LORSCHEITER,
Ivo
*religioso; sec.-ger. CNBB 1971-1979; pres. CNBB
1979-1987;
José Ivo Lorscheiter nasceu
na localidade de São José do Hortênsio, município de São Sebastião do Caí (RS),
no dia 7 de dezembro de 1927, filho do agricultor Francisco Lorscheiter e de
Maria Mohr Lorscheiter. Seu primo, dom Aluísio Lorscheider, foi
secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 1968 a 1971 e presidente da entidade de 1971 a 1979, arcebispo de Fortaleza de 1973 a 1995, tornando-se nesse mesmo ano cardeal-arcebispo de Aparecida do Norte (SP).
Ivo Lorscheiter iniciou seus estudos preliminares no
Seminário Menor de São José, em Gravataí (RS), e cursou filosofia no Seminário
Central de São Leopoldo (RS), de 1947 a 1949. No ano seguinte, ingressou na
Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Doutorando-se em teologia, recebeu sua ordenação sacerdotal em dezembro de 1952. De
volta ao Brasil, lecionou teologia no Seminário Maior de Viamão (RS) e na
Universidade Católica de Porto Alegre. De 1955 a 1957 foi reitor do Seminário de São José e, de 1957 a 1958, vice-reitor do Seminário Maior de
Viamão. Elevado a bispo em março de 1966, foi nomeado bispo-auxiliar de Porto
Alegre, passando a atuar ao lado do arcebispo dom Vicente Scherer que, na
época, exercia também a vice-presidência da CNBB.
Na secretaria geral da CNBB
Durante
o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), o regime militar
intensificou a repressão, com a prática de torturas de presos políticos e
detenções arbitrárias, inclusive de sacerdotes católicos, em resposta à luta
armada iniciada pelas organizações de esquerda. Em outubro de 1970, a invasão da sede do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades), órgão jesuíta sediado
no Rio de Janeiro, por forças de segurança do governo, e a prisão de dom
Aluísio Lorscheider, então secretário-geral da CNBB, geraram um enérgico
protesto por parte da entidade.
Por
iniciativa de Cândido Mendes de Almeida, assessor da CNBB e ex-secretário-geral
da seção brasileira da Comissão Pontifícia Justiça e Paz, foi criado um fórum
de discussão, que veio a ser conhecido como Comissão Bipartite e cujo objetivo
central era evitar a deterioração das relações Igreja-Estado no país. Os
encontros da comissão iniciaram-se em novembro seguinte, no Rio de Janeiro, e
estender-se-iam até 1974, reunindo lideranças da Igreja Católica brasileira no
período, como dom Ivo Lorscheiter, dom Aluísio Lorscheider, dom Avelar Brandão,
então vice-presidente da CNBB, e dom Lucas Moreira Neves, bispo auxiliar de São
Paulo e vigário da Pastoral dos Meios de Comunicação Social da CNBB, e oficiais
das Forças Armadas, integrantes do Serviço Nacional de Informações (SNI) e do
Centro de Informações do Exército (CIE), coordenados pelo chefe do Estado-Maior
do Exército (EME). Discutiram-se temas como censura e repressão, e os
religiosos utilizaram-se dos encontros para a defesa dos direitos humanos, por
meio de denúncias e exigências de informações sobre prisões, tortura e
desaparecimento de presos políticos. Os encontros da Comissão Bipartite seriam
mantidos em segredo até o ano de 1992, quando da divulgação de depoimento e dos
documentos pessoais do general Murici, e em 1996, em pesquisa realizada pelo
brasilianista Kenneth Serbin.
Em fevereiro de 1971, dom Ivo foi eleito secretário-geral da
CNBB, recebendo o apoio da chamada corrente progressista do clero brasileiro.
Nessas eleições, a presidência coube a dom Aluísio Lorscheider, seu primo,
tendo sido derrotada a tendência conservadora liderada por dom Vicente Scherer
— presidente interino do órgão —, que aspirava a continuar no cargo.
