KUBITSCHEK,
Juscelino
*dep. fed. MG 1935-1937; const. 1946;
dep. fed. MG 1946-1950; gov. MG 1951-1955; pres. Rep. 1956-1961;
sen. GO 1961-1964.
Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em Diamantina (MG) no dia 12 de setembro de 1902,
filho de João César de Oliveira e de Júlia Kubitschek. Seu pai, após
experimentar o garimpo, foi delegado de polícia e fiscal de rendas do
município, embora tenha-se dedicado, primordialmente, à profissão de
caixeiro-viajante. Sua mãe, professora primária desde 1898, lecionava no
distrito de Palha, percorrendo a pé, diariamente, extensa distância. Entre seus
ascendentes que ocuparam posição política de relevo, destaca-se seu tio-avô
João Nepomuceno Kubitschek, senador constituinte estadual em Minas em 1891 e
vice-presidente do estado de 1894 a 1898, durante a presidência estadual de
Crispim Jacques Bias Fortes.
Após
a morte prematura de seu pai por tuberculose, sua mãe, recusando qualquer
auxílio familiar para a educação dos dois filhos — Maria da Conceição,
conhecida por Naná, e Juscelino, cujo apelido era Nonô —, pediu transferência
para o município de Grupiara, obtendo permissão para residir na própria escola
em que passaria a lecionar. Ali, tendo a mãe como professora, Juscelino
concluiu o curso primário. A seguir, por não haver ginásio em Diamantina e por
não possuir recursos para estudar em Belo Horizonte, obteve redução nas taxas
de matrícula e ingressou no seminário diocesano daquela cidade, em 1914.
Durante o período em que ali permaneceu, foi coroinha na igreja de Nossa
Senhora da Luz.
Com 15 anos incompletos, concluiu o curso de humanidades,
abandonando então o seminário, já que não sentia vocação para o sacerdócio.
Diante da precária situação financeira de sua mãe e estando decidido a cursar a
Faculdade de Medicina, preparou-se sozinho para ir a Belo Horizonte e prestar
ali os exames preparatórios. Entretanto, em conseqüência da gripe espanhola, em
1918 foram instituídos, em caráter de emergência os “exames por decreto”. Por
essa medida, o estudante matriculado em qualquer colégio do país poderia
requerer o certificado e prestar quatro exames de uma só vez. Aproveitando a
oportunidade, Juscelino cumpriu as exigências e prestou esses exames em Diamantina.
Embora bem-sucedido, restavam-lhe ainda oito provas para ingressar no curso
superior.
Em
1919, a Repartição Geral dos Telégrafos abriu concurso para o cargo de
telegrafista. Tendo Juscelino demonstrado interesse em concorrer a uma vaga,
sua mãe vendeu a única jóia que possuía e custeou sua viagem a Belo Horizonte.
Embora tenha sido bem classificado, Juscelino foi obrigado a praticar o código
Morse durante algum tempo antes de ser nomeado para o cargo. Iniciou então em
Diamantina esse aprendizado e ainda em dezembro de 1919 prestou mais dois
exames preparatórios no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte, nos quais foi
aprovado. Um ano depois, mudou-se para a capital mineira, passando a viver de
uma pequena mesada que a mãe lhe enviava. Concluiu o treinamento de código
Morse e prestou mais quatro exames preparatórios, sendo porém reprovado em
geometria. Nomeado finalmente, em maio de 1921, telegrafista-auxiliar, decidiu
ingressar em um curso preparatório. Nessa época conheceu Júlio Soares, então
estudante de medicina que mais tarde casaria com sua irmã Naná e exerceria
grande influência em sua vida. Em dezembro completou os exames preparatórios no
ginásio de Barbacena e, um mês depois, após prestar exame vestibular,
matriculou-se na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte.
Para garantir seu sustento, Juscelino manteve o emprego de
telegrafista durante os seis anos de curso. Um de seus colegas de ofício era
José Maria Alkmin, com quem estabeleceu uma amizade que se iria estreitar ao
longo dos anos.
No exercício da medicina
Diplomando-se em dezembro de 1927, Juscelino foi convidado
por Júlio Soares para ser seu assistente na Clínica Cirúrgica da Santa Casa de
Misericórdia, em Belo Horizonte, e também para ser sócio de seu consultório
particular. Permanecendo vinculado à Faculdade de Medicina como assistente da
cadeira de física médica, regida pelo professor Baeta Viana, acrescentou ainda
a essas atividades, pouco mais tarde, a de médico da Caixa Beneficente da
Imprensa Oficial, cargo para o qual foi nomeado por interferência de Alkmin,
subdiretor do órgão durante o governo de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
(1926-1930).
Juscelino apoiou o movimento da Aliança Liberal, que lançou a
chapa Getúlio Vargas-João Pessoa à sucessão presidencial disputada em março de
1930. Nesse pleito saiu-se porém vitoriosa a chapa situacionista, composta por
Júlio Prestes e Vital Soares.
Em
abril daquele ano, reunindo as economias feitas no exercício da medicina,
Juscelino seguiu para Paris com o objetivo de especializar-se em urologia. Fez
o curso do professor Maurice Chevassu no hospital Cochin e, aproveitando a
ocasião, visitou alguns países europeus, bem como do Oriente Médio.
Encontrava-se ainda no exterior quando eclodiu a Revolução de 3 de Outubro de
1930. Ao regressar, em fins de novembro, Getúlio Vargas, em decorrência da
vitória do movimento, já havia assumido a chefia do Governo Provisório da
República. Olegário Maciel, graças à participação de Minas, fora o único
governante estadual eleito antes da revolução mantido no poder.
Além de reassumir seus empregos em Belo Horizonte, Juscelino
montou seu próprio consultório. Em 1931, por intermédio de seu futuro
concunhado, Gabriel Passos, na época secretário particular de Olegário, foi
nomeado para integrar o corpo de médicos do Hospital Militar da Força Pública
do estado, ficando a seu cargo organizar o Serviço de Laboratório e Pesquisas.
Quando esse departamento foi instituído, passou a chefiar o Serviço de
Urologia, no posto de capitão-médico.
Em
30 de dezembro de 1931, casou-se com Sara Gomes de Lemos, pertencente a família
de grande prestígio no estado. Seu sogro, Jaime Gomes de Sousa Lemos, vinculado
ao Partido Republicano Mineiro (PRM), representara Minas na Câmara Federal de
1912 a 1922. Sara era ainda prima de Francisco Negrão de Lima, que viria a ser
ministro da Justiça de 1951 a 1953, prefeito do Distrito Federal de 1956 a
1958, ministro das Relações Exteriores de 1958 a 1959 e governador da Guanabara
de 1965 a 1971, e de Otacílio Negrão de Lima, que ocuparia o Ministério do
Trabalho em 1946 e seria deputado federal de 1955 a 1959.
Em
decorrência da intensificação dos conflitos entre as oligarquias paulistas e o
governo federal, eclodiu a Revolução Constitucionalista em São Paulo em 9 de
julho de 1932. Durante os primeiros dias da conflagração, o governo mineiro
permaneceu indeciso, hesitando em ordenar a mobilização da Força Pública. Em 15
de julho, Olegário Maciel definiu a posição de Minas, manifestando apoio ao
Governo Provisório. No dia seguinte, as tropas mineiras foram enviadas para o
sul do estado a fim de conter o avanço das forças paulistas na região. Enquanto
médico do Hospital Militar, Juscelino embarcou junto com o 1º Batalhão da Força
Pública, sob o comando do tenente-coronel Francisco de Campos Brandão, com destino
à Zona do Túnel (nome dado à região ao sul de Minas na serra da Mantiqueira,
fronteira com São Paulo, onde fora constituído um túnel ferroviário). Em Passa
Quatro (MG) recebeu ordens para instalar um hospital de sangue, devido ao
grande número de baixas ocorridas. Era o único médico do pequeno hospital, que
funcionava em condições precárias, por falta de recursos. Nessa ocasião,
estabeleceu amizade com Benedito Valadares, que exercia a função de delegado
federal na região.
Diante de pressão crescente das forças legalistas, na noite
de 12 para 13 de setembro os rebeldes abandonaram o palco de luta no setor do
Túnel. Juscelino foi então incumbido de transferir os feridos de Passa Quatro
para Guaxupé e Varginha (MG), cidades que dispunham de maiores recursos
médicos. Após executar essa tarefa, obteve permissão para retornar a Belo
Horizonte. O movimento revolucionário, porém, só foi sufocado em 2 de outubro,
com a capitulação dos paulistas.
Com
o falecimento súbito de Olegário Maciel em 5 de setembro de 1933, agitou-se o
cenário político mineiro para a escolha de seu sucessor. Os principais
concorrentes eram Gustavo Capanema, que assumiu interinamente o cargo, e
Virgílio de Melo Franco. Em 12 de dezembro, Vargas deu uma solução inesperada
ao caso, nomeando Benedito Valadares interventor federal. Este, ao tomar posse
no dia seguinte, convidou Juscelino para exercer a chefia de seu Gabinete
Civil. Aceitando o convite, Juscelino abandonou a atividade médica, inclusive a
tese que vinha elaborando para concorrer a uma cátedra na Faculdade de
Medicina.
O ingresso na política
No
exercício da chefia do Gabinete Civil de Valadares, Juscelino tornou-se uma
espécie de “advogado” das causas de seu município natal. Com a ajuda de Israel
Pinheiro, então secretário da Viação e Obras Públicas do estado, conseguiu
verba extra para construir uma ponte que ligaria Diamantina à cidade de Rio
Vermelho, centro comercial da região. Esta foi a primeira obra pública
executada por sua iniciativa.
Em abril de 1934, por influência de Valadares, filiou-se ao
Partido Progressista de Minas Gerais (PP), então chefiado por Antônio Carlos,
com o objetivo de concorrer ao cargo de deputado federal nas eleições de
outubro seguinte. O PP, organização situacionista fundada em fevereiro de 1933
para concorrer às eleições daquele ano à Assembléia Nacional Constituinte
(ANC), tivera como principais orientadores até então Olegário Maciel e Benedito
Valadares. Em setembro de 1934, Juscelino foi indicado por Antônio Carlos para
ocupar a secretaria do partido.
Realizadas as eleições em 14 de outubro, Juscelino obteve o
maior número de votos dados a um candidato à Câmara Federal por Minas Gerais.
Abandonando então o Gabinete Civil do governo mineiro, iniciou o mandato em
maio do ano seguinte. Por outro lado, as eleições federais coincidiram com os
pleitos para as assembléias constituintes estaduais, as quais elegeriam
governadores e senadores. Contando com o apoio unânime dos deputados do PP, que
constituíam a maioria, Benedito Valadares foi eleito governador constitucional
do estado.
Deputado federal — 1935-1937
Ante
a necessidade de permanecer no Rio de Janeiro, então capital da República,
Juscelino licenciou-se do cargo que ocupava no Hospital Militar, bem como as
funções que exercia na Santa Casa de Misericórdia em Belo Horizonte.
Por solicitação de Valadares, na madrugada de 27 de novembro
de 1935, quando eclodiu no Rio de Janeiro o levante comunista articulado pela
Aliança Nacional Libertadora, Juscelino ordenou ao coronel João de Mendonça
Lima, diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, que fosse retido em Minas
o expresso que deveria partir às seis horas para a capital federal. O objetivo
de Valadares era aproveitar o comboio, como de fato o fez, para enviar tropas
mineiras para reforçar a guarnição federal na repressão ao movimento. O levante
foi sufocado naquele mesmo dia.
Interessado em conquistar a chefia política de Diamantina e,
tendo em vista as eleições municipais de 1936, Juscelino desenvolveu naquele
município ampla campanha em favor dos candidatos a vereador do PP, bem como da
candidatura de Joubert Guerra à prefeitura. Além de percorrer os 15 distritos
do município, utilizou, como estratégia para angariar votos, visitas pessoais a
inúmeros eleitores da cidade. Conseguindo eleger por seu partido 11 dos 15
vereadores distritais, e garantir assim o cargo de prefeito a Joubert Guerra,
conquistou a chefia política do município.
Em fins de fevereiro de 1937, em meio aos debates sobre a
sucessão presidencial a ser disputada em janeiro do ano seguinte, Juscelino foi
incumbido por Valadares de comunicar a José Américo de Almeida que Minas
apoiaria sua candidatura à presidência da República. Durante o encontro,
Juscelino decidiu, por iniciativa própria, apelar ao político paraibano para
que este assegurasse desde logo seu apoio ao futuro candidato do governo à
sucessão mineira, já que as eleições estaduais se realizariam quase
imediatamente após a posse do presidente a ser eleito. Embora na ocasião José
Américo tenha rejeitado a proposta, argumentando que preferia manter uma
posição de neutralidade em relação às sucessões estaduais, no dia seguinte
declarou a Juscelino que estava disposto a acatá-la.
Em 25 de maio de 1937 foi lançada oficialmente a candidatura
de José Américo, para concorrer com a de Armando de Sales Oliveira, governador
de São Paulo, que fora indicado pelo Partido Constitucionalista e tinha caráter
de oposição ao governo federal.
Entretanto,
discordando das idéias apregoadas por José Américo durante sua campanha e
percebendo o anseio de Vargas em permanecer no poder, Valadares decidiu, em
setembro, retirar o apoio dado àquela candidatura. Endossando as idéias
continuístas do presidente, que contava com o apoio dos altos escalões
militares, Valadares participou das articulações golpistas para a mudança do
regime e a reforma constitucional que garantiriam a Vargas permanecer no poder.
Segundo seu próprio depoimento, ao perceber as intenções do governador mineiro,
Juscelino, a quem repudiava a idéia do golpe que provocaria a derrocada das instituições
democráticas, procurou inutilmente demovê-lo daquele propósito. Em princípios
de novembro, ao tomar ciência que o golpe seria deflagrado no dia 15 daquele
mês, Juscelino tratou de reiniciar suas atividades médicas, retornando a seu
consultório, que havia emprestado a um colega, Célio de Oliveira.
Diante
da agitação reinante no cenário político, Vargas, com o apoio das forças
armadas, antecipou o golpe para o dia 10 de novembro. Fechando nesse dia o
Congresso Nacional, instituiu o Estado Novo e assumiu poderes ditatoriais.
Juscelino perdeu seu mandato na Câmara e Valadares, como a grande maioria dos
governadores, permaneceu na chefia do Executivo mineiro na condição de
interventor.
Retorno à medicina
Ainda no dia 10 de novembro, Juscelino reassumiu as funções
de chefe do Serviço de Urologia do Hospital Militar em Belo Horizonte. Segundo
declarações posteriores, as divergências que tivera com Valadares não haviam
sido de caráter pessoal, mas de natureza política. Assim, conservando a chefia
política de Diamantina, agia junto ao interventor para conseguir verbas extras
para o município.
Considerando
ter perdido a destreza nas operações após três anos de afastamento da
profissão, Juscelino praticou à noite, durante três meses, técnicas de cirurgia
com cadáveres no anfiteatro anatômico da Faculdade de Medicina. Em fins de
1938, foi promovido a tenente-coronel da Força Pública e, simultaneamente,
nomeado chefe do Serviço de Cirurgia do Hospital Militar. Conforme afirma em
suas memórias, adquiriu a partir dessa época grande prestígio no exercício da
medicina, conseguindo reunir considerável patrimônio.
Em fevereiro de 1940, foi convidado por Valadares para
assumir o cargo de prefeito de Belo Horizonte. Durante a entrevista, negou-se a
aceitar a nomeação, por não desejar, mais uma vez, afastar-se da medicina.
Entretanto, segundo suas memórias, dois meses depois do convite inicial, ou
seja, no dia 15 de abril de 1940, tomou conhecimento de que Valadares mandara
publicar no Minas Gerais, órgão oficial do estado, o decreto de sua nomeação
para a prefeitura da capital. Considerando o fato consumado, Juscelino tomou
posse no cargo no dia seguinte, em substituição a José Osvaldo de Araújo.
Prefeito de Belo Horizonte
Embora
ocupando o cargo de prefeito, Juscelino permaneceu na chefia do Serviço de
Cirurgia do Hospital Militar, onde continuou a operar todas as manhãs, e
assumiu ainda a chefia do Serviço de Urologia da Santa Casa de Misericórdia.
Além dessas atividades, proporcionava, pessoalmente, assistência médica a numerosas
famílias pobres. Só abandonaria o exercício da medicina no início de 1945,
quando passou a dedicar-se exclusivamente à vida política.
Segundo
seu depoimento, Juscelino adotou como norma em sua administração dois
princípios básicos: comparecer diariamente a todas as frentes de trabalho que
fossem abertas e proceder à formação dos “comitês de bairro” para debater com
os moradores os problemas locais. Semanalmente visitava um desses comitês.
Preocupado
em remodelar a cidade de Belo Horizonte, Juscelino promoveu também o
asfaltamento de suas principais vias públicas, como as avenidas Afonso Pena e
do Contorno. Abriu grandes avenidas que, ligando a avenida do Contorno à área
suburbana, formariam as radiais, ou “bocas”, permitindo o acesso ao sistema rodoviário
estadual. Dedicou-se às obras de infra-estrutura da cidade, removendo e
ampliando as redes de esgoto e abastecimento de água. Ampliou o bairro de
Lurdes e criou o de Sion, o bairro-modelo de Cidade Jardim e o bairro dos
Industriários, conjunto residencial destinado às classes trabalhadoras.
Construiu o conjunto arquitetônico de Pampulha, que passou a
constituir um dos principais pontos de atração turística da cidade, erigindo
ali uma capela em homenagem a São Francisco com projeto de Oscar Niemeyer e
pinturas e afrescos de Cândido Portinari. A pequena igreja, por sua arquitetura
e decoração arrojada, suscitou indignação por parte do arcebispo dom Antônio
Cabral. Os críticos da obra acusavam também o arquiteto e o pintor de
comunistas e, portanto, inaceitáveis para a edificação de um templo católico. A
luta que Juscelino travou para o seu reconhecimento iria prolongar-se por 17
anos. Somente em abril de 1959, após a designação de dom José de Resende Costa
para arcebispo de Belo Horizonte é que o problema seria resolvido, com a doação
do templo à Mitra Arquidiocesana. Ainda por iniciativa de Juscelino, a Fazenda
Velha — última construção que restava do Curral del Rei, local onde foi erguida
Belo Horizonte — foi tombada como patrimônio histórico, sendo ali instalado um
museu. Finalmente, em sua administração foi fundada a Escola de Arquitetura e a
de Belas Artes que, mais tarde, seriam integradas à Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).
Em abril de 1941 Juscelino foi convidado para ocupar a
presidência da Sociedade da Cultura Inglesa de Belo Horizonte. No exercício
desse cargo, proferiu inúmeros discursos em favor da causa dos países aliados
envolvidos na Europa na Segunda Guerra Mundial. Depois que, pressionado pela
oposição civil e militar ao Estado Novo, Vargas assinou em 28 de fevereiro de
1945 o Ato Adicional prevendo a realização de eleições gerais, Juscelino
passou, ao lado de Benedito Valadares, a mobilizar a opinião pública de Belo
Horizonte em favor do governo com o objetivo de vencer as eleições. Estas
seriam afinal marcadas para o dia 2 de dezembro daquele ano.
Diante da indicação pelos setores oposicionistas da
candidatura Eduardo Gomes à presidência da República, Benedito Valadares, com o
apoio de Vargas e políticos favoráveis ao governo, como Juscelino, passou a
patrocinar o lançamento da candidatura do ministro da Guerra, o general Eurico
Dutra, para disputar as eleições. Em março de 1945, quando os agrupamentos que
dariam origem aos novos partidos políticos já se organizavam, Juscelino
participou ativamente dos trabalhos de criação do Partido Social Democrático
(PSD), que seria formado principalmente em torno dos interventores, com o apoio
de Vargas.
A
convenção para o lançamento do PSD em Minas se realizou em 8 de abril, quando
foi aprovada a indicação de Dutra como candidato do partido às eleições
presidenciais. Escolhido primeiro-secretário da seção mineira do PSD, foi
encarregado de instalar em Belo Horizonte a sede regional do partido e proceder
às filiações. Dando início a esta última incumbência, reuniu em seu gabinete os
presidentes dos “comitês de bairro” que, na sua quase totalidade, protestaram
irrestrita solidariedade, prontificando-se a ingressar de imediato no PSD.
Juscelino passou a visitar com maior freqüência os bairros, entrando de casa em
casa para doutrinar pessoalmente os eleitores.
A primeira convenção nacional do PSD, realizada em 17 de
julho de 1945, homologou a candidatura de Eurico Dutra. No dia 8 de outubro,
com a presença deste, reuniu-se em Belo Horizonte a comissão executiva do PSD
mineiro, com o objetivo de indicar os candidatos do partido à ANC. Dentre os
concorrentes às cadeiras de deputado federal, foi lançado o nome de Juscelino
Kubitschek. Este, convertendo os antigos “comitês de bairro” em seções do PSD,
intensificou o processo de filiação partidária, conseguindo alistar imenso
número de eleitores.
Com a deposição de Vargas pelas forças armadas em 29 de
outubro, assumiu o poder o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o
ministro José Linhares. Uma de suas primeiras medidas foi substituir os
interventores por representantes do Poder Judiciário e afastar os antigos
prefeitos. Valadares foi então substituído pelo presidente do Tribunal de
Justiça de Minas, Nísio Batista de Oliveira, e Juscelino, pelo engenheiro João
Gusmán Júnior. José Linhares tratou também de baixar um decreto, estabelecendo
que as eleições estaduais não se processariam juntamente com as federais, mas
somente após ser promulgada a nova Constituição.
