GOMES,
Severo
*min. Agric. 1966-1967; min. Ind. e
Com. 1974-1977; sen. SP 1983-1987; const. 1987-1988; sen. SP
1987-1991.
Severo Fagundes Gomes nasceu
na cidade de São Paulo em 10 de agosto de 1924, filho de Olívio Gomes e de
Augusta Fagundes Gomes. Seu pai participou da construção da estrada de ferro
Madeira-Mamoré, que ligou o Brasil à Bolívia e na década de 1930 adquiriu a
empresa têxtil Cobertores Paraíba, sediada em São José dos Campos (SP), região em que se tornou também proprietário de terras e criador de
gado.
Estudou
no Colégio São Luís, na capital paulista, e em 1942 ingressou na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP). No ano seguinte prestou novo exame
vestibular para a Faculdade de Filosofia da USP, onde cursou ciências sociais.
Nessa época havia na Faculdade de Direito duas agremiações estudantis, ambas vinculadas
ao governo do presidente Getúlio Vargas. Severo Gomes foi um dos fundadores de
uma terceira agremiação, a Frente Acadêmica pela Democracia, e um dos
signatários do Manifesto à nação (1/11/1943) contra o Estado Novo,
patrocinado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto.
Em 1945 foi convocado para a Força Expedicionária Brasileira
(FEB), que lutava na Europa contra os países do Eixo, mas não chegou a embarcar
pois a Segunda Guerra Mundial acabou dois meses depois de sua convocação. Ainda
assim, prestou o serviço militar em São Paulo durante a maior parte do ano, o que o impediu de prosseguir o curso de ciências sociais.
Diplomado
em direito em 1947, dedicou-se à administração das empresas da família,
juntamente com o pai e um irmão. Durante os 17 anos em que atuou exclusivamente
na iniciativa privada, foi diretor-presidente da Tecelagem Paraíba (sucessora
da Cobertores Paraíba), que se tornou uma das dez maiores empresas brasileiras
do setor, e diretor-superintendente da Tecelagem Paraíba do Nordeste, com sede
em Moreno (PE), que também entraria para o rol das maiores empresas têxteis do
país.
Sua família realizou ainda importantes investimentos no setor
rural, tornando-se proprietária da maior criação nacional de búfalos, na fazenda
Araguaia, sul do Pará, e da fazenda Santana do Rio Abaixo, em São José dos Campos, da qual Severo Gomes foi diretor-superintendente e que firmou-se como a maior
produtora de leite do país.
Membro do conselho consultivo do Banco Mercantil de São
Paulo, conselheiro da Associação Comercial do Estado de São Paulo, presidente
da Associação Brasileira de Criadores e diretor da Sociedade Rural Brasileira
(cargo que abandonou em 1960 por não concordar com a natureza das medidas
contra a reforma agrária articuladas pelos grandes proprietários), Severo Gomes
nunca perdeu o contato com os meios intelectuais e artísticos de São Paulo, que
começara a freqüentar em seus tempos de estudante. Foi ainda diretor do Museu
de Arte Moderna de São Paulo.
Eleitor da União Democrática Nacional (UDN), participou dos
preparativos do movimento político-militar que derrubou o presidente João
Goulart em 31 de março de 1964. Em maio do mesmo ano, foi nomeado diretor da
Carteira de Crédito Agrícola do Banco do Brasil e nesse cargo, com autorização
do ministro da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões, reformulou as diretrizes do
banco com relação ao crédito agrícola. Operou sem limites orçamentários e
propiciou um sensível crescimento aos financiamentos concedidos a produtos
básicos como milho, arroz e feijão.
Contribuiu também para a elaboração, pelo Ministério da
Agricultura, da política de preços mínimos para os produtos agrícolas. Em
outubro de 1964, juntamente com Antônio Delfim Neto assessorou o presidente da
UDN, Olavo Bilac Pinto, no combate ao projeto do Estatuto da Terra,
recém-enviado à Câmara. Opôs-se assim aos ministros do Planejamento, Roberto
Campos, e Hugo Leme, da Agricultura, que defendiam a sua aprovação.
Em
1965 fez o curso da Escola Superior de Guerra (ESG) e, em 12 de agosto do ano
seguinte, deixou o Banco do Brasil para ocupar o posto de ministro da
Agricultura nomeado pelo presidente Humberto Castelo Branco em substituição a
Nei Braga, que deixara o cargo para disputar o mandato de senador pelo Paraná.
