ARAGARCAS, REVOLTA DE

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Nome: ARAGARÇAS, Revolta de
Nome Completo: ARAGARCAS, REVOLTA DE

Tipo: TEMATICO


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ARAGARÇAS, REVOLTA DE

ARAGARÇAS, Revolta de

 

Rebelião militar chefiada pelo tenente-coronel da Aeronáutica João Paulo Moreira Burnier e que consistiu, na prática, na ocupação por cerca de 24 horas da localidade de Aragarças (GO), perto da fronteira com Mato Grosso. A revolta teve início na noite de 2 de dezembro de 1959 e chegou ao fim 36 horas depois, na madrugada de 4 de dezembro.

Segundo seus promotores, o movimento teve uma dupla motivação: a desistência de Jânio Quadros, candidato oposicionista à presidência da República, de concorrer às eleições de outubro de 1960, e informações referentes a uma iminente sublevação de esquerda, liderada por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul.

 

Antecedentes

A anistia concedida pelo presidente Juscelino Kubitschek em março de 1956 aos militares envolvidos na revolta de Jacareacanga não foi suficiente para acabar com a forte animosidade existente na Aeronáutica — e, em menor grau, na Marinha e no Exército — contra seu governo. A permanência do general Henrique Lott à frente do Ministério da Guerra e as estreitas ligações do vice-presidente João Goulart com o movimento sindical provocavam viva oposição na Força Aérea Brasileira (FAB). Além disso, os oficiais contrários ao governo queixavam-se de serem prejudicados em sua vida profissional por elementos da ala governista, liderada pelo brigadeiro Francisco Teixeira, chefe de gabinete do brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, ministro da Aeronáutica entre 1957 e 1961. Essa ala governista era, aliás, chamada por seus opositores de “melancia”: verde por fora, vermelha por dentro.

A nova conspiração teve início nos primeiros meses de 1957, quando o tenente-coronel Haroldo Veloso, o principal líder da revolta de Jacareacanga, convenceu o advogado Luís Mendes de Morais Neto, tenente reformado da Aeronáutica, a redigir uma série de pronunciamentos que seriam tornados públicos quando o “Comando Revolucionário”, constituído de três membros, representantes de cada uma das forças armadas, assumisse o poder. Previa-se o fechamento do Legislativo e do Judiciário, uma completa modificação das instituições do país e a cassação dos direitos políticos de todos aqueles considerados “direta ou indiretamente” ligados ao governo deposto.

No final de 1958, Morais Neto foi procurado por outro conspirador da FAB, o tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier, chefe da revolta em preparação, que queria informações sobre a situação dos oficiais detidos após os incidentes que se seguiram à posse de Lott como ministro interino da Aeronáutica, durante a ausência de Correia de Melo, que se encontrava no exterior.

Em meados de 1959, Burnier afirmava contar com 324 homens, entre civis e militares, envolvidos na conspiração. No entanto, pouco depois, começaram a esboçar-se dentro desse grupo duas tendências: a primeira defendendo a eclosão a curto prazo da rebelião e a segunda preconizando a adoção de um comportamento defensivo, que só deveria ser abandonado se o governo tentasse dar um golpe, caso fosse derrotado nas eleições presidenciais de 1960. No início de novembro, os “revolucionários” ficaram reduzidos a 34 elementos.

Por outro lado, ainda em novembro, os conspiradores foram informados dos planos de uma outra rebelião de orientação esquerdista liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que irromperia em 15 de dezembro de 1959 em vários pontos do país, inclusive em Belém, onde haveria um levante dos sindicatos. O objetivo de Brizola, de acordo com as informações, seria impedir a realização das eleições presidenciais.

