KLINGER,
Bertoldo
*militar; ch. pol. DF 1930; rev. 1932.
Bertoldo Klinger nasceu
em 1º de janeiro de 1884 na cidade de Rio Grande (RS), filho do imigrante
austríaco Antônio Klinger e de Suzana Ritter, descendente de alemães. No
Brasil, seu pai trabalhou até 1883 como colono e professor em Nova Petrópolis
(RS), na época colônia integrante do município de São Leopoldo (RS). Nesse ano
tornou-se proprietário de uma fábrica de cerveja, ampliando a seguir seu
negócio com a produção de malte. Pouco depois da promulgação da Constituição
republicana de 1891, que estabeleceu o direito de nacionalização dos
imigrantes, foi nomeado capitão da Guarda Nacional, atingindo depois o posto de
major e o cargo de conselheiro municipal. Em 1898, Antônio Klinger fechou as
duas fábricas de sua propriedade e se transformou em representante de uma
poderosa cervejaria, sediada em Pelotas (RS) e pertencente a seus cunhados
Carlos e Frederico Ritter.
Bertoldo Klinger realizou seus estudos básicos em dois
colégios alemães e um francês, situados em sua cidade natal, onde permaneceu
até 1899, quando ingressou na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo
(RS). Transferiu-se dois anos depois para a Escola Militar da Praia Vermelha,
no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, passando à condição de alferes-aluno
em 1903. Contraiu nessa época um começo de beribéri e, licenciado, viajou para
sua terra, retornando à escola em 1904. Em novembro desse ano, tomou parte
junto com seus colegas na revolta contra a vacina obrigatória, recém-decretada
pelo governo de Rodrigues Alves. Sufocado o movimento, a escola foi fechada e
Bertoldo Klinger foi preso, assim como seus companheiros, sendo anistiado em 1º
de setembro de 1905.
Transferida para Realengo — escreveu Bertoldo Klinger — a
Escola Militar foi reaberta em 1906 com o currículo alterado de modo a eliminar
os “exageros teóricos” dos anos anteriores, o que valeu ao ensino ali
ministrado o apelido de “curso de alfafa.” Klinger iniciou então o curso
“especial” de engenharia e estado-maior e, no ano seguinte, foi promovido a
segundo-tenente. Diplomou-se no início de 1908, sendo incorporado à comissão
construtora da Vila Militar, no Rio. Em maio seguinte, foi nomeado auxiliar da
comissão construtora da estrada que ligava Guarapuava à colônia militar situada
em Foz do Iguaçu, no Paraná. Promovido a primeiro-tenente em outubro de 1908,
optou pela arma da artilharia, sendo transferido em janeiro seguinte para o 6º
Regimento de Artilharia, em Curitiba. Em 1910, durante a acirrada campanha
eleitoral para a presidência da República, participou de manobras militares
realizadas pela 2ª Brigada Estratégica na fronteira do Paraná com São Paulo.
Essas manobras foram denunciadas pelos partidários da candidatura “civilista”
de Rui Barbosa como um recurso de intimidação a favor do marechal Hermes da
Fonseca, candidato afinal vitorioso no pleito realizado em março.
Passada a crise sucessória, Hermes da Fonseca visitou a
Alemanha, recebendo convite para que uma turma de oficiais brasileiros
estagiasse durante dois anos no Exército daquele país. Klinger foi um dos
escolhidos, permanecendo lotado junto ao 24º Regimento de Artilharia alemão,
sediado em Güstrow, entre 1910 e 1912, período em que tomou contato com as
inovações técnicas, a organização e a disciplina do Exército germânico. De
volta ao Brasil, foi servir no 1º Regimento de Artilharia, sediado no Rio, onde
ficou encarregado da preparação dos sargentos. Em outubro de 1913, foi um dos
fundadores da revista A Defesa Nacional, junto com Euclides Figueiredo, Basílio
Taborda, Genserico de Vasconcelos, Augusto de Lima Mendes e outros oficiais que
haviam cumprido estágio semelhante ao seu. Nos dois anos seguintes, foi o
redator-chefe da revista, a qual desempenhou importante papel na luta para pôr
em prática a lei que determinava o recrutamento militar através de sorteio
(promulgada em 1908 mas inaplicada até 1916), na defesa da ampliação do ensino
militar nos estabelecimentos escolares de nível secundário e superior, e na
campanha pela modernização do Exército brasileiro. A influência da doutrina
militar alemã nos oficiais agrupados em torno da revista fez com que fossem
chamados por seus adversários de “jovens turcos”, em alusão aos militares
turcos que, depois de estagiarem na Alemanha, introduziram reformas políticas e
militares em seu país.