De volta à Câmara — 1946-1950
O resultado do pleito de 2 de dezembro de 1945 conferiu ampla
vitória ao PSD tanto em nível estadual como nacional. O partido conseguiu
eleger 26 senadores contra dez da União Democrática Nacional (UDN) e dois da
coligação UDN-Partido Republicano (PR), além de 151 deputados federais, contra
80 da UDN, e três da coligação UDN-PR. Dutra conquistou a presidência da
República, derrotando por larga margem de votos o candidato udenista Eduardo
Gomes. Juscelino Kubitschek foi o segundo candidato mais votado em seu estado,
iniciando o mandato ao se instalar a Constituinte em 5 de fevereiro de 1946.
Receoso
de que Dutra, ao assumir o mandato, nomeasse um de seus adversários políticos
para a prefeitura de Belo Horizonte, Juscelino conseguiu convencer o presidente
eleito a nomear para o cargo o engenheiro Pedro Laborne Tavares que, enquanto
diretor de obras da prefeitura de Belo Horizonte, havia sido um de seus mais
eficientes colaboradores.
Promulgada a nova Carta em 18 de setembro de 1946, a
Assembléia Constituinte foi transformada em Congresso ordinário, permanecendo
Juscelino no exercício de seu mandato na Câmara Federal. Fixadas as eleições
para os governos estaduais no dia 19 de janeiro do ano seguinte, alguns líderes
pessedistas que formavam a chamada “ala liberal” passaram a articular a
candidatura do ministro da Justiça, Carlos Luz, à chefia do Executivo mineiro.
Entretanto, após diversas reuniões, a “ala ortodoxa” do PSD, da qual Juscelino
fazia parte, sob a liderança de Valadares, decidiu indicar José Francisco Bias
Fortes, o que ocasionou uma cisão no seio da comissão executiva. Em meio a essa
situação, os líderes dos antigos “comitês de bairro” iniciaram uma campanha em
favor da candidatura de Juscelino, espalhando cartazes por toda Belo Horizonte
com a frase: “Queremos Juscelino.” Diante do movimento que se avolumava,
Juscelino convocou uma reunião com aqueles líderes, convencendo-os da
impossibilidade de concorrer ao governo do estado em virtude do compromisso que
havia firmado em relação à candidatura Bias Fortes.
A fragmentação ocorrida no seio do PSD propiciou a vitória do
candidato udenista Mílton Campos, que contou com o apoio dos pessedistas
dissidentes. No dia 24 de janeiro de 1947, antes mesmo da publicação oficial
dos resultados das eleições, Valadares foi substituído na presidência do PSD
por Nereu Ramos, o qual havia sido eleito pela Constituinte vice-presidente da
República.
A partir de março de 1947, Juscelino desencadeou franca
oposição ao governo de seu estado. No exercício de seu mandato na Câmara
Federal, participou da Comissão Permanente de Transporte e Comunicação. De maio
a julho de 1948, viajou aos Estados Unidos e Canadá. Segundo suas memórias,
essa viagem teria exercido grande influência em suas concepções
político-administrativas, por convencê-lo de que o Brasil só atingiria um pleno
desenvolvimento através de uma industrialização intensa e diversificada. Ao
regressar, dedicou-se, com êxito, a tarefa de unificação do PSD em Minas,
exortando os dissidentes à coesão no seio do partido para que tivessem início
as conversações sobre as sucessões presidencial e estadual a serem disputadas
em 3 de outubro de 1950.
Em
meados de 1949, diante das divergências quanto à sucessão presidencial, os
políticos mineiros decidiram tentar estabelecer uma reconciliação partidária.
Gabriel Passos representando a UDN, Mário Brant o PR e Juscelino Kubitschek o
PSD, elaboraram um manifesto que foi entregue a Dutra, consubstanciando um
esquema de união de todos os partidos nacionais para a escolha do candidato à
presidência. O chamado “acordo mineiro”, do qual participaram todos os partidos
em Minas, com exceção do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mostrou-se
inviável, dele resultando inclusive a renúncia de Nereu Ramos — que insistia em
impor sua candidatura — à presidência nacional do PSD. O partido passou então a
ser presidido por Benedito Valadares.
Optando
pela tese da candidatura partidária, a UDN lançou oficialmente, em 18 de abril
de 1950, a candidatura de Eduardo Gomes. No dia 15 de maio, a comissão
executiva do PSD nacional indicou Cristiano Machado como candidato do partido,
lançando oficialmente essa candidatura em início de junho. Oficializado o
congraçamento do PSD no plano federal, as discussões passaram a girar em torno
da escolha do candidato do partido para o governo de Minas. Existiam aí duas
correntes: a que apoiava Juscelino e a que se inclinava por Bias Fortes.
Em 10 de junho, a comissão executiva do PSD mineiro promoveu
três reuniões para a escolha do candidato ao governo do estado. Após acirrada
disputa, Euvaldo Lodi, coordenador da candidatura Bias Fortes, propôs com
sucesso que naquele dia fosse designada uma subcomissão de cinco membros, que,
após discutir o assunto no Rio, submeteria seu veredicto à comissão executiva
estadual. Acolhida a sugestão, Benedito Valadares foi escolhido presidente
dessa subcomissão, da qual também faziam parte Fernando de Melo Viana, Euvaldo
Lodi, Ovídio de Abreu e Israel Pinheiro. Juscelino e Bias Fortes firmaram então
compromisso de acatar qualquer que fosse a resolução, a fim de evitar
dissidência no seio do PSD.
Embora Bias Fortes contasse com o apoio do presidente Dutra e
do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, Juscelino, além de encontrar-se em
situação de maior vantagem no seio da subcomissão, conseguiu, por intermédio do
senador Artur Bernardes Filho, o apoio do PR à sua candidatura. Alegando a
necessidade de ser preservada a unidade do PSD, bem como o fortalecimento da
candidatura Cristiano Machado, Góis Monteiro apelou a Bias Fortes e a Juscelino
para que concordassem em devolver à comissão executiva do partido o poder de
escolher o candidato. Com a concordância dos dois, em meados de julho foi
extinta a subcomissão.
A reunião da comissão executiva do PSD ocorreu em 20 de
julho, tendo Kubitschek sido escolhido por 13 votos contra dez dados a Bias
Fortes. Nesse mesmo dia a UDN realizou sua convenção, escolhendo Gabriel
Passos, concunhado de Juscelino, como candidato do partido ao governo do
estado. A candidatura de Juscelino foi finalmente homologada em 30 de julho,
durante a convenção do PSD mineiro. Ainda em julho o PTB lançou a candidatura
Getúlio Vargas à presidência da República.
Contando com apenas dois meses para desenvolver sua campanha,
Juscelino decidiu realizar concentrações nos centros-chave de cada região do
estado particularmente no chamado Triângulo Mineiro, no sul e oeste de Minas, e
na Zona da Mata, visitando ao todo, 168 municípios. Por inspiração de Pedro
Calmon, então reitor da Universidade do Brasil, adotou o slogan “Binômio
energia e transportes”, que sintetizava seus objetivos administrativos. Além do
PR, Juscelino passou a contar com o apoio do Partido Trabalhista Nacional
(PTN), do Partido Social Progressista (PSP), do Partido Social Trabalhista
(PST) e do Partido Operário Trabalhista (POT).
Em
meados de agosto, Juscelino entrevistou-se com Vargas e este, enquanto
presidente nacional do PTB, declarou estar disposto a apoiar sua candidatura.
Juscelino porém, segundo suas memórias, declinou desse apoio, alegando que,
caso o aceitasse, ficaria em posição moral insustentável, pois, enquanto
secretário-geral da comissão executiva do PSD, estava amplamente comprometido
com o candidato de seu partido, Cristiano Machado. Rogou entretanto ao
ex-presidente, no que seria prontamente atendido, que este não interferisse na
questão da sucessão estadual, dando ampla liberdade de voto aos trabalhistas
mineiros. Por outro lado, a candidatura Vargas esvaziou de certa forma a de
Cristiano Machado, pois ponderáveis setores do PSD desviaram o voto para o
ex-presidente, num movimento que ficou conhecido como “cristianização”.
Nas
eleições de 3 de outubro, Getúlio Vargas elegeu-se presidente da República,
derrotando por larga margem de votos Cristiano Machado e Eduardo Gomes.
Juscelino Kubitschek conquistou o governo mineiro, obtendo 714.364 votos,
contra 544.086 dados a Gabriel Passos.
Em 2 de janeiro de 1951, em entrevista com Juscelino, Vargas
declarou sua intenção de governar acima dos partidos, mas em estreita cooperação
com os governadores. Desse modo, não iria proceder à “antiga política dos
governadores, mas a uma política com os governadores”. Em 31 daquele mês,
Vargas e Juscelino tomaram posse nos cargos para os quais haviam sido eleitos.
No governo de Minas 1951-1955
Ao
formar seu secretariado, Juscelino recrutou José Maria Alkmin para a Secretaria
de Finanças, Pedro Braga para a do Interior, Tristão da Cunha para a da
Agricultura, José Esteves Rodrigues para a da Viação e Obras Públicas, Mário
Ladeira para a da Saúde e Odilon Braga para a de Educação. Por sua indicação,
Vargas nomeou para a pasta da Justiça Francisco Negrão de Lima. Como a base de
sua administração seria o binômio energia e transporte, Juscelino escolheu
também de imediato os responsáveis por esses setores: Lucas Lopes, que já havia
exercido a diretoria da Comissão do Vale do São Francisco, ficou encarregado do
item energia enquanto o engenheiro Celso Murta foi nomeado para a diretoria do
Departamento Estadual de Estradas de Rodagem.
Tendo como meta prioritária retirar Minas da posição de
estado agropastoril e lançá-la na fase da industrialização, a despeito de uma
situação financeira precária marcada por uma dívida volumosa, Juscelino
desdobrou o plano inicial em duas etapas: a) eletrificação e estradas, e b)
industrialização. O plano relativo à energia elétrica, em linhas gerais, previa
o estímulo à iniciativa privada e através de uma política tarifária de
incentivo a novas inversões o estabelecimento de um fundo de eletrificação.
Em meados de 1951, Juscelino designou técnicos para elaborar
o projeto de construção da usina de Salto Grande, no rio Santo Antônio,
providenciou o início das obras da usina de Itutinga, que iria abastecer as
regiões do oeste e do sul do estado, ordenou a construção da barragem de
Cajuru, que ampliaria o potencial energético da capital, determinou o aumento
da potencialidade da usina Pai Joaquim, em benefício de Uberaba, tomou medidas
para a conclusão da usina de Governador Valadares e deu início ao projeto de
construção da usina do Paredão, no Alto Paranaíba. Ainda nesse ano, teve início
a construção da usina de Pandeiros, destinada a servir a área norte do estado,
a qual só seria no entanto concluída quando Juscelino já exercia a presidência
da República.
Para
a realização dessas obras, Juscelino incentivou a formação de companhias de
economia mista de caráter regional — sociedades anônimas a serem posteriormente
colocadas sob o controle de um organismo centralizador — a primeira das quais
foi a do Médio Rio Doce. Surgiram, em seguida, a Companhia de Eletricidade do
Alto Rio Grande e a Central Elétrica do Piauí. Quase simultaneamente, foi
vinculada à formação do capital dessas companhias de economia mista uma quota
da Taxa de Recuperação do Estado, pelo período de cinco anos.
Partindo da organização das sociedades regionais e
entrosando-as umas com as outras, Juscelino procedeu, em setembro de 1951, à
formação de uma holding, as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), que
permitiria, inclusive, a ampliação da área coberta pelo plano inicial. Como os
gastos mínimos para a constituição da Cemig foram estimados em um bilhão de
cruzeiros da época, ou seja, o total da receita do estado, Juscelino conseguiu
os fundos necessários recorrendo aos empresários que, interessados em
intensificar o processo de industrialização no estado, mostraram-se dispostos a
cooperar no empreendimento. Para a execução desse programa, foram também de
fundamental importância os financiamentos que Juscelino obteve junto ao Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE).
Organizada a Cemig em curto espaço de tempo, Juscelino nomeou
Lucas Lopes para presidente da Companhia. Durante o período de 1952 a 1956, a
Cemig realizaria a implantação do sistema elétrico para o atendimento às
indústrias e no período subseqüente, isto é, de 1956 a 1960, estenderia seus
serviços às cidades e vilas do interior mineiro.
Lançadas as bases da eletrificação do estado, Juscelino empenhou-se
em promover a industrialização. Interessado em construir uma usina siderúrgica
em Minas Gerais e diante da falta de recursos, tratou de atrair um grupo
financeiro do exterior e, através de concessões de natureza fiscal, atraí-lo
para o empreendimento. O grupo seria a Mannesmann — organização siderúrgica
alemã —, que já mostrara interesse em investir capital no Brasil. A Mannesmann
exigia no entanto uma garantia de suprimento energético tão elevada que, na
época — outubro de 1951 —, representava praticamente a metade de todo o consumo
do estado. Apesar de Lucas Lopes se manifestar contrário ao acordo devido a
essa exigência, Juscelino decidiu, de imediato, assinar o contrato de
instalação da siderúrgica. A usina seria construída na cidade industrial de
Contagem, nos arredores de Belo Horizonte.
Quanto
ao item transportes, o programa rodoviário tinha por objetivo fazer a ligação
entre as regiões do estado, as quais mantinham-se até então isoladas umas das
outras. Com a garantia da parte da quota do Fundo Rodoviário Nacional
correspondente a Minas Gerais, foi possível lançar inicialmente uma
concorrência para obras no valor correspondente a 25 milhões de dólares,
pagáveis em oito anos. Em seguida, Juscelino firmou com a Impex, de Paris, um
convênio no total de 20 milhões de dólares, para a aquisição de equipamentos e
maquinarias essenciais às obras. Além disso, graças ao bom relacionamento que
mantinha com o governo Vargas, em 1952 o Departamento Nacional de Estradas de
Rodagem (DNER) concedeu a Minas uma verba de 528 milhões de cruzeiros, quantia
que representava mais de 1/4 da despesa total do estado em 1951.
Durante
seu mandato, Juscelino construiu 16 estradas-tronco, num total de 3.087km, que
não só permitiram a integração das várias regiões de Minas, como facilitaram o
acesso aos estados vizinhos. Cuidou também de criar e aparelhar tecnicamente o
setor da viação aérea, objetivando a criação de uma rede aeroviária. Para
centralizar essa tarefa instituiu, em 1951, o Departamento de Viação Aérea de
Minas Gerais. Ao final de seu qüinqüênio, Minas já contava com 75 campos de
pouso em condições de receber aviões de porte médio.
Em relação à agricultura, o governo Juscelino estabeleceu uma
política de crédito aos agricultores, de forma a lhes facilitar a compra de
equipamentos mecanizados e de implementos agrícolas. Além disso estabeleceu um
sistema de empréstimos de tratores a baixo custo aos fazendeiros. As
necessidades de fertilizantes conduziriam à fundação da Fertisa Fertilizantes
de Minas Gerais S.A. — cujo objetivo era a fabricação de adubos, com o
aproveitamento das jazidas de apatita de Arrasa e do potássio de Poços de
Caldas.
Em relação à pecuária, o estado desenvolveu um sistema de
empréstimos de reprodutores de raça aos pecuaristas. Com o intuito de incrementar
esse setor da economia, Juscelino criou, em dezembro de 1951, a Frigias
Companhia de Frigoríficos de Minas Gerais, para a industrialização da carne e
subprodutos dos rebanhos bovino e suíno, a qual só seria inaugurada em 1959,
quando já ocupava a presidência da República.
Além dessas realizações, Juscelino construiu 120 postos de
saúde, 137 prédios escolares, 251 pontes, duas faculdades de medicina, uma de
direito, uma de farmácia e odontologia, cinco conservatórios de música e uma
escola de belas-artes.
Em abril de 1954 ocorreu o arrombamento da represa de
Pampulha, arrastando casas, pontes e ruas inteiras. Graças às providências
tomadas pelo governo, os moradores das inúmeras casas e barracos situados à
jusante da barragem foram evacuados a tempo. Aquele recanto paisagístico só
seria reinaugurado em janeiro de 1958 durante o período de Juscelino na
presidência da República.
Na
madrugada de 5 de agosto de 1954, foi assassinado na rua Toneleros, no Rio, o
major-aviador Rubens Vaz, num atentado cujo alvo era o jornalista Carlos
Lacerda, forte opositor de Vargas. O início do inquérito revelou o envolvimento
no crime de membros da guarda pessoal do presidente, o que intensificou a crise
por que passava o governo aumentando as pressões políticas e militares sobre
Vargas, com o objetivo de levá-lo a abandonar o poder.
Diante
desses fatos, Juscelino, que havia convidado Vargas para a inauguração do
conjunto Mannesmann, fixada para o dia 14 de agosto, achou conveniente adiar o
evento, temeroso de que a ausência do presidente da capital da República
pudesse agravar a situação política nacional. Vargas, porém, decidiu embarcar
para a capital mineira no dia marcado. A chegada do presidente a Belo Horizonte
ocorreu em clima de normalidade, em virtude das providências tomadas por
Juscelino para evitar manifestações de repúdio planejadas pela UDN local e
organizações estudantis, notadamente a dos alunos da Faculdade de Direito. Após
as solenidades, Vargas recebeu no palácio da Liberdade inúmeros sindicalistas
que lhe declararam sua solidariedade.
Nos dias seguintes intensificaram-se as pressões sobre o
governo e as soluções apontadas no meio político para contornar a crise giravam
em torno de uma licença presidencial ou da renúncia. A questão foi porém
encerrada com o suicídio de Vargas na manhã do dia 24. Nesse mesmo dia assumiu
o poder o vice-presidente da República, João Café Filho.
A candidatura à presidência
Anunciando a necessidade de um congraçamento partidário, Café
Filho, ao compor seu ministério, solicitou a presença de Juscelino no Rio para
que este indicasse um titular para uma das pastas. Juscelino indicou Lucas
Lopes, que foi então nomeado para o Ministério da Viação e Obras Públicas. Essa
nomeação desagradou alguns líderes pessedistas, como Ernâni Amaral Peixoto,
presidente do partido, Gustavo Capanema e José Maria Alkmin, que achavam que o
PSR deveria negar qualquer colaboração ao novo governo devido à forte
aproximação deste com os udenistas.
Ainda
em fins de agosto, Juscelino foi convocado por Nereu Ramos para uma reunião do
PSD no Rio de Janeiro, à qual estaria presente o governador de Pernambuco,
Etelvino Lins. Este, durante o encontro, expôs o seu ponto de vista, acatado
por alguns líderes do partido, entre os quais Nereu Ramos, Benedito Valadares e
o governador paulista, Lucas Nogueira Garcez, favorável a um adiamento das
eleições legislativas fixadas para 3 de outubro próximo, rogando a Juscelino
que concordasse com a idéia. Etelvino argumentava que, realizado sob o impacto
do suicídio de Vargas, o pleito poderia levar a uma votação em massa nos
candidatos do PTB, o que poderia gerar uma reação militar. Juscelino refutou
com veemência essa sugestão, a qual seria dias depois, também repudiada por
Café Filho, por considerá-la um atentado contra a instituições. Juscelino
declarou ainda que, enquanto governador de Minas Gerais, lançaria mão de todo o
poder que lhe conferia o cargo para impedir que o calendário eleitoral fosse
alterado.
As eleições foram realizadas na data prevista, apresentando
um resultado que não alterou de forma significativa a composição do Congresso.
O PSD e o PTB registraram pequenos avanços, passando respectivamente de 112
para 114 e de 51 para 56 cadeiras, enquanto a UDN perdeu dez cadeiras,
reduzindo sua representação de 84 para 74 congressistas.
Por aquela época já se tornara público que Juscelino
pretendia concorrer no ano seguinte ao pleito presidencial. No dia 12 de
outubro, Juscelino declarou em entrevista à imprensa que os debates sobre a
questão sucessória deveriam ter início logo cabendo ao PSD encabeçar as
discussões devido à sua vitória nas eleições daquele mês. Dias depois,
aceitando o convite de Café Filho, seguiu para o Rio a fim de discutir essa
questão. Durante o encontro, o presidente expôs com entusiasmo a tese levantada
por Etelvino Lins de uma união interpartidária para a escolha de um candidato
único à presidência. Juscelino, considerando que essa era a posição defendida
pelos militares que gravitavam em torno do Catete com o objetivo de impedir sua
candidatura, não se pronunciou. Ao expor em seguida a diversos líderes do PSD a
proposta do presidente, embora declarasse estar disposto a acatar a resolução
do partido qualquer que fosse ela, afirmou que, em sua opinião, os interesses
partidários deveriam ser examinados com frieza, cabendo ao PSD apresentar o
candidato de sua preferência.
Alguns
dias depois, Tancredo Neves, atendendo a solicitação feita por Osvaldo Aranha,
seguiu para Belo Horizonte com a missão de entrar em entendimentos com
Juscelino para a formação de uma aliança PTB-PSD de apoio à candidatura deste,
procurando assim enfraquecer a posição dos udenistas e militares no processo
sucessório. Apesar de acatar a idéia de imediato, Juscelino preferiu discuti-la
primeiramente com seus companheiros de partido. Embora temerosos de que os
diretorias de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul não concordassem
com uma candidatura que tivesse o apoio do PTB, os líderes pessedistas em
reunião com Amaral Peixoto acataram a idéia da aliança, comunicando essa decisão
a Osvaldo Aranha. Por essa época, Benedito Valadares, que aderira à tese do
candidato único, entrou em divergência com seus correligionários, combatendo a
candidatura Kubitschek.
