SINDICALISMO
Numa
economia escravocrata e latifundiária, de grandes domínios rurais, voltada
para a exportação de produtos primários - café, borracha, açúcar, cacau e
mate, entre outros - não há como falar em movimento associativo sindical,
mormente urbano. À época, o país essencialmente agrícola, com uma população
dispersa ao longo do litoral e de pequenos arquipélagos no interior, pouco,
pouquíssimo, apresentava de trabalho livre, quer artesanal, quer de natureza
mecânica. Assim, somente no último quartel do século XIX é que começam as
primeiras manifestações, tímidas e parcas, de associações profissionais. Mas
lhes faltava tudo, a principiar pela inexistência da própria base populacional
de profissionais verdadeiros e realmente engajados numa atividade
manufatureira ou fabril.
Com
a Abolição da Escravatura em 1888 e, notadamente, com a República em 1889, é
que começa o que se convencionou chamar de urbanocracia. Com o trabalho livre,
pelo menos juridicamente livre - lançados os ex-escravos no mercado de
trabalho em igualdade de condições jurídicas dos demais trabalhadores livres,
brancos ou imigrantes -, com o deslocamento do centro dinâmico da economia do
Nordeste para o Sul, e, ainda mais, com o incremento da imigração, rapidamente
cresceu o proletariado urbano, alcançando certa densidade demográfica e de
estrutura, capaz de sentir-se como classe própria e diferenciada na sociedade
brasileira. Sem chegar ainda a uma classe em si e para si, já nítidos iam se
caracterizando os seus interesses diante das outras classes, mormente da
burguesia e dos proprietários dos meios de produção. Facilmente se aproximavam
e aglutinavam todas as camadas mais pobres da sociedade, diante dos senhores
endinheirados. Seria exigir demais claras linhas divisórias entre as diversas
classes nessa sociedade confusa, pré-capitalista e ainda excessivamente presa
ao agrarismo anterior e ao regime escravocrata. A estratificação como
que se armava entre ricos e pobres, nada mais.
Se
o censo de 1872 apontava uma população de 10.112.061, em 1930 dispúnhamos
somente de 37.625.436 habitantes, com um crescimento realmente lento. Ao se
proclamar a República, não passávamos de 14.058.751, sendo que 11 anos mais
tarde, em 1900, atingíamos o montante de 17.318.556 habitantes, para 23.151.669
em 1910 e 30.635.605 em 1920. O percentual de crescimento era maior no Sul do
que no Nordeste ou qualquer outra região do país, concentrando-se a população
urbana nos principais centros de comércio -portos de mar - ou de
industrialização, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belém, Recife
e Salvador. Belo Horizonte apenas nascia. Ao todo, a partir de 1872 até 1920,
oscilava o percentual da população rural, a seu favor, em torno de 60% a 70%.
Com
a falta do braço escravo, enxergava-se na imigração o grande papel civilizador,
de panacéia universal. A Constituição de 1891, em mais de um dispositivo,
facilitou de todos os modos a imigração e a fixação do alienígena. Dispunha,
de forma geral, o parágrafo 2º. do artigo 35, que competia ao Congresso Nacional,
embora não privativamente, "animar no país o desenvolvimento das letras,
artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e o
comércio, sem privilégios que tolham a ação dos governos locais". Não há
dúvida de que a imigração iria pesar, e muito, no deslocamento dinâmico do
eixo econômico, como força de trabalho e como conscientização da vida
profissional. De 1.129.315 imigrantes entrados no território nacional de 1891
a 1900, 734.985 foram para São Paulo sendo que destes 430.243 eram italianos.
Nas décadas seguintes, caem não só a imigração em números absolutos, como
também a percentagem a favor de São Paulo, que assim mesmo se mantém ainda bem
significativa. De 1901 a 1910, para 631 mil, ao todo, 367.834 rumaram para são
Paulo, com 174.634 italianos entre eles. Há aumento na imigração nas duas
décadas posteriores: para 707.704, de 1911 a 1920, 446.834 destinara-se àquele
estado, com 105.834 italianos: e, de 1921 a 1930, os números foram estes:
840.215, 487.313 e 74.778, respectivamente.