Na
XIV Assembléia Geral da CNBB realizada em Itaici, município de Indaiatuba (SP),
em novembro de 1974, dom Ivo foi reeleito secretário-geral, obtendo na
indicação de 142 dos 204 votos. Na presidência da entidade foi mantido dom
Aluísio, que derrotou dom Avelar Brandão, arcebispo de Salvador, cabendo a
vice-presidência a dom Geraldo Fernandes, bispo de Londrina (PR). Ainda nesse
mesmo mês, dom Ivo recebeu a indicação para dirigir a diocese de Santa Maria
(RS), sendo empossado dois meses depois. Nessa cidade, manteve o programa
radiofônico semanal Palavras do pastor, transmitido pela Rádio
Medianeira, além de escrever duas colunas semanais sobre problemas da
atualidade nos jornais A Razão e o Expresso de Santa Maria.
Em
fevereiro de 1977, quando da realização da XV Assembléia Geral da CNBB, foi
eleito suplente de representante dos bispos brasileiros para o V Sínodo Mundial
dos Bispos, que se reuniria em outubro, em Roma. Ainda durante a reunião de fevereiro, a CNBB aprovou o documento Exigências cristãs
de uma ordem política, expressando-se a favor da participação do
povo na vida política do país e a favor da defesa dos direitos fundamentais da
pessoa humana, num momento em que o processo de distensão encetado pelo
presidente Ernesto Geisel dava seus primeiros passos. Durante esse mês, uma
série de acusações partidas de setores ligados ao governo — principalmente
através do senador Jarbas Passarinho, da Aliança Renovadora Nacional (Arena) —
e de grupos conservadores do próprio clero contribuiu para que o relacionamento
entre o governo federal e a Igreja se tornasse bastante tenso. As acusações,
dirigidas contra vários religiosos que desenvolviam um trabalho pastoral junto
aos movimentos populares, atingiram sobretudo dom Tomás Balduíno, bispo de
Goiás Velho (GO), e dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia (MT),
denunciados como comunistas por dom Geraldo Proença Sigaud, arcebispo de
Diamantina (MG), e dom José Pedro da Costa, arcebispo administrador apostólico
de Uberaba (MG). O incidente, que teve grande repercussão na imprensa, mereceu
a condenação de dom Ivo, que se solidarizou com os acusados.
Em maio de 1977, um mês após o fechamento do Congresso e a
decretação de um conjunto de reformas políticas conhecido como “pacote de
abril”, dom Ivo denunciou, em nome da CNBB, que os órgãos de segurança do país,
atuando de acordo com a Lei de Segurança Nacional, estavam investigando a linha
ideológica de cada bispo e de cada padre brasileiro, além de estarem praticando
um levantamento sobre os bens da Igreja. Classificando estes atos como
“ridículos e profundamente lamentáveis”, dom Ivo criticou a doutrina da
segurança nacional, afirmando que sua filosofia tinha por conseqüência a
“absolutização do Estado, a submissão do direito individual das pessoas aos
direitos do Estado e a concepção de que quem é contra o capitalismo é
comunista”.
Em junho, reiterou sua posição contrária à intromissão do
governo em assuntos ligados diretamente à Igreja, protestando contra a
instalação na 8ª Região Militar, em Belém, de um inquérito policial-militar
envolvendo dom Estêvão Avelar, bispo de Conceição do Araguaia (PA) e dom Alano
Pena, bispo de Marabá (PA), sob a acusação de incitarem conflitos entre
posseiros e grileiros pela posse da terra na região. Protestou ainda contra a
proibição feita pelo I Exército, com sede no Rio, da realização de uma
conferência sobre direitos humanos patrocinada pela diocese de Nova Iguaçu (RJ)
e contra o andamento no governo federal do processo que visava expulsar do país
dom Pedro Casaldáliga.
Ainda no mês de junho, quando da aprovação pelo Congresso
Nacional do projeto de lei que implantou o divórcio no Brasil, de autoria do
senador oposicionista Nélson Carneiro, do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), dom Ivo distribuiu nota à imprensa afirmando que a Igreja “deve viver
com realismo e sem se deixar abater com as coisas injustas que acontecem”.
Frisou ainda que “a ninguém é permitido valer-se de uma lei injusta, contrária
aos desígnios de Deus e lesiva a um bem fundamental da pessoa e da pátria”. Por
outro lado, confirmou à imprensa que “a Igreja registrou os parlamentares que
votaram a favor do divórcio para saber os que estavam de acordo com os
princípios cristãos”.
No momento em que ganhou impulso o projeto político de
redemocratização do país, dom Ivo foi o principal responsável na CNBB pelos
contatos com o governo federal iniciados em setembro de 1977. Mantendo diálogo
com o senador Petrônio Portela, transmitiu-lhe as principais reivindicações do
clero nacional, entre elas a de que o governo desistisse da expulsão de dom
Pedro Casaldáliga. Nessa oportunidade, também deu a conhecer ao senador a
necessidade da inclusão do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São
Paulo, no diálogo entre o governo e a Igreja.