Em
princípios de novembro, o PSD decidiu definitivamente indicar um candidato
próprio. O nome de Juscelino se impunha, quase sem divergências, à consideração
da liderança do partido. Entretanto, além da oposição dos udenistas e de certos
setores militares, Juscelino teria de enfrentar o problema da sucessão
estadual, pois se se candidatasse, seria obrigado a deixar o governo mineiro
dez meses antes de expirar o mandato. Como seu substituto legal era o
vice-governador Clóvis Salgado, do PR, temia-se que este fizesse uma aliança
com a UDN, o que poderia provocar a derrota do PSD no estado. Consultado pelos
pessedistas, o ex-presidente Artur Bernardes, líder máximo do PR, condicionou o
apoio de seu partido à candidatura de Juscelino ao apoio do PSD a um candidato
do PR ao governo do estado. Interessado na indicação de um pessedista para
sucedê-lo no governo, Juscelino recorreu então ao senador Artur Bernardes Filho
para que este intercedesse junto ao pai, alegando que não se decidiria a
concorrer à presidência antes que aquele assunto fosse resolvido. Bernardes
Filho prometeu discutir o problema, adiantando que, em solidariedade a
Juscelino, renunciaria à sua cadeira no Senado caso o PR se mostrasse
inflexível na gestão estadual.
Poucos dias depois, em reunião com Clóvis Salgado, à qual
estava presente Amaral Peixoto, Juscelino manifestou sua intenção de renunciar
à sua candidatura se o PR não se decidisse a apoiá-lo. Diante dessa situação,
Clóvis Salgado declarou a Juscelino que, caso seu partido indicasse candidato
próprio, ele renunciaria ao cargo de vice-governador. Em decorrência dessa
atitude e dos trabalhos desenvolvidos por Bernardes Filho, no dia 8 de
novembro, a seção mineira do PR, reunida sua comissão executiva, comunicou à
direção do PSD nacional que apoiaria o nome de Juscelino caso este fosse
indicado pelo partido.
A 19
de novembro, todos os diretórios municipais do PSD mineiro enviaram telegramas
ao senador Benedito Valadares dando-lhe poderes para indicar o nome de
Juscelino à direção nacional. A esses telegramas se juntaram memoriais de
estudantes, trabalhadores e intelectuais mineiros. Ao mesmo tempo, idêntica
mobilização se verificava no setor nacional do partido, com a maioria dos
diretórios autorizando Amaral Peixoto a proceder àquela indicação.
Em 24 de novembro, véspera da reunião do diretório nacional,
Etelvino Lins reafirmou a Juscelino sua posição de não adotar uma solução
partidária por sustentar a idéia de uma candidatura de união nacional.
Argumentou ainda que, em conversa com o líder udenista Mílton Campos, havia
proposto apresentar à UDN para apreciação uma lista tríplice composta por
Juscelino, Gustavo Capanema, líder da maioria, e Lucas Lopes, ministro da
Viação, havendo possibilidade de os udenistas entrarem em entendimento com o
PSD. No dia seguinte, pouco antes da reunião, o diretório nacional do PSD
recebeu cartas de Gustavo Capanema e de Lucas Lopes, nas quais ambos diziam não
concordar com a indicação de seus nomes, deixando sem concorrência a
candidatura Kubitschek, que foi então aprovada por 123 votos contra 36. Como
era esperado, as seções pessedistas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Pernambuco cindiram, opondo-se à candidatura Kubitschek em favor da proposta de
Etelvino Lins.
Estando o PTB já naquela época inclinado a estabelecer
aliança com o PSD e indicar João Goulart para companheiro de chapa de
Kubitschek, os dois políticos iniciaram entendimentos em princípios de
dezembro. Aguardando a efetivação de várias alianças partidárias, os
pessedistas acharam conveniente que a orientação geral da campanha não fosse
feita na sede do PSD, fundando então um comitê nacional interpartidário, cuja
direção foi entregue a Francisco Negrão de Lima.
Com
o intuito de evitar qualquer manobra por parte da oposição, Juscelino, sob o
pretexto de agradecer aos diretórios estaduais a indicação de seu nome, realizou
em duas etapas — fins de dezembro e princípios de janeiro — uma excursão aos
estados que o haviam apoiado. Antes porém de executar esse programa, fez uma
visita oficial aos ministros militares, a fim de lhes comunicar sua indicação e
seu propósito de contribuir para a manutenção da ordem no país. Na ocasião
declarou que, em sua opinião, uma luta eleitoral não poria em perigo a nação,
pois a disputa através dos votos constituía a essência dos princípios
democráticos.
Em 31 de dezembro, Juarez Távora, chefe do Gabinete Militar
da Presidência, entregou a Café Filho um documento em que as altas autoridades
militares, pronunciando-se acerca da situação nacional, apelavam por uma
colaboração interpartidária e declaravam que uma candidatura militar não encontraria
respaldo nas forças armadas, as quais consideravam conveniente o lançamento de
um candidato único e civil. Café Filho mostrou-se solidário ao manifesto dos
militares. Kubitschek, no entanto, interpretou o documento — divulgado na
íntegra em 27 de janeiro de 1955, através do programa radiofônico A Voz do
Brasil — como uma demonstração clara da oposição dos militares à sua
candidatura, proferindo, no dia seguinte, um discurso de repúdio que foi
publicado pelo jornal Correio da Manhã. Os líderes do PSD, do PTB e do Partido
Social Progressista (PSP) reagiram também ao documento, declarando que competia
exclusivamente aos partidos apresentarem os candidatos aos cargos eletivos.
Juscelino
teve sua candidatura homologada pela convenção nacional do PSD, que se reuniu
em 10 de fevereiro de 1955, recebendo 1.646 dos 1.925 votos dos convencionais.
Na ocasião, os diretórios de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
juntamente com 160 convencionais da Bahia e 26 do Distrito Federal,
recusaram-se mais uma vez a aprovar essa candidatura, lançando quatro nomes
alternativos: Etelvino Lins, Nereu Ramos, Carlos Luz e Lucas Lopes. Por essa
época, os partidários da união nacional encontravam grandes dificuldades para
lançarem um candidato de ressonância junto ao eleitorado. Os nomes mais cotados
eram os do general Juarez Távora e de Etelvino Lins, este com o apoio dos
pessedistas dissidentes. No dia 16 de fevereiro, o Partido Social Trabalhista
(PST) apoiou oficialmente a candidatura de Juscelino.
Após o lançamento oficial da candidatura de Juscelino, a
movimentação contra as eleições e a favor da intervenção dos militares
tornou-se mais evidente. Juscelino era tido como comprometido com as forças
getulistas destronadas em agosto de 1954. A grande imprensa do Rio e de São
Paulo, quase toda antigetulista, procurava convencer a opinião pública de que o
país atravessava uma situação de extrema gravidade, que só tenderia a aumentar
com a luta eleitoral. Em 6 de março, o Jornal do Comércio publicou um artigo
que apregoava a conveniência de um golpe militar no país. O líder udenista
Carlos Lacerda também voltou à carga nas páginas de seu jornal Tribuna da
Imprensa, acusando Kubitschek de “condensador da canalhice nacional” e
reivindicando uma “reforma da democracia brasileira para instaurar a legalidade
legítima”.
A
fim de desfazer os rumores oposicionistas de que, havendo um só candidato à
presidência, impunha-se uma reformulação do problema sucessório, Juscelino
procurou o líder integralista Plínio Salgado, que já manifestara o desejo de se
candidatar, convencendo-o a apressar as providências necessárias para o
lançamento de seu nome. Assim, em 21 de março, Plínio Salgado teve sua
candidatura lançada oficialmente pelo Partido de Representação Popular (PRP),
do qual era presidente.
Em
31 de março, Juscelino desincompatibilizou-se do governo de Minas Gerais. A
campanha que passou a desenvolver não era apenas em favor de sua candidatura,
mas também em favor da de Bias Fortes à sucessão estadual. Bias encontrava
grandes resistências, principalmente por parte de Benedito Valadares, que se
colocava igualmente em oposição a Juscelino.
No
dia 1º de abril Jânio Quadros abandonou o governo de São Paulo a fim de também
se desincompatibilizar para concorrer à sucessão presidencial, abdicando assim
de apoiar uma candidatura de união nacional. Nesse dia, Juarez Távora aceitou a
proposta de Afonso Arinos de Melo Franco, de ter lançada sua candidatura pela
UDN, reconsiderando assim sua posição em defesa de uma candidatura civil.
Tomando conhecimento de que Juarez estaria disposto a concorrer às eleições
mesmo que só contasse com o apoio do Partido Democrata Cristão (PDC),
representantes do Partido Libertador (PL) e do PSD dissidente resolveram também
apoiar a sua candidatura.
Ainda
no mesmo dia 1º, Jânio entrou em contato com Café Filho, afirmando estar
disposto a abrir mão de sua candidatura em prol da de Juarez em troca da
indicação do candidato à vice-presidência e de uma maior participação de São
Paulo no governo federal. Interessado nessa proposta, Café Filho estabeleceu
com Jânio as bases do acordo que ficou conhecido como “Acordo Jânio-Café”. Por
ele, Café Filho comprometia-se a conceder a São Paulo a escolha dos titulares
das pastas da Viação e Obras Públicas e da Fazenda, embora não abrisse mão da
candidatura à vice-presidência, para a qual indicava seu amigo pessoal Bento
Munhoz da Rocha, governador do Paraná. No dia 2, os três ministros militares e
as altas patentes decidiram que, diante da impossibilidade de se chegar a uma
solução de união nacional, estavam desobrigados dos compromissos assumidos
anteriormente e passavam a apoiar a candidatura Juarez. Entretanto, o
conhecimento das bases do Acordo Jânio-Café levou Juarez a desistir de sua
candidatura, principalmente por ter o presidente indicado Munhoz da Rocha sem
consulta prévia aos partidos. O acordo provocou ainda o descontentamento dos
ministros da Fazenda, Eugênio Gudin, e da Viação e Obras Públicas, Rodrigo
Otávio Jordão Ramos, bem como do presidente do Banco do Brasil, Clemente Mariani,
os quais em sinal de protesto, abandonaram seus cargos.
Já
no dia 4 de abril, em comício pronunciado em Jataí (GO), Juscelino assumiu o
compromisso de transferir a capital do país para o planalto Central caso fosse
eleito. O programa de seu governo, organizado com o auxílio de uma equipe de
técnicos, constituía o famoso Programa de Metas, que englobava todos os setores
da economia. Às 30 metas básicas acrescentava-se a construção da nova capital,
denominada “meta-síntese”. Em seus comícios, em vez de enumerar as realizações
que efetuaria durante sua gestão, Juscelino anunciava a cifra correspondente a
cada item de seu programa, em termos de alvos a serem atingidos.
Embora no dia 5 de abril Juarez tenha reconsiderado sua
atitude de renunciar à candidatura, recuou novamente horas depois. Diante das
hesitações de Juarez, no dia 6 de abril os líderes da UDN e do PSD dissidente
decidiram-se pelo lançamento da candidatura de Etelvino Lins, após exaustivos
debates em torno de uma lista tríplice da qual faziam parte também Nereu Ramos
e Carlos Luz. Em 10 de abril a comissão executiva do PSD indicou Bias Fortes
como candidato do partido à sucessão mineira (essa escolha só seria homologada,
no entanto, no dia 29 de maio). Diante do lançamento da candidatura Etelvino
Lins, Juarez, em carta de 11 de abril ao diretório nacional do PDC, tornou a
desautorizar qualquer articulação em torno de seu nome.
No
dia 13, o diretório nacional do PSD aceitou a indicação do PTB para que seu
líder, João Goulart, figurasse na chapa de Juscelino como candidato à
vice-presidente. A candidatura de ambos foi homologada pelo PTB cinco dias
depois, durante a convenção nacional do partido. Nessa ocasião, foi lida uma
carta de Luís Carlos Prestes na qual o líder do proscrito Partido Comunista
Brasileiro (PCB), então denominado Partido Comunista do Brasil, propunha uma
ação comum entre petebistas e comunistas. Por outro lado, no acordo entre
pessedistas e petebistas, ficara combinado que, caso a chapa Kubitschek-Goulart
saísse vitoriosa, o PTB indicaria dois nomes para compor o ministério.
Se, por um lado, o lançamento da candidatura Goulart aumentou
as possibilidades eleitorais da chapa devido à penetração do líder petebista
junto aos meios sindicais e às massas populares, por outro, provocou imediata
reação nos círculos antigetulistas que, considerando o ex-ministro do Trabalho
o “herdeiro político de Vargas”, alegavam que a formação da aliança PSD-PTB
colocava o país sob a ameaça do retorno ao “varguismo” e, portanto, ao “mar de
lama”.
A 26 de abril, reuniram-se a comissão executiva e o conselho
nacional do Clube da Lanterna, organização civil liderada por Carlos Lacerda
que reunia basicamente a direita udenista. O clube deu apoio a Etelvino Lins,
já que o programa eleitoral deste, com o lema “Pão e vergonha”, baseava-se em
princípios semelhantes aos seus. A convenção nacional da UDN realizou-se em 28
de abril e homologou a candidatura Etelvino Lins.
Segundo
suas declarações, Juarez Távora, receoso de que a chapa Juscelino-Goulart
pudesse vir a detonar uma crise político-militar, decidiu finalmente combatê-la
nas urnas, voltando a aceitar sua candidatura. Seu nome foi lançado pelo PDC em
11 de maio. Alguns dias mais tarde, ele próprio afirmou ter aceito sua
candidatura porque “a de Etelvino Lins não ganhava substância e sua derrota
implicaria um reexame da situação para uma solução extralegal”.
Em 17 de maio, o PTB mineiro rompeu com Clóvis Salgado,
substituto de Kubitschek no governo de Minas, em virtude da recusa do PR em
apoiar João Goulart. Por outro lado, durante a convenção nacional do Partido
Socialista Brasileiro (PSB), realizada em 29 de maio, foi homologada a
candidatura de Juarez, o mesmo ocorrendo quando da convenção nacional do PDC em
3 de junho.
Um
dos acontecimentos mais marcantes ocorridos no cenário político no mês de maio
foi a tentativa de impugnação da candidatura Kubitschek pela UDN. Os
parlamentares udenistas exigiram que Kubitschek apresentasse uma relação de
bens à Câmara, procurando com isso provar publicamente que as acusações de
corrupção contra Kubitschek eram procedentes. Quando a relação foi exibida, a
UDN considerou-a ilegítima e propôs a formação de uma comissão parlamentar de
inquérito (CPI) para investigar os bens do candidato pessedista. A comissão
chegou a ser constituída, mas o deputado Tarcilo Vieira de Melo, do PSD,
levantando a preliminar da inconstitucionalidade da CPI, impediu que esta
chegasse a funcionar.
No dia 10 de junho, os pessedistas, reunidos em convenção
nacional, ratificaram o nome de Goulart para concorrer às eleições ao lado de
Juscelino, desfazendo assim qualquer possibilidade de rompimento da aliança
PSD-PTB. Na ocasião foi discutida a possibilidade de intervenção no diretório
pernambucano, diante da resistência deste em acatar as candidaturas propostas.
Para
compor chapa com Etelvino Lins, a UDN lançou em 13 de junho o nome de Mílton
Campos para a vice-presidência. Ainda nesse mês, contudo, alguns fatos de
natureza político-partidária, vieram interferir na candidatura Etelvino Lins.
No dia 20, a Tribuna da Imprensa publicou entrevista do presidente do diretório
rio-grandense do PSD, Clóvis Pestana, onde este, embora reafirmasse seu apoio a
Etelvino, informava que recebia um “telegrama-ultimatum” do diretório nacional
do partido para que se definisse sobre a candidatura Kubitschek. No dia
seguinte à publicação dessa entrevista, a convenção regional do PSD de Santa
Catarina, presidida por Nereu Ramos, decidiu aceitar a aliança PSD-PTB para a
sucessão estadual, deixando de se opor, no plano nacional, à chapa
Kubitschek-Goulart, o que significava retirar o apoio dado anteriormente a
Etelvino Lins.
Assim, em decorrência das objeções suscitadas por sua
indicação, Etelvino Lins acabou retirando sua candidatura no dia 22 de junho.
Cinco dias depois, em entrevista a O Globo, Juarez enalteceu a decisão do
ex-governador pernambucano e pediu o apoio da UDN e dos diretórios pessedistas
dissidentes, no que seria atendido pouco depois, com exceção do diretório de
Santa Catarina.
Ainda
em junho foi homologada a candidatura de Ademar de Barros, ex-governador de São
Paulo e presidente nacional do PSP, tendo como candidato a vice o petebista
dissidente Danton Coelho. Também nesse mês o PRP confirmou a candidatura de
Plínio Salgado, sem contudo apresentar candidato a vice-presidente.
No dia 8 de julho, o Partido Libertador (PL) decidiu apoiar
oficialmente a chapa Juarez-Mílton Campos, o mesmo sucedendo dias depois com os
pessedistas dissidentes. Em represália à disposição dos diretórios do Rio
Grande do Sul e Pernambuco, o PSD nacional decretou em 15 de julho a
intervenção no diretório pernambucano, de cuja presidência foi afastado José do
Rego Maciel. O mesmo ocorreu no dia seguinte com o diretório gaúcho, com a
destituição de Clóvis Pestana.
Em 31 de julho, a convenção nacional da UDN homologou a chapa
Juarez Távora-Mílton Campos.
Encerrado o primeiro semestre de 1955, quatro chapas, com
seus respectivos suportes partidários, estavam oficialmente lançadas e aptas
para concorrer ao pleito de outubro: Juscelino Kubitschek-João Goulart,
apoiados pelo PSD, PTB, PR, PTN, PST e pelo Partido Republicano Trabalhista
(PRT); Juarez Távora-Mílton Campos, apoiados pela UDN, por dissidentes do PSD,
pelo PDC, pelo PSB e pelo PL; Ademar de Barros-Danton Coelho, apoiados pelo PSP
e por dissidentes do PTB, e Plínio Salgado, pelo PRP.
No mês de agosto dois fatos contribuíram para agravar a crise
sucessória. O primeiro consistiu no discurso pronunciado pelo general Canrobert
Pereira da Costa no Clube Militar, no dia 5, por ocasião do primeiro
aniversário da morte do major Rubens Vaz. Referindo-se ao regime de “falsidade
democrática” e de “pseudolegalidade” em que vivia o país, Canrobert lamentou o
insucesso da fórmula de união nacional. Divulgado o discurso pela imprensa,
Kubitschek apressou-se em declarar que considerava irreal aquela visão da
situação política do país, e alguns parlamentares chegaram a pedir a Café Filho
a prisão de Canrobert. O segundo evento, foi o Manifesto eleitoral do Partido
Comunista do Brasil, publicado no dia 11 no diário comunista carioca Imprensa
Popular. O documento expressava a posição oficial do partido de apoio à chapa
Kubitschek-Goulart, devido ao compromisso de ambos os candidatos de “lutar
contra o golpe em defesa da Constituição e das liberdades democráticas e pela
melhoria das condições de vida do povo”. Conclamava também a população a se
unir “para impedir... a implantação de uma ditadura militar fascista” no
Brasil. Segundo o manifesto, a vitória da aliança PTB-PSD significaria a
derrota dos generais golpistas.
O
documento comunista provocou grande irritação nos meios militares e o ministro
da Guerra, general Henrique Lott, declarou-se publicamente preocupado com o
fato de Kubitschek e Goulart aceitarem o apoio do PCB. Juscelino negou ter
entrado em entendimentos secretos com os comunistas, observando porém que um
eventual apoio ou oposição do PCB ao seu nome em nada alteraria suas idéias.
Ainda
em agosto, parlamentares udenistas, temendo que a ocorrência de fraudes no
pleito presidencial viesse a beneficiar os candidatos da aliança PSD-PTB,
propuseram a instituição de uma cédula oficial de votação, impressa pelo Estado
e portadora dos nomes dos candidatos. As cédulas seriam distribuídas pela
Justiça Eleitoral às mesas eleitorais que, por sua vez, as entregariam aos
eleitores no momento de entrar na cabina. A proposta contou com o apoio do
ministro da Justiça, José Eduardo do Prado Kelly. Embora o Senado tenha se
manifestado a favor da medida, os líderes do PSD na Câmara se opuseram
firmemente à sua adoção. No dia 16 de agosto, a maioria dos deputados votou
contra o projeto. No dia seguinte o general Lott comunicou à Câmara que as
forças armadas eram favoráveis à cédula oficial. Os partidários de Juscelino
criticaram a iniciativa do ministro da Guerra, acusando-o de atentar contra a
independência do Legislativo.
Em
artigo publicado na Tribuna da Imprensa em 19 de agosto, Carlos Lacerda propôs
uma série de medidas para que a crise política fosse resolvida. Entre elas
incluíam-se a instituição do parlamentarismo, cabendo a um chefe militar ocupar
o primeiro gabinete, o adiamento das eleições presidenciais para ao menos 1º de
janeiro de 1956, a dissolução do Congresso e a convocação, em fevereiro de
1956, de uma assembléia constituinte que votaria a nova Constituição a ser
elaborada pelo gabinete e a promulgação de nova lei eleitoral.
Em protesto, um grupo de oficiais do Exército lotados em
guarnições do Norte e Nordeste do país publicou no dia 20, no Jornal do
Comércio de Recife, o Manifesto de apoio à legalidade, repudiando as medidas
defendidas por Lacerda e acusando os chefes militares ligados à UDN de tentarem
“intranqüilizar a nação em proveito próprio”. Esses oficiais faziam parte ou
eram simpatizantes do Movimento Militar Constitucionalista (MMC), articulado no
seio do Exército no início de 1955 e com alguma penetração na Marinha e na
Aeronáutica. O objetivo do movimento era garantir o pleito de 3 de outubro e a
subseqüente posse dos candidatos eleitos.
No final de agosto, a questão da cédula eleitoral foi resolvida,
sendo acatada a solução proposta pelo ministro Edgar Costa, presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Todos os candidatos seriam relacionados numa
única cédula, que poderia ser impressa e distribuída tanto pelo governo como
pelos partidos. No dia 27, foi votada e aprovada apesar da oposição da bancada
udenista — a redação final do projeto da cédula única.