Pouco depois, em discurso proferido em Minas Gerais, abordou uma das preocupações que mais marcaram sua carreira política: o fortalecimento da empresa
nacional, “não só economicamente, mas também social e politicamente, a fim de
que a luta por sua afirmação diante da empresa estrangeira não venha a
transformar-se em luta pela libertação nacional e, assim, em luta contra o
próprio sistema.”
Durante
sua gestão, foram promulgados o novo Código de Pesca, a Lei de Proteção à Fauna
e a lei dispondo sobre os incentivos fiscais a empreendimentos florestais.
Constituiu-se a Companhia Brasileira de Serviços Agrícolas (Cosagri) e
publicou-se o Atlas florestal do Brasil.
Em 15 de março de 1967, com o fim do governo Castelo Branco,
Severo Gomes deixou o ministério, voltando a dedicar-se às atividades
empresariais durante os governos Artur da Costa e Silva (1967-1969) e Emílio
Garrastazu Médici (1969-1974). Nesse período, integrou o conselho
técnico-administrativo da Associação Nacional de Programação Econômica e Social
(ANPES), foi diretor da Federação de Agricultura de São Paulo e conselheiro do
Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do estado, além de membro do
conselho consultivo do Consórcio de Desenvolvimento Integrado do Vale do
Paraíba.
Severo Gomes foi mais uma vez nomeado ministro em 15 de março
de 1974, data do início do governo de Ernesto Geisel, ocupando a pasta da
Indústria e Comércio. Desde o início de sua gestão, que foi sobretudo política,
mostrou ser o ministro mais sensível aos acenos nacionalistas contidos no
programa apresentado pelo general Geisel como candidato à presidência perante a
convenção da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio ao regime militar
e ao país.
Desde
o início procurou aplicar o que mais tarde chamaria de “estratégia de
independência nacional”. Com esse objetivo, a política do Conselho de
Desenvolvimento Industrial (CDI), órgão vinculado ao seu ministério, foi
reformulada para fortalecer a empresa nacional. Durante uma viagem ao Rio
Grande do Sul, assumiu a defesa dos industriais locais do ramo de calçados, que
sofriam a imposição de sobretaxas de importação por parte do governo
norte-americano, defendendo ao mesmo tempo a busca de mercados alternativos. O
embaixador dos EUA no Brasil, John Crimmins, manifestou depois sua preocupação
com o teor das declarações.
Ainda em 1974, em palestra proferida na ESG, apontou os
riscos de uma excessiva dependência dos mercados externos e de uma participação
desmesurada de capitais estrangeiros na economia do país. Identificou
distorções na economia e na sociedade decorrentes dos novos rumos imprimidos à
política governamental após 1967, destacando a concentração de renda,
desigualdades regionais e a deterioração das condições de vida nos grandes
centros urbanos.
Coerente
com essas posições, sustou no mesmo ano a compra da fábrica de refrigeradores
Cônsul, de Santa Catarina, pelo grupo holandês Philips. Ainda nesse período,
aumentou a hostilidade contra Severo Gomes por alguns dos maiores jornais do
país, notadamente O Estado de S. Paulo e o Jornal do Brasil.
Em março de 1975 representou o Brasil na Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, em Lima, Peru. No encontro
contrapôs a defesa das empresas nacionais à participação do capital estrangeiro
nas economias subdesenvolvidas. Aprofundava-se assim sua divergência com outra
corrente de pensamento do governo, evidenciada em fins de maio quando os
ministros da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, do Planejamento e Coordenação
Geral, João Paulo dos Reis Veloso, e da Agricultura, Alysson Paulinelli, foram
a Salzburgo, na Áustria, para participar de reuniões destinadas a atrair
investimentos estrangeiros para o Brasil. Nessa ocasião Severo Gomes declarou
em Recife que se devia proibir a entrada indiscriminada de empresas
estrangeiras no país.
