituição, consagrando o direito do Congresso de
delegar poderes extraordinários ao presidente, o direito do Executivo de cassar
patentes de oficiais implicados no movimento comunista e de destituir
funcionários civis. O projeto de lei, englobando as emendas, foi mais adiante
aprovado pelo Congresso.
Quanto
à administração do Exército, João Gomes deu prioridade à disciplina e à
instrução, especialmente no que dizia respeito ao equipamento e ao reajuste da
legislação específica. Alguns setores do aparelho de defesa, como a artilharia
da costa, foram ampliados e substancialmente melhorados. No entanto, muitos
planos foram obstados, especialmente pela insuficiência de verbas que, segundo
Antero de Queirós, apesar de solicitadas em tempo hábil, esperavam em demasia a
aprovação do Legislativo, além de sofrerem reduções.
Em 1936, o governador gaúcho Flores da Cunha e o presidente
Getúlio Vargas romperam relações. Este, para consolidar sua influência no Rio
Grande do Sul, planejara uma intervenção militar no estado. João Gomes se opôs
a essa medida, expedindo, em 13 de abril, circular aos comandantes das regiões
militares do país em que denunciava maquinações políticas e renovava seu apoio
ao governo civil. Sua posição como ministro ficou insustentável depois que um
informe da polícia demonstrou que perdera a confiança do corpo de generais,
porque seu comportamento diante do atrito entre Vargas e Flores da Cunha foi
considerado muito brando.
No
dia 3 de dezembro, João Gomes pediu demissão do cargo, alegando, em carta ao
presidente, que “a malfadada questão, sempre a mesma, da sucessão presidencial
quer arrastar novamente o Exército para a luta em que vão se empenhar as forças
políticas que ambicionam o poder supremo. Sabe bem V. Excia. que até hoje tenho
sido apenas soldado e, ainda mais, que nutro a maior ojeriza pela política partidária.
Desta forma, percebendo o encaminhamento que tomam as coisas e o desejo por
parte de alguns de imiscuir as forças armadas naquela luta, tenho de vir
lealmente dizer aqui que discordo deste propósito”. No dia seguinte Vargas
assinou o decreto de nomeação do general Dutra para o Ministério da Guerra.
João Gomes foi transferido para a reserva em 12 de março de
1937 e reformado em 19 de janeiro de 1940, conservando a patente de
general-de-divisão.
Faleceu no Rio de Janeiro em 26 de dezembro de 1947.
Foi casado com Maria Eulália Gomes Ribeiro, com quem teve
três filhos. Uma de suas netas, a filha de Maria Flora Gomes Ribeiro Lessa
Bastos, Lígia Lessa Bastos, tornou-se deputada federal em 1971. João Gomes
contraiu segundas núpcias com Maria Emília Gomes Ribeiro.
Sobre sua vida, Antero de Queirós escreveu a obra Um chefe;
subsídios para a história do Brasil no período 1930-1937 (1937).
Renato Lemos
FONTES: ARQ.
GETÚLIO VARGAS; ARQ. MIN. EXÉRC.; BIJOS, G. Clube; CARNEIRO, G. História;
CARONE, E. República nova; CONSULT. MAGALHÃES, B.; ENTREV. GUEDES, P.; Grande
encic. Delta; HILTON, S. Guerra; LAGO, L. Relação; LEVINE, R. Vargas; LOPES, T.
Ministros; MIN. GUERRA. Almanaque (1934); MIN. MAR. Almanaque (1936); PEIXOTO,
A. Getúlio; Rev. Inst. Hist. AL; SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937.