ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO (ABERT)
Associação
que reúne empresas de radiodifusão de sons (emissoras de rádio) e de sons e
imagens (emissoras de televisão).
Criação
Em
agosto de 1962, era grande a preocupação dos empresários ligados à
radiodifusão. Após um debate que durou quase dez anos, foi aprovada no
Congresso Nacional a Lei nº 4.117, responsável por instituir o Código
Brasileiro de Telecomunicações (CBT). O novo código foi fruto de um acordo
entre militares, já planejando a operação estatal dos serviços de telefonia e
de transmissão de dados, e empresários de mídia, defensores da exploração da
radiodifusão principalmente pela iniciativa privada. Na Mensagem nº 173, de 27
de agosto de 1962, contudo, o presidente da República, João Goulart, enunciou
52 vetos ao CBT.
Ao
classificar os vetos, analistas como Pieranti e Martins entenderam que 55,77%
deles diziam respeito ao fortalecimento do Presidente da República e às
competências de ministérios e outros órgãos no que se referia à regulação da
comunicação de massa. Dentre os temas tratados estavam a impossibilidade da
renovação automática da outorga em caso de silêncio do órgão regulador e o
reconhecimento da culpa das emissoras na divulgação de notícias falsas.
Até
então, as emissoras de radiodifusão reuniam-se em sindicatos e associações
estaduais, como o Sindicato das Empresas Proprietárias, a Associação de
Emissoras do Estado de São Paulo (AESP) – presidida por João Calmon,
representante dos Diários Associados, futuro primeiro presidente da Abert até
1970, deputado federal e senador -, a Associação Bahiana de Radiodifusão
(ABART) e Associação das Empresas de Radiodifusão de Pernambuco (Asserp). Às
vésperas da apreciação dos vetos de João Goulart pelo Congresso Nacional, esses
sindicatos e associações reuniram em Brasília, no Hotel Nacional,
representantes de 213 empresas do setor. No dia 26 de novembro, não houve
quorum para a apreciação dos vetos de João Goulart ao CBT. No dia seguinte, foi
oficialmente fundada a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
(Abert), sociedade civil sem fins econômicos e com duração indeterminada. Do
nascimento da entidade e de seus primeiros anos participaram profissionais com
destaque no cenário político, radialistas e especialistas em radiodifusão,
como, por exemplo, José de Almeida Castro, Mário Ferraz Sampaio, Enéas Machado
de Assis (veterano dos debates no Congresso Nacional sobre o CBT), Antônio
Abelin (ex-vereador em Santa Maria, Rio Grande do Sul), Clóvis Ramalhete (futuro
ministro do Supremo Tribunal Federal), Nagib Chede (futuro deputado), além de
João Calmon e outros.
Nos
dias 27 e 28 de novembro daquele ano, em votação nominal, foram derrubados, um
a um, todos os vetos de João Goulart ao CBT. O feito é digno de nota: são
poucas as votações, na história do país, que derrubaram todos os vetos de um
Presidente da República a uma nova lei, devendo-se a empreitada, em grande
parte, à ação da Abert como grupo de pressão no Congresso Nacional. Menos de
dois anos após a sua fundação, a Abert, no III Congresso Brasileiro de
Radiodifusão de 1964, aprovou o primeiro Código de Ética da Radiodifusão –
válido até 1980 – e uma minuta de anteprojeto de regulamentação da profissão de
jornalista, além de ter iniciado campanha pela regulamentação da cobrança de
direitos autorais.
A
EXPANSÃO DA RADIODIFUSÃO COMERCIAL
Cinco
presidentes da ABERT acompanharam os anos seguintes de expansão da radiodifusão
comercial, que coincidem com a instalação do regime militar no Brasil. De 1970
a 1972, a entidade foi presidida por João Jorge Saad; de 1972 a 1974, por
Adalberto de Barros Nunes; nos quatro anos seguintes, por José de Almeida
Castro, veterano dos debates que originaram a entidade; de 1978 a 1980, por
Carlos Cordeiro de Mello; de 1980 a 1982, por Paulo Machado de Carvalho Filho;
e, a partir do ano seguinte e durante nove mandatos, por Joaquim Mendonça.