Klinger,
o capitão Lima e Silva e o primeiro-tenente J. Pompeu Cavalcanti foram punidos
com 25 dias de prisão em 1915 por causa de um artigo publicado no número 26 de
A Defesa Nacional, que criticava a forma como haviam sido realizados os exames
de batalhão no ano em curso. Mesmo assim, no número seguinte da revista esses
oficiais mantiveram a mesma posição, o que provocou a extensão da pena para
mais um mês e a transferência de Klinger para o 4º Regimento de Artilharia,
sediado em São Gabriel (RS). Dessa forma, ele teve que se afastar
temporariamente da direção da revista.
Em
fevereiro de 1918, foi promovido a capitão e, requisitado para servir no Estado
Maior do Exército (EME), regressou em abril ao Rio de Janeiro, onde reassumiu a
chefia da redação de A Defesa Nacional. No ano seguinte, a revista se
pronunciou contra a escolha de ministros civis para pastas militares e o
contrato de uma missão militar francesa para promover a reorganização do
Exército brasileiro, medidas aplicadas pelo governo de Epitácio Pessoa
(1919-1922). Segundo o próprio Klinger, esse posicionamento público provocou
sua exclusão do quadro de promoções nesse período. Mesmo assim, matriculou-se
em 1920 no curso de revisão do EME e participou das manobras militares
realizadas em São Paulo sob a direção da missão francesa chefiada pelo general
Maurice Gustave Gamelin. Afastou-se voluntariamente da direção da revista em
fins de 1920, quando foi designado para integrar o gabinete do chefe do EME,
general-de-divisão Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, cuja gestão transformou
profundamente as funções desse órgão, que passou a assumir posições de comando
na organização do Exército.
As posições de Klinger em relação à missão francesa
provocaram, em fevereiro de 1921, sua transferência para o Peru como adido
militar. Retornou ao Brasil no ano seguinte, passando a comandar em junho o 1º
Grupamento do 4º Regimento de Artilharia (RA), sediado em Itu (SP). No mês
seguinte, eclodiu em guarnições militares do Rio e de Mato Grosso uma revolta,
rapidamente sufocada, contra o fechamento do Clube Militar e a prisão do
marechal Hermes da Fonseca, decretadas pelo governo de Epitácio Pessoa, e
contra a eleição de Artur Bernardes para a presidência da República. Nessa
ocasião, Klinger auxiliou o coronel Aurélio Amorim a conter a exaltação
existente no 4º RA, impedindo a adesão de sua tropa ao levante que iniciou o
ciclo de revoltas tenentistas da década de 1920.
Em dezembro de 1922 foi promovido a major, permanecendo
lotado no mesmo regimento até junho de 1924, quando teve um atrito com seu novo
comandante e foi transferido para o Grupo de Artilharia de Costa de Itaipus
(SP). Dois dias depois da eclosão da revolta de 5 de julho de 1924, Klinger foi
preso sob suspeita de colaboração com os rebeldes que, chefiados pelo general
Isidoro Dias Lopes, ocuparam a capital paulista durante três semanas. Segundo o
próprio Klinger, essa acusação tinha certo fundamento, pois os rebeldes o
haviam procurado durante a fase conspirativa do movimento e, em seguida,
divulgado que contavam com sua adesão. Entretanto, Juarez Távora afirma em suas
Memórias que a participação de Klinger na conspiração foi bem mais
significativa: ele teria integrado o estado-maior do general Isidoro em
fevereiro na condição de “colaborador imediato” do chefe revolucionário. Foi
recolhido inicialmente a bordo do couraçado Minas Gerais, atracado em Santos
(SP), e logo removido para o Rio de Janeiro, onde permaneceu preso na Casa de
Correção até novembro do mesmo ano. Nesse episódio, Klinger foi acusado pelos
rebeldes de traidor, o que ensejaria a publicação, em 1928, de um folheto de
sua autoria intitulado É porque é.
Na
época da libertação de Klinger a revolta paulista ainda não estava totalmente
terminada pois, expulsos da capital, os rebeldes haviam marchado para o
interior, onde iriam fazer a junção em abril do ano seguinte com tropas gaúchas
também sublevadas, formando a Coluna Prestes-Miguel Costa. Klinger, segundo
suas próprias palavras, foi transferido para “longe do barulho”, assumindo a
função de fiscal do 1º Regimento de Artilharia Mista, pequena unidade sediada
em Campo Grande, no então estado de Mato Grosso e atual capital de Mato Grosso
do Sul. No mês seguinte, assumiu interinamente o comando desse regimento.