Durante a XVI Assembléia Geral da CNBB, realizada em abril de
1978, convocada para eleger a delegação brasileira à III Conferência do
Episcopado Latino-Americano (Celam), que se realizaria em outubro, em Puebla,
no México, dom Ivo, o mais votado entre os escolhidos, obteve duzentos dos 224
votos. Na conferência de Puebla, foi reafirmada a linha doutrinária da Igreja
na América Latina, baseada na opção preferencial pelos pobres, adotada em 1968
durante a realização da II Celam, em Medellín, Colômbia.
Na presidência da CNBB
Um ano depois, em abril de 1979, já no governo do general
João Batista Figueiredo, dom Ivo, confirmando as previsões, foi eleito pela
XVII Assembléia Geral da CNBB, em terceiro escrutínio, presidente da entidade
em substituição a dom Aluísio Lorscheider. No pleito, que contou com a
participação de 244 bispos, obteve 170 votos. Para vice-presidente foi eleito
dom Clemente Isnard, bispo de Nova Friburgo (RJ), e para secretário-geral, dom
Luciano Mendes de Almeida, bispo auxiliar de São Paulo. Na disputa mais uma vez
saiu derrotada a tendência conservadora, que indicara para presidente dom José
Freire Falcão, arcebispo de Teresina, e para vice-presidente dom Serafim
Fernandes, bispo auxiliar de Belo Horizonte. A escolha de dom Ivo representou o
prosseguimento da linha progressista de atuação que a CNBB vinha desenvolvendo
e que fora iniciada com a gestão de dom Aluísio. Dias depois da eleição, em sua
primeira entrevista coletiva como presidente da entidade, dom Ivo afirmou que
“seremos todos do Partido de Jesus Cristo e faremos oposição somente ao que
contraria os planos da salvação e libertação total do homem”.
Participando
da campanha pela anistia, dom Ivo defendeu a tese da revisão das punições,
embora fosse contrário à anistia ampla. Segundo ele, a Igreja “não pode
defender um assalto ou roubo a banco, só porque determinado homem foi levado a
praticar estes atos por suas idéias”. Contudo, às vésperas da aprovação do
projeto e com a indecisão da proposta governamental quanto à sua amplitude,
passou a defender uma anistia “sem adjetivos”, isto é, uma anistia que não
trouxesse “quaisquer tipos de frustração”. Em 28 de agosto, depois de aprovado
pelo Congresso Nacional o projeto do governo foi sancionado, possibilitando a
libertação dos presos políticos e a volta dos exilados.
No mês seguinte, dom Ivo apresentou à nação o documento Subsídios
para uma política social, elaborado pela CNBB, que criticava
duramente o ordenamento econômico vigente no país. No texto, a entidade
condenava a política econômica brasileira, responsabilizando-a pela crescente
concentração de renda, pela desconsideração das necessidades básicas do povo,
pelo crescimento da dívida externa e pelo surgimento de uma “insatisfação
generalizada”. O documento, entregue ao presidente Figueiredo, pedia ainda uma
urgente revisão do modelo econômico, prevendo, caso isso não ocorresse, um
“colapso no país”.
No início de janeiro de 1980 foi divulgado em Madri, pelo
jornal El País, um documento secreto da Sagrada Congregação para a
Doutrina da Fé, órgão do Vaticano, afirmando que dom Vicente Scherer e dom
Umberto Mozzoni, na época núncio apostólico no Brasil, tinham sido os
responsáveis em 1972 pelo pedido de avaliação junto à congregação do livro do
padre e teólogo brasileiro frei Leonardo Boff, Jesus Cristo libertador,
publicado naquele ano e considerado pouco ortodoxo. Em conseqüência desse
pedido, a Congregação para a Doutrina da Fé abriu um processo contra Boff. O
episódio teve enorme repercussão no Brasil e exigiu a intervenção de dom Ivo,
que, preocupado em esclarecer o “caso Boff” e se informar a respeito do
processo que estaria em andamento naquele órgão contra o religioso brasileiro,
naquele mesmo mês viajou a Roma. No dia 12, em entrevista concedida aos correspondentes
dos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, dom Ivo afirmou
que, em conversa mantida com o próprio Boff, este se dispusera a retificar suas
teses no sentido de evitar qualquer problema com a Igreja. Ainda durante sua
permanência em Roma, dom Ivo teve uma audiência com o papa João Paulo II, a
quem denunciou a onda de atentados políticos praticados no Brasil contra
membros da Igreja, tratando também nessa oportunidade da visita que o pontífice
realizaria ao país em julho de 1980.
