Parcerias
Público-Privadas (PPP)
As Parcerias
Público-Privadas (PPP) constituem um modelo de financiamento e/ou de concessão
no qual o investidor privado divide com o poder público os riscos de um
investimento. No Brasil, identifica-se a adoção de parcerias entre o setor
público e o setor privado sobretudo através dos regimes de concessão de
serviços públicos. Entretanto, a regulamentação das parcerias público-privadas
só veio a acontecer mais recentemente, através da Lei nº. 11.079, de 30 de
dezembro de 2004, sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, e que
ficou conhecida como “Lei das PPPs”.
A definição das
PPP confunde-se ora com concessão, ora com project finance, sendo ainda
usada para designar toda atividade que envolva parceiros públicos e privados.
Por essa razão, denominou-se, genericamente, Parcerias Público-Privadas (PPP) a
um tipo de operação de financiamento que busca novas formas de fomentar
investimentos, mormente em infra-estrutura, sem comprometer os recursos
públicos.
Em geral, as PPPs surgiram no âmbito das
reformas do Estado ocorridas nas duas últimas décadas do século XX, que restringiram
a presença do Estado, fosse por falta de recursos fosse por necessidade de
composição de superávit fiscal. Os setores em que as PPPs proliferaram foram,
em geral, os de saúde, transportes, educação e de habitação, embora existam
PPPs voltadas para projetos de abrigos públicos, aeroportos, infra-estruturas
turísticas e energéticas.
Esse novo padrão de financiamento
disseminou-se no Reino Unido, no final do século passado, quando a necessidade
de novos investimentos esbarrou nos limites fiscais de um projeto de Estado
liberal. Sem que houvesse possibilidade de oferecer garantias reais exigidas
pela legislação bancária e sem o aval do Tesouro Nacional, os novos agentes
econômicos que passaram a atuar no setor de infra-estrutura buscaram um novo
modelo de financiamento calcado exclusivamente no fluxo de caixa do projeto,
conhecido como project finance.
As PPPs, no seu conceito
restrito, expandiram-se com sucesso nos países de herança anglo-saxônica, constituindo
um estágio intermediário entre a concessão de serviços públicos e a privatização.
A Irlanda representou um caso paradigmático. Como havia
necessidade, nesse país, da realização de pesados investimentos em infra-estrutura,
o National Development Plan (NDP) de 2000-2006 identificou as PPPs como um
componente necessário para promover o crescimento da economia, objetivo
alcançado até a crise de 2008. O uso da PPP na Irlanda
envolveu, entre outros aspectos, o compartilhamento de risco com o setor
privado, a redução do prazo para a implantação dos
empreendimentos, o estímulo à introdução de inovações, modernizações e
melhorias por parte do setor privado, a possibilidade de realização de um maior
número de projetos, a liberação de recursos públicos para outros projetos
prioritários sem condições de retorno financeiro e sem capacidade de serem
realizados por meio da PPP, e a qualidade da operação e da manutenção dos
serviços concedidos por longo prazo.
Além do Reino Unido e da
Irlanda, Portugal, Hungria, Eslovênia, República Tcheca e França são exemplos
de países europeus que utilizaram modelos de PPPs para investimentos em
infra-estrutura. Na América Latina, o Chile, a Argentina, o Peru, o México e o
Brasil utilizaram PPPs também em virtude da necessidade de contenção dos gastos
públicos, particularmente depois de que os acordos firmados com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), além de leis domésticas de responsabilidade
fiscal, terem restringido a capacidade de investimento dos Estados, em todas as
suas instâncias.
As definições e
características das Parcerias Público-Privadas apresentam significativas
diferenças de acordo com os países onde são aplicadas. Essa diversidade é
oriunda das especificidades culturais e da legislação, não havendo, pois, um
único padrão para a aplicação das PPPs. Em alguns países, esse novo padrão sequer
foi estimulado, como é caso dos escandinavos, onde por vezes se considerou que
os investimentos em infra-estrutura deveriam ser realizados pelo setor público,
suportados por tributação com prioridades definidas pelas comunidades afetadas.
Em outros lugares, seu uso é mais local que nacional.
No Brasil, tal como em
outros países, a definição de PPP abrange o que já está regulado como concessão
e o que está associado a processo de licitação privatizado através de
consultorias. PPP é ainda um conceito em formação no Brasil e aqui, diferentemente
de outros países, prevalece a decisão colegiada e a aprovação via Legislativo,
ao invés de emanar do Executivo. Assim, comparações internacionais devem ser
vistas com cautela em função de cada país, de sua legislação e de sua cultura.