Em
maio de 1925, a Coluna Prestes penetrou em Mato Grosso. A guarnição federal de
Ponta Porã (MS) debandou tomada pelo pânico e Klinger foi enviado para
reorganizar os contingentes legalistas. O primeiro combate ocorreu na cabeceira
do rio Apa no dia 14 desse mês, resultando no recuo dos revoltosos, que não
foram perseguidos porque as tropas legalistas não dispunham de meios de
transporte suficientes. Klinger concentrou então sua unidade em Campo Grande.
Em seguida, foi nomeado chefe do estado-maior de outro destacamento que se
organizara em Ribeirão Claro (MS). Partiu em direção a Santa Rita do Araguaia,
na fronteira dos estados de Goiás e Mato Grosso, em missão de reconhecimento de
terreno, acompanhado de efetivos da polícia mineira transportados em 16
caminhões. Na segunda quinzena de maio ocorreram combates em Couto Magalhães
(MS) e em Dois Córregos (MS). A coluna rumou então para Goiás através de
caminhos inacessíveis a caminhões, fazendo com que as tropas de Klinger se
dirigissem para o povoado de Mineiros (GO), a fim de aguardar ali a chegada dos
rebeldes. Em 27 de junho, houve novo choque na altura da ponte do Cedrinho,
sobre o rio Verde, situada a cerca de seis quilômetros daquele povoado. Dois
dias depois, Klinger enviou aos chefes da coluna uma proposta de rendição,
alegando superioridade militar das tropas legalistas. A resposta veio no dia
seguinte assinada por Miguel Costa que, além de recusar a oferta, acusou
Klinger de traidor.
Seguiram-se novos choques em Anápolis, Santa Luzia e Arraial
Velho, em Goiás. Diante da impossibilidade de perseguir a coluna em caminhões,
Klinger dissolveu seu destacamento, tendo sido responsabilizado por essa
iniciativa perante um tribunal militar e preterido na promoção de oficiais
ocorrida pouco depois. Apesar de absolvido em primeira instância, foi condenado
em 1926 pelo Supremo — hoje Superior — Tribunal Militar a seis meses de prisão,
dos quais cumpriu cerca de três meses e meio. Graças aos embargos que opôs a
essa sentença, foi submetido a novo julgamento e, então, absolvido por
unanimidade. Todo esse processo foi objeto de um folheto de sua autoria
intitulado Como cumprir meu dever. Escreveu também um pormenorizado relato
sobre a campanha militar contra os revolucionários da Coluna Prestes,
intitulado “360 léguas de campanha em três meses”, que constituiria o quarto
volume de suas Narrativas autobiográficas (1944-1953, 7v.).
Em março de 1927 foi classificado no 2º Regimento de
Artilharia, sediado em Santa Cruz, no Distrito Federal. Promovido a
tenente-coronel em maio seguinte, passou pouco depois à condição de
subcomandante dessa unidade, sendo transferido em março de 1929 para a
Diretoria de Material Bélico. Exonerado desse setor cinco meses depois, foi promovido
a coronel em setembro e permaneceu sem função, voltando a participar da redação
de A Defesa Nacional. Colaborou também regularmente com O Jornal, assinando
seus artigos como “Comandante Nobre de Gusmão” ou “Um observador militar”, mas
não aceitou a oferta de Francisco de Assis Chateaubriand, proprietário do
jornal, no sentido de se integrar nas operações para a captura do cangaceiro
Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”. Para Klinger, isso era “serviço, no
máximo, para capitão, aparelhado com autotransporte, metralhadora e rádio”.
Na Revolução de 1930
Já em agosto de 1929, Klinger recebera de Assis Chateaubriand
um convite para conversar com Osvaldo Aranha e Afrânio de Melo Franco, dois
importantes líderes da coligação oposicionista Aliança Liberal, recém-formada
para apoiar a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa nas eleições presidenciais de
março de 1930. O contato foi desdobrado depois da vitória do candidato
situacionista Júlio Prestes nesse pleito, contestada por setores aliancistas
que passaram a articular a deflagração de um levante armado contra o governo de
Washington Luís. Apesar de simpatizar com a oposição, Klinger manifestou sua
posição contrária a “levantes regionalistas” e sua negativa em transgredir a
disciplina militar.
Em
abril de 1930, assumiu a chefia do estado-maior do 1º Grupo de Regiões
Militares, sediado no Rio e comandado pelo general-de-divisão João de Deus Mena
Barreto. A conspiração aliancista prosseguiu e a revolução foi deflagrada no
Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e na Paraíba no dia 3 de outubro desse ano.