Entre 1961 e 1983, o número de emissoras de rádio em ondas médias (OM)
existentes no país aumentou de 637 para 1067; em ondas tropicais (OT), de 68
para 81; em freqüência modulada, de 26 para 419 (FM); e de geradoras de
televisão, de 23 para 116. Diversos pesquisadores, a exemplo de Herz (A
história secreta da Rede Globo..., 1988) e de Jambeiro (A tv no Brasil
do século XX..., 2002), ressaltam o papel crucial de parte das emissoras
comerciais para a consolidação de redes nacionais dispostas a apresentar os
frutos do regime militar, angariando a sua simpatia. Vale lembrar que as
outorgas necessárias à prestação do serviço eram distribuídas de forma
discricionária pelo Presidente da República, cabendo a ele decidir pelo
fortalecimento ou pela derrocada de grupos empresariais específicos.
No
fim da década de 1970, a Abert já estava estruturada como entidade influente
nos rumos da regulação da comunicação de massa no país. A sede da entidade foi
transferida do Rio de Janeiro para Brasília em 1978. No plano regional, foram
fortalecidas as associações estaduais. No plano internacional, a entidade atuou
na transformação da Associação Interamericana de Radiodifusão em Associação
Internacional de Radiodifusão (AIR). Nesse mesmo período, de acordo com Herz
(1988), o Ministério das Comunicações, em processo acompanhado pela ABERT,
chegou a formular mais de dez versões de um novo Código Brasileiro de Telecomunicações,
algumas das quais separando radiodifusão de telecomunicações. Esse esforço só
viria a ter sucesso, por razões bem distintas, em meados da década de 1990.
DEBATES
DO PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO
A
redemocratização política marca o aumento do debate sobre o campo da
comunicação no país. Nesse cenário, a história da Abert confunde-se com as
próprias discussões sobre o setor.
Um
dos primeiros desafios da entidade nessa nova época foi a participação nas
discussões feitas na Assembléia Nacional Constituinte. Naquele momento, uma
proposta capitaneada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e
defendida pela deputada Cristina Tavares, do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB-PE) era o vértice de uma ampla reforma da estrutura de regulação
da comunicação de massa no país. Em linhas gerais, a proposta criava mecanismos
de controle social do setor centrados em um novo Conselho Nacional de
Comunicação, órgão integrado por diferentes atores e que seria responsável,
inclusive, pelas outorgas para a exploração da radiodifusão, conforme defendido
no relatório encaminhado pela parlamentar à Subcomissão da Ciência e Tecnologia
e da Comunicação. Ao relatório de Cristina foi contraposta a Emenda Martinez,
de autoria do constituinte e empresário do setor de radiodifusão José Carlos
Martinez (PMDB-PR), que, dentre outras alterações, acabava com o conselho.
Aprovada na subcomissão em reunião turbulenta com duração de dois dias, a
Emenda Martinez não chegou a ser apreciada na Comissão da Família, da Educação,
da Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação – única a não
enviar um relatório final à comissão de sistematização da Assembléia Nacional
Constituinte. O texto constante da Carta Magna – que prevê um Conselho de
Comunicação Social como órgão auxiliar do Congresso Nacional –, a primeira na
história do país a apresentar um capítulo sobre a comunicação social, é fruto
de acordo posterior.
As
discussões durante a Assembléia Nacional Constituinte evidenciam o
fortalecimento de segmentos da sociedade civil que, dispostos a participar do
debate sobre a comunicação social, passaram a se opor, de forma estruturada, às
idéias defendidas pela Abert. No início da década de 1990, diversos desses
movimentos se reuniram no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC).
Na
primeira metade da década de 1990, um novo debate colocou frente a frente
empresários e sociedade civil: a regulamentação da TV a Cabo no país. A lei nº
8.977 de 1995, que regulamenta a matéria, evidencia conquistas de parte a parte
e o resultado de um consenso possível: se, por um lado, foi garantida a
exploração do serviço pela iniciativa privada, tal como defendiam os
empresários do setor de radiodifusão, também foram asseguradas, como defendiam
segmentos da sociedade civil, a distribuição obrigatória de canais de
“utilidade pública” (como comunitários, universitários e legislativos) e a
consagração de um conceito de redes públicas e únicas, a serem exploradas por
diferentes agentes. Em tempo: apesar da previsão legal, as redes para
exploração do serviço de TV a Cabo não foram franqueadas à utilização geral, o
que culminou na construção de redes próprias por grande parte das empresas que
decidiram prestar o serviço.
Na
segunda metade da década de 1990, novo debate voltou a reunir empresários e
sociedade civil. Em 1998, a lei nº 9.612 finalmente regulamentou o serviço de
radiodifusão comunitária, segmento cuja trajetória remonta às rádios livres das
décadas de 1970 e de 1980. A nova lei restringiu o alcance, a potência e as
fontes de financiamento das novas emissoras, evitando confundi-las com
emissoras comerciais, mas não deixa de ser um avanço ao reconhecer o novo
serviço.