Em fevereiro desse mesmo ano, dom Ivo dirigiu a XVIII
Assembléia Geral da CNBB, que abordou a questão da reforma agrária e a situação
dos trabalhadores rurais sem terras. Como conclusão do encontro foi aprovado o
documento A Igreja e o problema da terra. O teor do documento mereceu
críticas por parte de Flávio de Brito, presidente da Confederação Nacional da
Agricultura (CNA), entidade sindical patronal que, em comunicado ao ministro do
Planejamento, Antônio Delfim Neto, acusou os dirigentes religiosos de “estarem subvertendo
a ordem fundiária, querendo levar o país à comunização”.
Sempre
à frente da CNBB, dom Ivo presidiu o X Congresso Eucarístico Nacional,
realizado em Fortaleza entre 9 e 13 de julho, que teve como tema principal
“Eucaristia e migrações”. No encontro, que analisou também a visita do papa
João Paulo II ao país, os religiosos apontaram como causas da migração interna
a seca, os baixos salários e a busca de meios para sobrevivência. No discurso
de encerramento do congresso, dom Ivo declarou que “os erros que originam tanto
sofrimento nos retirantes não são da vontade de Deus”, e sobre a presença do
papa, considerou que o pontífice, em 12 dias no Brasil, “fez mais do que todos
nós juntos durante quase quinhentos anos”.
Em fins de setembro de 1980, participou do VI Sínodo Mundial
dos Bispos, em Roma, que teve como tema “As tarefas da família cristã”. Ao
término do encontro, a delegação brasileira aprovou para o trabalho pastoral no
Brasil a elaboração de uma Carta dos princípios da família, que
contivesse as teses aprovadas no sínodo.
Durante todo o segundo semestre de 1980, as relações entre o
Estado e a Igreja ficaram novamente tensas com a decisão do governo de
modificar o Estatuto dos Estrangeiros vigente no país. Após terem sido negadas
16 emendas ao projeto do governo apresentadas pela CNBB, foi aprovada no início
de agosto de 1980, por decurso de prazo, a nova Lei dos Estrangeiros. Os
principais pontos de conflito entre a nova lei e as reivindicações da Igreja
situavam-se nas facilidades legais para a expulsão de religiosos e na
dificuldade para a obtenção de vistos temporários ou permanentes para
missionários estrangeiros.
No dia 7 de setembro, o padre italiano Vito Miracapilo,
vigário de Ribeirão (PE), se recusou a celebrar missa comemorativa do dia
nacional da Independência, alegando, entre outros motivos, “que o povo pobre e
oprimido da região não gozava de um mínimo de independência”. Em conseqüência,
foi punido com a expulsão do país, decretada no final de outubro, na primeira
aplicação da nova Lei dos Estrangeiros. Nesse incidente, dom Ivo hipotecou
total solidariedade ao religioso, declarando que “os impérios caem, mas a
Igreja continua, ela é eterna”.
Somente
no início de fevereiro de 1981 foi reaberto o diálogo entre o governo e a
Igreja. No dia 13, por iniciativa do ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel,
dom Ivo retornou as conversações e reiterou as sugestões apresentadas no ano
anterior. No final desse mês, o episcopado brasileiro, reunido em sua XIX Assembléia Geral que debateu o tema “Vocações, vida e ministério do presbítero”,
insistiu para que o presidente da CNBB continuasse suas gestões junto ao
governo para a reformulação da Lei dos Estrangeiros.
Em 28 de abril de 1981, dom Ivo compareceu ao Congresso
Nacional, onde reeditou sua proposta de que, na revisão da Lei dos
Estrangeiros, ficasse claramente estabelecida a permissão para a entrada de
missionários estrangeiros de um modo geral e não apenas, como pretendia a
proposta do governo, para a entrada de ministros de confissão religiosa,
excluindo os agentes leigos de pastoral. Após uma série de reuniões entre
representantes do governo e da Igreja foi decidido, já no final do ano, que a
proposta da CNBB seria incorporada à nova lei.