Segundo Klinger, pouco depois oficiais lotados na capital federal começaram a
articular um movimento contra o governo. A evolução das ações militares nas
semanas seguintes foi favorável aos rebeldes, que conquistaram várias capitais
e começaram a marchar em direção ao Rio de Janeiro. Nesse contexto oficiais de
alta patente lotados no Distrito Federal decidiram promover a deposição de
Washington Luís e a formação de uma junta militar. Descomprometida com Getúlio
Vargas, líder nacional da revolução, a junta deveria ser capaz de dirigir um
novo processo de escolha do presidente da República. Nas suas Narrativas
autobiográficas, Klinger afirmou ter sido o responsável pela adesão de seu
chefe, general João de Deus Mena Barreto, que se tornou o principal articulador
do golpe. Para não romper a hierarquia militar, o general mais antigo no
serviço ativo, Augusto Tasso Fragoso, foi convidado para dirigir o movimento.
No dia 20 de outubro, quando os revolucionários já dominavam
quase todo o país, Klinger assumiu a chefia do estado-maior das autodenominadas
“forças pacificadoras”, isto é, os contingentes da capital comprometidos com o
golpe. Dois dias depois, redigiu as ordens de operação e a intimação que, com
algumas alterações propostas por Mena Barreto, seria assinada pelos
oficiais-generais e entregue na manhã do dia 24 a Washington Luís. Entretanto,
por exigência de Tasso Fragoso, o ultimato foi substituído por um apelo à
renúncia do presidente.
Klinger chegou ao palácio Guanabara, sede do governo, às 13
horas do dia 24, quando ainda persistia o impasse criado pela negativa de
Washington Luís em deixar o local. “O jardim estava cheio de tropa, em visível
desordem, e os generais Tasso, Mena e Malan se encontravam no pavimento térreo,
que fervilhava de oficiais.” A confusão na cidade era grande. O general Tasso
Fragoso já era considerado presidente da junta governativa — composta também
por Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha — e, nessa condição, nomeou
Klinger chefe de polícia, cargo que nas horas anteriores já havia sido ocupado
por três ou quatro pessoas, inclusive o coronel José Sotero de Meneses. Às 17
horas, Washington Luís consentiu em se retirar do palácio e a junta militar
assumiu formalmente o poder. Só na manhã do dia seguinte Klinger passou a
responder efetivamente por suas novas funções. No dia 27, proibiu a realização
de reuniões e comícios, e advertiu a população de que quaisquer depredações
seriam reprimidas.
A junta enviou vários telegramas a Getúlio Vargas propondo a
suspensão das hostilidades. O estado-maior revolucionário, entretanto, pouco
seguro das intenções dos novos governantes, enviou Osvaldo Aranha, Lindolfo
Collor e Herculino Cascardo para negociarem as condições da transferência do
poder a Vargas e ordenou que os destacamentos rebeldes continuassem avançando
em direção ao Rio de Janeiro com o objetivo de garantir a vitória da revolução.
Nesse contexto, no dia 28 de outubro Klinger emitiu uma nota afirmando: “Senhor
do pensamento que congrega as vontades dos dirigentes nas diversas frentes,
declaro que é destituída de qualquer consistência a balela de que a junta será
sumariamente destituída, que ela entregará as rédeas do governo ao doutor
Getúlio Vargas, cujos partidários, segundo tal invencionice, o considerariam
como perfeitamente vencedor no último pleito eleitoral.” Essas afirmações foram
logo desautorizadas pela junta, que, por influência de Afrânio de Melo Franco e
Osvaldo Aranha, esclareceu que aguardava a chegada de Vargas à capital para transmitir-lhe
o poder “como chefe da revolução triunfante”.
No
dia 3 de novembro, instalou-se finalmente o Governo Provisório de Getúlio
Vargas e Klinger deixou a chefia da polícia, retornando ao estado-maior do 1º
Grupo de Regiões Militares. Nessa ocasião, enviou ofício ao novo ministro da
Justiça, Osvaldo Aranha, exaltando a revolução e o Rio Grande do Sul, que havia
sido o primeiro estado a “sangrar pelo Brasil” e pouco depois manifestou-se
contrário à convocação de uma assembléia constituinte.
Na Revolução de 1932
Klinger recebeu a patente de general-de-brigada em 7 de maio
de 1931, na grande promoção de chefes militares realizada pelo Governo
Provisório. Entretanto, no mês seguinte foi afastado dos principais centros de
decisões políticas e militares, sendo lotado no comando da Circunscrição
Militar de Mato Grosso. Tornou-se então cada vez mais hostil aos “tenentes”,
que constituíam nesse momento a corrente hegemônica do Exército. Uma das suas
primeiras medidas naquele estado foi proibir a filiação de oficiais sob o seu
comando ao “famigerado” Clube 3 de Outubro, organização tenentista partidária
da manutenção e do aprofundamento das reformas instituídas pela Revolução de
1930.