No dia 29 de novembro, um novo elemento veio contribuir para o início imediato da rebelião de Burnier. Jânio Quadros, lançado pela União Democrática Nacional (UDN) e por outros partidos oposicionistas para concorrer à presidência da República, indispôs-se com a liderança udenista e retirou sua candidatura. Na crença de que a “confusa situação política” aumentava as possibilidades de êxito de seu movimento, Burnier esperava também que o exemplo de uns poucos atraísse a maioria dos militares. De fato, a essa altura Burnier contava apenas com 14 seguidores. Eram eles os tenentes-coronéis Geraldo Labarthe Lebre e Haroldo Veloso, os majores Éber Pinto e Washington Mascarenhas, e os capitães Gerseh Barbosa, Próspero Barata Neto, Leuzinger Lima (todos da Aeronáutica), o coronel Luís Mendes da Silva e o capitão Tarciso Ferreira (ambos do Exército) e os civis Luís Mendes de Morais Neto (advogado), Charles Herba (engenheiro), Roberto Rocha Sousa, Edmundo e Fernando Wanderley.

Em 2 de dezembro, horas antes do início da rebelião, o advogado Morais Neto atualizou a minuta de um manifesto que preparara anteriormente para Veloso. Na sua forma revista, o documento declarava que a força e a corrupção governavam o Brasil. Responsabilizava também o governo pelo uso indevido dos fundos públicos, pela precária situação da agricultura, pelo alto custo de vida e pela miséria econômica da população. Aproveitando-se dessa situação crítica, os comunistas se teriam infiltrado em todos os setores da vida pública, visando “implantar o seu regime de escravização do ser humano”. O fato de Jânio Quadros ter retirado sua candidatura era interpretado como uma clara indicação de “que a única via para o reerguimento nacional e a libertação do país do grupo que atualmente o domina é a revolução”. Datado de 3 de dezembro de 1959 e firmado pelo “Comando Revolucionário”, o manifesto terminava dando vivas ao Brasil e à “revolução”.

Antes do amanhecer de 3 de dezembro, cópias do manifesto chegaram às mãos de alguns parlamentares udenistas, entre eles Carlos Lacerda e Otávio Mangabeira, que foi o único político a apoiar abertamente a rebelião. Lacerda, como a maioria dos membros da oposição, achava que aquele final de ano não era uma época propícia a um levante armado, pois poderia oferecer um pretexto para o governo decretar o estado de sítio e adiar as eleições de outubro de 1960. Naquele momento, os partidos oposicionistas estavam empenhados em convencer Quadros a voltar atrás em sua decisão.

Logo após ter tomado conhecimento do manifesto, Lacerda entrou em contato com o deputado Bento Gonçalves, líder da Frente Parlamentar Nacionalista, bloco interpartidário que apoiava o governo Kubitschek, informando-o da rebelião. Gonçalves comunicou-se imediatamente com o general Lott, que, por sua vez, avisou o presidente Kubitschek. Em pouco tempo, as emissoras de rádio começaram a fornecer as primeiras notícias sobre a revolta.

O plano da revolta previa o bombardeio dos palácios das Laranjeiras e do Catete, visando com isso a eliminação física de Kubitschek e, se possível, de Goulart. As armas seriam obtidas na Escola de Comando e Estado-Maior da Força Aérea Brasileira e nas bases aéreas do Galeão, no Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, e de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, então Mato Grosso. Os rebeldes pretendiam ocupar as bases de Santarém, Aragarças, Xingu, Cachimbo, Jacareacanga, Xavantina e outras, com o objetivo — como na revolta de Jacareacanga — de atrair a atenção do país para a região amazônica, permitindo assim a abertura de outra frente rebelde no litoral.

 

 

A revolta

A revolta, iniciada na noite de 2 de dezembro, eclodiu em três frentes. Na base aérea do Galeão, oito rebeldes se apoderaram de três aviões Douglas C-47, rumando diretamente para Aragarças. Do grupo faziam parte Burnier e Veloso, que havia retornado pouco antes de Campo Grande após constatar que os conspiradores mato-grossenses sob seu comando não participariam da revolta. À última hora, o bombardeio dos palácios presidenciais foi suspenso, devido à promessa do vice-almirante Sílvio Heck de que amplos setores da Marinha adeririam à revolta contanto que aquele “ato bélico” não se realizasse. O auxílio prometido acabou contudo não se concretizando.

Ao mesmo tempo, abria-se a segunda frente em Belo Horizonte, onde cinco oficiais da Aeronáutica tomaram um Beechcraft particular e também seguiram para Aragarças.