No início de setembro, as relações entre Igreja e Estado
voltaram a apresentar problemas sérios. Numa série de denúncias, o senador
Jarbas Passarinho acusava bispos, padres e agentes pastorais de comandar
invasões de terras particulares provocando “uma luta de classes que pode
desaguar num banho de sangue”. As denúncias do senador coincidiram com a
prisão, em São Geraldo do Araguaia, dos padres franceses Aristides Camio e
François Gouriou, acusados de terem incitado um grupo de posseiros a uma
emboscada contra um jipe em que viajavam agentes do Grupo Executivo das Terras
do Araguaia-Tocantis e da Polícia Federal, na qual morreu um empregado do
fazendeiro e o deputado goiano Juraci Teixeira, do Partido Democrático Social
(PDS), agremiação governista.
Mais uma vez, a CNBB, através de seu presidente, manifestou
sua solidariedade aos religiosos e posseiros detidos, condenando a ação do
governo. Os dois padres foram afinal condenados pela Justiça Militar a longas
penas de prisão.
Em
fevereiro de 1982, dom Ivo abriu a XX Assembléia Geral da CNBB, que
discutiu e aprovou o documento Sobre solo urbano e ação pastoral. No
documento final do encontro, foram apresentadas propostas de reformas do uso do
solo urbano, sendo determinado que a própria Igreja fizesse “um exame da
destinação social de suas propriedades”. Em oração conjunta dos 240 bispos
presentes, foi pedido que se “termine com a especulação imobiliária e os
contrastes gritantes e injustos dos ricos sempre mais ricos, à custa dos pobres
sempre mais pobres”.
Em
abril de 1983, em novas eleições da XXI Assembléia Geral dos dirigentes máximos
do episcopado brasileiro, dom Ivo foi reeleito presidente da CNBB para mais um
quadriênio. Na secretaria geral foi mantido dom Luciano Mendes de Almeida,
tendo sido eleito para a vice-presidência, até então ocupada por dom Clemente Isnard,
dom Benedito Ulhoa Vieira, arcebispo de Uberaba (MG). Dom Ivo obteve 171 dos
257 votos em disputa, derrotando o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom
Eugênio Sales, que foi apresentado a sua revelia pela ala conservadora.
Em setembro de 1984 dom Ivo, dom Paulo Evaristo Arns e dom
Aluísio Lorscheider solidarizaram-se com o frei Leonardo Boff, acusado pela
Santa Sé de questionar a origem divina da hierarquia eclesiástica e cometer
erros teológicos em seu livro Igreja: carisma e poder, no qual afirmava
que a Igreja, nos países do Terceiro Mundo, deveria contribuir para a
“libertação dos oprimidos”, ao invés de limitar-se ao papel de “espectadora dos
dramas sociais”. Dias antes da chegada do teólogo ao Vaticano — sede da Sagrada
Congregação para a Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício, perante o qual
deveria defender-se das acusações — os três prelados intercederam por ele junto
ao papa João Paulo II. O encontro de frei Leonardo Boff com o cardeal Joseph
Ratzinger, prefeito da Sagrada Congregação, deu-se sob o impacto da divulgação
dias antes de um documento assinado por Ratzinger, no qual a Teologia da
Libertação recebeu dura condenação, sob a alegação de ter-se deixado
influenciar pela doutrina marxista para combater as injustiças sociais. No
início de 1985 Ratzinger compeliu Boff ao “silêncio obsequioso” durante 11
meses.
Em março de 1986, 21 dignitários eclesiásticos brasileiros,
sob a presidência do papa João Paulo II, reuniram-se no Vaticano para debater
temas como o papel do bispo, a vida dos padres e a verdadeira missão da Igreja
na sociedade nacional. O ponto de atrito era a Teologia da Libertação,
fundamento do engajamento político do clero brasileiro e dos constantes
conflitos entre seus adeptos e organismos da Cúria Romana. No seu discurso aos
participantes da reunião, Sua Santidade não condenou formalmente a doutrina
professada pela maioria dos presentes, mas seus desvios doutrinários. Admitiu
inclusive a existência de uma Teologia da Libertação “ortodoxa e necessária”,
desde que “purificada de elementos que poderiam adulterá-la com graves
conseqüências para a fé”, ou seja, exorcizada de influências marxistas.