REESTRUTURAÇÃO
DO SETOR
Em
1995, o governo federal, influenciado pela nova Reforma do Aparelho de Estado,
ensaiava as suas primeiras ações no âmbito da reestruturação do setor de
telecomunicações. Seguindo tendência internacional e convencido de que não
seria capaz de investir o necessário para modernizar o setor, o governo federal
decidiu privatizar o Sistema Telebrás. Para isso, seria necessário não apenas
encontrar compradores, como também reformar a estrutura regulatória e o marco
legal vigentes – o antigo Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, mesma
legislação aplicada à radiodifusão.
A
solução dada pela Emenda Constitucional nº 08 foi a separação dos modelos de
exploração de radiodifusão e de telecomunicações: na prática, a segunda se
sujeitaria a uma legislação nova – cujo vértice é a lei nº 9.472 de 1997,
chamada de Lei Geral de Telecomunicações (LGT) – e a um órgão regulador
recém-criado, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); já a primeira
permaneceria no âmbito do antigo CBT, submetendo-se à regulação do Ministério
das Comunicações e relacionando-se com a Anatel apenas no que se refere à
gestão do espectro e à fiscalização técnica do serviço. A solução brasileira
caminhava na contramão da tendência mundial, ignorando claras manifestações de
uma convergência tecnológica e promovendo uma dissociação entre radiodifusão e
telecomunicações, injustificável do ponto de vista técnico.
Já
sob a gestão de Paulo Machado de Carvalho Neto, presidente eleito em 2000, a
Abert passou a buscar soluções para enfrentar a crise econômica enfrentada por
alguns dos seus associados. A maior evidência desses problemas foi a falência
da Rede Manchete na segunda metade da década de 1990, mas a variação cambial do
fim dessa década e as altas dívidas em moeda estrangeira contraídas pelos
grupos que decidiram atuar no segmento de TV por Assinatura também forçaram a
busca por novos investimentos. A solução encontrada foi a mudança, em 2002, do
artigo 222 da Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 36,
que passou a possibilitar investimentos estrangeiros em empresas jornalísticas
e de radiodifusão até o limite de 30% do capital total e do capital votante
dessas entidades.
Nos
anos seguintes, vale destacar o papel decisivo da ABERT em dois outros debates,
nas gestões de José Inácio Gennari Pizani (2004-6) e Daniel Pimentel Slaviero
(2006 - ). Quando o Ministério da Justiça, em 2004, anunciou a sua disposição
em rever as regras para a classificação indicativa da programação de emissoras
de radiodifusão, prevista no texto constitucional, a entidade argumentou que a
liberdade de expressão não poderia ser violada e que cabia aos pais monitorar,
se necessário, o que os filhos estavam assistindo. Em 2006, foi publicada a
portaria que trata do tema, gerando críticas por parte da entidade. Já no que
se refere à escolha do padrão brasileiro de TV Digital, a Abert posicionou-se
favoravelmente ao padrão japonês que, em 2006, foi confirmado como a base sobre
a qual se estruturaria o sistema brasileiro.
DISSIDÊNCIAS
Durante
a história da Abert, algumas dissidências marcaram a saída (e, em alguns casos,
a volta) de alguns dos seus membros. Irritado com a campanha que João Calmon,
então presidente da entidade, fazia contra o contrato firmado entre o grupo
Time-Life e as Organizações Globo, este último solicitou o seu desligamento da
entidade em 1966 (regressando tempos depois). No mesmo ano, a Rádio Jornal do
Brasil faria o mesmo. Em fevereiro de 2002, SBT, Record e Bandeirantes
anunciaram que a Abert não mais as representava e que se desligavam do quadro
da entidade. As duas primeiras terminaram por voltar, mas a Bandeirantes, em
parceria com a Rede TV! (bem como suas afiliadas), criaram oficialmente, em
2005, a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra). Em agosto de 2009,
quando a Abert, acompanhada por outras cinco entidades representativas dos empresários
do setor de comunicação, decidiu se retirar da Comissão Organizadora da 1ª
Conferência Nacional de Comunicação, a Abra optou por permanecer no debate.
Octávio Penna Pieranti (colaboração especial)
FONTES:
ABERT. História da ABERT; HERZ, D. A história secreta da Rede Globo;
JAMBEIRO, O. A TV no Brasil do séc. XX; PIERANTI, O. P. Políticas
públicas para radiodifusão e imprensa; PIERANTI, O. P. e MARTINS, P. E. M. A
radiodifusão como um negócio.