BLEY,
Punaro
*militar; rev. 1930; interv. ES
1930-1935; gov. ES 1935-1937; interv. ES 1937-1943.
João Punaro Bley nasceu em Montes Claros (MG) no dia 14 de novembro de 1900, filho do engenheiro João Bley Filho e de
Maria Punaro Barata.
Estudou no Grupo Escolar de Teófilo Otoni (MG), no Colégio
Diocesano São José, no Rio de Janeiro — para onde sua família se transferiu em
1907 — e, de 1913 a 1917, no Colégio Militar de Barbacena (MG). Em 1918,
ingressou na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, de onde saiu
aspirante-a-oficial de artilharia em 1920. Nesse mesmo ano, cursou a Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, optando, em seguida, por servir no 4º Regimento de
Artilharia, sediado em Curitiba, onde então trabalhava seu pai.
Promovido a segundo-tenente em maio de 1921 e a
primeiro-tenente em setembro do ano seguinte, Punaro Bley não se engajou na
revolta militar deflagrada em julho de 1922, que iniciou o ciclo de revoltas
tenentistas da década de 1920. Afirma, entretanto, em apontamentos de memórias
inéditas, que simpatizava com a causa dos insurretos.
Em janeiro de 1924, casou-se com Alzira Herondina Donat Bley,
com quem viria a ter três filhas. Com a eclosão de novos levantes militares a
partir de julho desse ano em São Paulo, Sergipe e Amazonas, foi requisitado
para colaborar na repressão ao movimento. Partiu para São Paulo no dia 13 de
julho, integrado ao estado-maior do grupo de artilharia comandado pelo
tenente-coronel Mário Alves Monteiro Tourinho. Contudo, segundo afirma em suas
memórias, “suspeito de simpatia pela causa revolucionária, nosso grupo de
artilharia foi dissolvido, [tendo sido] separadas as baterias, e fomos mandados
fazer parte do estado-maior do destacamento do general Carlos Arlindo, que
tentava fechar o cerco a São Paulo do lado da serra do Mar”.
Punaro Bley permaneceu na frente de batalha durante dez dias,
mas não chegou a entrar em ação. Em relação ao movimento, declara em suas
memórias que “embora tomados de surpresa, tal como ocorreu em 1922, era
inegável nossa simpatia pela causa revolucionária, e teríamos passado para o
seu lado se não tivéssemos encontrado a cidade praticamente cercada pelas
tropas legais”. Acrescenta que eram freqüentes os contatos que mantinha com
militares revolucionários, então considerados desertores.
De
volta a Curitiba em agosto, Punaro Bley teria exercido as funções de secretário
do Comitê Revolucionário de Curitiba, responsável pelo manejo de um código
secreto. Em setembro, foi novamente convocado, dessa vez para combater os
revolucionários que haviam abandonado a capital paulista e invadido o Paraná,
estabelecendo seu quartel-general em Foz do Iguaçu. Integrado às forças em
operação no estado do Paraná, sob o comando do general Cândido Mariano da Silva
Rondon, combateu até maio de 1925, quando os insurretos, reunidos a
revolucionários gaúchos, já haviam formado a Coluna Miguel Costa-Prestes, a
qual iniciou então a marcha que, ao longo de quase dois anos, levou-a a
percorrer 13 estados brasileiros. Por seu desempenho na campanha paranaense,
Punaro Bley recebeu elogios dos coronéis Mário Tourinho e Souza Castro,
comandante do 10º Batalhão de Caçadores.
Em 1928, exerceu a função de auxiliar de instrutor de
artilharia na Escola Militar do Realengo, ingressando na Escola de Estado-Maior
do Exército no ano seguinte. Em setembro de 1930, foi promovido a capitão.
Na Revolução de 1930
Com a eclosão do movimento revolucionário de 3 de outubro de
1930, foi designado para combater as forças que se haviam rebelado no Espírito
Santo. No dia 8, embarcou para Vitória a fim de assumir a chefia do
estado-maior do coronel José Armando Ribeiro de Paula, nomeado para o comando
da tropa integrada pelo 3º Batalhão de Caçadores (BC) e a Polícia Militar do
estado. Junto com ele, embarcaram para a capital capixaba 13 sargentos e sete
oficiais, entre os quais os tenentes Sadi Martins Viana e Celso Lobo,
companheiros da guarnição paranaense e também simpatizantes dos
revolucionários.
As forças legalistas não contavam com uma situação muito
favorável no Espírito Santo. Os efetivos do 3º BC e da Polícia Militar eram
reduzidos, mal armados e infiltrados de elementos oposicionistas. As forças
legais contavam ainda com dois “batalhões patrióticos”, precariamente
organizados por empreiteiros de estradas de rodagem e constituídos por
operários recrutados em troca da promessa de soldo, roupas e alimentação.
