CENTRÃO
Grupo suprapartidário com perfil de centro e direita criado
no final do primeiro ano da Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988 para
dar apoio ao presidente da República José Sarney. Foi responsável pela
reviravolta no processo de elaboração constitucional ao conseguir alterar, por
meio de um projeto de resolução, as normas regimentais que organizavam os
trabalhos constituintes.
Era comandado por lideranças conservadoras do Partido da
Frente Liberal (PFL), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do
Partido Democrático Social (PDS) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e
contava também com parlamentares do Partido Liberal (PL) e do Partido Democrata
Cristão (PDC). Ao cindir o majoritário PMDB, sacramentou o fim da Aliança
Democrática entre o PMDB e o PFL, até então fiadora formal da transição
democrática e núcleo de sustentação da Nova República. Ao se apresentar como
base confiável de apoio ao governo dentro da Constituinte, assegurou ao palácio
do planalto a vitória nos principais temas de seu interesse: sistema de governo
presidencialista e mandato de cinco anos.
Conquanto
alguns de seus líderes tenham sido recompensados pelo governo federal com
cargos e verbas, o grupo perdeu força antes mesmo do final da Constituinte.
Diante do aumento da impopularidade do governo Sarney, causado pelo acirramento
das crises social e econômica e pelo surgimento de denúncias de corrupção, os
principais líderes do Centrão procuraram gradativamente dissociar sua imagem
pública do Planalto, notadamente em 1989, ano da primeira eleição presidencial
direta desde o movimento político-militar de 1964. Parte considerável dos seus
componentes aproximou-se da candidatura vitoriosa do ex-governador de Alagoas,
Fernando Collor de Melo, de todos os governantes peemedebistas justamente o
mais virulento crítico do governo Sarney. Os conflitos internos de poder, o
processo de rearrumação partidária ante a disputa eleitoral e o desgaste
sofrido pela denominação “Centrão” perante a opinião pública fizeram com que
seus integrantes deixassem de agir como um bloco formal, voltando à militância
partidária.
Destacaram-se, como articuladores do grupo, os líderes do
PFL, José Lourenço (Bahia), do PDS, Amaral Neto (Rio de Janeiro), e do PTB,
Gastone Righi (São Paulo); o líder do governo Carlos Santana (Bahia); e os
deputados Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP), que ingressaria no PTB, Daso Coimbra
(PMDB-RJ), Ricardo Fiúza (PFL-PE) e Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA).
Formação e dissolução
Para entender o crescimento e o esvaziamento do Centrão,
devem ser discernidos dois conjuntos de elementos. Em primeiro lugar, houve,
por assim dizer, antecedentes estruturais: 1) históricos — natureza da
transição democrática; 2) político-institucionais — sistema partidário e
eleitoral; e 3) sociais e econômicos — clivagens regionais, setoriais e
ideológicas. Tais fatores predispuseram, como uma possibilidade inerente à
dinâmica política, à aglutinação momentânea, mas institucionalizada, das forças
de centro e direita na Constituinte. Em segundo lugar, questões conjunturais
consolidaram, após idas e vindas, uma operação de parlamentares que, balizados
pelo contexto político — relações com o Executivo, crise da Aliança
Democrática, conflitos entre elites regionais — e sob a injunção da organização
institucional dos trabalhos constituintes — normas regimentais, sistema de
comissões, prerrogativas dos líderes, ocupação das vagas e cargos nas comissões
—, concretizaram a organização das forças de centro e direita em torno do
governo Sarney, e contra a unidade do majoritário PMDB.
Como decorrência de ambos os fatores, aconteceria a
dissolução do grupo. A fragilidade do sistema partidário — a qual favorecia
novos arranjos das siglas —, o início da competição eleitoral — com suas
inevitáveis clivagens regionais, setoriais e entre elites —, e a luta dos
agentes pelos escassos recursos providos por um governo em final de mandato e
em meio à crise econômica, decretariam o fim do Centrão, ainda que parte do seu
núcleo se mantivesse no poder ao longo dos governos dos presidentes Fernando
Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Primeiros passos do bloco de centro e direita
Em
3 de fevereiro de 1987, primeira semana de funcionamento da Assembléia Nacional
Constituinte, o líder do PFL, José Lourenço, ao sair de audiência com o
presidente Sarney, defendeu a formação de um “bloco parlamentar de centro”.