Nesse
mesmo período, a partir do término da guerra do Paraguai em 1870, desenvolvia-se
um inequívoco processo de modernização da sociedade brasileira, processo esse,
porém, que não significava, por si só, efetiva industrialização nem mudança
estrutural. Importávamos mais, simplesmente; vivíamos em plena dependência
econômica das economias dominantes. Encontrava-se a sociedade num estágio
pré-industrial, com pequeno número de estabelecimentos fabris, dispersos por alguns
núcleos mais desenvolvidos, poucos e acanhados, ocupados também por um proletariado
disperso, representado por uma mão-de-obra não-qualificada, na quase
totalidade. Não dispúnhamos de indústria pesada, apenas uma indústria
metalúrgica incipiente, com pequena produção de artefatos mecânicos e voltada
mais para a reparação de manufaturados importados. Sobressaíam, na indústria
de transformação, as fábricas de produtos alimentícios (massas,. bebidas,
refrigerantes), de fiação e tecelagem (tecidos de algodão, vestuário em
geral), de sapatos, de utensílios domésticos e de alguns artigos de construção
civil.
Já
neste século, registrava o censo industrial do Brasil a existência, entre nós,
no ano de 1907, de 3.187 estabelecimentos, com 149.140 operários. Essa mesma
fonte dava para São Paulo 324 estabelecimentos, com 22.355 trabalhadores. O
recenseamento do Brasil de 1920 vai indicar um grande avanço nestes dois
números, cuja causa principal reside na conflagração mundial em que nos achamos
envolvidos por circunstâncias estranhas à nossa vontade. Com a restrição de
importações, a necessidade de suprir essa ausência e com o protecionismo
estatal próprio do período, criara-se novos estabelecimentos fabris. Segundo
os dados oficiais, fundaram-se no Brasil, de 1915 a 1919, 5.940 novos estabelecimentos
industriais; 13.336 eram os existentes em 1920, com cerca de 275.512
operários. Na sua plataforma de 1925, dizia Washington Luís: "Foi o
cataclismo mundial de 1914 a 1918 que principiou a criar as indústrias entre
nós". Dos 13.336 estabelecimentos, 4.145 localizavam-se em São Paulo, com
1.541 na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo
os censos industriais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), 20 anos mais tarde, em 1940, com a Revolução de 1930 já inteiramente
institucionalizada, não havíamos ainda alcançado o primeiro milhão de
trabalhadores industriais. Para 49.418 estabelecimentos, contavam-se 781.185
operários em todo o Brasil. Em 1930, em números redondos, dispunha o país de
450.000 trabalhadores industriais, nem meio milhão, portanto.
O
movimento social, como dissemos, é contemporâneo da proclamação da República. É
inexpressivo, e por isso o desprezamos, qualquer histórico anterior à abolição
da escravatura. Somente com a generalização do trabalho livre, pelo menos
juridicamente, é que se inicia a organização profissional dos trabalhadores.
Apesar do arbitrário que se contém em qualquer proposta de periodização,
podemos dividir a história e a evolução do movimento sindical brasileiro nos
seguintes períodos: 1º.) de 1890 a 1919, caracterizado pela preponderância
concomitante ou alternada das ideologias anarquista e de resistência, tais
como se vão defrontar no congresso de 1906; 2º.) 1919 a 1930, marcado pelo
Tratado de Versalhes e a criação da Comissão de Legislação Social na Câmara
nos Deputados, quando há maior conscientização geral do movimento, com a
obtenção de medidas legislativas, sob pressão operária; 3º.) de 1930 a 1937,
quando se manifesta o controle dos sindicatos pelo Estado, iniciando-se aqui o
paternalismo e o dirigismo do movimento pelas agências estatais; 4º.) de 1937
a 1946, quando se manifestam as mesmas características da fase anterior, porém
totalmente exacerbadas e levadas à máxima potência; 5º.) de 1946 a 1964, quando
impera maior liberdade e relativo afrouxamento do controle, apesar de continuar
em vigor a mesma legislação ordinária; e 6º.) de 1964 em
diante, quando voltam a dominar as características do quarto período, com a
instituição do Estado autoritário e discricionário, também de índole
corporativa.