Em meados de setembro um novo episódio veio tumultuar o
cenário político. No dia 17, Lacerda publicou na Tribuna da Imprensa uma carta
datada de 5 de agosto de 1953 e dirigida a Goulart, naquela época ministro do
Trabalho. A carta, cujo suposto autor era o deputado argentino Antonio Jesus
Brandi, relatava os entendimentos secretos que Goulart teria mantido com Juan
Domingo Perón, então presidente da Argentina no sentido da implantação no
Brasil de uma república sindicalista. Revelava também a existência de
contrabando de armas argentinas para o país. Diante da gravidade dessas
denúncias, o general Lott, atendendo à solicitação de parlamentares petebistas,
ordenou a abertura de um inquérito policial militar (IPM), que foi chefiado
pelo general Emílio Maurel Filho. Os primeiros resultados da sindicância
efetuada em Buenos Aires, embora admitissem a autenticidade da denúncia, não
chegaram a pesar em termos eleitorais, por terem sido divulgados no dia exato
do pleito. Essa questão porém só seria devidamente esclarecida quando, ao final
da sindicância, a carta foi declarada forjada.
Ainda em setembro, o Congresso recusou o projeto da UDN de
emenda constitucional que transferia a eleição presidencial para a Câmara dos
Deputados caso o candidato eleito não tivesse alcançado a maioria absoluta nas
urnas, ou seja, 50% dos votos mais um. A tese de maioria absoluta já havia sido
derrotada cinco anos antes, quando a mesma UDN tentara impedir a posse de
Getúlio Vargas.
Garantidas
pelas tropas do Exército, em 3 de outubro realizaram-se as eleições, cuja
apuração foi concluída em meados do mês. Kubitschek obteve 3.077.411 votos
(correspondentes a 36% do total), Juarez Távora 2.610.462 (30%), Ademar de
Barros 2.222.725 (26%) e Plínio Salgado, o último colocado, apenas 714.379
votos (8% do total). Conquistando a vice-presidência, Goulart alcançou quase
três milhões e seiscentos mil sufrágios, registrando uma diferença superior a
duzentos mil votos sobre Mílton Campos. Danton Coelho obteve apenas um milhão e
140 mil votos. Em Minas, Bias Fortes foi eleito, derrotando o udenista Olavo
Bilac Pinto.
Logo
após a divulgação dos resultados, a UDN e seus aliados deram início a uma
batalha judiciária com o objetivo de anular as eleições e impedir a proclamação
dos candidatos eleitos, alegando a ilegitimidade dos votos dados pelos
comunistas, a ocorrência de corrupção eleitoral, principalmente em Minas
Gerais, e, mais uma vez, a inexistência de maioria absoluta. A questão do voto
comunista, que provocou maior discussão, era sustentada não apenas pela
oposição parlamentar, como pelo ministro da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo
Gomes, e pela Cruzada Brasileira Anticomunista, liderada pelo almirante Carlos
Pena Boto. Entretanto, além da impossibilidade material de se distinguir os
sufrágios dos comunistas no sistema de voto secreto, o próprio candidato da UDN
declarara à imprensa antes do pleito, que não rejeitaria aqueles votos caso lhe
fossem dados.
Liderados por Lacerda, setores udenistas passaram a pregar
abertamente a deflagração de um golpe militar. As teses udenistas encontravam
apoio entre alguns chefes militares, notadamente os ministros Eduardo Gomes e
Edmundo Jordão Amorim do Vale, da Marinha. Procurado pelo presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Gallotti, e por diversos
líderes do PSD, o presidente Café Filho afirmou seu propósito de assegurar a
posse dos candidatos legitimamente eleitos. Essa posição era defendida também
pelo general Lott, o qual declarou-se repetidas vezes contrário a qualquer
interferência das forças armadas no Judiciário.
O Movimento do 11 de Novembro
O
discurso proferido pelo coronel Jurandir de Bizarria Mamede, em nome do Clube
Militar, no dia 1º de novembro de 1955, quando do sepultamento do general
Canrobert Pereira da Costa, incitando aos chefes militares a impedirem a posse
de Kubitschek e Goulart, desencadeou grave crise político-militar. Entendendo
que o coronel Mamede havia infringido os regulamentos militares, os quais
proibiam qualquer manifestação política por parte dos oficiais, o general Lott
decidiu aplicar-lhe a devida punição. Entretanto, como Mamede pertencia, então,
aos quadros da Escola Superior de Guerra (ESG), estando portanto subordinado à
Presidência da República, tornava-se mister fazê-lo retornar ao Ministério da
Guerra.
Na manhã do dia 3 de novembro, o presidente Café Filho
adoeceu repentinamente, transmitindo cinco dias depois o governo ao seu
sucessor legal, o presidente da Câmara, Carlos Luz. Este, embora deputado pelo
PSD, defendia posições próximas às dos udenistas.
Encontrando
resistência por parte de Café Filho e de Carlos Luz quanto à adoção da
penalidade ao coronel Mamede, no dia 10 de novembro Lott pediu demissão da
pasta da Guerra, para a qual foi nomeado o general Álvaro Fiúza de Castro, que
havia aderido ao movimento golpista. Entretanto, ainda na madrugada de 11 de
novembro, Lott, com o decisivo apoio do general Odílio Denis, comandante da Zona
Militar Leste (atual I Exército), liderou um movimento para afastar Carlos Luz
da presidência, alegando que este mantinha ligações com a corrente “golpista”
liderada por Carlos Lacerda. A capital federal foi então ocupada por tropas do
Exército, levando Carlos Luz, Lacerda, e outras autoridades civis e militares a
se abrigarem no Ministério da Marinha e a embarcarem naquela manhã, no cruzador
Tamandaré com destino a Santos (SP).
Ainda
no dia 11 de novembro, o Congresso Nacional, em sessão especial, aprovou o
impedimento de Carlos Luz por 228 votos contra 81, dando posse na presidência
da República a Nereu Ramos, vice-presidente do Senado e elemento seguinte na
ordem legal de sucessão. Nesse mesmo dia Lott reassumiu suas funções no Ministério
da Guerra. O brigadeiro Vasco Alves Seco e o almirante-de-esquadra Antônio
Alves Câmara foram designados para os ministérios da Aeronáutica e da Marinha.
Diante
da possibilidade de Café Filho reassumir o mandato após se recuperar, Lott
promoveu uma reunião com os generais para discutir a questão. Na ocasião ficou
decidido que não seria conveniente o retorno de Café Filho, devido às suspeitas
de seu envolvimento nas articulações contra a posse de Juscelino Kubitschek. No
dia 20, Lott foi à clínica em que se encontrava o presidente licenciado,
transmitindo-lhe aquela decisão. Como Café Filho se mostrasse determinado a
reassumir o cargo, no dia seguinte o ministro da Guerra ordenou que o palácio
do Catete fosse cercado por tanques e tropas. Liberado nesse mesmo dia pelos
médicos, Café Filho retornou à sua residência, a qual também fora cercada por
forte aparato militar.
Na madrugada de 22 de novembro, o Congresso aprovou o
impedimento de Café Filho por 208 votos contra 109, confirmando Nereu Ramos
como presidente legal até a posse de Juscelino, em janeiro do ano seguinte. No
dia 23, a Câmara dos Deputados reuniu-se em sessão extraordinária para discutir
a solicitação feita por Nereu Ramos de ser decretado o estado de sítio no país
por 30 dias. Apesar da oposição udenista, a medida foi aprovada. No dia
seguinte, foi aprovada pelo Senado.
Em
7 de janeiro de 1956, quando Kubitschek se encontrava em visita aos Estados
Unidos, o TSE proclamou os resultados oficiais das eleições presidenciais de 3
de outubro, que praticamente ratificavam os resultados divulgados pela imprensa
e, conseqüentemente, a eleição de Juscelino e Jango. A viagem que Juscelino
efetuou aos Estados Unidos e a algumas nações européias durante o mês de
janeiro tinha por objetivo estabelecer contatos com os chefes de governo e
despertar o interesse dos capitães da indústria e do comércio daqueles países
em investir no Brasil, tendo em vista a política de desenvolvimento econômico
que pretendia instaurar durante seu mandato.
Na presidência da República
Ao
assumir a presidência da República em 31 de janeiro de 1956, Juscelino
solicitou ao Congresso a abolição do estado de sítio, no que seria logo
atendido. Interessado em conferir um cunho democrático à sua gestão, aboliria
também no dia seguinte a censura à imprensa.
Juscelino iniciou seu governo com um apoio parlamentar
maciço, em decorrência da composição de forças efetuada entre o PSD e o PTB.
Esses partidos, por sua vez, obtiveram fácil acesso ao poder através da
participação nos cargos já garantidos na campanha eleitoral: ao PTB caberia o
Ministério do Trabalho e o Ministério da Agricultura, e ao PSD, partido
majoritário, caberiam os ministérios da Fazenda, das Relações Exteriores, da
Justiça, da Viação e Obras Públicas.
O ministério instituído por Juscelino logo após a cerimônia
de posse foi composto pelos seguintes elementos: Parcifal Barroso, ministro do
Trabalho, Indústria e Comércio; Ernesto Dornelles, ministro da Agricultura;
José Carlos Macedo Soares, ministro das Relações Exteriores; José Maria Alkmin,
ministro da Fazenda; Lúcio Meira, ministro da Viação e Obras Públicas; Maurício
Medeiros, ministro da Saúde; Nereu Ramos, ministro da Justiça; Clóvis Salgado,
ministro da Educação e Cultura; almirante Antônio Alves Câmara, ministro da
Marinha; general Henrique Lott, ministro da Guerra; e major-brigadeiro Vasco
Alves Seco, ministro da Aeronáutica. A Chefia do Gabinete Civil coube a Álvaro
Lins e a do Gabinete Militar ao general Nélson de Melo.
Nessa composição, a hegemonia ao PSD mostrou-se flagrante:
dos 24 ministros civis, 16 pertenciam ao PSD e apenas seis ao PTB. Controlando
o Ministério do Trabalho, os sindicatos e institutos de previdência, o PTB
poupava o governo de tomar medidas repressivas. Enquanto Kubitschek mantinha
sob controle os líderes trabalhistas, João Goulart na vice-presidência permitia
maior liberdade nos níveis mais baixos da estrutura sindical.
Ao lado da composição partidária PSD-PTB que iria apoiar os
atos do Executivo, principalmente nas questões orçamentárias, Juscelino contava
com o suporte militar representado pelo grupo do 11 de Novembro, que garantia a
necessária estabilidade ao governo. Outro recurso de que dispunha para
implementar sua política econômica era o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB). Essa instituição, fundada em julho de 1955, foi
praticamente transformada em órgão de assessoria, apoio e sustentação à
política governamental. A ideologia apregoada pelos integrantes do ISEB,
privilegiando o desenvolvimento econômico, convergia com as proposições de
Kubitschek.
Logo
no início de seu governo Juscelino defrontou-se com séria oposição deflagrada
por oficiais da Aeronáutica que, inconformados com sua posse, pregavam a sua
deposição. Em 11 de fevereiro, o major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão
tomaram um bimotor da Força Aérea Brasileira (FAB) e rumaram para Jacareacanga,
base aérea localizada no Pará, apoderando-se durante o trajeto das bases de
Aragarças (GO), Cachimbo (PA) e Santarém (PA). Alojados em Jacareacanga,
receberam o apoio do major Paulo Vítor da Silva, que abandonou a base de Belém
para solidarizar-se com os revoltosos. Em reunião com os ministros militares,
Juscelino foi informado pelo brigadeiro Alves Seco que grande parte dos
oficiais da Aeronáutica não se mostrava disposta a obedecer às ordens do
governo. A situação agravou-se com a adesão de inúmeras guarnições da
Aeronáutica, que, solidárias com os revoltosos, recusavam-se a cumprir ordens,
considerando-se presas espontaneamente.
Diante do tumulto reinante nas bases do Rio, Salvador,
Fortaleza e Belém, Lott colocou forças do Exército de prontidão nas
proximidades das mesmas. Juscelino, no entanto, decidiu combater os revoltosos
por meio de uma expedição formada pelas três armas. Como a resistência fosse
insignificante, no dia 23 de fevereiro o reduto rebelde já havia sido cercado
por tropas governamentais. Veloso foi capturado pelas forças legalistas,
enquanto Lameirão e Paulo Vítor conseguiram se refugiar na Bolívia. No dia 29 o
levante já havia sido totalmente debelado.
Uma vez encerrado o episódio, Juscelino enviou ao Congresso
um projeto de lei concedendo anistia ampla e irrestrita a todos os civis e
militares que tivessem participado de movimentos políticos ou militares no
período de 10 de novembro de 1955 a 19 de março de 1956. Embora o projeto tenha
sido aprovado em 6 de março, a Câmara dos Deputados negaria, em maio, a
extensão da anistia aos comunistas. Por outro lado, descontente com a anistia
concedida, o brigadeiro Alves Seco demitiu-se da pasta da Aeronáutica, para a
qual foi nomeado em 20 de março o brigadeiro Henrique Fleiuss.
Em 18 de abril, Juscelino assinou, no aeroporto de Anápolis
(GO), a mensagem a ser enviada ao Congresso, juntamente com o projeto de lei
propondo a transferência da capital da República para o planalto Central.
Ainda
em abril, enquanto se encontrava em Belo Horizonte, onde fora presidir a
inauguração das novas instalações da Companhia Siderúrgica Mannesmann, eclodiu
no Rio uma revolta estudantil em decorrência da elevação dos preços das passagens
de bonde pela Light. De regresso ao Rio e disposto a sufocar de imediato a
rebelião, Juscelino nomeou o comandante do I Exército, general Odílio Denis,
governador militar da cidade. Nos dias 30 e 31 de abril, Denis tratou de isolar
a União Nacional dos Estudantes (UNE), principal foco da revolta. Apesar do
incidente com o deputado udenista Adauto Lúcio Cardoso, que foi atingido por
golpes da polícia ao tentar quebrar o cerco da UNE, o que suscitou vivos
protestos na Câmara e na imprensa, o movimento foi rapidamente debelado. No dia
seguinte, Juscelino promoveu uma reunião de apaziguamento com os líderes
estudantis.
No mês de maio, Juscelino esteve em Campina Grande (PB)
participando do Encontro dos Bispos do Nordeste, no qual foram discutidos os principais
problemas da região. No discurso de encerramento, Juscelino lançou em linhas
gerais o plano do que viria a ser, dois anos depois, a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), configurando um amplo sistema cooperativo
entre a União, os estados, os municípios e as empresas privadas, com a
finalidade de promover, através da aplicação adequada de incentivos, o
desenvolvimento daquela região.
Em 21 de julho, Juscelino participou do encontro de
presidentes americanos realizado no Panamá, quando foi assinada a Declaração de
princípios da América. Deixando o Panamá no dia 24 de julho, empreendeu visitas
ao Equador, Peru e Chile, tendo sido o primeiro presidente brasileiro a visitar
aqueles países.
Ainda
em meados de 1956, tornavam-se cada vez mais violentos os ataques dirigidos
contra o marechal Lott, que, desde o contragolpe de novembro do ano anterior,
era considerado, pela oposição, o principal obstáculo a qualquer tentativa de
desestabilização do governo. Em 10 de agosto, o deputado Raimundo Padilha
denunciou na Câmara que o ministro da Guerra estaria oferecendo postos de
comando no Exército a oficiais comunistas. Diante dos violentos ataques a Lott
efetuados pela Tribuna da Imprensa sob a orientação de Lacerda, alguns oficiais
decidiram, em 24 de agosto, apreender o jornal, cabendo ao general Augusto
Magessi Pereira, chefe de polícia do Distrito Federal, a iniciativa de impedir
sua circulação. Aproveitando esse incidente, em 1º de setembro, os comunistas
associados ao ministro Parsifal Barroso, promoveram uma homenagem dos
trabalhadores a Caxias e a Lott. O discurso de agradecimento do ministro,
exaltando o regime democrático, propiciou violenta reação por parte dos
udenistas.
Dentre os partidos que apoiavam o governo, o PTB era o alvo
mais visado pela oposição. No início de setembro, João Goulart foi acusado por
Lacerda de envolvimento em transações comerciais ilícitas, referentes a
exportações de pinho para a Argentina. Lacerda, por sua vez, foi acusado por
petebistas e pessedistas de violar o código secreto do Itamarati por se haver
apossado e divulgado um documento confidencial do Ministério das Relações
Exteriores, o que constituía crime contra a segurança nacional. A licença que
aqueles políticos então requereram para processar Lacerda, seria negada pelo
Congresso em maio do ano seguinte.
Como as atividades de Goulart se tornaram objeto de uma CPI,
os trabalhistas passaram a apregoar a decretação de uma lei de imprensa
destinada a coibir os abusos. Juscelino, aderindo à idéia, instruiu o ministro
da Justiça Nereu Ramos, para que este elaborasse um anteprojeto de lei, a ser
submetido à Associação Brasileira de Imprensa (ABI) para que os diretores dos
órgãos de imprensa o examinassem e apresentassem sugestões. Embora o jornal O
Globo tenha considerado razoável a atitude do governo, os órgãos da oposição
radical, em particular a Tribuna da Imprensa e a revista Maquis, tomaram-na
como antidemocrática. Assim, diante dos incessantes ataques, Augusto Magessi,
que, enquanto chefe de polícia, era responsável pela censura à imprensa,
resolveu, na noite de 8 para 9 de setembro, invadir a redação da Maquis,
apreender toda a edição e prender todos os que se encontravam no local. Esse
incidente levaria a um dos raros atritos ocorridos entre o Executivo e seu
“dispositivo militar”: Juscelino, preocupado em manter a imagem democrática de
seu governo, ao saber do acontecido, ordenou que fossem libertados os presos.
Em decorrência, o general Magessi renunciou a seu cargo. Substituiu-o o coronel
Felisberto Batista Teixeira, que, ao tomar posse, procedeu à imediata devolução
da revista, em obediência à determinação judicial.
A despeito da séria resistência por parte da UDN, em relação
à transferência da capital do país, o projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional.
Em 19 de setembro Juscelino sancionou a Lei nº 2.874, que fixava os limites do
futuro Distrito Federal e autorizava o governo a instituir a Companhia
Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), cuja presidência foi entregue ao
deputado federal Israel Pinheiro, do PSD de Minas Gerais.
Em fins de setembro, Juscelino decidiu substituir o general
Ernesto Dornelles no Ministério da Agricultura. Embora coubesse ao PTB indicar
o titular dessa pasta, as divergências ocorridas no seio do partido levaram
Juscelino a optar por Mário Meneghetti, cujo irmão, o governador gaúcho Ildo
Meneghetti, vinha dando apoio ao governo.
No dia 2 de outubro, acompanhado de pequena comitiva da qual
faziam parte alguns técnicos do Conselho de Desenvolvimento, Juscelino embarcou
para o planalto central a fim de conhecer o local estipulado para a construção
de Brasília. Na ocasião ficou demarcado o núcleo pioneiro que serviria de apoio
às obras, bem como o local onde seria erguido o palácio presidencial. Poucos
dias depois daquela viagem, foi estabelecido o prazo de três anos e dez meses
para a construção da nova capital. Com o objetivo de propiciar um alojamento
para o presidente durante suas viagens de inspeção às obras, um grupo de
amigos, através de financiamento obtido no Banco de Minas Gerais, empreendeu a
construção de uma residência de madeira, que ficaria conhecida como
“Catetinho”.
Ainda
em outubro de 1956, foi baixada portaria do Ministério da Viação relativa à
censura ao rádio e à televisão, reavivando-se assim o projeto de lei de
imprensa, o qual, entretanto, paralisado na Câmara, nunca seria aprovado.
Tomando
conhecimento de que uma grande homenagem iria ser prestada a Lott por líderes
trabalhistas e integrantes da Frente de Novembro — movimento composto por civis
e militares de oposição à organização lacerdista Clube da Lanterna — por
ocasião do primeiro aniversário do Movimento do 11 de Novembro, com a entrega
de uma espada de ouro ao ministro como símbolo da legalidade, Juscelino, além
de alertar os ministros militares quanto à necessidade de preservação da ordem
interna, enviou emissários a Lott no intuito de convencê-lo a não aceitar tal
homenagem. Lott, no entanto, mostrou-se irredutível em seu propósito de
participar da manifestação.
Ante a atitude de alguns militares que compareceram à
cerimônia, desobedecendo ordens de seus superiores, e ante o conseqüente
agravamento da crise militar, em 21 de novembro Juscelino enviou uma mensagem
aos ministros militares proibindo a todos os oficiais, da ativa ou da reserva,
de fazerem qualquer pronunciamento político. No dia seguinte, em represália à
determinação do governo, Juarez Távora concedeu entrevista à imprensa
questionando a autoridade moral do presidente para impor aquela medida, em
alusão ao Movimento do 11 de Novembro. Logo depois, Juscelino foi informado de
que grande número de oficiais estava solidário com Juarez e que, se lhe fosse
imposta alguma punição, uma grave crise eclodiria no Exército.
No dia 23, o ministro Alves Câmara anunciou a Juscelino que o
almirantado, naquela manhã, havia redigido um memorial advertindo o governo
sobre a ameaça que os novembristas — acusados de associação com os comunistas —
poderiam representar para o país. Considerando tal documento uma atitude de
indisciplina, Juscelino rogou ao ministro que o destruísse de imediato, pois,
caso contrário, ordenaria a prisão de todo o almirantado. Naquele mesmo dia, à
tarde, o ministro informou que o documento inicial do almirantado havia sido
modificado, esperando a aprovação do presidente. Este, não concordando com o
novo texto, sugeriu que fosse redigido pelo governo e, depois, submetido à
aprovação do almirantado. A nota elaborada pelo governo foi aceita pelos
oficiais e, em seguida, enviada aos jornais.