Em junho pronunciou-se contra a assinatura, pela Petrobras,
de contratos de risco para a pesquisa e exploração do petróleo: “Se o contrato
de risco elimina o monopólio da Petrobras, não deve ser feito.” Em outubro,
Geisel anunciou que os contratos seriam assinados. Dias depois, Severo Gomes
lembrou que se opunha à medida, mas considerou encerrada a discussão sobre o
assunto depois da decisão presidencial
A
partir de setembro de 1976, suas posições adquiriram conotações mais precisas,
por meio de sucessivos pronunciamentos. Em outubro, ao discursar no Centro
Acadêmico XI de Agosto considerou os altos índices de crescimento alcançados
pela economia brasileira até 1974 como um “reflexo, em boa medida, do boom
experimentado pelos países industrializados do mundo ocidental”, cujos sinais
de esgotamento já estariam evidentes antes mesmo da deflagração da crise do
petróleo, em 1973.
“O mais grave”, afirmou, “é a perspectiva sombria de os
países caudatários, por indução, tenderem a reproduzir um modelo de
industrialização e padrões de consumo que lhes são estranhos, e que já vinham
sofrendo contestação de cunho cultural e político dentro dos próprios países
desenvolvidos.” Propôs então “opções mais ambiciosas, que fundamentem as bases
de um desenvolvimento econômico próprio, modelado nas... aspirações do povo
brasileiro”. Os objetivos seriam uma política mais justa de distribuição de
renda, o ataque ao problema do desemprego e do subemprego, e a produção e
distribuição de “bens e serviços que respondam às necessidades mais elementares
do consumo popular”, ou seja, a ampliação do mercado interno.
Alguns dias depois, em palestra na Escola de Guerra Naval,
concentrou sua argumentação no ataque às “nações ricas”: “Todo o peso da crise
dramática do petróleo, que ameaçava a renda das nações mais ricas do mundo foi
transferido para um grande número de países pobres, já sobrecarregados com seus
próprios problemas de subdesenvolvimento. É claro que esse processo, em que as
nações pobres ficam ainda mais pobres para que as ricas não fiquem um pouco
menos ricas, não é uma ironia da natureza, mas o resultado de um conjunto de
políticas comerciais e financeiras lucidamente concebidas e executadas... Os
fatos só fizeram confirmar o conceito de que o subdesenvolvimento não seria um
estágio histérico dentro de um processo natural do desenvolvimento econômico,
mas a contrapartida necessária à prosperidade e à segurança dos países
industrializados.”
Em
dezembro, ao paraninfar uma turma de formandos do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, insistiu nos mesmos temas e defendeu
o debate sobre o “modelo brasileiro”. No mês seguinte, passou a pregar
claramente a abertura política. Em palestra na Federação das Indústrias do Rio
Grande do Sul, propôs “um pacto entre pequenas e médias empresas e o governo
que venha a fortalecer politicamente a vida nacional”, única maneira de
“controlar a atuação da empresa estatal e estrangeira”. Disse que “as empresas
do Rio e de São Paulo se aliam às grandes multinacionais para impedir
transformações na política econômica do governo” e mencionou as “forças de
extrema direita que impedem uma maior abertura política”.
No
dia 1º de fevereiro de 1977 Severo Gomes compareceu, em São Paulo, a um jantar oferecido pelo presidente do grupo Cica e do Banco Auxiliar, Rodolfo
Bonfiglioli. Durante a recepção, discutiu asperamente com o engenheiro Carlos
D’Alamo Lousada, conselheiro do Banco Francês e Brasileiro. Participante da
fase conspiratória do movimento político-militar de 1964, Lousada fora ligado
ao almirante Sílvio Heck com quem se desentendera depois, e estabelecera
relações com os governos Costa e Silva e Garrastazu Médici. Depois de uma troca
de acusações em que Severo Gomes foi chamado de “ministro esquerdista” e
retrucou classificando Lousada de “empresário fascista”, os dois se insultaram
com palavrões.
Mais
tarde, Lousada telefonou para Roberto Médici, filho do ex-presidente Garrastazu
Médici, denunciando que Severo Gomes chamara de fascistas os dois governos
anteriores ao do general Geisel. Após sucessivos telefonemas, o assunto chegou
ao presidente, que solicitou um relatório do Serviço Nacional de Informações
(SNI) e convocou o ministro. Este ratificou o que dissera durante a recepção,
inclusive que “o estamento militar opta pela segurança absoluta, que gera insegurança
na sociedade civil”.