Quaisquer que sejam as perspectivas, as PPPs não serão o principal meio de
financiamento dos investimentos em infra-estrutura, por sua complexidade de
licitação e pelos seus custos.
As PPPs são uma
alternativa possível para a realização de empreendimentos de infra-estrutura
social ou estrategicamente prioritários, com retorno financeiro desconhecido ou
de baixa expectativa, em um contexto de restrição à realização de gastos
públicos. O interesse recente, no Brasil, pela
utilização de arranjos de PPP, em seu sentido mais estrito, foi despertado pelos
limites do gasto público e pelo sucesso da experiência internacional. No plano
doméstico, alguns casos bem-sucedidos, com pequena monta de recursos,
permitiram que se vislumbrassem possibilidades de aplicação em grandes obras de
infra-estrutura, como estradas e geração de energia, bem como em projetos de
desenvolvimento urbano no sistema viário, no saneamento, na instalação de
equipamentos públicos e na habitação. As PPPs envolvem, por um lado, a
utilização de recursos privados para que o Estado atinja seus objetivos e, por
outro, permite que o setor privado realize negócios em atividades cuja natureza
sempre foi mais afeita, exclusivamente, ao setor público. O mecanismo
catalisador da parceria é a garantia prestada pelo setor público ao setor
privado sobre suas possibilidades de retorno.
O Brasil já teve, em épocas
antigas e recentes, práticas que poderiam ser definidas como PPP, em uma
concepção abrangente. Operações como, por exemplo, a da usina hidrelétrica de
Itaipu, envolvendo parceria internacional, e, posteriormente, a da hidrelétrica
de Machadinho, em que os demandantes de energia receberam o arrendamento da
usina no lugar de um contrato de garantia firme de compra da energia (power
purchase agreement), poderiam ser vistas como PPPs. Atualmente, no âmbito federal,
os ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão, dos Transportes, das
Cidades e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior vêm se interessando
pelas PPPs e suas possibilidades de aplicação. Localmente, novas propostas e
projetos de alteração legislativa afetaram a maneira como os investimentos em
infra-estrutura são realizados. A possibilidade de
atração de capitais privados em um cenário de escassez de recursos públicos
viabiliza a realização de investimentos e permite a redução de gargalos da
infra-estrutura econômica. Interfere também na própria estruturação do
financiamento que será demandado ao mercado de capitais e a investidores
institucionais.
A legislação brasileira voltada para dar anteparo e
regular as diversas iniciativas de parceria entre o setor público e o setor privado
buscou acompanhar a necessidade da realização dos investimentos ao longo dos
anos e os projetos mais ou menos liberais que se alternaram no decorrer de
vários governos. Foi nesse contexto que surgiu o Programa Nacional de
Desestatização (PND), instituído pela Lei nº. 8.031, de 12 de abril de 1990, durante
o governo Collor de Mello, cujo conceito pode ser entendido como abrangendo
iniciativas desde a venda de ativos – chamada de privatização – até a
instrumentalização de operações nas quais o Estado se afastaria de atividades
até então exclusivamente por ele realizadas, passando sua operação à iniciativa
privada. Essa experiência foi valiosa para a escolha de modelos de PPPs, pois
exigiu o respeito a processos licitatórios e a
diluição de responsabilidades por órgãos colegiados, permitindo o estabelecimento
de critérios que deveriam ser utilizados pelos responsáveis. O tipo de aparato
regulatório existente permitiu maior transparência perante a sociedade e defesa
consistente em questionamentos em juízo.
Visando fomentar a iniciativa privada e a
celebração de parcerias, o governo federal editou várias leis, dentre as quais
se ressalta a Lei nº. 8.666 de 21 de junho de 1993, que instituiu normas para
licitações e contratos da Administração Pública; a Lei nº. 8.987 de 13 de
fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da
prestação de serviços públicos; e a Lei nº. 9.074 de 7 de julho de 1995 que
estabeleceu normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de
serviços públicos. Assim, desde meados da década de 1990, que o Estado brasileiro
vem definindo, de forma mais clara, a transferência de atividades para entes
privados, preconizando que quase toda PPP viesse a ocorrer no âmbito das
concessões. Entretanto, o modelo de formação de sociedades privadas de
propósito específico, como as concessionárias de serviços públicos, que podem
acessar os mercados financeiros e de capitais, permitiu avanços após o
esgotamento da capacidade de investimento e de endividamento do setor público.
Este modelo seria
consagrado com a já mencionada Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que determina
que o vencedor da concorrência pública constitua Sociedade de Propósito
Específico (SPE), a qual fará parte do contrato de PPP,
juntamente com o parceiro público, e que executará, por si, a exploração do
serviço público delegado, sendo-lhe vedada a prática de quaisquer outras
atividades não as relacionadas. Apesar de geralmente adotarem as formas de
sociedades anônimas de capital fechado, como consórcio, ou sociedades
limitadas, as SPEs podem ser constituídas sob quaisquer
dos tipos societários previstos no Código Civil.