Unindo aos pefelistas os moderados do PMDB e parlamentares do PDS e do PTB, o
grupo, segundo Lourenço, deveria ser chamado de “Bloco Tancredo Neves”. Ao
mencionar, em respaldo a Sarney, e como símbolo da aglutinação das forças de
centro e direita, o presidente eleito no Colégio Eleitoral em 1985, o líder
pefelista sintetizava aspectos anteriores à Constituinte. Primeiro, fator
histórico, houve o peculiar processo de transição democrática brasileira, que
pôde, ao mesmo tempo em que convocava uma Assembléia Constituinte, idealizada
como uma intervenção democratizante para expurgar os resquícios do
autoritarismo, preservar vínculos políticos de parcela dos articuladores da
Aliança Democrática — peemedebistas moderados e pefelistas — não só com adesistas
de última hora, como com partidários do ex-governador Paulo Maluf, que
disputara com Tancredo Neves a eleição pelo Colégio Eleitoral.
Distribuídos pelos quatro maiores partidos da época, esses
parlamentares, identificados ideologicamente entre si, atestavam o quanto eram
tênues as fronteiras partidárias. Ressalte-se que os seis maiores partidos do
país não tinham, à época, uma década de existência. Ao chegar à Constituinte, o
PFL passara por seu segundo processo eleitoral e pela primeira eleição congressual.
O frágil sistema partidário-eleitoral, recém-modificado por emenda
constitucional (maio de 1985), favorecia, de um lado, iniciativas individuais,
em detrimento da fidelidade ao programa da agremiação. De outro, induzia, de
modo tópico e informal, mas para além das fronteiras partidárias, a aproximação
ou o afastamento entre os constituintes — grupos informais —, tendo por
motivação questões regionais, estaduais ou locais, afinidades ou divergências
de interesses, e ambições similares ou concorrentes quanto às verbas e cargos
do governo.
Uma questão conjuntural foi decisiva para reforçar esses
elementos anteriores à Constituinte. As eleições de 1986, fortemente
influenciadas pelo Plano Cruzado, conduziram a uma esmagadora vitória do PMDB.
No entanto, o partido, em seus dois primeiros anos no governo federal, fora
engordado por adesões de políticos sem história na legenda, e sem qualquer
compromisso com seu programa. Essa falta de consistência teria um preço alto.
Com a decretação, tão logo apurados os resultados do pleito, de medidas
econômicas impopulares, que vinham sendo adiadas pelo governo, ruiu o maciço
apoio popular ao PMDB, caindo ambos, sigla e Executivo, em descrédito. O esforço que fizeram para se eximir da responsabilidade, e o conseqüente
estremecimento de suas relações, provocariam duas conseqüências, às vésperas da
instalação da Constituinte. Primeiro, o PMDB dividiu-se em três grupos: à
esquerda, uma facção defendia a confrontação com o governo Sarney; à direita,
uma parcela procurava ganhar espaço junto ao Planalto; e ao centro, o comando
do partido tentava manter a unidade, hesitando entre criticar o governo ou nele
se manter, assegurando-lhe o apoio necessário. Em segundo lugar, as forças de
centro e direita, em especial o PFL, enfraquecido pelo mau desempenho
eleitoral, tentavam ganhar espaço junto ao Executivo.
A manifestação de José Lourenço demonstrava o senso de
oportunidade pefelista ante a transformação do contexto político. Enquanto
flertava com o Planalto, o PFL alfinetava o PMDB, pedindo a queda do ministro
da Fazenda, Dílson Funaro, e acusando-o de ser responsável pelo fracasso do
Cruzado. Na mesma tacada, os pefelistas procuravam aproximar-se das elites
empresariais do país, que criticavam as medidas intervencionistas do plano.