No
dia seguinte, sem que o episódio se tivesse tornado público, Severo Gomes
voltou a defender a abertura política, através da qual o equilíbrio de
interesses entre assalariados e empresários pudesse ser atingido em termos de
um “pacto de aceitação” mútua e não de “submissão pura e simples”. Ao mesmo
tempo, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), órgão vinculado ao seu
ministério, anunciou a ida a Cuba pela primeira vez desde 1964 de uma missão de
técnicos e diplomatas brasileiros para participar da reunião do Grupo Especial
de Países Latino-Americanos e do Caribe Exportadores de Açúcar.
Nesse momento, os rumores sobre sua demissão que haviam
começado a se alastrar em novembro de 1976, multiplicavam-se. José Papa Júnior,
presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo,
divulgou uma nota afirmando que “todos querem um regime democrático, e não um
regime espúrio”. Seu pronunciamento e o de Severo Gomes foram aplaudidos no
Congresso Nacional por parlamentares oposicionistas e o presidente do Centro e
da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Teobaldo de Nigris, e o
presidente da Federação Nacional dos Bancos, Teófilo de Azeredo Santos, entre
outros dirigentes empresariais manifestaram-se também a favor do debate
político.
No dia 7 de fevereiro de 1977, Severo Gomes foi recebido pelo
chefe da Casa Civil da Presidência da República, Golbery do Couto e Silva,
ficando claro nesse encontro que ele deveria pedir exoneração do cargo. No dia
8, o ministro entregou sua carta de demissão ao presidente da República.
À
noite, o jornal carioca Tribuna da Imprensa foi proibido de publicar
qualquer informação sobre sua demissão. Seu diretor, Hélio Fernandes,
rebelou-se contra a ordem dada pelos censores da Polícia Federal presentes na
redação do jornal desde 1968, e na madrugada do dia seguinte a edição da Tribuna
foi apreendida na gráfica antes de ser distribuída.
Severo Gomes, em cuja gestão foi elaborado o Programa do
Álcool — que se propunha a obter em 1980 uma economia de divisas de quinhentos
milhões de dólares, substituindo importações de combustível —, foi substituído
no Ministério pelo presidente do Banco do Brasil, Ângelo Calmon de Sá. Para o
Banco do Brasil foi designado Carlos Rischbieter, presidente da Caixa Econômica
Federal, ficando em seu lugar o assessor de Imprensa da Presidência da
República, Humberto Barreto, todos muito ligados ao ministro da Fazenda.
A
saída de Severo Gomes foi apresentada como uma vitória de Simonsen, defensor da
ortodoxia monetarista e do “modelo exportador”, ao qual Severo contrapunha a
ampliação do mercado interno e, sobretudo, segundo a imprensa da época, a
“hostilidade ao capital estrangeiro”. Alguns, como o jornalista Carlos Castelo
Branco, comentarista político do Jornal do Brasil, preferiram acolher a
versão de que a demissão fora causada pela ênfase atribuída pelo ex-ministro
“ao problema da liberdade política como único e verdadeiro fundamento de uma
economia de mercado”.
Em junho de 1977, Severo Gomes publicou Tempo de mudar, coletânea
de artigos e discursos acompanhada de um artigo escrito após sua demissão.
Nesse texto, critica as empresas multinacionais, que agem como “ilegítimos
atores políticos com o único objetivo de realização de lucros”, afirma não ser
necessária a reforma agrária do país e diz que “o âmago do problema do Brasil,
hoje, é essencialmente político”.
Ao
final desse mês, convocado pela comissão parlamentar de inquérito que
investigava a questão dos minérios, defendeu a nacionalização das reservas
minerais do país, “se possível através da empresa privada mas, se necessário,
através do setor estatal”, enfatizando que “entre o Estado e a empresa
estrangeira, fico com o primeiro”. Em agosto, autodefiniu-se como um homem de
centro, conservador, mas marcado pelo “liberalismo das Arcadas, do velho largo
de São Francisco, onde estudei direito”.
Uma
pesquisa de opinião realizada entre empresários em São Paulo no mês de setembro, apontou-o como segundo colocado entre os que teriam “autoridade para
falar pelo empresariado nacional como um todo”, superado apenas por Cláudio
Bardella, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das
Indústrias de Base (ABDIB). No mesmo mês, quando foi divulgado o considerável
erro no cálculo da inflação de 1973, que determinara um reajuste salarial
abaixo do aumento do custo de vida, Severo Gomes afirmou que o problema era
“extremamente grave e constrangedor”, e defendeu “a realização de negociações
com os operários metalúrgicos, com o objetivo de recompor aos poucos os seus
salários”.