Posteriormente, em
4 de março de 2005, o Decreto nº. 5385/05 regulou o órgão responsável pelas PPPs
federais criando um Comitê Gestor (CGP). O CGP guarda semelhança com outros
órgãos de gestão colegiada existentes no Executivo brasileiro e é composto por
representantes do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que é o órgão
coordenador e responsável pelo exame de mérito do projeto; do Ministério da Fazenda,
que tem a atribuição de examinar a viabilidade fiscal da operação; e da Casa
Civil da Presidência da República, podendo haver convite a órgão da área
específica. As decisões deverão ser tomadas por consenso e não podem suportar
contestações nos escalões inferiores do serviço público. O CGP emitirá
resoluções sobre diversas matérias, como a definição dos serviços prioritários
em regime de PPP, aprovar o Plano de Parcerias Público Privadas (PLP),
disciplinar os procedimentos para contratação de PPP, autorizar a abertura do
processo licitatório e aprovar o edital, bem como apreciar os relatórios de
execução dos contratos e prestar contas ao Congresso Nacional e ao tribunal de
Contas da União.
Por sua vez, o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem sendo instado
a ter uma participação expressiva na provisão de fontes e mesmo na estruturação
dessas operações. Por outro lado, o acompanhamento e a fiscalização de cada
licitação ficarão a cargo dos ministérios e agências reguladoras pertinentes.
Não obstante os
avanços já obtidos existem obstáculos para a realização de importantes
investimentos em infra-estrutura, grande parte deles, inclusive, com
dificuldades de auto-sustentação. Embora o Plano Plurianual (PPA), em suas
diversas versões, demonstre que o governo está atento a esses aspectos e a PPP venha
sendo apontada como um caminho viável para que os investimentos prioritários
ocorram, é na execução de ações, como o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), que aparecem os empecilhos jurídicos da contratação.
Fora da esfera federal, o primeiro estado a
legislar sobre as PPPs foi Minas Gerais (Lei nº. 14.686, de 16 de dezembro de
2003), seguido por Santa Catarina (Lei nº. 12.930, de 4 de fevereiro de 2004),
São Paulo, (Lei nº. 11.688, de 19 de maio de 2004) Goiás, (Lei nº. 14.910, de
11 de agosto de 2004) e Bahia (Lei nº. 9.290 de 27 de dezembro de 2004).
Entretanto, depois da promulgação da Lei nº. 11.079/2004, muitos outros estados
já criaram leis acerca das PPPs.
A discussão sobre a
pertinência ou não das PPPs deve ser travada entre duas visões diferentes de
Estado e é essa a perspectiva estratégica que falta no estudo de seus
instrumentos táticos. A lei brasileira de PPP traz o investimento público,
através das concessões, para o campo das relações empresariais em SPEs, no
acesso a controle por bancos (step-in rights) através de instrumentos de
mercado, na utilização da emissão de valores mobiliários a serem subscritos por
investidores institucionais em mercado de capitais e no uso de múltiplas fontes
através de consórcios de bancos para diluição de risco, com acesso direto aos
empenhos públicos.
Na visão da lei, o
estratégico é definido pelo Estado (regulação e fiscalização incluídas) para
que se possa “precificar” os custos e toda a operacionalização, que se dará
através de empresas privadas. Nesse contexto, a PPP não é uma novidade, mas uma
sofisticação da síntese buscada pela sociedade brasileira entre um Estado forte
e um Estado liberal. A discussão passa também sobre a PPP patrocinada, cuja
origem é a França, que tem receita própria do projeto e contrapartida do
Estado, e a PPP administrativa, cuja origem é anglo-saxônica, portanto estranha
juridicamente para o Brasil, e que não tem receita própria. As duas modalidades
exigem diferentes sistemas de medição de eficiência e de controle de metas
contratadas.
Gloria Moraes
FONTES:
BORGES, Luiz
Ferreira Xavier e PASIN, Jorge Antonio Bozoti. “Parcerias Público
Privadas”. In: Revista do BNDES. Rio de Janeiro, v. 10, n. 20, p.173-196, dez. 2003.
DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Parcerias na administração pública. Concessão, permissão, franquia, terceirização,
parceria público-privada e outras formas. 6ª ed. São Paulo:
Atlas, 2008.
SUNDFELD, Carlos Ari
(Coord). Parcerias Público-Privadas. 1ª ed, 2ª tiragem. São
Paulo: Malheiros, 2007.