De 1890 a 1919
Já
em 1890 fundam-se partidos operários, de cunho reformista e cooperativista, com
a criação de um banco operário, que pouco durou, sem grandes resultados. Duas
ou três facções logo se digladiavam, respectivamente, sob o comando do tenente
da Marinha José Augusto Vinhais, Luís França e Silva e Gustavo de Lacerda. O
primeiro deles, mais pragmático e chegado aos seus colegas militares, como
líder dos trabalhadores ferroviários, elegeu-se deputado à Constituinte. O
segundo editou o jornal Eco Popular, chegando a convocar para 1890, o I
Congresso Operário Nacional, ao qual compareceram umas quatrocentas pessoas. O
terceiro, derrotado nas eleições de 1890, também publicou um jornal, Voz
Povo, pregando o cooperativismo e a instituição de sindicatos operários.
Ainda
na década de 1890, talvez em 1894 a União Socialista ou União Operária é
fundada na cidade de Santos, por Silvério Fontes, que igualmente editou um
jornal, A Questão Social, juntamente com Carlos Escobar e outros.
Ao
iniciar-se o século já era grande a agitação operária, principalmente no Rio e
em São Paulo, envolta e informada pelas mais ardentes ideologias, das quais se
destacam o anarquismo, o socialismo, o sindicalismo, o anarco-sindicalismo e o
cooperativismo. O grande número, em maioria absoluta, de operários
estrangeiros nos estabelecimentos fabris existentes da um colorido todo
especial a esse movimento social incipiente. Italianos, espanhóis portugueses,
alemães, entre outros, trazem consigo as suas ideologias e tradições de lutas,
liderando as reivindicações operárias, as suas greves, e lhes emprestando uma
terminologia própria da sociedade industrial européia.
A
mão-de-obra estrangeira suplanta de muito a população ativa nacional,
despreparada e não-qualificada para os trabalhos mecânicos ou artesanais que
demandavam formação especializada. Para o estado de São Paulo, por exemplo, de
50 mil operários em 1901, os brasileiros não ultrapassam de 10%. Na capital do
estado, para 7.962 trabalhadores urbanos, 4.999 são imigrantes, na sua quase
totalidade italianos. A mesma coisa se dá em Santos (SP) com predomínio de
imigrantes no trabalho das docas, em 1910. No Rio de Janeiro, revelava o
recenseamento de 1906 que, num total de 811.443 habitantes,118.770 eram
trabalhadores, na sua imensa maioria, portugueses e espanhóis. Em 1912, em
São Paulo, mantém-se ainda alto o percentual de estrangeiros em relação aos
nacionais, mais de 70% para aqueles. Ao iniciar-se a década seguinte,
encontra-se em declínio tal percentagem, já que se contam como brasileiros os
descendentes dos imigrantes. Segundo o recenseamento de 1920, para 136.135
operários brasileiros somam-se 93.130 estrangeiros. Na capital paulistana, porém,
permanece ainda a preponderância do elemento alienígena, 49.071 para 53.304.
Somente
com uma lei sindical em vigor, Decreto nº. 979, de 1903, regulando praticamente
os aspectos econômicos e financeiros da organização rural, ou melhor, da
produção rural, realiza-se no Rio de Janeiro o I Congresso Operário
Brasileiro, em 1906. Desde 1903 haviam os trabalhadores do estado do Rio de
Janeiro fundado a Federação das Associações de Classe, mais tarde transformada
em Federação Operária Regional Brasileira, a quem coube a convocatória e a
direção do congresso.