Com
o objetivo de amenizar o quadro político, Juscelino decidiu, ainda no dia 23,
extinguir os principais focos de agitação: decretou o fechamento da Frente de
Novembro e do Clube da Lanterna, solicitando a Lott que providenciasse a prisão
imediata do general Juarez Távora, em decorrência do discurso que este
proferira na véspera. Diante do clima de tensão decorrente desses últimos
acontecimentos, Lott anunciou, no mesmo dia 23, sua demissão da pasta da
Guerra, sendo porém logo demovido desse intento pelo advogado Heráclito Sobral
Pinto. Este último argumentou que a extinção das duas organizações, bem como
sua permanência no ministério, constituíam medidas necessárias para a garantia
da ordem.
Em
fins de 1956, atendendo a reivindicação da Marinha e da Aeronáutica, Juscelino
autorizou a compra do porta-aviões Minas Gerais, fabricado na Inglaterra. O
fato suscitou grave crise entre as duas armas, pois a Marinha, apesar dos
fortes protestos da Aeronáutica, reivindicava controle da aviação embarcada no
porta-aviões. A questão iria estender-se por governos posteriores, só sendo
resolvida em agosto de 1964 pelo presidente Humberto Castelo Branco, que
garantiu à Aeronáutica a posse das aeronaves embarcadas.
Também no final de 1956, o recrudescimento no cenário mundial
da chamada guerra fria e o interesse norte-americano em ampliar suas
instalações defensivas contra a URSS fizeram com que o embaixador dos EUA no
Brasil, Ellis Briggs, em nome de seu país, solicitasse permissão ao governo
brasileiro, no sentido de ser instalada em Pernambuco uma estação de rastreamento
de foguetes. Kubitschek submeteu o assunto aos ministros militares, os quais
vetaram o local escolhido, sugerindo o território de Fernando de Noronha. Além
disso, exigiram especificações sobre a natureza e o uso dos equipamentos a
serem instalados, um esquema dos trabalhos a serem efetuados, bem como a
presença de oficiais brasileiros em todos os setores da base. Embora Eisenhower
tenha se oposto a essas exigências, alegando o caráter sigiloso das operações,
o governo brasileiro insistiu em manter sua posição. Em 17 de dezembro foi
assinado o acordo que tinha por base os termos e resoluções do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca, de 1947, e do Acordo de Assistência
Militar, de 1952. O governo norte-americano aquiesceu quanto à presença de oficiais
brasileiros nos setores da base, reservando-se porém o direito de manter em
segredo vários aspectos importantes do plano de operação. O Brasil recebeu pela
concessão cerca de cem milhões de dólares em armamentos, muitos dos quais
obsoletos.
Em março de 1957, em concurso organizado por Oscar Niemeyer,
foi aprovado o plano-piloto de autoria do urbanista Lúcio Costa para a
construção de Brasília.
Em
maio de 1957, os agricultores de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, que, antes
mesmo do governo Kubitschek, achavam-se descontentes com o chamado “confisco
cambial” imposto à comercialização do café, passaram a reclamar de forma
organizada contra aquela medida, que carreava grande parte dos recursos
provenientes da lavoura cafeeira de modo a garantir as altas taxas de
importação exigidas para a aceleração do processo de industrialização do país.
Jânio Quadros, solidário com os agricultores, incentivou a decisão destes de
promover a Marcha da Produção, movimento contestatório pela abolição do
“confisco” que culminaria com o deslocamento de milhares de agricultores até as
portas do Catete. Os udenistas, aproximando-se também dos agricultores,
passaram a reivindicar a reforma cambial. Embora ciente de que a passeata
estava marcada para o dia 18 de junho, Juscelino decidiu não ceder às
exigências dos cafeicultores. A Marcha da Produção não se realizou na data
estipulada devido aos desentendimentos ocorridos entre seus líderes e também ao
fato de ter o governador de São Paulo considerado prudente recuar naquela ocasião.
O confisco cambial foi assim mantido.
Em junho de 1957 o presidente de Portugal, Francisco Craveiro
Lopes, visitou o Brasil, estabelecendo com Juscelino, na ocasião, o Tratado de
Amizade e Consulta entre Brasil e Portugal.
Em julho, o brigadeiro Henrique Fleiuss, em divergência com
oficiais de sua arma, abandonou a pasta da Aeronáutica, que passou a ser
ocupada pelo brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.
Em 1º de outubro, foi assinada a lei que fixava a data de 21
de abril de 1960 para a mudança da capital da República.
Por
essa época, Jânio Quadros manifestou desejo de renunciar ao governo de São
Paulo, alegando motivos de saúde. Ponderando sobre as repercussões negativas
que aquele ato poderia desencadear, Juscelino conseguiu demovê-lo da idéia.
Autorizou também, na ocasião, a assinatura de vários contratos entre o governo
paulista e o Departamento Nacional de Endemias Rurais, que o governador
considerava de suma importância para o estado.
Ainda em 1957, depois de pleitear empréstimos junto ao Fundo
Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), conhecido como Banco Mundial, Alkmin propôs o
reatamento das relações comerciais com a União Soviética, tendo em vista,
sobretudo, o interesse na venda do café. Todavia, o ministro da Guerra, general
Lott, opôs-se resolutamente à medida, alegando motivo de segurança nacional.
Em 4 de novembro, Nereu Ramos, diante das dificuldades que
encontrara para encaminhar uma revisão constitucional, abandonou a pasta da
Justiça, na qual foi substituído no mesmo dia por Eurico de Aguiar Sales.
Em
29 de março de 1958, foram assinadas as chamadas Notas Reversais, atualizando o
Tratado de Roboré que, assinado em 1938 pela Bolívia e o Brasil, autorizava
este último a explorar o petróleo boliviano. Na elaboração dessas notas, a
posição acatada foi a do coronel Alexínio Bittencourt, presidente do Conselho
Nacional do Petróleo, que defendia a exploração do petróleo boliviano por
grupos privados nacionais com o apoio da Petrobras, contrapondo-se ao coronel
Janari Nunes, presidente dessa empresa estatal, que exigia exclusividade na
execução da tarefa. Ainda em relação às Notas Reversais, em novembro de 1958 o
coronel Bittencourt viria a denunciar a gestão de Roberto Campos à frente do
BNDE, por forçar as empresas brasileiras interessadas na exploração do petróleo
boliviano a receberem financiamento da Pan-American Land Oil & Royalty Co.,
sob condições que implicavam sua completa desnacionalização. Instituída uma CPI
para verificar o caso, ficariam comprovadas as denúncias contra Roberto Campos,
que seria forçado a se demitir. O acordo de Roboré e as notas reversais foram
muito combatidos pelas forças nacionalistas, que neles viam uma cunha contra o
monopólio estatal. Eles nunca foram implementados, contudo, e o Brasil não
chegou a explorar o petróleo boliviano.
Ainda
em março de 1958, uma terrível seca assolou o Nordeste. Juscelino logo instruiu
Lúcio Meira no sentido de aproveitar o maior número possível de flagelados nas
obras em execução na região, determinando também aos órgãos federais
responsáveis pelo abastecimento de gêneros alimentícios que enviassem víveres
para as zonas mais atingidas. Aproveitando a vinda dos governadores dos estados
do Nordeste ao Rio em busca de auxílio do governo federal, Juscelino convocou
uma reunião no palácio Rio Negro, em Petrópolis, à qual compareceram
autoridades do clero e parlamentares nordestinos. Durante o encontro, Juscelino
anunciou seu objetivo de criar uma comissão para coordenar o auxílio ao
Nordeste, constituída pelos ministros da Fazenda, do Trabalho, da Saúde e da
Viação e presidida por este último. Solicitou a Lúcio Meira pouco depois que
seguisse para o Nordeste a fim de verificar quais as iniciativas que vinham
sendo tomadas pelos governos estaduais.
Devido ao estado de emergência configurado, Kubitschek
seguiu, em 17 de abril, para o interior do Ceará, não só para avaliar a
gravidade da situação, como para visitar as obras do açude de Araras,
regressando três dias depois. Por essa época, já havia um grupo de trabalho
composto por vários técnicos, entre os quais Israel Klabin, Luís Carlos Mancini
e Celso Furtado, funcionando no BNDE com a incumbência de estudar as medidas a
serem tomadas para solucionar os problemas do Nordeste. Considerando a
necessidade da implantação da industrialização e da agricultura irrigada na
região, o governo se propôs a criar a infra-estrutura necessária. A
industrialização seria, no entanto, muito mais contemplada do que a
agricultura.
Ainda na segunda quinzena de abril de 1958, Ernâni Amaral
Peixoto, embaixador do Brasil nos EUA, foi chamado a Washington para esclarecer
a crescente tendência do Brasil em reatar as relações comerciais com a União
Soviética e para lá escoar o excedente de café. Nessa época estava em jogo a
decisão do FMI sobre um empréstimo do Export-Import Bank (Eximbank) pleiteado
pelo governo Kubitschek para manter o fluxo das importações brasileiras, em
decorrência da crise de divisas por que passava o país. Também em abril de
1958, o presidente da Argentina, Arturo Frondizzi, visitou o Brasil.
Interessado em construir a rodovia Belém-Brasília, Juscelino
procedeu, em 15 de maio, à formação de um órgão coordenador daquela obra, a
Rodobrás, nomeando para supervisioná-la Bernardo Saião. Também em maio de 1958,
Armando Falcão foi eleito líder da maioria na Câmara, substituindo Vieira de
Melo.
No
dia 9 de junho, chegou ao Rio o subsecretário do governo norte-americano, Roy
Rubottom, com o objetivo de transmitir a concordância de Eisenhower em auxiliar
os países da América Latina através de um programa de desenvolvimento econômico
multilateral, a Operação Pan-Americana (OPA), a qual fora proposta por
Juscelino. Entre os assuntos que Rubottom discutiu com Kubitschek,
destacaram-se os referentes às medidas de repressão ao comunismo a serem
incrementadas. Em conferência pronunciada no Estado-Maior das Forças Armadas
(EMFA), Kubitschek afirmou que a OPA, além de estabelecer a cooperação com os
EUA em termos de auxílio técnico e financeiro aos países da América Latina,
constituía uma estratégia de defesa do continente. Segundo Maria Vitória
Benevides, como os militares, desde a assinatura do Acordo Militar
Brasil-Estados Unidos em 1952, contavam com a cooperação norte-americana para a
obtenção de material bélico, não puderam manter uma posição nacionalista
exaltada em relação àquele país. Além disso, no Grupo de Estudos Econômicos da
OPA havia representantes do EMFA e dos ministérios militares.
Ainda em junho, no dia 21, alegando, o desejo de se
desincompatibilizar para concorrer às eleições legislativas de outubro próximo
— mas na verdade desgastado pelas dificuldades em obter financiamentos no
exterior Alkmin pediu demissão do Ministério da Fazenda. Substituiu-o quatro
dias depois Lucas Lopes, que passou a presidência do BNDE a Roberto Campos.
Como
em junho esgotava-se o prazo previsto pela Lei Eleitoral para a
desincompatibilização dos candidatos que iriam concorrer às eleições, ocorreram
substituições em outras pastas do ministério. Parsifal Barroso passou a pasta
do Trabalho a Fernando Nóbrega, Maurício Medeiros entregou a pasta da Saúde a
Mário Pinotti e Eurico de Aguiar Sales transmitiu o Ministério da Justiça a
Carlos Cirilo Júnior. Essa reformulação ministerial foi encarada por muitos analistas
como o aniquilamento do chamado “governo de novembro”. Entre todas, era
enfatizada a saída de Alkmin, o “general civil do Movimento do 11 de Novembro
de 1955”, substituído por um técnico.
Divergindo das diligências efetuadas em torno da OPA, Macedo
Soares abandonou também em 4 de julho a pasta das Relações Exteriores, para a
qual foi nomeado, ainda naquele dia, Francisco Negrão de Lima, até então
prefeito do Distrito Federal. A coordenação da OPA foi entregue a Augusto
Frederico Schmidt. Embora os resultados imediatos obtidos tenham sido
praticamente nulos, a ideologia expressa nesse momento seria consagrada, mais
tarde, ao ser implementada a Aliança para o Progresso.
Nos
primeiros dias de agosto de 1958, John Foster Dulles, secretário de Estado
norte-americano, fez uma visita ao Brasil. Afora os protestos da UNE, não houve
maiores manifestações populares, em virtude do reforçado esquema policial
ordenado pelo governo. Nas conversações entre Dulles e Kubitschek, foi
evidenciado que, embora o governo norte-americano desejasse proceder a
reformulações na OPA, o interesse prioritário dos EUA era reprimir o comunismo.
Para tanto, Dulles solicitou ao governo brasileiro a oficialização da presença
da Central Intelligence Agency (CIA) no país.
Com o falecimento do ministro da Marinha Antônio Alves Câmara
em 14 de agosto de 1958, a pasta passou a ser ocupada, a partir do dia 19, pelo
almirante Jorge do Paço Matoso Maia.
Em outubro, em virtude da crescente deterioração dos preços
do café, ressurgiu a idéia da Marcha da Produção. Jânio Quadros, ainda
solidário com o movimento, veio ao Rio a fim de discutir o problema com
Juscelino e Lucas Lopes, trazendo um documento reivindicatório dos
agricultores. Como a situação financeira do país estivesse muito precária tendo
em vista a questão do déficit orçamentário, a política cafeeira empreendida por
Juscelino fora a de estimular a produção destinada à exportação, criando, para
tanto, um grupo de trabalho no Conselho de Desenvolvimento. Lucas Lopes, por sua
vez, fazia restrições à política vigente de retenção do café por considerá-la
inflacionária. Entretanto, como a filosofia oficial era de proceder ao
desenvolvimento acelerado, mesmo que este acarretasse o processo inflacionário,
o governo propôs um preço mais baixo para a compra do produto. Por outro lado,
tratou de aumentar o câmbio de custo para a importação de gasolina, trigo e
outros produtos de primeira necessidade. Essa medida, tomada nos primeiros dias
da administração Lucas Lopes, além de refletir de maneira negativa sobre o
custo de vida, provocara agitação na lavoura cafeeira, notadamente entre os
produtores do Paraná e São Paulo, os primeiros liderados pelo senador Nélson
Maculan e os últimos por Jânio Quadros, de forma menos ostensiva.
Como a situação se agravava a cada dia no setor agrícola,
Juscelino enviou Lucas Lopes a São Paulo a fim de convencer Jânio da
inconveniência de ser rearticulada a Marcha da Produção. As conversações com o
governo de São Paulo não obtiveram êxito e Juscelino solicitou a Lott que
tomasse as providências necessárias para impedir a manifestação. Segundo Maria
Vitória Benevides, o governo susteve o movimento pela pronta intervenção do
Exército, passando por cima das autoridades e polícias estaduais.
Os
resultados das eleições de outubro de 1958 não alteraram a composição das
forças que compunham o cenário político. O PSD conservou a mesma bancada na
Câmara e no Senado, a UDN, embora melhorando sua situação no Senado, manteve
nível anterior na Câmara e o PTB caiu para o terceiro lugar na representação no
Senado, mas equiparou-se à UDN na Câmara. Ainda em outubro, o jornal Diário de
Notícias foi enquadrado na Lei de Defesa do Estado (de 18/12/1950), por haver
publicado carta de brigadeiros em oposição ao ministro da Guerra. A medida
recebeu amplo apoio do chefe de polícia, coronel Amauri Kruel.
Segundo
Juscelino, como os debates entre os integrantes do grupo de trabalho
responsável pela política desenvolvimentista a ser implantada no Nordeste não
progrediam com a devida rapidez, devido principalmente às interferências de
Aluísio Alves, que fora eleito governador do Rio Grande do Norte, ele propôs,
em fins de 1958, uma reunião com os governadores da região. Durante o encontro,
expôs as linhas centrais da mensagem que enviara ao Congresso em fevereiro,
sugerindo a criação de um órgão centralizador capaz de promover o
desenvolvimento do Nordeste. Por essa época, um grupo de técnicos, por sugestão
de Sete Câmara, já cogitava na utilização de incentivos fiscais para canalizar recursos
para a região. Em abril do ano seguinte seria criado o Conselho de
Desenvolvimento do Nordeste (Codeno), órgão que daria origem à Sudene, criada
afinal em 15 de dezembro de 1959.
Em
novembro de 1958, em virtude de viagem empreendida pelo ministro Correia de
Melo, Lott passou a ocupar, interinamente, a pasta da Aeronáutica, acumulando-a
com a da Guerra. Durante a cerimônia de posse à qual deixaram de comparecer 12
brigadeiros, Ivo Borges manifestou franca oposição à Lott, sendo, por este
motivo, demitido da Inspetoria Geral da FAB. Quatro dias mais tarde, por
ocasião da formatura de uma turma da Escola de Comando da Escola Maior da
Aeronáutica, ocorreu outra manifestação de indisciplina. Lott puniu igualmente
os manifestantes. Em face da agitação que esses incidentes provocaram no seio
das forças armadas, o general Osvaldo Cordeiro de Farias, em reunião com o
presidente, salientou que a presença de Lott no Ministério da Guerra era
incompatível com a política de pacificação apregoada pelo governo. Juscelino,
no entanto, mostrou-se irredutível quanto à permanência de Lott naquela pasta.
Em
fins de 1958, contrária à transferência da capital da República, a UDN tomou
iniciativas para adiar o evento. Carlos Lacerda requereu uma CPI que intimava
os diretores da Novacap e todos os empreiteiros das obras a prestarem
depoimento, alegando irregularidades na construção de Brasília. Ante a
anunciada adesão do PTB, o qual sentia-se enfraquecido na composição
parlamentar, Kubitschek advertiu Goulart de que o governo romperia com o
partido caso este endossasse a proposta udenista. Goulart ordenou então a seus
partidários que não assinassem o requerimento para a convocação da CPI, a qual
não foi instalada na época por não ter obtido o apoio parlamentar necessário.
Entretanto, as forças que apoiavam o governo comprometeram-se a adiar a CPI até
a inauguração da nova capital.
Em março de 1959 o Comitê dos 21 organização formada em
janeiro por representantes dos países que aderiram à OPA — aprovou o sistema de
quotas para a importação do café, imposto pelos EUA com o intuito de
estabilizar os preços do produto, e a criação do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). Na ocasião, o governo norte-americano prometeu apoiar a
criação de um mercado comum latino-americano.
Quanto ao cenário político, ainda em março de 1959, em meio
aos debates acerca da sucessão presidencial a ser disputada em outubro do ano
seguinte, Goulart sugeriu a Kubitschek a idéia do continuísmo, alegando que
Lott, possível candidato do governo, não teria respaldo popular, e que Jânio
Quadros, também provável candidato, colocaria sob ameaça, caso fosse eleito, o
futuro do país. A proposta de uma emenda constitucional para permitir a
reeleição do presidente, que já havia sido sugerida por alguns pessedistas, foi
rejeitada por Juscelino.
Em
abril, sem contar ainda com qualquer apoio partidário, Jânio iniciou sua
campanha à sucessão presidencial. Quanto a Lott, embora já houvesse solicitado
transferência para a reserva desde janeiro, com o intuito de também concorrer
às eleições, teve seu pedido indeferido por Juscelino, o qual considerava
imprescindível o apoio militar conferido pelo ministro ao governo. Lott
permaneceria assim à frente do ministério da Guerra por algum tempo mais.
Em maio de 1959 realizou-se em Natal o II Encontro dos Bispos
do Nordeste. Durante o evento, foi enfatizada a necessidade de se instalar a
linha de transmissão energética da usina de Paulo Afonso, situada no rio São
Francisco, até Natal, e de se construir a barragem de Boa Esperança no rio
Parnaíba.
Também em maio, o primeiro-ministro cubano Fidel Castro, que
acabara de liderar a revolução vitoriosa em seu país, veio ao Brasil,
visitando, na ocasião, as obras de construção de Brasília.
No dia 17 de junho tornou-se público o rompimento de
Juscelino com o FMI, provocado pela recusa do governo brasileiro em ceder às
exigências do órgão para a concessão de financiamentos. A população do Rio,
através de suas organizações de classe, compareceu em massa ao Catete, em
atitude de solidariedade ao presidente, portando faixas e cartazes em favor do
estabelecimento das relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética e a
China Popular.
Por outro lado, opondo-se à atitude firmada por Juscelino,
Lucas Lopes exonerou-se do Ministério da Fazenda no dia 3 de julho. No dia
seguinte foi nomeado para aquela pasta Sebastião Pais de Almeida, que até então
ocupava a presidência do Banco do Brasil e foi substituído por Maurício
Bicalho.
Ainda em junho de 1959, por iniciativa da UDN, foi organizada
na Câmara uma CPI para apurar os atos de corrupção que estariam sendo
praticados por elementos do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP),
dirigido pelo general Amauri Kruel. A UDN, centralizando seus ataques em Kruel,
desencadeou grave crise política. Em decorrência do incidente entre o deputado
Geraldo de Meneses Cortes, líder da UDN, e Kruel, o qual, ao ser atingido por
insultos, agrediu fisicamente o parlamentar, Lott, enquanto porta-voz do
governo, solicitou ao general que se exonerasse do cargo. Com a demissão de
Kruel, no mesmo mês a CPI foi desativada.
Em julho, ainda em meio à celeuma decorrente da ruptura do
governo com o FMI, Válter Moreira Sales foi nomeado embaixador do Brasil em
Washington. Ernâni Amaral Peixoto, que exercia essas funções, assumiu no dia 28
o Ministério da Viação e Obras Públicas em substituição a Lúcio Meira. Este,
por sua vez, com a exoneração de Roberto Campos da presidência do BNDE ainda
naquele mês, passou a ocupar seu lugar.