Disse ainda que “a maioria das lideranças ligadas a
investimentos estrangeiros é favorável a uma democracia restrita para as
elites, porque na vigência de um pacto como este, de linhagem colonialista, se
torna mais fácil para as multinacionais influírem nas decisões políticas”. No
primeiro semestre de 1978, Severo Gomes exerceu intensa atividade política
ligada à sucessão dos chefes dos governos federal e paulista. No início do ano,
aderiu à candidatura dissidente do senador mineiro José de Magalhães Pinto, da
Arena, sendo escolhido vice-presidente na sua chapa à convenção nacional do
partido governista. Derrotados em julho pelo general João Batista Figueiredo e
Aureliano Chaves, candidatos oficiais, Severo desvinculou seu nome do de
Magalhães, tornando-se um dos articuladores em São Paulo da candidatura do general Euler Bentes Monteiro pelo Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), partido de oposição ao regime militar. Escolhido pelo partido
oposicionista, o general Euler foi derrotado pelo candidato oficial no colégio
eleitoral reunido em 15 de outubro.
Em junho, depois de ter seu nome cogitado por um grupo da
Arena paulista para ser lançado candidato ao governo do estado contra Laudo Natel,
indicado pela Presidência da República, Severo Gomes contribuiu para a vitória
da candidatura de Paulo Salim Maluf na convenção estadual da Arena. Ainda em
1978, seu filho Pedro, então com 20 anos, morreu em um acidente de carro na
capital paulista. Em agosto desse ano desligou-se da Arena, filiando-se em
abril de 1979 ao MDB junto com Almino Afonso, Valdir Pires, Rafael de Almeida
Magalhães e o ex-vereador arenista paulistano Sampaio Dória.
Desde que deixou o governo, Severo Gomes reafirmou por
diversas vezes suas convicções sobre temas econômicos e políticos. Considerando
que a inflação existente no final da década de 1970 não resultava de pressões
salariais, disse ser “impensável uma política para contê-la com o velho
expediente do ‘arrocho’ salarial. Resta a alternativa de distribuir o
sacrifício por outros grupos, que são exatamente os que dão suporte político ao
regime”. Nessa linha de raciocínio, defendeu em outra ocasião uma reforma
fiscal “que atinja mais fortemente os grupos de renda mais alta, que alcance o
lucro imobiliário e os ganhos do capital”, com o objetivo de arrecadar recursos
para os programas de investimento na área social. Continuou criticando o
“modelo brasileiro” e o sistema vigente de relações econômicas internacionais,
afirmando que no Brasil “o processo de substituição de importações foi de tal
modo conduzido que, curiosamente, redundou num vertiginoso aumento das
importações”. Quando, em setembro de 1979, os governos dos Estados Unidos e de
outros países industrializados mencionaram a possibilidade de preparação de uma
força militar de intervenção para operar no terceiro mundo, Severo Gomes fez
uma comparação dessa posição com doutrinas nazistas, dizendo que “para os que
têm memória, estão renascendo os fantasmas da doutrina do espaço vital, do Lebensraum”.
Com
a extinção dos partidos políticos em novembro de 1979 — medida a que se opôs —
e a conseqüente reformulação partidária, filiou-se em setembro do ano seguinte
ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), agremiação que sucedeu o
MDB. Candidatou-se por seu estado e foi eleito nas eleições de novembro de 1982
para uma vaga no Senado. Assumiu o mandato em fevereiro do ano seguinte e
participou dos trabalhos legislativos como vice-presidente da Comissão de
Economia e membro titular das Comissões de Finanças e de Relações Exteriores.
Ainda no primeiro semestre de 1983, criticou a aprovação dos decretos-lei sobre
política salarial recomendados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na
oportunidade, declarou que “o Brasil firmou com o FMI compromissos que liquidam
inteiramente nossa soberania em matéria de política econômica” e que “os
entendimentos com os credores privados, conduzidos por banqueiros estrangeiros,
deixaram somente a certeza de que chegaremos à moratória”.