Basta
a relação dos aderentes para se ter uma idéia do tumulto organizacional das
entidades de classe. Inexistindo lei própria, o que somente irá ocorrer em 1907
pelo Decreto nº. 1.637, ficava inteiramente a critério dos próprios
trabalhadores o tipo de associação adotada, a sua denominação e a sua área
de jurisdição. Na orla marítima dominavam as resistências, denominando-se as
outras entidades, indiferentemente, sem nenhum critério, ligas, federações,
uniões, associações e até sindicatos... Eram de âmbito municipal, estadual e,
não raro, nacional.
Foi
inegável a repercussão do congresso com substancial representação regional, e
nele se defrontaram as duas tendências do movimento social: a revolucionária,
da ação direta e a reformista, de resistência e organização legal. Venceu esta
última. Em resposta ao tema I, sobre a orientação a tomar - "A sociedade
operária deve aderir a uma política de partido ou conservar a sua neutralidade?
Deverá ter uma ação política?" - resolveram os convencionais:
"Considerando que o operariado se acha extremamente dividido pelas suas
opiniões políticas e religiosas, que a única base sólida de acordo e de ação
são os interesses econômicos comuns a toda a classe operária, os demais clara e
pronta compreensão; que todos os trabalhadores, ensinados pela experiência e
desiludidos da salvação vinda de fora da sua vontade e ação, reconhecem a
necessidade iniludível da ação econômica direta de pressão e resistência, sem
a qual, ainda para os mais legatários, não há lei que valha; o Congresso
Operário aconselha o proletariado a organizar-se em sociedade de
resistência econômica, agrupamento essencial e, sem abandonar a defesa, pela
ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações
econômicas, a pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as
rivalidades que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma
doutrina política ou religiosa, ou de um programa eleitoral".
Constava
ainda do item I um segundo tema. Do item II constavam seis temas sobre a
organização; como seis igualmente eram os temas do item III sobre a ação
operária. Concluía o tema VI e último do congresso: "Qual a atitude do
operariado quando lhes seja proibido o direito de reunião? - Considerando que
o operariado tem a absoluta e imperiosa necessidade de se reunir a fim de
defender os seus direitos; e, considerando que o governo pode procurar, pela
violência e tirania, tirar-lhe semelhante direito; o I Congresso Operário
Brasileiro aconselha às federações locais que, quando for proibido o direito
de reunião a qualquer coletividade, ponha logo em prática os meios eficazes a
fim de obrigar o mesmo governo a respeitar estes direitos, agindo, em caso
extremo, até com a maior violência."
Como
fruto inequívoco dessas resoluções, começaram a surgir em todo o país as chamadas
sociedades de resistência, mais bem organizadas e estruturadas entre os
trabalhadores da orla marítima, de estivadores e armazenadores. Fortaleceram-se
igualmente as uniões e associações de empregados no comércio, as de condutores
de viaturas, as de sapateiros e as de trabalhadores têxteis. Mantinham contato
com os demais centros operários da nação, trabalhando todos para um propósito
comum. Houve muita luta, declararam-se inúmeras greves, principalmente no Rio
e em São Paulo, procurando sempre os poderes constituídos coibi-las
violentamente, não raro com mortos e feridos.
Como
meio de propaganda, doutrinação e recrutamento, aconselhava o congresso de 1906
a proliferação da imprensa operária e de boletins próprios. Numerosos foram os
títulos de jornais e publicações operárias, em geral ideológicos e de curta
duração. A chamada grande imprensa, a começar pelo Correio da Manhã, fundado
em 1901, fez constar de suas páginas unia seção dedicada à vida operária.
Constava quase sempre de informações, mas também admitiam comentários e
colaboração. Evaristo de Morais, por exemplo, colaborou nesse jornal por alguns
anos a partir de 1903. Ali também constavam as notícias sobre as atividades do
Centro das Classes Operárias, sob a direção de Vicente de Sousa, professor do
Colégio Pedro II, que ministrava palestras, de doutrinação e orientação, em sua
sede no Jardim Botânico. Este grande líder, abolicionista histórico, veio a
falecer em 1908.