O poder da aliança PSD-PTB, que funcionava como bloco de
apoio para a implementação do programa desenvolvimentista de Juscelino e
possuía a variante PCB aliada ao PTB na área sindical, começou a ser seriamente
ameaçado quando as correntes sindicais janistas passaram a se impor como força
em âmbito nacional. No segundo semestre de 1959, formou-se o chamado Movimento
Jan-Jan organizado para promover as candidaturas de Jânio e João (Jango)
Goulart à presidência e à vice-presidência da República. Paralelamente, a
aliança PSD-PTB passou a ser eclipsada pela atuação dos grupos
interpartidários: a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e a Ação Democrática
Parlamentar. O primeiro, criado em 1957, constituía um grupo de pressão com uma
plataforma “nacionalista”, que condenava o imperialismo em geral e o capital estrangeiro
em particular, principalmente em relação ao petróleo e à remessa de lucros. A
Ação Democrática Parlamentar, segundo denúncias de alguns grupos, estaria sendo
financiada pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entidade
criada em 1959 com ligações com a CIA (o que seria confirmado posteriormente) e
reunia grupos ultraconservadores, incluindo a ala que permanecia “golpista” na
UDN.
Dentro do panorama sucessório, Jânio, em virtude do prestígio
obtido em sua gestão no governo de São Paulo, era o candidato de maior cotação
popular, apresentando-se de início desvinculado de qualquer compromisso
partidário. O nome de Ademar de Barros, então prefeito de São Paulo, era também
cogitado para a presidência da República.
Embora a candidatura do marechal Lott fosse se consolidando
no seio do PSD, o PTB omitia seu apoio alegando a fraqueza eleitoral do
ministro. Por outro lado, mesmo com a dissidência chefiada por Fernando
Ferrari, o PTB aspirava à reeleição de Goulart à vice-presidência. Pouco antes da
candidatura Lott ser articulada, Juscelino cogitou em articular a do udenista
Juraci Magalhães como forma de romper o rodízio PSD-PTB, mas logo recuou dessa
idéia. Segundo Maria Vitória Benevides, Juscelino, ao manifestar-se favorável
àquela candidatura, pretendia quebrar o combate sistemático da UDN contra seu
governo, “prevendo sua própria situação política após o término do mandato e
sua — tida como certa — reeleição em 1965”.
Ainda em meados de 1959, durante a ausência de Goulart, que
seguira para Genebra como chefe da delegação brasileira à Conferência
Internacional do Trabalho, Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul,
assumindo interinamente a presidência do PTB, tentou promover, em associação
com o Pacto de Unidade Intersindical, a mobilização dos trabalhadores e a
deflagração de numerosas greves, reivindicando a retirada da candidatura Lott
em prol de um candidato “popular e nacionalista”. Ao regressar da viagem,
Goulart, em conversa com o presidente, prometeu apresentar em breve a definição
de seu partido ante as candidaturas. Logo em seguida, sem comunicar a Juscelino
embarcou para o Rio Grande do Sul a fim de discutir o assunto com Brizola.
Paralelamente, ocorreu na praça da Sé, em São Paulo, o “Comício do Feijão”,
manifestação de protesto contra a política econômica do governo, promovida pelo
Pacto de Unidade Intersindical.
Em reunião ministerial convocada por Juscelino foi elaborada
uma nota esclarecendo a opinião pública sobre as agitações que perturbavam a
ordem. Na ocasião, os ministros militares, o do Trabalho e o da Justiça foram
incumbidos de coordenar um plano de prevenção e repressão dos movimentos
contestatórios. Apesar da nota oficial omitir nomes, a imprensa identificou
Goulart e Brizola como os principais conspiradores contra a ordem pública. Ao
retornar do Rio Grande do Sul, Goulart refutou as acusações que lhe eram
feitas, anunciando a adesão do PTB à candidatura Lott. Solicitou então um
comunicado oficial em repúdio àquelas denúncias, comprometendo-se, em
contrapartida, a fazer numerosas declarações a favor da legalidade. Assim, em
fins de 1959, Lott impunha-se, no quadro sucessório, como candidato
situacionista com o apoio do PSD, do PTB, do PR e a Frente Parlamentar
Nacionalista. Porém, os diretórios petebistas de Mato Grosso, Rio Grande do
Sul, Pará e Santa Catarina cindiram com a direção nacional do partido.
Durante
a convenção da UDN, em 8 de novembro de 1959, Jânio foi lançado como candidato
do partido às eleições presidenciais, obtendo 205 votos contra 85 dados a
Juraci Magalhães. Entretanto, no dia 25 daquele mês, Jânio renunciou à sua
candidatura. Esse fato, assim como a suspeita de uma conspiração de esquerda, a
ser liderada por Brizola, desencadeou, em 3 de dezembro, nova revolta na
Aeronáutica. Os rebeldes se apossaram de Aragarças — base aérea situada em
Goiás sob a chefia do tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier e do major
Haroldo Veloso. Juscelino, ao tomar conhecimento dos fatos, convocou os
ministros militares a fim de abafar de imediato aquele movimento. Os
revoltosos, no entanto, ofereciam pouca resistência. Após desembarcarem em
Aragarças, transferiram-se para Cachimbo e, em seguida, exilaram-se em
Assunção, no Paraguai. A agitação iria arrefecer completamente dois dias
depois, quando Jânio Quadros, reconsiderando a atitude tomada, aquiesceu em
manter sua candidatura.
O anteprojeto de lei para a criação da Sudene teve difícil
tramitação no Congresso. Além da resistência quanto à nomeação de Celso Furtado
para aquela superintendência por não constituir elemento representativo das
oligarquias regionais, ocorreram tentativas de esfacelamento do plano, de forma
a serem preservadas as tradicionais áreas de domínio político. Foi nesse
sentido que Argemiro Figueiredo, relator da matéria no Senado, propôs com êxito
que o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS) fosse desmembrado da
Sudene. Apesar desses obstáculos, a lei que instituiu a Sudene foi sancionada
por Juscelino em 15 de dezembro de 1959. Este órgão, dotado de recursos
próprios e diretamente subordinado à Presidência, tinha por objetivo promover o
desenvolvimento do Nordeste, sendo a industrialização da área uma das
principais propostas para a absorção do amplo contingente de mão-de-obra
nordestina em condição de desemprego. Para a instituição da Sudene foi
instituído o sistema de incentivos fiscais, tendo em vista canalizar capitais
para aquela região.
Foi crescente a participação militar na vida nacional no
período. A criação do Serviço Agropecuário (Seape), que visava incrementar a
produção agrícola, foi iniciativa do Exército, sendo amplamente criticada pela
oposição como medida “intervencionista”. Também nos cursos e seminários
promovidos pelo ISEB, foi flagrante a presença de oficiais do EMFA. A Escola
Superior de Guerra (ESG), de grande importância na época, foi ampliada com a
criação dos cursos de imobilização nacional e de informação.
Em janeiro de 1960, esteve no Brasil o presidente do México,
Adolfo Lopez Mateos. Embora, a princípio, o México tenha sido o único país da
América Latina a receber com reservas a OPA, reformulou sua posição após
conversações entre Mateos e Kubitschek.
Ainda
em janeiro, em conversações efetuadas entre o comandante do I Exército, Odílio
Denis, e Lott, ficou estabelecido que o ministro anteciparia sua saída da pasta
da Guerra — o prazo para a desincompatibilização era abril de 1960 — a fim de
que o primeiro, cuja permanência na ativa deveria se encerrar por aquela época,
pudesse logo substituí-lo no cargo. Entretanto, como os petebistas, liderados
por Brizola e Goulart, retardavam a realização da convenção do partido, visando
assim pressionar o governo a aprovar alguns projetos de cunho trabalhista, Lott
declarou, poucos dias depois, que só abandonaria a pasta que ocupava após o PTB
homologar sua candidatura.
Diante
da agitação gerada pela decisão de Lott, bem como da resistência do governo em
ceder às reivindicações feitas, o PTB fixou a convenção para 17 de janeiro.
Durante a convenção o PTB homologou a candidatura de Goulart à vice-presidência
para compor chapa com Lott. Embora anteriormente alguns líderes houvessem
manifestado preferência na indicação de Osvaldo Aranha para aquele cargo, a
questão deixou de ser debatida com o falecimento deste poucos dias depois
(27/1/1960). No dia 12 do mês seguinte, Lott foi substituído no Ministério da
Guerra por Denis, o qual nomeou Orlando Geisel para chefiar seu gabinete.
Nos
primeiros dias de fevereiro de 1960, em reunião com os governadores dos estados
e territórios da região Norte, Juscelino anunciou o início da colonização das
margens da rodovia Belém — Brasília e, propôs a construção da Brasllia — Acre,
providenciando, em seguida, a criação de uma comissão no DNER para proceder a
este empreendimento, o qual seria concluído em dezembro. Durante o encontro,
Juscelino anunciou ter entrado em contatos com o Serviço de Proteção aos
Índios, visando incrementar as culturas de seringais, castanhas e outras
lavouras para promover a integração das tribos que habitavam a região.
No
dia 23 chegou ao Brasil o presidente Eisenhower que, em decorrência da vitória
da Revolução Cubana (1/1/1959), procedia ao fortalecimento da política de
aproximação dos EUA com a América Latina. Em meio às conversações, o presidente
norte-americano questionou Kubitschek sobre o interesse do governo brasileiro
em reatar, em novas bases, as relações com o FMI. Juscelino acatou a proposta
e, após o regresso de Eisenhower, o embaixador Válter Moreira Sales seguiu para
Washington a fim de reabrir as negociações com o FMI que, em maio, concederia
volumoso empréstimo ao Brasil. Em decorrência da viagem feita à América Latina,
Eisenhower consentiu com o plano de criação do Fundo de Progresso Social, que
seria apresentado em setembro em Bogotá, na reunião do Comitê dos 21.
Diante da tensão reinante no cenário político, reforçada pela
insistência das Ligas Camponesas — movimento reivindicatório dos trabalhadores
rurais sob a liderança de Francisco Julião — que insistiam na execução da
reforma agrária, bem como pelas inúmeras greves que vinham sendo deflagradas, o
governo, naquele início de ano, chegou a ameaçar a decretação do estado de
sítio.
Segundo as memórias de Juscelino, frente àquela situação
Goulart chegou a aconselhá-lo a entregar o poder às forças armadas e alguns
políticos voltaram a defender a idéia de continuísmo. Ambas as propostas foram
rejeitadas pelo presidente, o qual em entrevista concedida ao jornalista Carlos
Castelo Branco, em março, reafirmou seu interesse em deixar o governo ao fim do
mandato, com a Constituição intocável.
Em decorrência da luta partidária pelo controle político do
estado da Guanabara, a ser implantado com a transferência da capital, Juscelino
decidiu indicar para governador provisório o chefe do Gabinete Civil, José Sete
Câmara, por considerá-lo apolítico.
Ainda
em março daquele ano, o Nordeste foi submetido novamente a uma situação
dramática, pelo desabamento de fortes temporais que ameaçavam a população com
enchentes e inundações. A situação atingiu o clímax quando o açude de Orós, que
o governo vinha construindo no Ceará, ameaçou romper-se. Apesar das iniciativas
tomadas, o açude foi arrombado no dia 26, ocasionando enormes danos à população
local. Três dias depois Juscelino seguiu para o Ceará, a fim de tomar as
devidas providências. Determinando o imediato reinício das obras de Orós,
conseguiu que estas fossem concluídas um mês antes do final do mandato.
Em 21 de abril de 1960, Kubitschek declarou inaugurada a nova
capital, Brasília. Durante a primeira reunião ministerial realizada no palácio
do Planalto, assinou mensagem dirigida ao Congresso, propondo a criação da
Universidade de Brasília, que seria implantada sob a liderança de Darci
Ribeiro. Após a reunião, compareceu ao ato de instalação do Congresso —
efetuado por João Goulart —, bem como ao do palácio da Justiça, completando,
assim, na praça do mesmo nome, a inauguração dos Três Poderes. Por aquela
época, Brasília contava com uma população fixa de cem mil habitantes. Em
decorrência do grande fluxo migratório provocado por sua construção, a qual
absorvera grande quantidade de mão-de-obra, surgiram atividades comerciais na
periferia, constituindo o “Núcleo Bandeirante” ou “Cidade Livre”. Paralelamente
ergueram-se, também, nas proximidades da capital, as cidades-satélites de
Taguatinga e Sobradinho.
Em
25 de abril, após a renúncia de Leandro Maciel, a UDN indicou Mílton Campos
para compor chapa com Jânio Quadros. No dia 7 de maio tomou posse Israel
Pinheiro, primeiro prefeito de Brasília. Também no começo desse mês, Juscelino
tomou as primeiras providências para a ocupação da ilha do Bananal, situada na
bacia do Araguaia, que, transformada em parque nacional, favorecia o
estabelecimento de núcleos pioneiros para atividades agropecuárias. Para a
execução do projeto, nomeou o coronel Nélio Cerqueira para a Fundação Brasil
Central. Esta instituição fora criada em 1941 para cuidar da colonização da
região central do país. O projeto para a ilha do Bananal não chegou a ser
implantado.
Segundo as memórias de Juscelino, em fins de julho, em
virtude da insistência de Goulart em assumir a presidência — a despeito do
impedimento decorrente de sua candidatura à vice-presidência — durante a visita
que faria a Portugal, nomeou-o chefe da delegação brasileira à reunião da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), a ser realizada em Genebra na
mesma época. Assim, em 4 de agosto, pouco antes de embarcar, Juscelino
transmitiu o governo ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, segundo
substituto legal.
Dentre
as resoluções tomadas por Juscelino em meados de 1960, tiveram destaque a lei
de 22 de julho que criava o Ministério da Indústria e Comércio e de Minas e
Energia, a lei orgânica da Previdência Social e o início das obras de
pavimentação da rodovia Rio-Bahia.
A CPI contra a Novacap, requerida na Câmara pela UDN e adiada
para após a inauguração de Brasília, não chegou a se constituir, principalmente
porque vários diretores da companhia pertenciam àquele partido.
No dia 3 de outubro realizaram-se as eleições, na qual Jânio
obteve esmagadora vitória, conquistando 48% dos 11 milhões e setecentos mil
votos; João Goulart reelegeu-se vice-presidente da República.
Ainda em novembro de 1960, foi deflagrada uma greve no Rio,
articulada, segundo Juscelino, por elementos da esquerda, visando paralisar os
transportes do país e pressionar o Congresso a votar o chamado “Plano de
Paridade de Vencimentos” entre civis e militares. Considerando a greve ilegal,
no dia 8 Juscelino incumbiu o ministro da Viação, Ernâni Amaral Peixoto, de
intimar o pessoal das autarquias e serviços subordinados a retornar ao trabalho
no dia seguinte, sob pena de demissão. Preocupado com o rumo dos
acontecimentos, elaborou ainda uma mensagem, apresentada ao Congresso,
solicitando a instauração do estado de sítio, caso fosse necessário. Essas
medidas tomadas pelo governo impeliram as lideranças trabalhistas a encerrar a
greve. Porém, logo depois, o Congresso aprovou suas reivindicações, que foram
transformadas em lei no dia 23 do mesmo mês.
Em fins de dezembro de 1960, partidários da UDN, PSD, PSP,
PDC, PR, PL e PSB efetuaram uma mobilização pública em Goiás no sentido de ser
concedida a Juscelino uma cadeira no Senado para que ali representasse o
estado, após deixar a presidência. Como não havia vaga disponível, o senador
Taciano Gomes de Melo decidiu renunciar, em 10 de janeiro de 1961, solucionando
assim o impasse. Com a renúncia deste senador, tornou-se possível o lançamento
da candidatura de Juscelino para o preenchimento da vaga nas eleições a serem
realizadas em junho daquele ano. Logo após deixar o Senado, Taciano de Melo foi
nomeado pelo presidente ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal.
Em 31 de janeiro de 1961, Kubitschek transmitiu o poder a
Jânio Quadros.
Política econômica: medidas
Durante a primeira reunião de seu ministério, realizada no
dia 1º de fevereiro de 1956, Juscelino expôs seu plano de governo — o Programa
de Metas — e instituiu o Conselho de Desenvolvimento, órgão controlador da
economia, diretamente subordinado à Presidência, designando para integrá-lo os
ministros de Estado, os chefes dos gabinetes Civil e Militar e os presidentes
do Banco do Brasil (BB) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE).
Tendo
por objetivo promover o desenvolvimento através de uma industrialização
acelerada e considerando que a entrada de capital estrangeiro no país era
condição necessária a esse processo, o Programa de Metas abrangia os setores de
energia (Metas um a cinco), transportes (seis a 12), alimentação (13 a 18),
indústria de base (19 a 29) e educação (30). Na área de energia, as
preocupações se concentravam na energia elétrica e nuclear, no carvão mineral e
na produção e refino do petróleo; no setor de transporte, eram previstos o
reequipamento e a construção de estradas de ferro, a pavimentação e construção
de estradas de rodagem, a construção de portos e barragens e ainda o
desenvolvimento da marinha mercante e dos transportes aéreos; no setor de
alimentação, planejava-se a importação de trigo, a instalação de armazéns,
silos, frigoríficos e matadouros, a produção de fertilizantes e a mecanização
da agricultura; na área das indústrias de base, previa-se o aumento da produção
de aço, alumínio e outros metais não-ferrosos, cimento, papel, celulose e
borracha e tratava-se ainda da implantação das indústrias automobilística,
naval, de maquinaria pesada e de equipamento elétrico. Por fim, como
“meta-síntese”, figurava a construção de Brasília.
Embora o governo de Washington tenha demonstrado pouco
interesse pela política econômica de Juscelino, também no dia 1º de fevereiro,
Richard Nixon, então vice-presidente dos EUA, que viera ao Brasil assistir à
posse do novo presidente, aceitou a concessão de 35 milhões de dólares de
empréstimo, em nome de seu governo, para a expansão da Companhia Siderúrgica
Nacional, em Volta Redonda. Sete dias depois, em decorrência dos convites que
havia efetuado, Juscelino recebeu a visita do diretor da Daimler Benz, da
Alemanha, com quem estabeleceu entendimentos para a implantação de uma fábrica
de veículos automotores no país. No dia seguinte recebeu um grupo de industriais
norte-americanos interessados em conhecer as possibilidades oferecidas pelo
mercado nacional. Dias depois, entrou em acordo com os diretores da fábrica
Fokker, Indústria Aeronáutica S.A., sobre a necessidade de serem ampliadas suas
instalações no Galeão, tendo em vista a fabricação de aviões no Brasil.
Ao início do mês de maio, Juscelino convocou uma reunião com
os técnicos do Conselho de Desenvolvimento a fim de equacionar a meta do
petróleo e dar início aos estudos para a construção da refinaria de Duque de
Caxias, no estado do Rio. Também nessa reunião Juscelino instruiu os técnicos
para que fosse formado um grupo de trabalho para a implantação da indústria
automobilística no país, com 30 dias para apresentar estudos e sugestões. Ainda
nesse mês, Juscelino visitou os empreendimentos da Petrobras no Recôncavo
Baiano, inspecionando os trabalhos de ampliação da refinaria de Mataripe e
inaugurando o oleoduto Catul-Mata-Candeias.
Em junho Juscelino assinou o decreto de criação do Grupo
Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), cuja meta inicial era a
fabricação de jipes e caminhões no país. O ministro Lúcio Meira foi nomeado
diretor desse órgão. Em vista do desinteresse inicial dos EUA em investir na
indústria automobilística brasileira, o governo contou a princípio basicamente
com o capital inglês, francês e alemão.
Convidado
a participar do encontro dos presidentes a ser realizado em 21 de julho de 1956
no Panamá, Juscelino, descontente com o pouco crédito que os EUA concediam ao
seu programa governamental, condicionou sua presença à execução de alguns
projetos elaborados desde 1953 pela Comissão Mista Brasil — Estados Unidos. Em
decorrência, o governo norte-americano liberou três daqueles projetos, uma
semana antes da conferência: o da barragem de Três Marias (MG), o de
reequipamento das ferrovias e o de dragagem e reaparelhamento dos portos, num
total de 151 milhões de dólares. Diante da reação do governo norte-americano,
Juscelino decidiu empreender a viagem. Durante o encontro, discursou sobre os
problemas da América Latina, declarando ser imprescindível o auxílio financeiro
dos EUA para superá-los e se garantir assim a segurança do continente ante a
ameaça comunista. Diante da insistência do governo norte-americano numa revisão
do monopólio estatal do petróleo para tornar possível a participação no setor
de grupos nacionais ou estrangeiros, Juscelino, em conversações com o
presidente Dwight Eisenhower, declarou que a exploração daquele produto seria
efetuada exclusivamente pelo governo brasileiro, em conformidade com a
legislação vigente.
Em meados de 1956, no intuito de obter recursos para a
formação de uma companhia siderúrgica piloto em Minas Gerais — a ser denominada
Usiminas —, Juscelino procurou expandir a produção de aço do estado adquirindo
na Europa equipamentos para a Companhia Aços Especiais Itabira (Acesita), que
iriam triplicar sua produção. Apesar das dificuldades financeiras do país,
Juscelino procurava um meio capaz de viabilizar a execução de seu projeto. Com
a participação de um grupo de empresários japoneses que vinha naquela época
estudar as possibilidades de aplicação de capitais na indústria siderúrgica
brasileira, tornou-se possível a construção da Usiminas no vale Rio Doce.
Em 15 de setembro tiveram início as obras da barragem de Três
Marias, com financiamento dos governos brasileiro e norte-americano. Ainda no
final de setembro, foi inaugurada a fábrica de caminhões da Mercedes-Benz, em
São Bernardo do Campo (SP). Interessado em implantar a indústria de construção
naval no país, em 19 de outubro Juscelino encaminhou ao Congresso o projeto de
lei que criava o Fundo e a Taxa de Marinha Mercante. Antes mesmo da aprovação
do projeto — que só ocorreria em julho de 1958 —, instituiu uma comissão para
efetuar os primeiros estudos, sob a presidência do ministro Lúcio Meira. Além
dessa medida, Juscelino procedeu à ampliação das frotas de cabotagem de longo
curso e de petroleiros, negociando a aquisição de navios norte-americanos,
poloneses e finlandeses.