Em viagem de férias ao Rio, Klinger entrou em contato com
oficiais igualmente contrários ao tenentismo e ao Governo Provisório, que
haviam organizado a União da Classe Militar (UCM) para defender o reforço da
disciplina e o afastamento das forças armadas da vida política. Entre esses
militares, estavam o tenente Agildo Barata e oficiais da Marinha, como os
capitães Guimarães Roxo, Edmundo Muniz Barreto e Luís de Brito Albernaz. Esse
grupo, pouco expressivo no interior das forças armadas, teve curta duração, mas
estabeleceu os primeiros contatos entre correntes militares dissidentes e as
forças políticas paulistas que também combatiam o governo central e defendiam a
devolução da autonomia estadual e a reconstitucionalização do país. Em 1932, a
UCM se desdobrou com a formação do Clube 24 de Fevereiro, apoiado pelo general
Lauro Sodré, o capitão Floriano Peixoto Keller e os tenentes Adauto Pereira de
Melo e Floduardo Gonçalves, entre outros.
Klinger já estava de volta a Mato Grosso quando eclodiu, em
1º de março de 1932, a revolta do 18º Batalhão de Caçadores, sediado em Campo
Grande, que provocou a morte de um soldado e ferimentos em outros três. O
levante, sufocado pela intervenção das tropas do Grupo de Artilharia, teve,
segundo Klinger, “integral cunho comunista” e foi deflagrado “em inteira
surpresa, pois nada transpirara nem existia qualquer pretexto de reivindicações
de direitos postergados pelos superiores hierárquicos”. No mês seguinte,
Klinger utilizou contingentes de Campo Grande e de Bela Vista (MS) na repressão
aos pequenos camponeses de Ponta Porã, Campanário e outras regiões situadas no
sul de Mato Grosso, que estavam resistindo à expansão de suas terras promovida
pela Companhia Mate Laranjeiras. Esse episódio, encerrado no dia 21 de abril
com a captura dos últimos posseiros rebelados, foi objeto do livro Nas fronteiras
de Mato Grosso — terra abandonada, publicado em 1933 por Umberto Puiggari, que
criticou duramente a atuação de Klinger.
Nessa época, a Frente Única Paulista (FUP), formada pelos
dois partidos mais fortes de São Paulo, já estava preparando um levante armado
contra o Governo Provisório, enquanto correntes políticas e grupos militares de
outros estados — notadamente do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais — se
articulavam para impedir o isolamento de São Paulo. Em 24 de abril, Klinger foi
convidado a participar do movimento através de uma carta do general Isidoro
Dias Lopes, que coordenava os preparativos militares em São Paulo. Pouco
depois, nova carta, datada de 1º de maio, lhe ofereceu o comando das forças
constitucionalistas depois da deflagração da luta. Klinger aderiu à conspiração
e tomou as primeiras providências para preparar o levante em Mato Grosso,
procurando inicialmente garantir a fidelidade dos oficiais que exerciam funções
de comando na região. Seu estado-maior, formado pelo tenente-coronel Osvaldo
Vilabela e Silva, o capitão Alberto Salaberri e o primeiro-tenente Adauto
Pereira de Melo, planejou manter cerca de mil soldados em Mato Grosso durante a
luta, deslocando para São Paulo um contingente de cinco mil homens sob o
comando direto do coronel Saturnino de Paiva. Para garantir essa movimentação,
tornou-se necessário assegurar desde logo o controle da ponte sobre o rio
Paraná, situada no município fronteiriço de Três Lagoas (MS).
Em maio, a situação em São Paulo ficou ainda mais tensa em
virtude das manifestações populares contra a presença no estado do ministro da
Fazenda Osvaldo Aranha. Vargas nomeou o coronel e ex-interventor Manuel Rabelo
para o comando da 2ª Região Militar (2ª RM), sediada em São Paulo e, pouco
depois, o interventor Pedro de Toledo formou seu secretariado exclusivamente
com membros da FUP, tornando-se ainda mais nítida a perspectiva de
enfrentamento. Nessa ocasião, Klinger telegrafou ao coronel Rabelo usando
termos considerados pelo destinatário como “hostis e provocadores” para
expressar sua apreensão quanto à possibilidade de este vir a depor o novo
governo paulista.