Divergências internas entre as elites peemedebistas, as quais, tendo em vista a
futura eleição presidencial, lutavam pelo controle da máquina partidária,
facilitavam o trabalho de composição com o governo. O único impedimento era a
força eleitoral adquirida pelo PMDB, refletida na composição da Constituinte e
do ministério.
A elaboração constitucional
A
primeira demonstração concreta da tensão entre apoio ao governo e unidade do
PMDB aconteceu quando da votação do Regimento Interno da Constituinte. Unidas,
as forças de centro e direita conseguiram bloquear a aprovação da Resolução nº
2, por conta de um dispositivo — projeto de decisão — não desejado pelo
governo. Este instrumento permitiria que o majoritário PMDB, associado a outras
forças políticas, pudesse, em nome da Constituinte, interferir nas ações do
Executivo. Foi necessário que constituintes governistas quebrassem a unidade do
PMDB, forçando uma negociação que, mais do que atenuar a força do dispositivo,
mostrou o potencial do centro e da direita e abriu novas feridas entre os
peemedebistas. Uma das conseqüências foi a eleição do senador Mário Covas
(PMDB-SP) para líder do PMDB na Constituinte, contra a candidatura do deputado
Luís Henrique (PMDB-SC), o preferido do presidente do partido, da Câmara dos
Deputados e da Constituinte, Ulisses Guimarães. Deve-se realçar que para esse
resultado contribuíram tanto a esquerda do partido quanto a direita, ambas
interessadas em enfraquecer os poderes de Ulisses.
A
escolha de Covas, parlamentar de centro-esquerda, atado ao programa partidário,
viria se conjugar a um aspecto institucional próprio da Constituinte, o sistema
de comissões. A definição da sistemática de elaboração constitucional começou a
partir de uma contestação à concentração de poder nas mãos de Ulisses
Guimarães. Por iniciativa deste, foi proposta, seguindo tradição de processos
constituintes brasileiros, a formação de uma grande comissão, que elaboraria um
anteprojeto, sobre o qual os constituintes trabalhariam. Apoiados pela oposição
à esquerda, um grupo de novos parlamentares do PMDB, por se julgarem alijados
das decisões da cúpula partidária, ameaçaram não reeleger Ulisses para a
presidência da Câmara dos Deputados, cargo que o mantinha como substituto
imediato do presidente da República. Após intensa negociação, houve a inversão
do processo, em prol da participação inicial de todos parlamentares em 24
subcomissões, depois em oito comissões, culminando na Comissão de
Sistematização, reduzida a 93 constituintes. Esse quórum limitado, porém, faria
com que a Sistematização fosse vista, ao final, como sendo excludente.
Com a vitória de Covas, e sua preferência por relatores com
perfil de centro-esquerda, a reação a essa sistemática tornar-se-ia cada vez
mais forte, principalmente nas subcomissões e comissões em que o plenário
reagiu aos anteprojetos propostos. Ao final de ambas as etapas, ainda que se
registrassem, especialmente quanto aos temas econômicos, vitórias da direita, e
nas questões sociais, vitórias da esquerda, surgiram as primeiras reações
contra a liderança peemedebista.
Dois fatos devem ser destacados. Primeiro, ao longo dos
trabalhos das comissões, a própria natureza dos debates contribuiu para
aproximar os constituintes, promovendo as primeiras composições
suprapartidárias informais. Em contraste, no PMDB, os coordenadores das
bancadas estaduais, incentivados pelo Planalto, por intermédio do líder Carlos
Santana, e por alguns governadores, especialmente Orestes Quércia, de São
Paulo, e Newton Cardoso, de Minas Gerais, passaram a contestar a liderança de
Covas na Constituinte, iniciando uma cisão que seria conhecida como Centro
Democrático. Os principais líderes do grupo eram Expedito Machado (PMDB-CE),
Marcos Lima (PMDB-MG), Borges da Silveira (PMDB-PR), Mendes Ribeiro (PMDB-RS) e
Basílio Vilani (PMDB-PR).
