LIGA
COMUNISTA INTERNACIONALISTA
Organização trotskista fundada em 21 de janeiro de 1931, em
São Paulo, por Mário Pedrosa, Aristides Lobo, Lívio Xavier e outros. Pouco
depois foi fundada a seção do Rio de Janeiro por Edmundo Muniz, Rodolfo
Coutinho, João Deladéa e outros. Associada à Oposição Internacional de Esquerda
e integrada principalmente por dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
então chamado Partido Comunista do Brasil, atuou sobretudo no movimento
operário e na luta contra o integralismo. No final da década de 1930, os
conflitos internos e a crescente repressão policial do Estado Novo levaram-na a
um progressivo esvaziamento.
Antecedentes
Nos últimos anos da década de 1920, o movimento trotskista
experimentava uma grande expansão em nível mundial. Com a expulsão de Leon
Trotsky da União Soviética em 1928, os problemas internos do Partido Comunista
da URSS (PCUS) tornaram-se públicos e, em 1929, começaram a surgir em diversos
países capitalistas ligas comunistas internacionalistas organizadas por
militantes contrários à orientação da III Internacional Comunista, controlada
pelo secretário-geral do PCUS, Josef Stalin. No Brasil, a primeira organização
trotskista surgida foi o Grupo Bolchevique Lênin, fundado no Rio de Janeiro no
final de 1929 por Mário Pedrosa e pelos integrantes de uma célula do PCB do
Rio, expulsa coletivamente por questões disciplinares.
Por
outro lado, em abril de 1930, realizou-se em Paris uma conferência de todas as
oposições de esquerda do mundo, durante a qual foi criada a Oposição
Internacional de Esquerda. Na ocasião, os trotskistas frisaram que se
consideravam a fração à esquerda dos partidos comunistas nacionais, e
conseqüentemente da III Internacional, e que não pretendiam criar outros
partidos comunistas nem tampouco a IV Internacional. Sua perspectiva era
desenvolver uma oposição interna às direções stalinistas dos partidos
comunistas procurando convencê-las da justeza da linha política trotskista.
Vitoriosa a Revolução de 1930 no Brasil, Getúlio Vargas
nomeou logo depois o “tenente” João Alberto Lins de Barros interventor em São
Paulo. Nos primeiros meses do seu governo, João Alberto permitiu que a esquerda
— ao contrário do que acontecia no resto do país, onde era duramente reprimida
— atuasse num clima de relativa liberdade. Data desse período a fundação, na
capital paulista, da Liga Comunista Internacionalista (LCI). A seção carioca da
LCI foi criada pouco depois. Devido à menor perseguição policial em São Paulo,
a seção paulista foi, desde o início, o centro maior do trotskismo brasileiro.
A
organização contava com duas publicações: o Boletim de Oposição, que tinha por
objetivo “estreitar a ligação entre o proletariado revolucionário e a Oposição
Internacional de Esquerda”, traduzindo diversas matérias publicadas pelo seu
homônimo editado pela Oposição Internacional; e A Luta de Classe, editada desde
maio de 1930 pelo Grupo Bolchevique Lênin, e que se tornou o órgão oficial da
liga.
Primeiros anos
Desde a criação da LCI, seus militantes procuraram agir nos
sindicatos paulistas e cariocas, logrando uma influência considerável em alguns
deles. Aproveitando-se de uma greve fracassada dos gráficos liderada pelos
comunistas e do rompimento dessa categoria com o PCB, os trotskistas acabaram
controlando a União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo até pelo menos
1934. A partir dessa base operária, a organização conseguiu penetrar nos
sindicatos de ferroviários, marceneiros, tecelões, comerciários e outros.
Apesar
de combater a atuação dos comunistas e dos anarquistas no interior do movimento
operário, a LCI defendia uma posição unitária, “pregando a unidade de toda a
organização sindical revolucionária” em São Paulo, a qual deveria se integrar
na Confederação Geral do Trabalho do Brasil, que os trotskistas pretendiam
criar. Dentro dessa perspectiva, em 1934 a LCI promoveu a formação da Coligação
dos Sindicatos de São Paulo.
Outra
frente de luta foi o combate ao integralismo, movimento político de direita que
teve grande penetração popular no início da década de 1930. Os trotskistas,
aliados a socialistas, anarquistas e comunistas, promoveram diversos comícios e
manifestações públicas denunciando a atuação dos integralistas no país e a
expansão do nazi-fascismo no mundo. A LCI foi uma das promotoras das grandes
manifestações antifascistas de 1º de maio e 7 de outubro de 1934. Neste último
dia, as forças de esquerda impediram a realização de um comício integralista
marcado para aquela data, durante o qual seriam atacadas as sedes de diversas
organizações operárias. Ainda como parte da campanha antiintegralista que se
desenvolveu durante todo o ano de 1934, a LCI — juntamente com socialistas e
anarquistas — lançou o jornal Homem Livre.
Em
termos políticos mais amplos, a liga bateu-se desde a sua fundação pela
convocação de uma assembléia nacional constituinte, sob o argumento de que “a
democracia é mais útil à classe trabalhadora do que à burguesia”, pelo fim do
estado de exceção e pela liberdade de atuação das lideranças operárias. A
organização se opôs à lei de sindicalização promulgada pelo Governo Provisório
de Vargas em 19 de março de 1931, acusando-a de se inspirar no modelo
corporativista do fascismo italiano.
Em agosto de 1934, a LCI se integrou na Frente única
Operária, coligação de esquerda formada para concorrer às eleições para a
Assembléia Constituinte de São Paulo. Além da LCI, a frente contava com a
participação da Coligação dos Sindicatos e do Partido Socialista Brasileiro.