A deflagração do movimento constitucionalista estava prevista
para depois de 15 de julho. Entretanto, Klinger precipitou os acontecimentos ao
redigir, no dia 1º desse mês, um ofício dirigido ao general Augusto Inácio do
Espírito Santo Cardoso, recém-nomeado ministro da Guerra, afirmando que ele não
tinha condições físicas nem mentais para assumir o cargo, além de desconhecer
os problemas do Exército. Vários companheiros, civis e militar, tentaram
demovê-lo de enviar esse documento ao ministro, mas o esforço foi inútil e a
carta chegou às mãos do destinatário no dia 6. Como conseqüência, foi decretada
a reforma administrativa de Klinger no dia 8, o que provocou a deflagração do
levante em São Paulo no dia seguinte, em virtude da necessidade de contar com o
apoio das tropas estacionadas em Mato Grosso. Os revolucionários paulistas
assumiram rapidamente o controle do estado e a chefia da 2ª RM, passou para o
coronel Euclides Figueiredo, que telefonou para Klinger avisando-o de que todas
as forças estaduais e federais estacionadas em São Paulo, num total de 20 mil
homens, estavam sob seu comando. Ao mesmo tempo, a mobilização civil ganhou
grandes proporções e Pedro de Toledo foi aclamado em manifestação popular
governador revolucionário de São Paulo.
Klinger
só chegou à capital paulista no dia 12 de julho, sendo recebido com grande
entusiasmo. Segundo Menotti del Picchia, “a multidão acompanhou delirante o
novo paladino da causa que São Paulo abraçara. Para dar mais marcialidade ao
espetáculo, o general Klinger desceu do auto oficial onde vinha rodeado por
vários membros do governo e montou num cavalo cedido por um dos cavalarianos da
sua guarda. O raiar da revolução era todo feito da teatralidade espontânea que
cerca os grandes lances da história”. Entretanto, todo esse entusiasmo não
escondeu o fato de que Klinger chegara desacompanhado do contingente militar
esperado. Foi interrogado sobre esse assunto ao receber de Euclides Figueiredo
o comando da 2ª RM, respondendo que o deslocamento das tropas de Mato Grosso
não era necessário.
Desde
cedo os prognósticos dos revolucionários em relação à guerra civil se revelaram
falsos. O plano constitucionalista se assentava na adesão do Rio Grande do Sul
e de Mato Grosso, e no apoio proveniente de Minas Gerais, conforme articulações
previamente realizadas. Essas alianças garantiriam uma ofensiva capaz de levar,
em curto espaço de tempo à derrubada do Governo Provisório. Entretanto, no
próprio dia 10 de julho, José Antônio Flores da Cunha, interventor no Rio
Grande do Sul, lançou um manifesto afirmando sua fidelidade a Getúlio Vargas.
Ao mesmo tempo, o presidente de Minas Gerais, Olegário Maciel, também se
comprometeu a apoiar as forças federais, apesar dos esforços em contrário
desenvolvidos por Marcos Mélega, Fernando Costa e Aureliano Leite, entre
outros. Assim, isolados diante de um inimigo muito superior, os paulistas foram
obrigados a travar uma guerra defensiva, limitada ao seu próprio território.
São Paulo realizou então um gigantesco esforço de guerra, com a incorporação da
população civil nos batalhões de voluntários e a conversão da capacidade
produtiva das metalurgias e oficinas mecânicas para fins militares.
Na
frente sul, os paulistas formaram um destacamento comandado pelo coronel
Basílio Taborda e constituído por 4.800 homens dispostos no eixo da linha
férrea Sorocabana, ramal de Itararé, e no eixo da rodovia Itapetininga-Ribeira.
Além disso, contavam com mais 3.500 homens distribuídos entre a linha férrea e
a cidade de Ourinhos. Sua artilharia nesse setor dispunha de nove canhões,
enquanto que a infantaria contava com uma arma automática para cada grupo de 50
homens. As tropas federais que operavam nessa região eram comandadas
pelo general Valdomiro Lima e contavam com aproximadamente 18 mil homens das
forças regulares do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, além de 27
corpos provisórios da Brigada Gaúcha, chefiados pelos generais João Francisco
Pereira de Sousa e Elisiário Paim, do 22º Batalhão de Caçadores, da Paraíba, e
de contingentes das polícias de Pernambuco, e do Maranhão.