Depois
da lei de 1907, tomou grande incremento a sindicalização entre nós. Animados
com os resultados do congresso e com a promulgação do diploma que lhes
regulava a organização em sindicato, cresceram os trabalhadores em suas
reivindicações, quase sempre pleiteando melhores salários, maior segurança no
trabalho e jornada de oito horas. Mas o mesmo ano da lei, 1907, viu serem
aprovados o Decreto nº. 1.641, de 7 de janeiro, e a sua regulamentação, com as
instruções baixadas pelo Decreto nº. 6.486, de 23 de maio. Dispunha o artigo
1º.: "O estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a segurança
nacional ou a tranqüilidade pública pode ser expulso de parte ou de todo o
território nacional." O artigo 2º. incluía também, como motivo de
expulsão, "a vagabundagem, a mendicidade e o lenocínio competentemente
verificados". E o artigo 4º. autorizava o Poder Executivo a impedir a
entrada no território da República a todo estrangeiro cujos antecedentes
levassem a incluí-lo entre aqueles a que se referem os artigos anteriores.
O
alarme social contra o anarquismo era tão grande à época que nem Sílvio Romero
deixou de assustar-se, e disso deu notícia em momento solene da sua vida.
Talvez não tenha sido a sua intenção, mas a verdade é que, com o peso de sua
autoridade moral e intelectual, talvez tenha sido considerado como mais um
argumento a favor da promulgação do decreto de expulsão dos indesejáveis
agitadores sociais. Em discurso na Academia Brasileira de Letras, recebendo
Euclides da Cunha, exclamava o sergipano de Lagarto a 18 de dezembro de 1906
que os anarquistas eram "desordeiros incuráveis", acolhidos por nós
"com a mais criminosa leviandade", por isso "temos as paredes
quase diárias, antes de termos as indústrias".
A
chamada Lei Adolfo Gordo, de 1907, como que veio satisfazer inteiramente a denúncia
de Sílvio: expulsava "os desordeiros incuráveis" ou lhes impedia a
entrada no território nacional.
Diante
das péssimas condições de trabalho, dos salários baixíssimos, praticamente sem
limitação da jornada de trabalho, e em meio à terrível carestia de vida,
prosseguia o movimento social brasileiro reivindicando, protestando e
agitando-se à procura de um cantinho que o levasse a obter a reforma efetiva da
sociedade. A balbúrdia sindical mantinha-se a mesma, já que o decreto de 1907,
à maneira da lei francesa, dava somente as diretivas gerais da sindicalização.
A matéria também fora objeto de deliberação no congresso de 1906, que lhe
traçou alguns critérios organizacionais, sempre no sentido do unitarismo sindical.
Com
a luta entre Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, quando da Campanha Civilista de
1909/1910, despertaram os poderes constituídos para a importância do
operariado como força eleitoral. Com o primeiro na presidência da República,
realiza-se o IV Congresso Operário, na capital federal, sob os auspícios do
deputado Mário Hermes, filho do presidente. Foi grande o comparecimento de
representações estaduais, mas tudo às expensas do governo, viagem e hospedagem.
Publicaram-se os resultados das suas resoluções, por sinal, muito próximas das
de 1906, pois as reivindicações e necessidades das classes trabalhadoras eram
as mesmas.
Em
1913 modifica-se a lei de expulsão de 1907 pelo Decreto nº. 2.741, de 8 de janeiro,
logo apelidada de "nova Lei Adolfo Gordo". É mais severa do que a
primeira contra o anarquismo, a ponto de o Supremo Tribunal Federal (STF)
julgá-la inconstitucional em alguns pontos. No mesmo ano reorganiza-se a Confederação
Operária Brasileira que patrocina o II Congresso Operário, em resposta ao que
acabava de realizar-se sob o bafejo oficial.