Concluída
a fase das comissões, a experiência adquirida pelo trabalho em comum, acrescida
da diversidade do resultado final, e de incompatibilidades entre dispositivos
dos anteprojetos aprovados, incentivou a formação de grupos suprapartidários,
direcionados para a coordenação dos trabalhos e para a obtenção de acordos.
Surgiram: um grupo conservador (embrião do Centrão), o Grupo dos 32 (de
tendência parlamentarista), o Grupo do Consenso (ou Interpartidário), e um
grupo de esquerda. Cada um, sobrepondo-se às iniciativas partidárias, procurava
negociar propostas com o relator da Comissão de Sistematização, Bernardo
Cabral. Embora tenha sido possível chegar a um número considerável de acordos,
logo no início das deliberações da Sistematização estourou uma nova crise
política. Em reação à indicação do vice-governador de Pernambuco, Carlos Wilson
(PMDB), para dirigir a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), o presidente do PFL, Marco Maciel, decretou a morte da Aliança
Democrática. Os pefelistas passaram a exigir de Sarney uma definição sobre a
sua base de apoio: ou governaria com o PMDB, ou com o PFL, aliado às demais
agremiações de direita (PDS, PTB, PL e PDC) e ao Centro Democrático.
Ameaçado pelo crescimento do movimento parlamentarista, e sem
ter assegurado o apoio necessário do PMDB, o governo decidiu reorganizar sua
base de sustentação. O sucesso da ação dependia da divisão definitiva do
partido majoritário, o que foi feito de dois modos. Em primeiro lugar, pelo
incentivo à atuação do Centro Democrático, que induzira, como contrapartida à
esquerda, a organização do Movimento pela Unidade Progressista (MUP). Com isso,
perdiam força o líder Mário Covas e o presidente do partido, Ulisses Guimarães.
Em segundo lugar, o governo federal procurou compor-se com governadores
peemedebistas, oferecendo verbas em troca do controle sobre as bancadas
estaduais. No final de outubro de 1987, o presidente Sarney promoveu uma
pequena reforma ministerial, cedendo duas vagas da cota peemedebista para
parlamentares do grupo conservador — Prisco Viana e Borges da Silveira.
A formação da coalizão de centro e direita ganharia força
justamente quando os trabalhos da Sistematização entraram em sua etapa
decisiva: a votação do projeto de Constituição. A aprovação do sistema
parlamentar de governo; o fortalecimento do Poder Legislativo; um sistema
tributário e fiscal que retirava recursos da União em favor de estados e
municípios; a inclusão de dispositivos favoráveis aos trabalhadores; e uma
ordem econômica estatizante e nacionalista — tais medidas uniriam o governo e
setores empresariais no esforço para derrubar o projeto da Sistematização.
Havia obstáculos institucionais. Pelas normas regimentais, o projeto aprovado pela
Sistematização possuía vantagens procedimentais sobre propostas que
tencionassem alterá-lo. Primeiro, o Regimento Interno não permitia a
apresentação de novas emendas. Segundo, aquelas existentes demandariam o voto
de 280 constituintes para se sobreporem ao texto aprovado. Os articuladores do
governo, uma vez constatada a necessidade de alteração das normas regimentais,
partiram para a ação, unindo essa operação à própria montagem da nova base de
sustentação do governo.
O núcleo governista soube capitalizar as insatisfações dos
constituintes que não tinham assento na Sistematização. Esse processo, inerente
à própria lógica de organização dos trabalhos, manifestava-se como um conflito
entre plenário e comissão. O instrumento adequado para mudar as regras do jogo
era a apresentação de projetos de resolução, os quais, para sua tramitação,
demandavam a assinatura da maioria absoluta dos constituintes. Para angariar
apoio, foram enfatizadas justamente as duas demandas principais: o direito de
os parlamentares apresentarem novas emendas — maior participação do plenário; e
a criação de um dispositivo que contornasse a condição preferencial do projeto
da Sistematização — soberania do plenário.