No setor do vale do rio Paraíba, ao norte, as forças
paulistas comandadas por Euclides Figueiredo formaram a 2ª Divisão de
Infantaria em Operações (2ª DIO), cujo quartel-general foi instalado
inicialmente em Lorena e depois em Aparecida do Norte. Seu principal objetivo
era assegurar o controle do vale do Paraíba e preparar a incursão rumo ao Rio
de Janeiro, o que foi impossibilitado pela grande superioridade numérica e
técnica dos destacamentos federais comandados pelo general Pedro Aurélio de
Góis Monteiro, formados com tropas da 1ª e da 4ª regiões militares, de polícias
dos estados do Norte, fuzileiros navais e marinheiros, num total de 20 mil
homens apoiados por artilharia e aviação. Na fronteira com Minas, os
revolucionários paulistas também se defrontaram com imensas dificuldades para
resistir ao assédio dos contingentes legalistas comandados pelos generais Jorge
Pinheiro e Manuel Rabelo.
No final de julho e início de agosto, os paulistas sofreram
no setor sul importantes derrotas. As tropas federais ocuparam Itararé, Faxina,
Buri, Ribeira e Apiaí. Em setembro, os destacamentos mineiros também avançaram
pelo estado de São Paulo, ocupando Itapira, Mojimirim e Amparo. Pouco depois,
Campinas sofreu bombardeio aéreo, enquanto na frente leste, as tropas federais
que haviam desembarcado em Parati (RJ) ultrapassaram a serra do Mar e ocuparam
Cunha (SP).
A inferioridade militar dos paulistas ficava cada vez mais
evidente. Diante disso, Klinger enviou uma carta a Vargas no dia 14 de
setembro, propondo a discussão de um armistício. O intermediário desse contato
entre o comandante-geral das forças constitucionalistas e o chefe do Governo
Provisório foi o ministro da Marinha, almirante Protógenes Guimarães, portador
também da resposta em que Vargas reafirmava as bases de sua proposta de paz:
deposição das armas pelos revolucionários, reorganização do governo estadual
com a nomeação de um interventor civil e paulista, afastamento dos líderes do
movimento constitucionalista e anistia para os efeitos criminais, sem prejuízo
das sanções administrativas que o Governo Provisório aplicaria aos responsáveis
pela revolta.
No dia 27 de setembro, o comandante da Força Pública
paulista, coronel Herculano de Carvalho e Silva, promoveu uma reunião da alta
oficialidade dessa corporação, com a presença também do major Alexandrino Gaia,
representante de Klinger. Esses oficiais consideraram que a derrota militar de
São Paulo estava configurada e delegaram poderes ao coronel Herculano para
desenvolver os entendimentos necessários à cessação dos combates. Informado em
seguida dessa decisão, Euclides Figueiredo começou a articular uma reunião de
urgência com o governador Pedro de Toledo, membros do governo estadual e todos
os chefes militares paulistas, a fim de convencê-los a prosseguir a luta.
Entretanto, no dia seguinte Klinger enviou telegrama aos comandantes de tropas
constitucionalistas comunicando a iminência de um pedido de armistício.
Euclides viajou então para a capital do estado e conseguiu que Klinger não
divulgasse essa intenção e o autorizasse a apelar para que o coronel Herculano
não iniciasse negociações de paz em separado. Contatado, o comandante da Força
Pública respondeu ser impossível suspender os entendimentos com as forças
governistas.
Klinger
se recusou a participar da reunião com o governador Pedro de Toledo, realizada
no dia 28 de setembro, pois se considerava firmemente decidido a pedir o
armistício. Deu um prazo até uma hora da manhã do dia 29 para obter a decisão
do governo revolucionário e se dirigiu pessoalmente para a estação telegráfica
da Western a fim de aguardar a resposta. Pouco antes do esgotamento do prazo,
apareceu um emissário do governo estadual, Valdemar Ferreira, comunicando que o
impasse persistia e pedindo dilatação do prazo. Não obteve êxito. Klinger
encaminhou o pedido de armistício a Vargas e enviou o tenente-coronel Vilabela
para negociar com o general Góis Monteiro, que impôs condições consideradas
inaceitáveis para a rendição, entre as quais o desarmamento geral das forças
constitucionalistas.
Klinger elaborou nova proposta, enviada no dia 1º de outubro
ao general Góis Monteiro através de dois emissários seus e dois do coronel
Herculano. O comandante legalista preferiu tratar em separado com os oficiais
do Exército e os da Força Pública, obtendo destes o compromisso de que essa
corporação recuaria para a capital paulista, com a missão de manter a ordem,
passando a reconhecer unicamente a autoridade do Governo Provisório. Em
contrapartida, os oficiais da Força Pública manteriam todas as vantagens e
regalias correspondentes aos postos que ocupavam antes da guerra civil, e os
prisioneiros dessa corporação seriam libertados.