A terceira frente da revolta consistiu no seqüestro de um avião comercial da Panair, às 21:30h do mesmo dia 2. Dando cumprimento ao plano rebelde, o major Teixeira Pinto e o civil Charles Herba embarcaram no Rio e seqüestraram o avião em pleno vôo. O aparelho foi levado para Aragarças, onde teria a missão de buscar gasolina em outras bases e de servir para a fuga, caso a rebelião fracassasse. No dia 3 de dezembro, às dez horas da manhã, a Panair noticiava que um Constellation da empresa, com chegada prevista em Belém para as seis horas e cinco minutos daquela manhã, não chegara a seu destino. Entre as 35 pessoas a bordo do avião encontrava-se o senador Remy Archer, do Partido Social Democrático do Maranhão, presidente do Banco da Amazônia.

Em Aragarças, os rebeldes receberam o apoio de alguns civis que trabalhavam na Fundação Brasil Central, organização governamental destinada a promover o desenvolvimento daquela região brasileira. Por outro lado, porém, o plano rebelde esbarrou em sérias dificuldades. A ocupação de Jacareacanga e Santarém, tarefa a ser executada por Veloso, revelou-se impossível. Tropas do governo controlavam o aeroporto de Jacareacanga, obrigando Veloso a aterrissar seu C-47 em um campo de futebol. A situação em Santarém era extremamente confusa. Dois capitães do Exército procuravam organizar um levante no Pará. Um deles estava promovendo uma sublevação em Belém, enquanto o outro, Creso Coimbra, controlava momentaneamente o aeroporto de Santarém. Retornando a Aragarças, Veloso chegou à conclusão de que alguns “comunistas” haviam pensado que o levante de Aragarças estava vinculado à sua conspiração e acabaram precipitando os acontecimentos em Santarém.

A rebelião durou apenas 36 horas. Na madrugada de 4 de dezembro, informados de que o governo enviara pára-quedistas para as imediações de Aragarças, os rebeldes tomaram os aviões e fugiram. A maioria — incluindo Veloso e o coronel do Exército Luís Mendes da Silva — seguiu para o Paraguai, a bordo de dois C-47. No Beechcraft viajaram Burnier e mais três rebeldes, rumo a Roboré, na Bolívia. O avião da Panair, ocupado pela tripulação, pelo major Teixeira Pinto, pelo engenheiro Charles Herba e ainda pelo senador Remy Archer — levado como refém —, voou para Buenos Aires, onde o governo argentino concedeu asilo político aos dois “revolucionários”. Em seguida à partida dos aviões, 40 pára-quedistas recuperaram o controle de Aragarças e do seu campo de pouso. O terceiro C-47, ausente de Aragarças no momento em que se desenrolavam essas operações, foi capturado pouco depois, ao voltar à base.

A revolta já tinha sido dominada quando o “Comando Revolucionário” rebelde emitiu um segundo manifesto, divulgado em São Paulo no dia 4 de dezembro. O texto fazia referências a novas adesões ao movimento contra a “corrupção do governo federal”. Falando pelo rádio, Kubitschek afirmou que daquela vez os rebeldes seriam rigorosamente punidos. No dia 5 de dezembro, Jânio Quadros, reconsiderando sua decisão, concordou em concorrer às eleições presidenciais de outubro de 1960. No dia 17, Burnier, de seu exílio em La Paz, declarou que a atitude de Jânio significava que a revolta de Aragarças tinha alcançado seus objetivos.

Em abril de 1960, o pedido de anistia da UDN para os participantes da rebelião foi recusado pela maioria do Congresso. Do exílio, os rebeldes anunciaram não estar interessados em nenhum projeto de anistia. Burnier, Veloso e os outros “revolucionários” só retornaram ao Brasil no primeiro semestre de 1961, já com Jânio ocupando a presidência.

Detidos na chegada, foram postos em liberdade após argumentar que a revolta de Aragarças tinha tido por fim evitar o êxito de uma rebelião “esquerdista”.

Sérgio Lamarão

 

FONTES: CARNEIRO, G. História; DULLES, J. Unrest.

 

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