Ameaçado de invasão por três colunas vindas de Minas Gerais, o estado teve
ordem de mobilização geral emitida pelo presidente Aristeu Aguiar. Todavia, o
coronel Fernando Abott, comandante da 3ª Circunscrição de Recrutamento,
simpatizava com os revolucionários e boicotou a ordem do presidente.
Por
outro lado, abalada pela crise de 1929, que atingira a sua principal fonte de
riqueza — a cafeicultura —, a população do estado também dava reduzido apoio à
situação. O governo estadual se impopularizara com a violenta repressão à
caravana da Aliança Liberal em fevereiro de 1930, e o funcionalismo público já
não recebia seus salários em dia há vários meses.
Diante das notícias de aproximação das forças mineiras,
Aristeu Aguiar abandonou o estado na manhã do dia 16. Assumiu o governo o
coronel Ribeiro de Paula, que recebeu ordens do governo federal para comandar a
resistência aos revolucionários. Em pouco tempo, porém, o estado passou a pleno
controle das tropas vindas de Minas, enquanto o 3º BC aderia à revolução, e o
coronel Ribeiro de Paula partia para o Rio de Janeiro.
No dia 19 de outubro formou-se no Espírito Santo a junta
governativa revolucionária, constituída pelo desembargador João Manuel de
Carvalho, o advogado Afonso Correia Lírio e o capitão Punaro Bley, oficial da
mais alta patente no estado, já que o coronel Abott viajara para o Rio.
No governo do Espírito Santo
No dia 14 de novembro, Punaro Bley foi nomeado interventor
federal no Espírito Santo, embora fosse um oficial sem tradição no estado e
carente de experiência na administração pública. Em suas memórias, explica a
nomeação afirmando que os dois outros membros da junta, embora opositores de
Washington Luís, eram adversários na esfera local. Assim, iniciaram intensa
disputa pela interventoria, o que levou o chefe do Governo Provisório, Getúlio
Vargas, a optar pelo nome de Punaro Bley — apoiado pela Associação Comercial de
Vitória — como alternativa alheia às questões regionais, capaz de ser aceita
pelas facções em luta.
Vindo do Rio de Janeiro, onde recebeu sua nomeação, Punaro
Bley chegou a Vitória no dia 21 de novembro, tomando posse no dia seguinte. Na
investidura, apresentou seu programa de governo, o qual enfatizava a
recuperação das combalidas finanças estaduais. Ao assumir o cargo, transferiu
para 1932 sua matrícula na Escola de Estado-Maior, onde cursaria a segunda
série.
Com
a irrupção da Revolução Constitucionalista de São Paulo em julho de 1932,
Punaro Bley quis retornar às fileiras do Exército para combatê-la. Como outros
interventores, enviou a Getúlio Vargas telegrama de solidariedade, deslocando
para a frente de combate dois batalhões da polícia estadual e as tropas do 3º
BC. Após a derrota do movimento, cumprimentou Vargas por sua atitude diante dos
vencidos, que qualificou de “magnânima e tolerante”.
Embora
os paulistas tivessem sido derrotados em 1932, Getúlio decidiu promover a
reconstitucionalização do país, convocando eleições para a Assembléia Nacional
Constituinte, realizadas em maio de 1933. Na maioria dos estados, os
interventores federais tomaram a iniciativa de organizar partidos para
concorrer a esse pleito, congregando as forças que passaram à situação com a
vitória da Revolução de 1930. No Espírito Santo, Punaro Bley foi um dos líderes
do Partido Social Democrático (PSD), que elegeu a maioria dos deputados à
Constituinte e hipotecou apoio à candidatura de Vargas à presidência da
República, como os demais partidos patrocinados pelos interventores nos
estados.
Nas
eleições estaduais de 1934, o PSD capixaba elegeu 16 deputados, contra oito do
Partido da Lavoura — que reunia as forças derrotadas pela revolução — e um do
Partido Proletário — oposição com tendência à esquerda. Além de elaborar a nova
Constituição do estado, a Assembléia eleita tinha a incumbência de escolher
dois senadores federais e o novo governador do estado. O candidato do PSD,
majoritário, era o próprio interventor Punaro Bley.
Os partidos oposicionistas, reunidos nas Oposições Coligadas,
não aceitaram o nome do interventor e, conseguindo a adesão do deputado federal
Asdrúbal Soares, pessedista dissidente, lançaram-no como candidato, o que lhes
valeu quatro votos de parlamentares do PSD. A oposição contava agora com a
maioria na Assembléia e poderia eleger o governador.