Por
se entender majoritário dentro da Constituinte, o movimento, cujo núcleo era
conservador e por isso acusado de direitista, autodenominou-se Centrão. Os
líderes desse processo habilmente elaboraram um projeto de resolução no qual se
destacavam dois dispositivos. Um permitia a elaboração de emendas coletivas, as
quais, pelo número de subscrições, poderiam ter preferência automática sobre o
projeto da Sistematização. O outro criava o destaque para votação em separado
(DVS). Pelo DVS, a aprovação de um requerimento impunha, a quem quisesse manter
no texto a parte destacada de um projeto antes aprovado, o ônus de conseguir o
quorum de maioria absoluta. Em outros termos, um dispositivo do projeto da
Sistematização, destacado para votação em separado, precisaria obter 280 votos
em plenário para permanecer no texto.
Galvanizando insatisfações diversas, o Centrão conseguiu
obter, antes mesmo da conclusão dos trabalhos da Sistematização, o número
necessário para modificar a sistemática de trabalho. No dia 10 de novembro, no
plenário da Constituinte, o deputado Daso Coimbra (PMDB-RJ) apresentou um
manifesto do grupo e a proposta para modificação do Regimento Interno,
subscrita por 314 assinaturas — que seriam o máximo de apoio obtido pelo
Centrão. A tramitação do Projeto de Resolução nº 3 (PR3) foi conturbada,
envolvendo duas grandes batalhas, ambas vencidas pelo Centrão, e um acordo
promovido pela mesa da Assembléia. No dia 25 de novembro, por 271 a 233, foi aceito o pedido de preferência para votação do PR3. Em 4 de dezembro, em sessão
tumultuada, o projeto, ressalvados os destaques, foi aprovado com 290 votos a
favor. Por conta da apreciação dos destaques, e após negociação da mesa com
líderes partidários e do Centrão, foi possível a aprovação, no dia 9, de um
substitutivo ao PR3 que amenizava, a favor dos partidos minoritários, alguns
dos dispositivos propostos pelo Centrão. O texto final — Resolução nº 3 — só
foi votado no início de janeiro de 1988.
Entre a vitória regimental e o início do primeiro turno de
votação, no final de janeiro, a ação dos articuladores do Centrão foi intensa.
Foram elaborados substitutivos aos oito títulos do projeto de Constituição e às
disposições transitórias. Por meio de um eficiente, e caro, processo de
mobilização, foram coletadas, em todo o país, as assinaturas necessárias para
obter a preferência automática de votação sobre o texto da Sistematização.
Contudo, a maioria absoluta no papel, obtida fora dos limites da Constituinte,
não se traduziria em votos no plenário. Na primeira deliberação do primeiro
turno, relativa ao Preâmbulo da Constituição, o Centrão não conseguiu os 280
votos necessários.
A ausência de uma maioria de fato conduziu a uma constante
negociação, a cada título e capítulo apreciado. Por ter preferência automática,
o substitutivo do Centrão serviu de base para os acordos, embora parte dos seus
dispositivos tenha tido inspiração no anteprojeto aprovado pela Sistematização.