Seu programa defendia a garantia das reivindicações operárias já conquistadas
(jornada de trabalho de oito horas, férias), a conquista de novas leis sociais
(salário mínimo regulamentado, direito de greve, liberdade de organização
sindical), o reconhecimento diplomático da União Soviética, a instituição do
seguro contra invalidez, a gratuidade e a laicidade do ensino, a nacionalização
do serviço público, dos bancos e das terras etc. A frente obteve oito mil
votos, superando a votação do PCB, que preferiu concorrer sozinho às eleições.
Embora se tenha definido a favor da Aliança Nacional
Libertadora (ANL), frente popular antifascista e antiimperialista surgida no
início de 1935, a LCI lhe fez pesadas restrições. Defendendo uma nítida
distinção de classe, os trotskistas criticavam na ANL “sua composição
heterogênea, seus frouxos laços organizatórios, sua ausência de qualquer
disciplina interna e até ideológica, sua direção pequeno-burguesa...” e
advogavam a liderança do movimento para o operariado. O apoio da liga aos
aliancistas restringiu-se, na realidade, ao combate comum ao fascismo e ao
integralismo, ao latifúndio e à repressão governamental. A organização não
apoiou a eclosão da Revolta Comunista de novembro de 1935, ainda que tenha
procurado defender seus participantes, vítimas de perseguição movida por
Vargas.
Em
1936, a LCI — através de Mário Pedrosa —, e a ala esquerda do PCB — liderada
por Hermínio Sachetta — lançaram a candidatura simbólica de Luís Carlos
Prestes, dirigente comunista preso desde março daquele ano, à presidência da
República. A ala majoritária do Partido Comunista, seguindo a orientação da III
Internacional no sentido de estabelecer alianças com a burguesia, apoiou o
candidato getulista José Américo de Almeida. Sachetta, um dos principais
redatores do jornal A Classe Operária, órgão oficial do PCB, rompeu com o
partido, aproximando-se com seu grupo dos trotskistas.
Crises internas e Estado Novo
O
movimento trotskista internacional foi abalado no decorrer de 1933 pela
polêmica entre o próprio Trotsky e os trotskistas norte-americanos, liderados
por J. P. Cannon, relativa à posição que deveria ser tomada frente à URSS.
Trotsky preconizava a “defesa incondicional da União Soviética”, ao passo que
Cannon criticava essa posição, por acreditar que os desvios do stalinismo eram
irremediáveis. Em 1934, registrou-se uma cisão entre os dois grupos.
Em 1936, os trotskistas realizaram uma reunião preparatória
em Genebra, cujo objetivo era discutir a conveniência de o movimento adquirir
uma forma organizativa mais estável, uma vez que se havia chegado à conclusão
de que era impossível um retorno às fileiras dos partidos comunistas oficiais.
A instalação da IV Internacional em 1938, em Paris, foi um desdobramento dessa
linha.
A crise provocada pelo afastamento entre Trotsky e Cannon
teve reflexos inevitáveis no Brasil. Mário Pedrosa alinhou-se a Trotsky e
Aristides Lobo, a Cannon. Na luta pelo controle da LCI, Pedrosa levou a melhor
e, em 1936 — depois de ter garantido para seu grupo a ligação com o
secretariado geral do movimento trotskista, sediado em Paris —, fundou no Rio o
Partido Operário Leninista (POL). Aristides Lobo e seus seguidores foram
sensivelmente esvaziados em suas atribuições.
A criação do POL, por sua vez, também provocou intensas
discussões. Em março de 1937, um integrante da comissão central provisória do
partido criticou abertamente sua desorganização e sua burocratização. Desse
confronto saiu mais uma vez vitoriosa a ala de Pedrosa, e 11 dos seus
opositores foram expulsos da comissão. Posteriormente, a maioria da comissão
admitiu que o POL não era “um partido formado mas em formação”, e que era
necessária a realização de um congresso nacional que contasse com força
suficiente para considerar o partido formado, aprovar seu programa definitivo e
filiá-lo à IV Internacional, que ainda estava sendo estruturada. Paralelamente,
o grupo excluído lançou um documento comunicando seu desligamento do POL e
afirmando que continuaria a lutar “pelo novo partido revolucionário e pela IV
Internacional”. Na prática, porém, o Partido Operário Leninista não chegou a se
constituir como um verdadeiro partido.
A essa crise interna da organização, somou-se a repressão
policial que desde a Revolta Comunista de 1935 abatera-se sobre o movimento
sindical independente e as organizações de esquerda. Com a decretação do Estado
Novo, em novembro de 1937, a situação agravou-se ainda mais. Diversos
dirigentes da LCI foram presos, entre os quais Ílcar Leite, Mary Pedrosa, Paulo
Emílio Sales Gomes e Aristides Lobo. Mário Pedrosa exilou-se em Paris, onde
integrou a comissão encarregada de estruturar a IV Internacional. Durante esse
período, a LCI sobreviveu em condições precárias, mas A Luta de Classe
continuou a ser publicado na clandestinidade.
Em
abril de 1945, quando o Estado Novo se encontrava em franco processo de
decomposição, a LCI foi a principal promotora da União Socialista Popular
(USP), organização integrada por dissidentes do PCB e socialistas
independentes, além dos trotskistas. Um dos objetivos da USP era formar um
grande partido socialista, o que não foi concretizado. Em dezembro de 1945,
após as eleições legislativas para a presidência da República, a USP foi extinta.
A partir de então, a LCI deixou de existir, pelo menos sob uma forma
organizada.
Sérgio Lamarão
FONTES: CARONE, E.
República nova; DULLES, J. Anarquistas; ENTREV. MUNIZ, E.