Em
10 de novembro, com o objetivo de proceder à instalação de centrais nucleares,
Juscelino constituiu a Comissão Nacional de Energia Nuclear, visando incentivar
a formação de técnicos, a obtenção e industrialização de matérias-primas e a
utilização dessa nova fonte de energia. Em 29 de novembro, sancionou a lei que
abolia o imposto único sobre combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos e
instituía impostos diferenciados para estes produtos, visando proporcionar ao
governo recursos para a manutenção e ampliação do sistema rodoviário. Para
implementar esse projeto, foram importadas máquinas e equipamentos no valor de
65 milhões de dólares.
Tendo
em vista os acordos firmados com os EUA durante o governo Café Filho referentes
à energia atômica — o Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos
Recursos de Urânio no Brasil e o Acordo de Cooperação para Uso Civil da Energia
Atômica —, Juscelino, para a realização dos ajustes, negociou a troca do
minério radiativo, a monazita, do Brasil, por trigo norte-americano.
Entretanto, de acordo com suas memórias, o contrabando de monazita e o
não-aproveitamento das ultracentrífugas encomendadas na Alemanha constituíram
obstáculos para que o país equacionasse o problema da energia nuclear.
Em janeiro de 1957 foi criado o Conselho de Política
Aduaneira (CPA), subordinado diretamente à Presidência da República, com
poderes para aplicar tarifas de maneira flexível, de acordo com as necessidades
do país no processo de substituição de importações. O CPA poderia reduzir em
até 50% os impostos sobre maquinaria importada se não houvesse similar
nacional.
Em
1º de fevereiro de 1957, quando do primeiro aniversário do governo de
Juscelino, foi inaugurada a rodovia BR-3 (Rio-Belo Horizonte), iniciada no
princípio de sua gestão. Com o objetivo de efetuar a integração das regiões do
país, Juscelino procedeu à construção de um amplo sistema rodoviário, um
“cruzeiro de estradas” que teria Brasília como centro. Para a execução do
projeto, incrementou a produção de cimento e instruiu Janari Nunes, presidente
da Petrobras, no sentido de ser implantada no país uma fábrica de asfalto.
Também no início de 1957, acirraram-se os debates em tomo da
construção da hidrelétrica de Furnas. Em Minas, o governador Bias Fortes
combatia o projeto por considerar um desperdício a construção simultânea no
estado dessa usina e da de Três Marias, alegando também o fato de que Furnas
iria favorecer primordialmente São Paulo. A usina de Três Marias não só iria
beneficiar as condições de navegabilidade do rio São Francisco, como daria impulso
ao desenvolvimento industrial de Minas. São Paulo, interessado na construção da
usina de Paraguatuba, a ser instalada no estado, criticava também a execução de
Furnas, principalmente em virtude da participação decisiva da Light — empresa
canadense, concessionária dos serviços de distribuição de energia elétrica — na
execução do projeto. O ponto nevrálgico da questão consistia porém no fato de
que o custeio do empreendimento deveria ser dividido em três partes, cabendo a
maior ao governo federal, e as outras duas aos dois estados, o que acarretaria
considerável ônus para seus orçamentos. Apesar da forte resistência manifestada
a princípio, os dois governadores, Bias Fortes e Jânio Quadros, acabaram por
aceitar a participação de seus estados no empreendimento. Assim, no dia 28 de
fevereiro de 1957 foi organizada a companhia de Furnas, cujo projeto era, na
época, o maior do continente e o terceiro do mundo. A construção da usina teria
início no ano seguinte.
Em julho de 1957 a empresa norte-americana Ford providenciou
a instalação de uma fábrica de caminhões no Brasil.
Em princípios de outubro, o ministro da Fazenda José Maria
Alkmin compareceu à reunião da junta de governadores do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), conhecido como Banco Mundial, realizada em Washington. Na ocasião,
negociou empréstimos no valor de 59 milhões de dólares, adiantados pelo FMI e
por bancos privados norte-americanos, a fim de aliviar as fortes pressões sobre
o balanço de pagamentos. Naquele mesmo mês, o presidente do Instituto
Brasileiro do Café (IBC), Paulo Guzzo, em encontro com representantes de outros
países produtores de café, realizado no México, sugeriu a formulação de um
acordo com vistas à estabilização do preço do produto.
O ano de 1957 terminou com o elevado déficit de 286 milhões
de dólares no balanço de pagamentos, causado principalmente pela situação
desfavorável do café e o aumento das importações de máquinas e equipamentos.
Em janeiro de 1958 foi inaugurada em Olinda (PE) a indústria
de fertilizantes Fosforita, que, embora fruto da iniciativa privada, teve
decisivo apoio do governo. No dia 29 do mesmo mês teve início às margens da
rodovia Rio-Petrópolis, a construção da refinaria Duque de Caxias, que só seria
concluída após o governo Kubitschek.
Também
em janeiro de 1958 realizou-se no Rio a Conferência Internacional do Café, que
reuniu representantes de quase todos os países do mundo. Na ocasião, o Brasil
propôs que os países produtores e consumidores se unissem num acordo visando a
estabilidade do preço do produto, decidindo criar, com o apoio dos
representantes dos países latino-americanos, a Organização Internacional do
Café (OIC). A oposição dos EUA e da Bélgica e o fracasso dos entendimentos com
os países africanos, entretanto, impediram na época a concretização dessa
idéia. Os países latino-americanos aceitaram então a proposta norte-americana
de um acordo regional, o Convênio Latino-Americano do Café, que seria assinado
em setembro daquele ano. A OIC só seria criada mais tarde, em 1963, após
prolongadas negociações patrocinadas pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Em 28 de abril de 1958 teve lugar o desfile da Bandeira
Automobilística Brasileira, no qual foi apresentado o primeiro automóvel
fabricado no Brasil, o Sedan-Turismo DKW-Vemag, com 50% das peças de fabricação
nacional.
Em junho, com a vinda ao Rio do secretário do governo
norte-americano Roy Rubottom e a criação da OPA, Juscelino solicitou
imediatamente auxílio financeiro dos EUA, para reparar os prejuízos resultantes
da baixa do preço do café no mercado internacional. O governo norte-americano,
apesar das primeiras resistências, concordou em conceder novo empréstimo ao
Brasil.
Por
outro lado, durante todo o primeiro semestre de 1958, Alkmin tentou obter novos
financiamentos do Eximbank e de bancos privados norte-americanos com pagamentos
a prazo exíguo, do tipo swap, no valor de duzentos milhões de dólares, além da
liberação de uma nova quantia de 37,5 milhões de dólares através do FMI. Esse
fundo, entretanto, condicionou a ajuda à execução de medidas que, a seu ver,
regularizariam a situação financeira do Brasil. Após prolongadas negociações,
Alkmin obteve o empréstimo solicitado mediante o compromisso de realizar as
reformas exigidas pelo FMI. Estas, no entanto, criaram sérios obstáculos à
aprovação do empréstimo norte-americano de duzentos milhões de dólares. As
dificuldades na obtenção de financiamentos externos e o aumento da inflação ao
longo do semestre expuseram Alkmin a críticas generalizadas, provocando sua
substituição no Ministério da Fazenda por Lucas Lopes.
No intuito de atender às exigências do FMI, Lucas Lopes
elaborou o Plano de Estabilização Monetária (PEM), que estabelecia uma rigorosa
política antiinflacionária. Embora considerasse relevante a adoção dessa
política ante a delicada situação financeira do país, Juscelino mostrou-se
intransigente em relação à liberação das verbas destinadas ao Programa de
Metas. Para o presidente, o índice inflacionário da época, de 13,5 % ao ano,
era irrisório diante das obras que vinha realizando no setor básico da
economia, bem como da taxa de crescimento econômico do país, a qual se mantinha
na base de 7% ao ano.
Durante
sua visita ao Brasil nos primeiros dias de agosto de 1958, o secretário de
Estado norte-americano John Foster Dulles, reafirmando a posição de seu governo
em relação à exploração do petróleo brasileiro, negou a possibilidade de
qualquer financiamento ou endosso do Eximbank para empreendimentos no setor, o
que suscitou enérgica reação de desagrado por parte de Juscelino. A visita de
Dulles trouxe, no entanto, algumas vantagens para o governo brasileiro, pois os
EUA, considerando os princípios da OPA, admitiram a criação de uma entidade que
posteriormente, em 1959, constituiria o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID). A idéia de um mercado comum latino-americano, que se concretizaria na
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), começou também a tomar
forma. Ainda como resultado das negociações, o Eximbank, juntamente com um
grupo de bancos particulares norte-americanos, concedeu volumosos créditos ao
Brasil, com amortização, a partir de 1962, em até cinco anos.
Em 14 de novembro de 1958 foi inaugurada a ligação rodoviária
Brasília-Santos. Quanto à meta de construção naval, em 13 de dezembro foi
lançada a pedra fundamental dos estaleiros da empresa japonesa Ishikawajima e,
em fevereiro do ano seguinte, foram inauguradas nas proximidades de Angra dos
Reis (RJ) as instalações do estaleiro que congregava capitais e técnicos
nacionais e holandeses.
Em março de 1959 tiveram início a construção da Cosipa em
Piaçagüera, próximo ao município de Cubatão (SP), e as obras da Usiminas,
situada às margens do rio Piracicaba, perto da confluência com o rio Doce, em
Minas Gerais.
Em 31 de dezembro, Juscelino autorizou a Comissão Nacional de
Energia Nuclear a tomar providências para a instalação de uma central térmica
núcleo-elétrica na bacia do rio Mambucata, no estado do Rio, na área onde
seriam mais tarde efetivamente instaladas usinas nucleares.
Em janeiro de 1960, lançou em Poços de Caldas a pedra
fundamental da usina de beneficiamento de urânio, empreendimento a cargo da
Comissão Nacional de Energia Atômica. A instalação dessa usina foi possível
graças a um acordo de financiamento com bancos franceses.
Em
fevereiro de 1960, a Caravana da Integração Nacional, composta de quatro
colunas de veículos de fabricação nacional, que haviam partido dos extremos do
país, encontram-se em Brasília, demonstrando o grande número de estradas
construídas. Em outubro foram concluídas as rodovias São Paulo-Cuiabá e a
Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo. Em novembro foi montado o
primeiro trator fabricado no país, por iniciativa da empresa americana Ford. De
acordo com os planos da GEIA, a fabricação de tratores representava a última
etapa da indústria automobilística.
Política econômica: balanço
Ao assumir a presidência, Juscelino herdou a difícil situação
econômico-financeira dos governos Vargas e Café Filho. A superprodução do café,
os déficits do Tesouro e perda do poder de compra das exportações formavam na
época, segundo Carlos Lessa, um “quadro impressionante de desequilíbrios
econômicos”.
Embora
a economia acusasse instabilidade e crescente inflação, o que ameaçava a
execução do Programa de Metas, o ministro da Fazenda, José Maria Alkmin,
propôs-se basicamente a impedir que os desequilíbrios tomassem vulto a ponto de
comprometer o êxito do programa desenvolvimentista de Kubitschek. Na época,
reinava um clima de expectativa em torno da propalada reforma cambial, que
havia sido apresentada pelo ministro da Fazenda de Café Filho, José Maria
Whitaker, em setembro de 1955 e fora elaborada juntamente com Edward Bernstein,
representante do FMI no Brasil. A decisão quanto à aprovação da reforma julgada
inoportuna na época fora transferida para o governo Kubitschek. A reforma
pretendia estabelecer o regime de câmbio livre em substituição ao sistema
múltiplo de câmbio que fora instituído em 1953 durante o governo Vargas. Suas
principais conseqüências seriam a desvalorização do cruzeiro e a supressão do
confisco cambial, mecanismo que propiciava ao governo recursos adicionais para
comprar os excedentes de café e subsidiar as importações de petróleo, trigo,
papel e outros produtos básicos.
Alkmin opôs-se à reforma cambial e ao abandono da política de
defesa do café, entrando em divergência com Lucas Lopes, presidente do BNDE, e
Roberto Campos, diretor-superintendente da mesma entidade. Em 17 de março de
1956, após várias reuniões com seus assessores econômicos, Kubitschek, com o
grupo de Alkmin, rejeitou a reforma. Assim, a política cambial continuou sem
grandes modificações, tornando-se um dos instrumentos básicos da nova política
de desenvolvimento industrial. Com a Instrução nº 127, de 1956, os equipamentos
destinados a setores básicos da economia, como os da produção de veículos e da
indústria naval, passaram a figurar juntamente com o petróleo, o papel e o
trigo, entre os produtos de importação fortemente subsidiados. Por outro lado,
Alkmin manteve o confisco cambial sobre o café, procurando manter fixas,
durante o maior período de tempo possível, as bonificações pagas aos
exportadores, mas garantindo, em compensação, a compra de toda a produção
cafeeira nacional.
A política monetária instaurada procurava simultaneamente
assegurar o crédito à expansão dos investimentos públicos e atenuar as
conseqüências mais perturbadoras da inflação. O principal instrumento de
combate à inflação foi a Instrução nº 135 da Sumoc, de 19 de julho de 1956, que
restringiu o crédito bancário ao setor privado.
Segundo Peláez e Suzigan, a substancial inflação verificada
ao fim do primeiro ano de governo foi acompanhada por uma queda drástica da
taxa de crescimento da renda real, provocada basicamente pelo fraco desempenho
do setor agrícola. Em compensação, houve uma sensível recuperação da produção
industrial e um recorde nas exportações de café, a preços satisfatórios.
Entretanto, no início de 1957, surgiram os primeiros sinais de crise nos preços
daquele produto, agravando-se a situação no ano seguinte. A cotação do café em
Nova Iorque baixou de 60 a 85 pontos e as vendas desse produto aos Estados
Unidos caíram 19%, atingindo a menor cifra desde 1953. Além dos problemas
relacionados com a oferta do produto no mercado internacional, a situação
interna do café agravara-se pelo fato de que os produtores, incentivados pelos
altos preços de 1951 a 1954, haviam expandido enormemente a produção. Para
atender às exigências da política cafeeira, o Instituto Brasileiro do Café
(IBC) recebeu aproximadamente 250 milhões de cruzeiros do governo, o que causou
grande impacto na economia do país. Através de uma política agressiva de vendas
do produto, em 1959 ocorreria uma expansão de cinco milhões de sacas, resultando
daí um aumento de cerca de 55 milhões de dólares no ingresso de divisas
provenientes do café.
O Programa de Metas de Juscelino, destinado sobretudo a
promover o desenvolvimento através de uma industrialização acelerada, teve um
grande número de metas consideravelmente ultrapassado em relação aos objetivos
previamente estipulados. Para a implementação desse programa foram criados
grupos de trabalho subordinados ao Conselho de Desenvolvimento. Segundo Carlos
Lessa, a consecução dos objetivos propostos pelo plano efetuou-se, graças a
quatro peças básicas: a primeira consistiria no estímulo à entrada de capital
estrangeiro, a segunda na ampliação da participação direta do setor público na
formação interna do capital, a terceira na canalização de recursos privados
para as áreas consideradas estratégicas e a quarta no tratamento do problema da
estabilidade permitindo uma alta taxa de inflação — cerca de 20% ao ano.
Além
dos estímulos permitidos pela legislação que favorecia a entrada de capital
estrangeiro, o governo dispunha de outra importante fonte para angariar
recursos. Através do BNDE assegurava o acesso a créditos do exterior aos
empresários, que assumiam a co-responsabilidade pela liquidação do débito.
Segundo Carlos Lessa, uma das sérias conseqüências da política de capital
estrangeiro do Plano de Metas foi ter possibilitado que uma parcela do
excedente gerado internamente na economia fosse apropriado pelas empresas que
gozavam dos benefícios legais através do subsídio implícito nas liquidações de créditos
externos.
O governo atuou naquele período como um instrumento
deliberado e efetivo do desenvolvimento, o que ficou evidenciado pela
intervenção contínua do Estado como orientador dos investimentos através do
planejamento. De acordo com os dados fornecidos pela FGV, a participação do
governo na formação bruta do capital fixo, excluindo-se as empresas estatais,
cresceu de 25,6% no quatriênio 1953-1956 para 37,1% nos quatro anos do Plano de
Metas. Se incluídas as empresas estatais, essa participação se elevaria a 47,8%
no período 1957-1960.
Quanto
à política creditícia, a participação do setor público nos saldos de
empréstimos ao final do ano elevou-se de 15,3% no triênio 1954-1956 para 19,5%
no triênio subseqüente. Nesse período cresceu igualmente a participação do
Banco do Brasil no total das operações bancárias, outorgando aproximadamente
metade do total de empréstimos ao setor privado, no final dos anos 1950.
Segundo
M. Vitória Benevides, se a taxa de inflação atingida no período provocou, por
um lado, distorções na estrutura de investimentos, por outro lado, funcionou
como “inflação de lucros, como técnica de poupança forçada, ou melhor, técnica
de confisco cambial”. Entre os fatores inflacionários mais importantes,
destacaram-se os gastos com o ritmo acelerado das obras, principalmente da
construção de Brasília; o declínio dos preços dos produtos de exportação, a
partir de 1955; a superprodução de café, que levava o governo a financiar os
estoques invendáveis; os empréstimos ao setor privado através do Banco do
Brasil, e o excesso de despesas públicas, sobretudo com reivindicações
salariais sancionadas pelo Congresso em nível superior à possibilidade de
crescimento da receita. Para Juscelino, era necessário no entanto aceitar o
ônus da inflação já que esta poderia ser corrigida a longo prazo.
A grande entrada de capital estrangeiro foi, no entanto, a
principal fonte de oposição à política econômica de Juscelino, notadamente por
parte da esquerda. De um lado, o mecanismo de proteção às manufaturas de origem
nacional obrigava as empresas norte-americanas a investir diretamente no
Brasil, a fim de não perderem o mercado. Do outro, o governo concedia isenções
e privilégios, como a Instrução nº 113 da Sumoc — em vigor desde a
administração Café Filho —, permitindo que aquelas empresas importassem bens de
produção, sem cobertura cambial, enquanto negava o mesmo direito às
brasileiras.
Entre 1955 e 1961 entraram no país 2.180 milhões de dólares e
menos de 5% foram destinados a áreas fora das prioridades do governo. E, em
1958, o setor de meios de produção já contribuía com 55,5% para o conjunto da
produção industrial brasileira, superando o de bens de consumo. Entretanto, o
processo de industrialização acelerou a desnacionalização da indústria, a
transferência dos centros de decisão para fora do país. Os empresários
nacionais, a fim de gozarem das mesmas vantagens que os estrangeiros, a eles se
associavam, ampliando-lhes o poder de barganha frente ao governo.
Como a participação inicial do capital norte-americano para a
execução do Plano de Metas era irrisória, o processo de aceleração industrial
encontrou viabilidade na entrada de capitais europeus e japoneses. Entretanto,
a entrada destes capitais, notadamente do alemão, fortaleceu no Brasil a área
de resistência aos Estados Unidos, ao mesmo tempo que impeliu este país a
incrementar os investimentos na indústria brasileira para manter e consolidar
sua hegemonia. Assim, das 1.353 firmas registradas como brasileiras em 1958,
mas com participação direta de capitais estrangeiros, 552 eram
norte-americanas, sem contar aquelas onde este capital participava através de
investidores de outra nacionalidade.
Apesar do vertiginoso crescimento industrial, os empregos
neste setor cresceram 29% no decênio 1950-1960, taxa inferior à da expansão
demográfica que foi de 37,2%. Além disso, o tipo de industrialização processada
tendeu a favorecer, em termos de oportunidades de emprego e incrementos
salariais, a restrita faixa qualificada da população urbana.
O
complexo Plano de Estabilização Monetária (PEM) — elaborado por Lucas Lopes com
o auxílio de técnicos do BNDE em outubro de 1958 —, dividido em duas partes,
uma de “transição e reajustamento”, a ser executada até o fim de 1959, e a
outra, de “estabilização”, a ser cumprida em 1960, envolvia sérias providências
corretivas nos setores da moeda, do crédito, das finanças públicas e salários e
do balanço de pagamentos. Diante da difícil situação financeira do país, ao ser
discutido no Congresso, o plano sofreu inúmeros cortes e modificações,
reduzindo-se, no dizer de Juscelino, a uma simples “lei de aumento de
impostos”. É que os dispositivos conservados iriam causar grande impacto no
sentido da elevação do custo de vida, o que levava o governo a um impasse
difícil de ser resolvido: aumentar os impostos por um lado e mostrar-se, por
outro, sensível às reivindicações salariais. A solução encontrada foi a
sustentação do plano, com as emendas introduzidas e a simultânea concessão de
um “abono de emergência” ao funcionalismo civil e militar da União.
Enquanto aguardava a decisão do Congresso, Lucas Lopes, com o
objetivo de minorar os efeitos da crise financeira, tomou medidas corretivas,
comprimindo as despesas, controlando com rigor a política de liberação de
verbas, sustando a execução de obras consideradas adiáveis e alterando
substancialmente o nível das taxas de câmbio.
Em represália ao pouco interesse demonstrado pelos EUA em
empreender um programa de assistência ao Brasil e aos outros países da América
Latina, em 25 de novembro de 1958, Juscelino manifestou-se publicamente pelo
reatamento das relações comerciais com a União Soviética e outros países
socialistas, sob aplausos de líderes sindicais que compareceram ao Catete.
Segundo declarações feitas por ele próprio na ESG no dia seguinte, o interesse
do Brasil em negociar primordialmente com a União Soviética estava no tipo de
auxílio que este país vinha prestando, de modo a atrair a simpatia dos países
subdesenvolvidos através da concessão de vultosos empréstimos, a juros baixos,
amortizáveis em mercadorias do país devedor, o que contornava o problema de
divisas e oferecia, muitas vezes, a possibilidade de escoamento para produtos
agrícolas de difícil colocação no mercado internacional.