Grande
foi a agitação operária durante os anos de guerra, sendo de destacar a série de
movimentos grevistas em São Paulo no ano de 1917, com violência policial,
mortes e ferimentos graves entre os trabalhadores. No ano seguinte não foi
menor a agitação no Rio de Janeiro. O auge dessa agitação como que representa
o canto do cisne do anarquismo, com sua pregação da ação direta. Jorge Street,
líder industrial, admite discutir com os sindicatos operários, como legítimos
representantes dos trabalhadores, sobre as suas condições de trabalho, levando
a cindir-se o Centro Industrial do qual era presidente. Com o fim da
conflagração mundial, a Revolução Russa e a assinatura do Tratado de Versalhes,
em menos de dois anos, de 1917 a 1919, tomava mais alento o movimento sindical
brasileiro, conscientizando-se dos seus direitos dentro da sociedade
capitalista.
De 1919 a 1930
Começa
o ano de 1919 com a promulgação da Lei nº. 3.724, de 15 de janeiro, obtida do
Congresso Nacional sob pressão das agitações dos últimos meses do ano anterior,
quando até um posto policial voou pelos ares em São Cristóvão. A lei regulava
os acidentes do trabalho, quando o primeiro projeto de Medeiros e Albuquerque
é de 1904. Começara a funcionar com regularidade a recém-inaugurada Comissão
de Legislação Social na Câmara, sob a presidência do deputado paulista José
Lobo. A lei de acidentes foi o seu primeiro estudo técnico.
A
característica deste período é o retraimento da influência anarquista, que
começa a declinar, mormente depois da criação do Partido Comunista Brasileiro,
então Partido Comunista do Brasil (PCB), marxista, em 1922. A divisão do
movimento social se estabelece mais nitidamente entre os socialistas
reformistas, quase trabalhista, e os comunistas propriamente ditos.
O
governo e grande parte do pensamento liberal tomam consciência dos novos
tempos, com a assinatura do Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, que
criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a primeira
conferência realizada no mesmo ano na cidade de Washington, e aprovação das
primeiras convenções internacionais. Delfim Moreira, na presidência
da República, envia uma mensagem à Câmara, conclamando-a a dar andamento aos
projetos legislativos sobre a legislação social. Rui, o principal mentor da
Constituição de 1891 e liberal clássico, profere a célebre conferência, no
Teatro Lírico do Rio de Janeiro, sobre a existência da questão social entre
nós. Isto em março ainda de 1919. Dali para diante, como que todos passam a
reconhecer tais fatores de insatisfação na sociedade brasileira e a
necessidade de sua reforma, sem pejo nem receio, pois que o maior liberal já o
fizera.
Os
sindicatos mais fortes são os mesmos do período anterior: os da orla marítima -
resistências -, os dos trabalhadores na indústria têxtil, os dos empregados no
comércio. Ao lado destes continua a existir uma miríade de pequenas entidades
sindicais, organizadas segundo os mesmos critérios aprovados em 1906, no I
Congresso Operário Brasileiro. A lei sindical de 1907, ainda formalmente em
vigor, mas quase totalmente ignorada na prática, não impunha nenhum critério
organizativo, deixando a escolha para a vontade dos próprios interessados.
Novo
projeto de Código do Trabalho é apresentado à Câmara em 1923 pelo deputado
Carvalho Neto, de Sergipe. Nesse mesmo ano conseguem os ferroviários ver
aprovadas as Caixas de Aposentadoria e Pensões pela Lei nº. 4.682, de 24 de janeiro,
que lhes assegurava a estabilidade no emprego com dez anos de serviço. Tais
benefícios foram sucessivamente estendidos a novas categorias (portuários, telegrafistas)
de 1926 a 1928. Como agência administrativa para as questões do trabalho, com
funções também de fiscalizar as caixas e julgar em segunda instância os
inquéritos contra os estáveis, criou-se o Conselho Nacional do Trabalho a 30
de abril, pelo Decreto nº.16.027. De 1 a 14 de julho, também de 1923, realiza-se
na capital federal o I Congresso Nacional dos Operários em Fábricas de Tecidos.