Em
abril de 1986, em Itaici, realizou-se a XXIV Assembléia Geral da CNBB, com a
presença de 263 bispos e cujo tema central, “Exigências cristãs de uma nova
ordem constitucional”, propunha o debate de sugestões e reivindicações do
episcopado nacional na futura Assembléia Nacional Constituinte, a ser instalada
em fevereiro de 1987. O encontro, iniciado com um apelo à unidade proferido por
dom Ivo, não impediu que a discussão de temas políticos e doutrinários
revelasse as profundas divergências internas existentes. A assembléia
confrontou-se com um novo documento da Santa Sé intitulado Instrução sobre a
liberdade cristã e a libertação, onde a expressão “opção preferencial pelos
pobres”, cunhada na III Celam, em Puebla, fora transformada em “amor
preferencial pelos pobres”. A ala progressista decepcionou-se, pois o texto
definia que o apostolado da Igreja junto aos pobres era feito por caridade
cristã “aos que dela mais necessitam”, e não por opção unilateral e absoluta.
A luta pela reforma agrária
Desde
que o presidente José Sarney anunciara seu projeto de reforma agrária, em março
de 1985, os conflitos pela posse de terra haviam se acirrado em numerosas áreas
do país, suscitando a oposição de fazendeiros vinculados à recém-fundada União
Democrática Ruralista (UDR) e dos adeptos da Sociedade pela Defesa da Tradição,
Família e Propriedade (TFP). Em fins de maio, a delicada relação entre a cúpula
da CNBB e o governo atingiu um ponto crítico quando dom Ivo acusou setores
governamentais de atitudes “totalitárias e fascistas”, por engavetar 30 pedidos
de vistos de entrada no Brasil para missionários estrangeiros. Tal situação,
disse ele, era “igual à dos piores tempos da ditadura”. Em resposta, o ministro
da Justiça, Paulo Brossard, declarou que a CNBB possuía tentáculos
“inquisitoriais”.
Em junho, o ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário,
Nélson Ribeiro, ligado à direção da CNBB e defensor de uma maior agilidade na
distribuição de terras, deixou o cargo, sendo substituído por Dante de
Oliveira, então prefeito de Cuiabá. Em protesto contra a lentidão dos processos
em curso, dom Ivo não compareceu a uma cerimônia no Itamarati, na qual receberia
das mãos do presidente uma comenda. Na mesma ocasião, o presidente Sarney
resolveu antecipar sua visita ao papa João Paulo II, num gesto político
expressivo do seu descontentamento com a atuação da cúpula da CNBB.
A XXV Assembléia Geral da CNBB, realizada em abril de 1987,
elegeu presidente dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana (MG),
após o que dom Ivo retomou seu trabalho na diocese de Santa Maria, assumindo a
partir de 1991 a coordenação da Comunicação Social da entidade.
Na XXXV Assembléia da CNBB, realizada em Indaiatuba (SP), em
abril de 1997, propôs investimentos na área de jornalismo com vistas à expansão
da Rede Vida, em funcionamento desde 1995, para oferecer ao público através da
TV uma “visão católica do mundo”. Em abril de 1999, na XXXVII Assembléia da
entidade, foi um dos autores da proposta de formação de uma agência católica de
notícias, encarregada de reunir e distribuir informações acerca de todas as
dioceses do país.
Na
mesma ocasião, a CNBB divulgou o documento Análise da conjuntura,
contendo críticas à política econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2003). Como resposta ao comentário do presidente de que “seria melhor que
a Igreja não opinasse em assuntos de economia”, dom Ivo lembrou que observação
semelhante sobre a não-ingerência dos religiosos em assuntos do estado já havia
sido enunciada pelo general-presidente Emílio Garrastazu Médici, durante o
regime militar.
Em
24 de março de 2004, renunciou ao
cargo de bispo de Santa Maria, obtendo o título de bispo emérito da cidade.
Nesse ano, foi publicado o livro Dom José Ivo Lorscheiter – O Bispo da
Esperança, escrito por Sergio Belmonte e Eugênia Barichello. Em maio de
2005, acolheu e organizou, em Santa Maria, a 8ª Romaria Estadual do(a)
Trabalhador(a). Em junho, recebeu o título de doutor honoris causa do
Centro Universitário Franciscano (Unifra).
Faleceu
em Santa Maria no dia 5 de março de 2007.
Eurídice
Roberti atualização
Bruno
Marques (atualização)
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