Diante
da inversão do quadro político, Punaro Bley tentou obter o voto do único
deputado do Partido Proletário, Gilberto Gabeira. Este, conforme narra Punaro
Bley em suas memórias, filiou-se de início à oposição, mas, “precisado de
dinheiro, por intermédio de Carlos Marciano de Medeiros, ofereceu-se para
passar para o nosso lado, por 50 contos pagos com repugnância. Ficou conosco
até que, por cem contos, passou-se para o Partido da Lavoura”.
Procurando
evitar a derrota de seu partido, Punaro Bley passou a articular, por sugestão
do tenente-coronel Gustavo Cordeiro de Farias, que fora seu instrutor na Escola
Militar, uma proposta de conciliação em torno do nome de Jerônimo Monteiro
Filho, herdeiro político de uma das facções do Partido da Lavoura, com a
finalidade de dividir a oposição. Para si, o interventor reservava a
candidatura a uma das cadeiras no Senado. Desse modo, conseguiu recuperar a
posição majoritária na Assembléia.
Nesse ínterim, contudo, alguns membros da direção do PSD,
entre os quais Carlos de Medeiros, decidiram relançar a candidatura de Punaro
Bley, o qual assinou com Jerônimo Monteiro Filho um “pacto de honra”. Nos
termos desse acordo, firmado no dia 1º de abril de 1935, Punaro Bley seria
eleito governador, e Jerônimo Monteiro, senador, o que de fato ocorreu no
pleito realizado no dia seguinte.
Com a decretação do Estado Novo (10/11/1937), Punaro Bley,
que apoiou a medida, foi confirmado no cargo, agora novamente na qualidade de
interventor federal. Em março de 1940, foi promovido a major, retomando o curso
da Escola de Estado-Maior do Exército em 1942. Em janeiro de 1943, deixou a
interventoria.
Sua administração no Espírito Santo se caracterizou
inicialmente pela tentativa de pacificar as correntes políticas que disputavam
sua preferência. Assentou as bases para o saneamento das finanças do estado,
através da reorganização do Serviço de Tomada de Contas e do resgate de
empréstimos, à vista e com abatimento de juros. No que se refere à educação,
procedeu à instalação da Faculdade de Direito do estado e à oficialização da
Faculdade de Farmácia e Odontologia, além de criar a Escola Prática de
Agricultura e desencadear a campanha de nacionalização do ensino nas áreas de
colonização estrangeira.
De volta à carreira militar
Em março de 1943, Punaro Bley assumiu o cargo de diretor
comercial da Companhia Vale do Rio Doce, no qual permaneceu até maio de 1947.
Promovido a tenente-coronel em dezembro de 1944 e a coronel em agosto de 1951,
comandou o Regimento Escola de Artilharia, na Vila Militar do Rio de Janeiro,
de 1952 a 1953. Entre 1953 e 1955, esteve adjunto à 3ª Seção do Estado-Maior do
Exército e foi chefe de sua 5ª Seção (geografia e história).
Durante a gestão do general Henrique Teixeira Lott à frente
do Ministério da Guerra, foi por algum tempo subchefe de seu gabinete,
chefiando a Divisão de Pesquisas e Estudos do ministério. Promovido a
general-de-brigada em março de 1958, ano em que comandou a Academia Militar das
Agulhas Negras, em Resende (RJ), em 1961 exerceu as funções de comandante da
Artilharia Divisionária da 1ª Divisão de Infantaria, na Vila Militar do Rio de
Janeiro, e de comandante da Infantaria Divisionária da 4ª Divisão de
Infantaria, sediada em Juiz de Fora (MG).
Passou para a reserva em novembro de 1962, no posto de
general-de-exército. Com a dissolução dos partidos políticos pelo Ato
Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior instauração do bipartidarismo,
integrou o primeiro diretório nacional da Aliança Renovadora Nacional (Arena),
agremiação formada pelas forças responsáveis pelo movimento político-militar de
1964.
Durante sua carreira militar, além dos postos já citados,
comandou o Forte Marechal Luz, em São Francisco do Sul (SC), e cursou a Escola Superior de Guerra.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 20 de abril de 1983.
Era casado com Alzira Bley, com quem teve duas filhas.
Seu arquivo pessoal se encontra depositado no Centro de Pesquisa
e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio
Vargas, no Rio.
Renato Lemos
FONTES: ARQ.
GETÚLIO VARGAS; ARQ. JOÃO PUNARO BLEY; CONSULT. MAGALHÃES, B.; DERENZI, L. Biografia;
Encic. Mirador; CURRIC. BIOG.; B.; HIRSCHOWICZ, E. Contemporâneos;
Jornal do Brasil (21/4/1983); MOREIRA, J. Dic.; NOVAIS, M. História;
OLIVEIRA, J. História; PEIXOTO, A. Getúlio; POPPINO, R. Federal;
SILVA, H. 1932; SILVA, H. 1935.