CÍRCULOS
OPERÁRIOS
Associações civis de trabalhadores, de inspiração católica,
surgidas no Brasil na década de 1930. A primeira dessas associações foi o
Círculo Operário Pelotense, fundado na cidade de Pelotas (RS) em 15 de março de
1932.
Criação
Na
década de 1920, surgiu no Brasil um movimento leigo empenhado na discussão dos
problemas sociais à luz de pensadores católicos como Jacques Maritain. Na
década seguinte, organizaram-se no país vários grupos inspirados pela Igreja,
como a Liga Eleitoral Católica, a Associação de Universitários Católicos e a
Ação Católica Brasileira. Dentro desse quadro surgiu também um movimento
operário católico, que iria resultar na criação dos círculos operários, e, mais
tarde, na Confederação Brasileira dos Trabalhadores Cristãos.
Os
primeiros círculos operários foram fundados no Rio Grande do Sul por iniciativa
do jesuíta italiano Leopoldo Brentano. Inspiravam-se na tradição intelectual italiana
do corporativismo e na própria orientação do regime de Vargas, favorável ao
desenvolvimento do movimento operário católico como um meio de resguardar os
trabalhadores da influência comunista. Ao surgir, este movimento possuía
ligações com os setores dirigentes, tendo no general Flores da Cunha um de seus
inspiradores. Por esta razão os líderes católicos puderam gozar de uma série de
facilidades que não foram usufruídas por outras organizações operárias.
Estatutos
O
modelo dos estatutos dos círculos operários teve por base os estatutos do
Círculo Operário Pelotense. Seu objetivo é coordenar a atividade de seus sócios
a fim de alcançar uma real elevação econômica, cultural e social das classes
trabalhadoras. Constituem-se assim como uma organização de caráter
econômico-social, e de direito civil, não sendo, portanto, associação de
direito eclesiástico, como a Juventude Operária Católica (JOC). Essa sociedade
civil sem fins lucrativos possui como princípios básicos “fundamentar suas
atividades na doutrina e na moral dos Santos Evangelhos e nos ensinamentos
sociais da Igreja, contidos nas encíclicas Rerum Novarum, Quadragesimo Anno,
Divini Redemptoris e Mater et Magistra, nas mensagens de Pio
XII e em outros documentos pontifícios”, sem exigência de que seus sócios sejam
católicos; “repudiar a luta sistemática de classes e advogar a moderada
intervenção do Estado na solução da questão social, de acordo com os princípios
preconizados nos documentos referidos”; e adotar como lema a fórmula do
sociólogo católico italiano Toniolo, “o trabalho cada vez mais dominante, a
natureza cada vez mais dominada e o capital cada vez mais proporcionado”.
Podem fazer parte do círculo operário, como sócios efetivos,
os operários manuais, os empregados do comércio, os pequenos funcionários
públicos, os trabalhadores por conta própria, os pequenos proprietários rurais
e, em geral, todos os assalariados de ambos os sexos e de qualquer profissão.
As
vantagens e benefícios a que têm direito decorrem de sua incorporação ao
círculo operário, e, por seu intermédio, ao movimento circulista nacional,
hierarquicamente coordenado nas federações estaduais e na Confederação
Brasileira dos Trabalhadores Cristãos (CBTC).
Os círculos operários não têm nenhuma dependência, direito ou
outra relação de ordem jurídica com o Ministério do Trabalho. Não são, ainda,
associações religiosas, nem dependem diretamente da hierarquia eclesiástica em
assuntos de sua finalidade imediata, como economia, administração, técnica,
método, iniciativas temporais e área de ação. Julgam-se, ainda, “fora e acima
da política partidária”, não podendo os dirigentes servir-se do nome dos
círculos que representam para apoiar partidos políticos ou entrar em
compromisso com eles. Sua função reside em promover a assistência e o auxílio
mútuo ao operário, aspirando “a uma ordem social de perfeita justiça, caridade
e harmonia”.
Atuação
Após
a fundação do Círculo Operário Pelotense, surgiu, em 1933, o Círculo Operário
Porto-Alegrense e reergueu-se o de Santa Maria, estendendo-se, destes, círculos
por todo o estado. Em 1935, realizou-se em Porto Alegre, com a participação de
14 círculos, o I Congresso dos Círculos Operários, quando foi fundada a
Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul. Dois representantes de
São Paulo assistiram ao conclave, e pouco depois organizou-se o primeiro
círculo operário deste estado. Em 1936, durante o Congresso Eucarístico de Belo
Horizonte, realizaram-se sessões operárias com a participação de delegados das
principais associações operárias católicas do Brasil. Nessas reuniões, foi
decidida a fundação de círculos operários em todos os grandes centros de
trabalho do país e, ainda, a realização de um congresso operário católico
nacional em 1937. Foi pedida a transferência do padre Brentano para o Rio de
Janeiro (então Distrito Federal), local onde se realizaria o encontro, e
sugerida a formação de uma frente trabalhista cristã nacional.