Em
janeiro de 1984, sem condições de pagar uma grande dívida em dólares contraída
junto a bancos, pressionada por débitos fiscais e com seus 1.370 empregados sem
salários e em greve há 50 dias, a Tecelagem Paraíba pediu concordata. De acordo
com Severo Gomes, ainda na presidência da empresa, “fomos atingidos pela
acentuada recessão”. No entanto, o patrimônio da família era muito superior à
dívida, contando com a Tecelagem Minisa em São José dos Campos e de sete mil hectares de terras na região com seis mil cabeças de gado.
Severo Gomes participou ativamente da campanha pelas eleições
diretas para presidente da República em 1984, atuando com o deputado Ulysses
Guimarães (PMDB-SP) nas articulações e comícios em favor da causa. No Senado,
costumava circular de gravata amarela (a cor da campanha das diretas)
distribuindo outras para os colegas que ainda não haviam manifestado
publicamente seu voto contra o Colégio Eleitoral.
Em 25 de abril de 1984, foi votada na Câmara dos Deputados a
emenda Dante de Oliveira, que propôs o restabelecimento das eleições diretas
para presidente da República em novembro daquele ano. Como a emenda não obteve
o número de votos indispensáveis à sua aprovação — faltaram 22 para que o
projeto pudesse ser encaminhado à apreciação do Senado —, Severo Gomes votou no
Colégio Eleitoral, reunido em 15 de janeiro de 1985, no candidato oposicionista
Tancredo Neves, eleito presidente da República pela Aliança Democrática, uma
união dos partidos de oposição, com exceção do Partido dos Trabalhadores (PT),
liderados pelo PMDB, com a dissidência do Partido Democrático Social (PDS)
abrigada na Frente Liberal. Contudo, por motivo de doença, Tancredo Neves não
chegou a ser empossado na presidência, falecendo em 21 de abril de 1985. Seu
substituto foi o vice-presidente José Sarney, que já vinha exercendo
interinamente o cargo desde 15 de março desse ano.
Em outubro de 1985, Severo Gomes ocupou a tribuna do Senado
para responder às severas críticas que o senador Roberto Campos, do PDS de Mato
Grosso, fizera à condução da política econômica “pelos economistas do PMDB”.
Segundo Severo, o discurso de Campos era “um amontoado de idéias fascistas,
afirmações infundadas e propostas de recolonização do Brasil”. No final desse
ano, renunciou ao cargo de relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
sobre irregularidades nas empresas estatais, afirmando que não tinha “condições
de elaborar um relatório sem esclarecer todas as questões apuradas pelas
investigações”. Em maio de 1986, integrou a missão parlamentar que participou
da 1ª Assembléia Internacional pela Democracia no Chile, sob forte pressão do
regime do general Augusto Pinochet. Na ocasião, comentando as mudanças nas
relações diplomáticas entre Brasil e Chile durante a Nova República, disse que
“o governo brasileiro poderia ajudar muito com uma atitude concreta —
suspendendo a venda de armas ao Chile”.
Em 1987, durante os trabalhos da Assembléia Nacional
Constituinte (ANC), iniciados em 1º de fevereiro, participou como relator da
Comissão da Ordem Econômica, membro titular da Comissão de Sistematização e
suplente da Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e
Minorias, da Comissão da Ordem Social. Nas votações mais importantes na
Constituinte, manifestou-se a favor do mandado de segurança coletivo, do
aborto, da jornada semanal de 40 horas, da unicidade sindical, da soberania
popular, da nacionalização do subsolo, da limitação dos juros em 12% ao ano, da
limitação dos encargos para a dívida externa, da desapropriação da propriedade
produtiva, votou contra a estabilidade no emprego, o presidencialismo, a
estatização do sistema financeiro, o mandato de cinco anos para o presidente
José Sarney, se absteve quanto ao voto aos 16 anos e ausentou-se nas votações
sobre a pena de morte, o aviso prévio proporcional, a criação de um fundo de
apoio à reforma agrária e a limitação do direito de propriedade privada.
Após a promulgação da nova Carta Constitucional em 5 de
outubro de 1988, voltou a participar dos trabalhos legislativos ordinários no
Senado. Em 1988, integrou a CPI do Senado que apurou denúncias de corrupção no
governo de José Sarney (1985-1990). Parlamentarista, não seguiu os que fundaram
ainda nesse ano o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), argumentando
que “os nacionalistas ficaram no PMDB”.