Pelo processo de votação, quando havia rejeição tanto do capítulo proposto pelo
Centrão, quanto do constante do anteprojeto, a falta de um texto caracterizava
um impasse — “buraco negro” — obrigando os líderes e o relator a negociarem um
dispositivo alternativo. Para evitar impasses irremediáveis e negociar a pauta
de votação, consolidou-se o Colégio de Líderes, no qual tinham assento o relator-geral
e os adjuntos, alguns integrantes da mesa da Constituinte, as lideranças
partidárias e os articuladores do Centrão. A cada questão negociada, integravam
esse colegiado constituintes que haviam trabalhado sobre o tema em discussão ao
longo da Constituinte. O Centrão, embora como bloco tenha-se equiparado à
liderança do PMDB dominando as negociações, viu-se enfraquecido ao longo desse
processo. Alguns constituintes afastaram-se do grupo por não concordarem com a
liderança de seus coordenadores. Esvaziado desde a consolidação do Centrão e em
processo de dissolução, o Centro Democrático teve parte dos seus integrantes
retornando à liderança do PMDB, por não concordarem em ser liderados por
constituintes de outros partidos. A maior proximidade entre a cúpula do Centrão
e o Planalto, ou seja, acesso a verbas e cargos, contribuía para acirrar as
divergências. Até por isso, as vitórias mais contundentes do Centrão em
plenário foram aquelas em que o grupo agiu coordenando, junto aos agentes
interessados, os recursos por estes tornados disponíveis para arregimentar o
apoio dos parlamentares. Foi assim nas votações do sistema de governo
presidencialista, do mandato de cinco anos para os presidentes e para Sarney e
da reforma agrária. Esta última foi sintomática, uma vez que, mesmo em minoria,
o grupo conseguiu evitar a obtenção da maioria absoluta por parte dos que
pretendiam emendar o texto proposto.
Declínio
O declínio do Centrão foi acelerado pelo acirramento das
divergências políticas. Em ano de eleições municipais, as disputas por recursos
políticos escassos, dada a crise econômica, aliadas às divergências entre
elites regionais, esgarçaram, tal como ainda ocorria no PMDB, o relacionamento
entre os integrantes do bloco. Na fase final da Constituinte, aconteceu um
processo de reorganização partidária. O maior partido, PMDB, foi o mais
atingido, perdendo parte de sua esquerda para o Partido Democrático Trabalhista
(PDT) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a centro-esquerda para o novo
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e parte da direita para o PTB e
o PDC. Com os trabalhos constituintes chegando ao fim, o Centrão perdia
eficácia institucional, até porque os parlamentares estavam mais preocupados em
se posicionar junto às suas bases eleitorais, dada a redistribuição das elites
pelos partidos políticos. Cada vez mais dominado pelo PFL, e por parlamentares
antes fiéis a benefícios auferidos junto ao Executivo do que a partidos ou ao
próprio presidente, o Centrão perdia o sentido de bloco parlamentar, malgrado
os laços ideológicos entre os agentes de centro e direita abrigados em
diferentes legendas.
O baixo conceito da denominação “Centrão” junto à opinião
pública — a máxima “é dando que se recebe” utilizada pelo ex-peemedebista
Roberto Cardoso Alves (PTB-SP), novo ministro de Sarney, firmara-se como
atestado de corrupção — e o ano de eleição presidencial (1989) sacramentariam a
dissolução formal do bloco. O enfraquecimento do presidente Sarney, o desgaste
sofrido pelos dois parceiros da Aliança Democrática, e a ascensão da
candidatura de Fernando Collor, cada vez mais polarizada com os partidos de
esquerda, permitiram uma saída para os integrantes do Centrão. Collor, cuja
imagem de combatente contra a corrupção e os privilégios fora construída com ataques
ao governo Sarney, receberia, no segundo turno da eleição, o apoio dos
principais líderes do Centrão. Parte deles não só integraria o seu governo,
como a ele sobreviveria, ocupando cargos e funções importantes nos governos de
Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso.
André
Magalhães Nogueira colaboração especial
FONTES: Correio
Brasiliense (3, 11 a 12/87, 2 a 9/88); Diário da Assembléia Nacional
Constituinte; Estado de S. Paulo (3, 11 e 12/87, 2 e 9/88); Folha
de S.Paulo (3, 11 e 12/87, 2 a 9/88); Globo (3, 11 a 12/87, 2 a 9/88); Jornal da Constituinte (col. compl.); Jornal do Brasil (3, 11 e
12/87, 2 a 9/88).