Entre
1936 e 1937, novos círculos foram fundados no Rio Grande do Sul e nos estados
de Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Pernambuco, além do
Distrito Federal.
Em 1937, na tentativa de organizar um movimento nacional
unificado, o padre Brentano promoveu no Rio de Janeiro o primeiro congresso
nacional circulista. Nessa ocasião foi constituída formalmente a Confederação
Nacional dos Operários Católicos (CNOC), composta de 34 círculos, com 31mil
membros espalhados em cinco estados. O congresso decidiu ainda fundar círculos
operários em todos os centros de trabalho, como organização básica para todas
as realizações do programa católico nos campos econômico e social por parte do
operariado.
No
período do Estado Novo, o movimento operário católico cresceu bastante. Os
círculos receberam o reconhecimento oficial do governo e foram beneficiados por
favores, na medida em que ajudavam a administrar a legislação de bem-estar
social instituída por Vargas. Ao fim desse período, existiam duzentos círculos
e duzentos mil associados em todo o país.
Com
a queda de Vargas, o movimento católico entrou em declínio, devido em parte ao
descrédito que começavam a ter os princípios do corporativismo com a derrota do
fascismo na Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, cessava uma espécie de
favoritismo oficial que cercara seu crescimento sob Vargas. Este esvaziamento
ficou patente quando, no IV Congresso Nacional realizado pelos círculos em 1946
no Rio de Janeiro, as decisões apenas reafirmavam os princípios segundo os
quais essas sociedades haviam sido originariamente fundadas. Ainda nos
congressos nacionais realizados no fim da década de 1940 e princípios da década
de 1950, os delegados circulistas reafirmaram sua lealdade aos princípios e
programas anteriores, instituídos pelo padre Brentano.
No meio da década de 1950, a Igreja tratou de modernizar os
círculos, reorientando seu programa e suas atividades com vistas ao trabalhador
brasileiro. A partir do VII Congresso Nacional dos Círculos Operários, foram
incrementadas as escolas de líderes operários, a primeira das quais foi fundada
no Rio de Janeiro pelo padre Belisário Veloso, então assistente eclesiástico da
CNOC. Nesse momento, registrava-se um esforço no sentido de orientar o
movimento fundamentalmente para os problemas trabalhistas. Em julho de 1962, no
VIII Congresso Nacional dos Círculos Operários, em São Paulo, foi enfatizada a
necessidade de adaptar o movimento às novas condições sociais do Brasil, sob a
inspiração da encíclica Mater et Magistra. Entretanto, segundo Howard
Wiarda, a ideologia do movimento e seus objetivos mais profundos estavam pouco
dinamizados, sendo ainda evidente o domínio do clero tradicional.
Em 1964, funcionavam no país 408 círculos, reunidos em 16
federações estaduais, com um total de cerca de 435.000 associados. No início da
década de 1960, o movimento operário católico passara por uma crise, na medida
em que a Igreja se mantinha cética em relação a João Goulart, não permitindo
que os círculos operários expandissem suas atividades por temer a constituição
de uma frente operária unificada. Essa crise se consolidou quando os líderes
católicos deram apoio ao movimento político-militar de 1964.
Em
1966, num congresso circulista nacional realizado na Bahia, vários grupos de
estudo relataram a situação miserável dos trabalhadores brasileiros e
reivindicaram atenção para os problemas sociais do país. Os líderes circulistas
progressistas haviam sido bastante influenciados pelas encíclicas do papa João
XXIII, mostrando-se preocupados com os problemas do subdesenvolvimento, o que
indicava uma mudança na posição ideológica defendida pelo movimento desde os primeiros
anos. As propostas do congresso de organização de um maior número de círculos,
de uma melhor coordenação do movimento, e de melhores relações com outras
organizações operárias centralizaram-se na melhoria das condições dos
trabalhadores, ficando ausentes as exortações à vida cristã e à harmonia.
Mônica
Kornis
FONTES: BRANDÃO, B.
Movimento; CÍRCULO OPERÁRIO. Anual; WIARDA, H. Movimento.