Em novembro do ano seguinte, comentando o livro de memórias
Tudo a declarar do seu colega de ministério, o ex-ministro da Justiça do
governo Geisel, Armando Falcão, declarou que este “não dissera tudo,
manipulando fatos para ocultar o seu envolvimento na articulação para fazer de
Sílvio Frota, então ministro do Exército e candidato da ‘linha dura’ do regime
militar, o sucessor do presidente Ernesto Geisel”. Severo Gomes referia-se ao
episódio ocorrido com o senador do MDB do Paraná, Leite Chaves, que em um
discurso no Congresso em outubro de 1975 acusara os militares de terem
assassinado o jornalista Vladimir Herzog no DOI-CODI de São Paulo. Na ocasião,
o ministro Sílvio Frota exigiu a cassação do parlamentar, não obtendo apoio do
presidente Geisel. Esse fato exacerbou as divergências entre o presidente e o
ministro, já no contexto das disputas em torno da sucessão presidencial e da
continuidade ou não da política de abertura “lenta, gradual e segura”
empreendida por Geisel.
Em novembro de 1990 Severo Gomes passou a integrar o Conselho
da República, mandato que exerceria até 31 de janeiro do ano seguinte. Ainda em
1990, perdeu a legenda para disputar a reeleição ao Senado em favor de Guilherme
Afif Domingos, do Partido Liberal (PL), agremiação que integrava a coligação
com o PMDB.
Ainda nesse mandato, a CPI sobre o programa nuclear paralelo
aprovou o relatório final apresentado por Severo Gomes, que propunha que as
instalações destinadas à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologia nuclear
não estivessem “sujeitas a investigações ou fiscalizações de entidades
internacionais”. Apresentou também um projeto de resolução que criava uma
comissão mista permanente para assuntos energéticos e nucleares, “à qual o
Executivo deveria prestar as informações necessárias sobre licenciamento de
obras e segurança de instalações nucleares”. Encerrou o mandato no início de
1991.
Em março desse ano assumiu a Secretaria de Ciência e
Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Paulo no governo de Luís Antônio
Fleury Filho (1991-1995), mas permaneceu pouco tempo saindo em junho por não
aceitar uma fraude — superfaturamento de preços — na importação de equipamentos
de Israel para a USP e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), feita no
final da gestão do governador Orestes Quércia (1987-1991). Retornou então à
administração da Tecelagem Paraíba.
Severo Gomes vinha enfrentando problemas com seu irmão,
Clemente Fagundes Gomes, pela posse da Tecelagem Paraíba. Dono de duas cotas de
participação deixadas pelo pai Severo opôs-se à venda da empresa, que se
encontrava em situação pré-falimentar, defendida por Clemente. Severo resistiu
com o apoio dos outros irmãos por ser uma herança do pai e por achar que a
empresa estava “saindo do vermelho”. Em agosto de 1992, a 7ª Vara Cível de São Paulo determinou a transmissão da administração da Tecelagem Paraíba
para Clemente, nomeado depositário dos bens.
Em
setembro desse ano, depois da aprovação pela Câmara dos Deputados da
admissibilidade de abertura do processo de impeachment do presidente
Fernando Collor de Melo, Severo recusou o convite feito pelo então
vice-presidente Itamar Franco para assumir a presidência da Petrobras ou da Companhia
Vale do Rio Doce.
Em 12 de outubro de 1992, Severo Gomes morreu em Parati em
conseqüência de um desastre de helicóptero quando retornava de um fim de semana
em Angra dos Reis (RJ), juntamente com o deputado Ulysses Guimarães e suas
respectivas esposas, Maria Henriqueta Marsiaj Gomes e Mora Guimarães. Seu
enterro, no dia 16, teve honras de ministro de Estado, conferido por decreto do
presidente Itamar Franco.
Severo
Gomes foi também presidente da Comissão Teotônio Vilela e da Comissão da
Companhia Vale do Rio Doce e integrou a Comissão de Defesa dos Índios
Ianomâmis, sendo responsável pela criação do Parque Ianomâmi.
De seu casamento com Maria Henriqueta Marsiaj Gomes, teve
três filhos.
Escreveu um volume de poesias publicado em 1943, Tempo de
mudar (1977), Entre o passado e o futuro e Companhia Vale do Rio
Doce: uma investigação intrincada (1987).
Mauro
Malin/Marcelo Costa
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