Em
1925 aprova-se a lei de férias - de 15 dias para todas as categorias - de nº.
4.982, de 24 de dezembro. As greves, embora em menor número, prosseguem por
toda parte, Rio, São Paulo, Recife, Petrópolis. O PCB volta-se para o
movimento sindical e organiza a sua ação entre os sindicatos existentes. Já em
1925 efetuava-se o seu segundo congresso, mas em 1927, pela chamada "Lei
Celerada" é fechado o PCB, surgindo pouco depois o Bloco Operário e Camponês,
com grande atividade sindical também.
De 1930 a 1937
Ao
contrário do que se pensa, apesar da criação do Ministério do Trabalho em novembro
de 1930, e do início da chamada "febre legiferante" na elaboração das
leis do trabalho, os novos detentores do poder continuavam na mesma linha de
combate ao comunismo e à agitação social, aos que não se conformavam com as
diretivas dos primeiros atos do Governo Provisório. Com o Decreto nº. 19.770,
de 19 de março de 1931, é regulada a sindicalização em moldes rígidos e
inflexíveis. Traçava a lei as exigências necessárias para a instituição da
entidade sindical, uma única para cada categoria na mesma área de
representação. Os sindicatos passavam a ser órgãos de colaboração com o
Estado, proibida qualquer manifestação política ou ideológica. Iniciava-se o
paternalismo sindical ou o controle do sindicato pelo Estado. Inicialmente,
pela ideologia e qualidade das pessoas que elaboraram o 19.770, pretendiam
elas dar maior segurança e autonomia ao sindicato com o aval do Estado. Mas,
sem o querer - aí a ironia da história, - acabaram praticamente com o autêntico
movimento social brasileiro, como vinha sendo praticado nos tempos heróicos
anteriores a 1930. Entregaram o sindicato ao Estado.
Os
antigos e os novos sindicatos tiveram de se adaptar à nova lei, que só permitia
associação sindical com um mínimo de 30 membros da categoria e aglutinados, à
maneira da lei francesa, segundo os critérios decrescentes de identidade,
similaridade ou conexidade das profissões. Sem dúvida, havia interesse real do
governo em incentivar a sindicalização, tanto assim que a lei punia o
empregador que impedisse a sindicalização do seu empregado, ao mesmo tempo em
que considerava dispensa injusta caso o despedisse pelo mesmo motivo. Nesta e
em leis subseqüentes, criaram-se certas prioridades e preferências para os
empregados sindicalizados. Procurava-se instalar no país uma filosofia social
em oposição à filosofia individualista, tida como superada e nociva.
Agora,
a despeito dessas boas intenções, continuava feroz a luta contra o comunismo e
os trabalhadores que não se enquadrassem passivamente nos esquemas oficiais. O
Decreto nº. 21.396, de 12 de maio de 1932, proibia a greve severamente, nestes
termos (artigo 17): "Poderão ser sumariamente suspensos, ou dispensados
das empresas ou estabelecimentos onde servirem, os empregados que abandonarem
o trabalho sem qualquer entendimento prévio com os empregadores, por intermédio
da Comissão de Conciliação, que praticarem qualquer ato de indisciplina, ou que
dificultarem a solução do dissídio proposta nos termos dos artigos 13 e 14, ou
se esquivarem à integral observância do acordo feito ou da decisão
proferida." Mas, ao mesmo tempo, corno dissemos acima, o Decreto nº.