Em 1959, quando o PEM entrou em execução, determinando uma
vertiginosa elevação dos preços, ocorreu forte reação popular em oposição às
medidas implementadas. Entretanto, como essa política de estabilização foi
considerada insatisfatória pelo FMI, Lucas Lopes seguiu para os EUA, assumindo
o compromisso, junto às autoridades daquele órgão, de ampliar as medidas
corretivas do PEM. Elaborou, assim, um novo esquema de exportação, cujos itens
principais seriam a fixação de preços não muito altos para o café e o
lançamento no câmbio livre de todas as importações. Juscelino, preocupado com o
efeito das medidas sobre o custo de vida, embora concordasse em princípio com a
liberação das importações, não permitiu a suspensão do câmbio especial para a
gasolina e o trigo.
Embora
o FMI aceitasse a contraproposta do Brasil, os jornais ligados a esse organismo
desencadearam uma campanha de descrédito contra a economia brasileira. Tendo
Lucas Lopes adoecido repentinamente, Juscelino decidiu conduzir as negociações
com o FMI. As medidas impostas ao Brasil para a concessão do stand-by credit e
mais outros empréstimos no valor de trezentos milhões de dólares mostravam-se
por demais exacerbadas. Assim, ao se iniciar o mês de junho de 1959, Juscelino
teve que optar por uma atitude a ser assumida pelo governo: ou submeteria o
país às condições exigidas pelo FMI — câmbio livre para as importações,
incentivos ao comércio exterior e extinção dos subsídios às aquisições de
petróleo, trigo, papel e fertilizantes — ou romperia com aquela entidade.
Decidido a dar prosseguimento ao programa desenvolvimentista, optou pela
ruptura com o FMI.
Segundo Celso Lafer, o Plano de Metas, representou uma
parcela oscilante entre 4% e 6% do produto nacional bruto. Entre 1958 e 1961,
apenas 40% dos investimentos dependeram do orçamento da União e mais da metade
desse total provinha de fundos especiais ou de recursos oriundos de vinculações
constitucionais, tratando-se, pois, de despesas com previsão da receita. Os
gastos na construção de Brasília foram estimados por Celso Lafer em torno de
250 ou trezentos bilhões de cruzeiros, a preços de 1961, correspondendo a 2,3%
do PNB.
Segundo Carlos Lessa, a conclusão do Programa de Metas de
certa forma coincidia com a finalização do longo processo de diversificação industrial
atravessado pela economia brasileira no contato do modelo de desenvolvimento
por substituição de importações.
A média anual das emissões de papel-moeda, como percentagem
do produto interno bruto, foi, naquele qüinqüênio, de 1,99%. A proporção, entre
as emissões e a despesa orçamentária aprovada desceu em média de 23,5% entre
1950 e 1955 para 15,8% entre 1956 e 1960.
Finalmente, de acordo com as estatísticas da FGV, o
crescimento econômico de 1957 a 1960 chegou em média a quase 7,8% ao ano.
Incluindo o ano de 1961, a média dos cinco anos subiu para 8,3% ao ano,
cumulativos, indicando a forte aceleração do processo de crescimento econômico
por que passou o país.
Senador por Goiás
Nas eleições extraordinárias realizadas em 4 de junho de
1961, Juscelino elegeu-se senador por Goiás na legenda do PSD, obtendo 146.366
votos contra 26.800 dados a seu adversário Wagner Estelita Campos, que
concorrera pelo PDC.
Quando da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de
agosto de 1961, concedeu total apoio à posse do substituto legal, o
vice-presidente João Goulart, a qual, no entanto, foi vetada pelos ministros
militares. Refutando a implantação do regime parlamentarista no país como
fórmula conciliatória para garantir a ascensão de Goulart ao poder, votou contra
este projeto durante a sessão realizada no Senado no dia 2 de setembro. Acatada
pela maioria dos parlamentares, a medida foi porém aprovada naquele dia,
constituindo a Emenda Constitucional nº 4, que possibilitou a posse de Goulart
na presidência cinco dias depois. Como a emenda previa a realização de um
plebiscito para abril de 1965, quando seria decidida a permanência ou não
daquele regime, Juscelino passou a defender a antecipação da consulta,
desenvolvendo ainda uma campanha pelo retorno ao presidencialismo, a qual
contou com amplo apoio popular. Em meados de setembro de 1962, o Congresso
aprovou a antecipação do plebiscito que, realizado em 6 de janeiro do ano
seguinte, decidiu, por expressiva margem de votos, pelo restabelecimento do
presidencialismo.
Em meio ao processo de radicalização política, com o
intensificado avanço do movimento em favor das reformas de base, setores civis
e militares conservadores passaram a articular um golpe contra o governo
Goulart. Paralelamente, os partidos políticos definiam-se quanto à sucessão
presidencial a ser disputada em outubro de 1965: o PSP homologou, em fevereiro
de 1964, a candidatura de Ademar de Barros e o PSD, em março, a de Juscelino
Kubitschek, enquanto a candidatura de Carlos Lacerda, governador da Guanabara,
vinha sendo articulada pela UDN. Entre os militares, os nomes mais cotados eram
os dos generais Humberto Castelo Branco, Eurico Dutra e Amauri Kruel.
Em 31 de março de 1964, eclodiu o movimento militar que depôs
Goulart, com o deslocamento das tropas comandadas pelo general Olímpio Mourão
Filho sediadas em Juiz de Fora (MG), em direção ao Rio de Janeiro. Juscelino,
que horas antes rechaçara o convite de Alkmin para aderir ao movimento em
Minas, lançou porém, no mesmo dia, uma nota afirmando que “a legalidade está
onde estão a disciplina e a hierarquia. Não há legalidade sem forças armadas
íntegras e respeitadas em seus fundamentos... Ainda é tempo de restabelecer a
disciplina e a hierarquia por amor à Pátria, aos brasileiros e a Deus”.
Entretanto, em seguida à divulgação da nota, encontrou-se com Goulart,
propondo-lhe como solução para contornar a crise as seguintes medidas, as quais
foram rejeitadas pelo presidente deposto: substituição do ministério por outro
marcadamente conservador, lançamento de um manifesto de repúdio ao comunismo e
punição dos marinheiros envolvidos na rebelião de 25 daquele mês.
Enquanto substituto legal, Ranieri Mazzilli, presidente da
Câmara dos Deputados, foi empossado na presidência da República no dia 2 de
abril. Entretanto, o general Artur da Costa e Silva, o brigadeiro Márcio de
Sousa e Melo e o almirante Augusto Rademaker, os quais compunham o Comando
Supremo da Revolução, passaram a governar de fato o país.
No dia 7 daquele mês, Juscelino, em encontro proposto por
Castelo Branco, manteve com este conversações acerca do problema sucessório.
Ante o declarado interesse de Castelo Branco em concorrer às eleições
presidenciais, Juscelino apoiou essa pretensão, declarando que “as garantias
democráticas e legalistas” do general habilitavam os líderes pessedistas a
propor seu nome à deliberação do diretório nacional do PSD, cabendo, no
entanto, a Amaral Peixoto, enquanto presidente do partido, encaminhar o assunto
à alta direção partidária.
Paralelamente
àqueles debates, Carlos Lacerda e outros adeptos do movimento de 31 de março
pregavam a “Operação Limpeza” para punir os elementos considerados nefastos à
ordem e aos interesses do país. No dia 9 de abril, o Comando Supremo da
Revolução promulgou o Ato Institucional nº 1 (AI-1) que determinava a eleição
dois dias depois, pelo Congresso Nacional, do presidente da República, que
exerceria o poder até 31 de janeiro de 1966, quando seria empossado seu
sucessor a ser eleito pelo sufrágio popular. O AI-1 também outorgava ao chefe
do Executivo o poder de cassar mandatos parlamentares e suspender direitos
políticos.
Em reunião realizada no dia seguinte, os líderes pessedistas,
entre os quais Amaral Peixoto, José Martins Rodrigues e José Maria Alkmin,
decidiram conceder o apoio do partido à candidatura Castelo Branco. Este,
eleito pelo Congresso em 11 de abril, assumiu a presidência quatro dias depois.
Segundo
artigos publicados pela imprensa carioca, por aquela época, a cassação de
Juscelino passou a ser apregoada por elementos identificados com o regime que
se instituía principalmente pelo general Artur da Costa e Silva, representante
da chamada “linha dura” do Exército — que não se conformavam com a
sobrevivência política do ex-presidente, incluído entre “aqueles que deixaram
de ser brasileiros para se alienarem a uma potência estrangeira”.
Em 3 de junho de 1964, Costa e Silva formulou o pedido de
cassação de Juscelino, fundamentado nos interesses da revolução e na necessária
prevenção de futuras manobras que visassem à interrupção do processo de
restauração dos princípios morais e políticos. Alegava ainda a responsabilidade
do ex-presidente na deterioração do sistema do governo.
Enquanto
o processo caminhava o PSD procurou sustá-lo. Numerosas tentativas foram feitas
nesse sentido, delas participando líderes do PSD como Alkmin, Paulo Sarasate,
Armando Falcão e Amaral Peixoto. O deputado pessedista Carlos Murilo propôs
como solução a retirada da candidatura de Juscelino. Este, por sua vez, tentava
mobilizar a opinião pública a seu favor, através da tribuna do Senado.
Cassação e exílio
Em
8 de junho de 1964, porém, foi assinado o ato — divulgado dois dias depois —
que cassava o mandato de Juscelino e suspendia seus direitos por dez anos.
Imediatamente o PSD retirou-se do bloco parlamentar de apoio ao presidente
Castelo Branco. Este, no dia 11 de junho, em entrevista com Etelvino Lins,
solicitou-lhe que transmitisse aos demais líderes pessedistas que aquele ato
não visava beneficiar qualquer outro candidato, no caso Carlos Lacerda. Em
represália à medida foi dissolvido o bloco de 250 deputados que apoiava o
governo.
Decidindo exilar-se — medida proposta pela direção do PSD —
Juscelino seguiu para a Europa no dia 14 daquele mês. Ao embarcar, afirmou à
imprensa: “Deixo o Brasil porque esta é a melhor forma de exprimir meu protesto
contra a violência.”
Em 22 de julho o Congresso aprovou o adiamento das eleições
presidenciais para outubro de 1966 e a prorrogação do mandato de Castelo Branco
até março de 1967. Este fato consumaria o rompimento de Lacerda com o governo,
uma vez que considerava como certa sua vitória no pleito de outubro de 1965.
Em 4 de outubro de 1965, após longa permanência na Europa,
parte na França e parte em Portugal, Juscelino voltou ao Brasil, contrariando a
direção do PSD e sendo recebido em meio a grande manifestação por parte de seus
correligionários. Este fato, somado à vitória dos candidatos oposicionistas na
Guanabara e em Minas Gerais nas eleições governamentais realizadas no dia
anterior — Negrão de Lima foi eleito governador da Guanabara pela coligação
PSD-PTB e Israel Pinheiro de Minas pelo PSD — precipitou o “endurecimento” do
regime, com a decretação do AI-2, a 27 daquele mês. Este ato reabriu o processo
de punições extralegais, extinguiu os partidos políticos e determinou eleições
indiretas para a presidência da República. Em conseqüência, foi implantado o
bipartidarismo com a criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido do
governo, e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido da oposição.
Em face da sucessão de inquéritos policiais-militares perante
os quais foi convocado para prestar depoimento, Juscelino decidiu ausentar-se
de novo do país. No dia 9 de novembro do mesmo ano embarcou para Nova Iorque,
onde começou a escrever suas memórias, fixando, posteriormente, residência em
Lisboa. Só retornaria ao Brasil em junho de 1966, quando foi autorizado pelo
governo a permanecer no país por 72 horas a fim de assistir aos funerais de sua
irmã.
Frente Ampla
Em setembro de 1966, a imprensa divulgou a constituição de
uma frente política — a Frente Ampla — que reunia Lacerda, seu principal
articulador, Kubitschek e Goulart. As negociações entre Lacerda e Juscelino
foram empreendidas pelo deputado Renato Archer, antigo pessedista filiado ao
MDB. Os entendimentos com Goulart, que estava exilado no Uruguai, foram feitos
por intermédio de Armindo Doutel de Andrade, ex-petebista também filiado ao
MDB.
Embora Kubitschek e Goulart tivessem concordado com a
primeira parte do documento de lançamento da Frente Ampla, que fazia uma
análise da situação política nacional e manifestava o desejo de união acima de
divergências passadas para lutar pela restauração democrática do país, fizeram
reparos à parte em que eram traçados objetivos da organização. A divulgação do
manifesto foi marcada para depois de 3 de outubro, dia da eleição pelo
Congresso do marechal Artur da Costa e Silva para a presidência da República.
Paralelamente, o governo estava atento às articulações da frente e não afastava
a possibilidade de tomar medidas de represália contra ela.
A Frente Ampla foi lançada em 28 de outubro de 1966, através
de um manifesto dirigido ao povo brasileiro. O documento, apesar de não ter
sido assinado por Juscelino e Goulart, confirmava as negociações entabuladas
anteriormente entre eles e Lacerda. Centrava-se em torno de quatro questões: a
redemocratização do país através de eleições livres e diretas, a reforma
partidária e institucional, a retomada do desenvolvimento econômico, e a adoção
de uma política externa soberana.
Ainda em outubro de 1966, como resultado de IPM em curso,
Juscelino foi acusado de ter praticado atos de corrupção durante seu mandato na
presidência.
Em novembro, Lacerda seguiu para Lisboa, a fim de se
encontrar com Juscelino. No dia 19 daquele mês, emitiram uma nota conjunta — a
Declaração de Lisboa —, na qual afirmavam ter colocado de lado as divergências
passadas e estavam dispostos a manter a frente de oposição ao governo militar,
conclamando o povo brasileiro a participar das discussões para a “formação do
grande partido popular que se faz necessário à nação”. Ao final daquele ano, a
Frente Ampla passou a contar com o apoio de líderes do PCB.
Em março de 1967, já estando Costa e Silva na presidência,
foi por várias vezes noticiado o lançamento de um manifesto da Frente Ampla. No
entanto, a ausência do consenso quanto ao seu conteúdo impediu a divulgação do
documento. Em 6 de maio, os articuladores da frente decidiram proclamar o
recesso do movimento, aguardando uma definição mais clara da orientação
governamental.
No dia 9 daquele mês, Juscelino retornou definitivamente ao
Brasil, encontrando-se logo depois com Lacerda e Renato Archer. Embora tivesse
obtido do governo a garantia de plena liberdade de movimento, foi advertido de
que estaria sujeito a prestar depoimentos nos inquéritos em que estivesse
envolvido. Fixou residência no Rio.
Em 1º de setembro, ficou decidido que a direção da Frente
Ampla seria formada exclusivamente de parlamentares e de dois elementos apolíticos,
ligados à Igreja. Ficou também estabelecido que emissários da frente seriam
enviados aos estados a fim de mobilizar a opinião pública. No dia seguinte, no
entanto, 120 dos 133 parlamentares oposicionistas decidiram não ingressar na
frente, por desconfiarem das intenções de Lacerda, que poderia usar o movimento
como base para sua candidatura à presidência da República.
Ainda no início daquele mês, o ministro da Justiça, Luís
Antônio da Gama e Silva, pediu ao Serviço Nacional de Informações (SNI) um
relatório que esclarecesse exatamente em que medida Juscelino estava
comprometido com a frente. No dia 11, Costa e Silva deu ordem para que o
Departamento de Polícia Federal convocasse o ex-presidente a fim de ouvir o
relato de sua participação no movimento. No dia seguinte, entretanto, o
presidente decidiu não adotar nenhuma medida em represália à recusa de
Juscelino em comparecer à Polícia Federal. Naquela noite Juscelino embarcou
para os Estados Unidos. A atitude que assumiu frente às ordens do governo foi
vista com simpatia pelos dirigentes sindicais de quatro das sete confederações
nacionais de trabalhadores, em reunião realizada em 13 de setembro. Sua união
política com Lacerda foi então considerada como a única forma de recolocar um
civil na presidência.
No dia 24 de setembro, Lacerda viajou para o Uruguai,
firmando no dia seguinte com Goulart uma nota conjunta — o Pacto de Montevidéu
— na qual a Frente Ampla era definida como um “instrumento capaz de atender...
ao anseio popular pela restauração das liberdades públicas e individuais, pela
participação de todos os brasileiros na formação dos órgãos de poder e na
definição dos princípios constitucionais que regerão a vida nacional”. O pacto
de Montevidéu repercutiu mal entre o grupo de militares da “linha dura” ligados
à Lacerda, os quais decidiram retirar o apoio que emprestava a este.
Desde então, a direção da Frente Ampla procurou dar ao
movimento um conteúdo mais popular, passando a enfatizar a luta contra a
política salarial do governo e a proceder à aproximação com o setor estudantil.
Diante do avanço “frentista”, o senador Nei Braga, após reunião com outros
líderes da Arena, anunciou no dia 27 de setembro que o governo pretendia
enfrentar a Frente Ampla no terreno político, através de campanha nacional e de
esclarecimento da opinião pública.
Ao regressar ao Brasil em 25 de outubro de 1967, Juscelino
foi ameaçado pelo ministro Gama e Silva de ser confinado durante 60 dias, caso
se envolvesse em atividades políticas. Ainda em 1967, Juscelino assumiu o cargo
de diretor-presidente do conselho administrativo do Banco Denasa de
Investimento, de cuja organização participara.
No dia 15 de março de 1968, Lacerda pronunciou discurso no
qual, além de ressaltar a emergência da concretização da reforma agrária,
acusava o Exército de se ter constituído no efetivo dirigente do país. Em
decorrência, o ex-governador da Guanabara recebeu séria advertência do SNI e
dos altos escalões das forças armadas.
O agravamento da situação política levou o governo a um
enrijecimento de suas posições extinguindo a Frente Ampla no dia 5 de abril de
1968, através da Instrução nº 177 do Ministério da Justiça.
Após a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, Carlos
Lacerda teve seus direitos políticos cassados por dez anos. Em carta dirigida à
Juscelino revelou mais tarde que foi preso no mesmo dia da edição do AI-5,
permanecendo detido por nove dias no 3º Regimento de Infantaria de São Gonçalo
(RJ).
Com a extinção da Frente Ampla, Juscelino abandonou
definitivamente o cenário político, dedicando-se à área empresarial.
Em junho de 1974 foi eleito membro da Academia Mineira de
Letras. Interessado em ingressar na Academia Brasileira de Letras, concorreu,
em 23 de outubro de 1975, a uma cadeira então vaga. Foi porém derrotado pelo
escritor goiano Bernardo Ellis, por um voto de diferença, no terceiro
escrutínio. Em 18 de junho de 1976 recebeu o troféu “Juca Pato” conferido pela
União Brasileira de Escritores, em São Paulo, por ter sido eleito o intelectual
do ano de 1975.
Por essa época, abandonou suas funções junto ao Banco Denasa,
passando a dedicar-se à administração da fazenda que possuía em Luziânia (GO).
Em 22 de agosto de 1976, quando viajava de automóvel para o Rio após curta
estadia na capital paulista — faleceu, vítima de desastre sofrido na via Dutra,
nas proximidades de Resende (RJ).
A despeito do impedimento previsto pelo AI-5 a qualquer
movimento de massa em torno de elementos punidos pelo governo militar, a morte
de Juscelino desencadeou ostensiva manifestação popular em seu louvor, tanto no
Rio como em Brasília. No Rio, onde o corpo foi velado, três mil pessoas o
acompanharam, da Editora Bloch, na praia do Russel, Flamengo, até o aeroporto
Santos Dumont, de onde foi transportado para o Galeão, com destino a Brasília,
onde seria sepultado. Em Brasília, 30 mil pessoas aguardaram a chegada do corpo
do ex-presidente e uma multidão de cem mil seguiu o féretro desde a Catedral
até o cemitério do Campo da Esperança, entoando durante o percurso de oito
quilômetros, além do Hino Nacional, o Peixe-vivo, canção do folclore mineiro
pela qual Juscelino tinha especial preferência.
O presidente da República, Ernesto Geisel, determinou luto
oficial por três dias, primeira homenagem prestada neste sentido pelo governo a
um elemento cassado. Em abril de 1980, teve início em Brasília a construção de
um monumento em homenagem a Juscelino — O Memorial JK — que fora projetado pelo
arquiteto Oscar Niemeyer. Em 17 de setembro, o presidente João Batista
Figueiredo vetou o projeto de lei aprovado pelo Legislativo, de autoria do
senador Tancredo Neves, que cancelava as punições impostas a Juscelino pelo
primeiro governo revolucionário.
No
mês de agosto de 1981, quando o Memorial JK já se encontrava em vias de
conclusão, ocorreram pressões por parte de militares e de grupos de civis, com
o apoio de Sara Kubitschek, para que o projeto fosse modificado, em virtude de
ter despertado suspeitas de compor um símbolo comunista. Niemeyer, porém, com
apoio da opinião pública, insistiu na manutenção do projeto, o qual não seria
afinal alterado. Em 12 de setembro, dia em que JK completaria 79 anos, dona
Sara e o presidente Figueiredo inauguraram o Memorial JK, no qual seria
instalado um museu e uma biblioteca.
Além de relatórios, discursos e conferências, Kubitschek
publicou as seguintes obras: Uma campanha democrática (1959), A marcha do
amanhecer (1962), Por que construí Brasília (1975) e Meu caminho para Brasília
(3v., 1974-1978).
Sobre a trajetória e atuação política de Juscelino, Francisco
de Assis Barbosa escreveu Juscelino Kubitschek: uma revisão na política
brasileira (1960), Míriam Limoeiro Cardoso escreveu Ideologia do
desenvolvimento do Brasil: JK-JQ (1972), Maria Vitória Benevides publicou O
governo Kubitschek — desenvolvimento econômico e estabilidade política (1976) e
Roland Corbisier lançou JK e a luta pela presidência; uma campanha civilista
(1976). Foram editados ainda Confissões do exílio — JK (1977), de Osvaldo
Orico, e O governo Juscelino Kubitschek (1981), de Ricardo Maranhão.
Sílvia Pantoja
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