No dia 2 de outubro, o alto comando da Força Pública aprovou
por unanimidade os termos do armistício e, em seguida, Klinger decidiu cessar
qualquer resistência armada, ordenando o retraimento geral das forças
constitucionalistas. O governo paulista foi então deposto, cabendo ao coronel
Herculano assumir interinamente o poder, que seria transferido no dia 6 para o
general Valdomiro Lima na condição de interventor federal.
Com
a derrota da revolução, Bertoldo Klinger foi preso e, em seguida, enviado para
o exílio em Lisboa junto com outros líderes constitucionalistas. Nessa cidade,
um grupo de 34 oficiais exilados criou um conselho de generais para reorganizar
o movimento. Foi então planejada a criação de um comitê sediado em Buenos
Aires, onde estavam muitos exilados, inclusive Euclides Figueiredo. O plano
consistia em preparar um novo movimento armado que seria deflagrado no Rio
Grande do Sul com o apoio de cerca de 80 oficiais do Exército lotados em São
Paulo. Klinger, Euclides Figueiredo, Basílio Taborda e Palimércio de Resende
foram figuras exponenciais dessa conspiração, disputando inclusive sua
liderança.
Depois
da vitória sobre os paulistas, Vargas convocou para maio de 1933 eleições para
a formação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que se reuniria a partir de
15 de novembro seguinte com a incumbência de promulgar a nova Constituição,
julgar os atos do Governo Provisório e eleger o novo presidente da República.
Nesse ano, Klinger integrou a Ação Nacional Constituinte, organização
político-militar composta principalmente por exilados para assegurar a
instalação da Constituinte e impedir a eleição de Vargas para a presidência.
Em
29 de maio de 1934, durante os trabalhos constituintes, Vargas decretou anistia
para os revoltosos de 1932, propiciando assim o retorno dos exilados. Segundo
relatórios preparados por Filinto Müller, chefe de polícia do Distrito Federal,
Klinger e seus companheiros continuaram conspirando contra o governo mesmo
depois da promulgação da nova Carta.
Depois do exílio, Klinger dedicou-se intensamente à
literatura, escrevendo as suas memórias, traduzindo publicações alemãs,
realizando estudos genealógicos e desenvolvendo uma ortografia própria,
denominada “ortografia simplificada brasileira”, que aplicou em suas próprias
obras. Em 1947, conseguiu reverter ao serviço ativo do Exército, recebendo
patente de general-de-divisão a contar desde 25 de dezembro de 1945. Ainda esse
ano, foi reformado. De setembro a dezembro de 1954, foi auxiliar do general
Pantaleão da Silva Pessoa, diretor da Comissão Federal de Abastecimento e
Preços (Cofap), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho.
Depois
do comício realizado pelo presidente João Goulart na Central do Brasil, no Rio,
em 13 de março de 1964, Klinger redigiu um manifesto, publicado pela imprensa
com a assinatura de 80 oficiais da reserva, no qual exortava as forças armadas
a “defenderem a legalidade” que segundo ele, estava sendo vilipendiada pelo
governo. No dia 31 desse mês, um movimento político-militar derrubou Goulart.
Bertoldo Klinger faleceu no Rio de Janeiro em 31 de janeiro
de 1969. Era casado com Leopoldina de Almeida Klinger, com quem teve seis
filhos.
Além
de numerosos artigos e opúsculos militares, muitos dos quais publicados na
revista A Defesa Nacional, e das obras já citadas, escreveu: Como cumpri meu
dever (1926), Nós e a ditadura (1933), Manobras em Nioaque em 1931 (1933),
Ortografia simplificada brasileira (1940), Parada e desfile duma vida de
voluntário do Brasil na primeira metade do século (1958), Sê e sê (1962) e Uma
família Ritter no Brasil desde 1846 (1965).
O arquivo de Bertoldo Klinger encontra-se depositado no
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc)
da Fundação Getulio Vargas.
Jorge Miguel Mayer
FONTES: ARQ.
BERTOLDO KLINGER; ARQ. GETÚLIO VARGAS; CARNEIRO, G. História; Correio do Povo
(20/12/36); COUTINHO, A. Brasil; CURRIC. BIOG.; Efemérides paulistas; Encic.
Mirador; FIGUEIREDO, E. Contribuição; FUND. GETULIO VARGAS. Guia; Grande encic.
Delta; JARDIM, R. Aventura; KLINGER, B. Narrativas; LAGO, L. Relação; LEITE, A.
História; LEVINE, R. Vargas; MENDONÇA, R. Dic.; REIS JÚNIOR, P. Presidentes;
SILVA, H. 1932; SILVA, H. 1935.