22.132, de 25 de novembro do mesmo ano, que criou as Juntas de Conciliação e
Julgamento, só dava faculdade de reclamar ao empregado sindicalizado (artigo
34). Por sua vez, o Decreto nº. 23.768, de 18 de janeiro de 1934 (artigo 34),
assegurava o direito às férias dos empregados nas indústrias, somente quando
sindicalizados. Mais ainda, o Decreto nº. 24.694, de 12 de julho do mesmo ano,
regulando a sindicalização, estabelecia no artigo 30 preferência ao empregado
sindicalizado para readmissão no emprego, e no artigo 32 preferência para
admissão em empresas de serviços públicos ou que mantivessem contratos com os
poderes públicos.
A
despeito do controle consignado nas leis, foi bem atuante, ainda nessa fase, o
movimento sindical brasileiro, com intensa manifestação política e
ideológica, com numerosas greves e protestos de toda ordem. Os sindicatos dos
bancários, do Rio e São Paulo, funcionando como grupos de pressão, conseguiram
o reconhecimento da estabilidade no emprego com dois anos de casa, em 1934. A
União dos Trabalhadores do Livro e do Jornal sobressaía, no Rio, como entidade
das mais atuantes. O mesmo ocorria com o Sindicato dos Trabalhadores em
Transportes Terrestres, também do Rio. Utilizavam-se os sindicatos das
prerrogativas constantes das leis, e celebravam fortes redes de convenções
coletivas, com o reconhecimento de vantagens bem melhores que os benefícios
conferidos pelo governo. Marcaram época as greves de reivindicações de novas
condições de trabalho, deflagradas pelos trabalhadores de fiação e tecelagem em
1935, apesar da violência da polícia.
Grande
incentivo à sindicalização trouxe o Código Eleitoral, Decreto nº. 21.076, de 24
de fevereiro de 1932, artigo 142, ao criar a representação classista na
Assembléia Constituinte. Mais tarde regulamentado pelos decretos nºs. 22.653,
de 20 de abril, e 22.696, de 11 de maio, ambos de 1933, o código fez com que os
sindicatos pululassem - vá lá o lugar comum ...- como cogumelos depois da
chuva. Como fonte primária, informa Valdir Niemeyer que, à época, o movimento
sindical atingia 18 unidades do país, somente com exclusão de Amazonas, Goiás,
Mato Grosso e território do Acre. Encontravam-se 361 sindicatos de empregados
em condições de fornecer eleitores para a escolha dos 18 representantes na
Assembléia Nacional Constituinte, com maior concentração entre os trabalhadores
em transportes e empregados no comércio. Entrava o Distrito Federal com 58
sindicatos, seguido por São Paulo, com 42.
Com
o movimento armado deflagrado a 27 de novembro de 1935, malogrado, e com a
conseqüente decretação do estado de guerra, cessou o movimento sindical livre.
Decretaram-se numerosas intervenções administrativas nas entidades sindicais,
com a prisão de seus dirigentes. Permitiu-se a dispensa sumária dos
trabalhadores julgados perigosos à segurança nacional, ao mesmo tempo em que o
Ministério do Trabalho instituía o atestado negativo de ideologia, para que
alguém pudesse candidatar-se aos cargos diretivos ou representativos das
entidades profissionais. Com agentes administrativos e policiais nas suas
assembléias gerais, perdiam os sindicatos o mínimo de autonomia que lhes
restava.
1937 a 1946
Constituem
esses anos o período mais repressivo da história do movimento sindical
brasileiro, só equiparável, em tudo e por tudo, ao que se seguiu a 1964. Com a
Carta de 10 de novembro ingressávamos na categoria dos regimes fortes,
autoritários, com hipertrofia do Executivo e total ausência do Legislativo,
extintos a Câmara e o Senado, substituídos por organismos corporativos que nunca
chegaram sequer a funcionar. Foram oito anos de decreto-lei e do maior
controle sobre toda a vida sindical, com exigência de atestado negativo de
ideologia, proibidos a greve e o lock-out, como motivos anti-sociais,
pela Carta de 1937, o Código Penal de 1940 e a Consolidação das Leis do
Trabalho de 1943.
Foram
adotados nesse período os mais sufocantes instrumentos do movimento sindical:
a intervenção administrativa, o enquadramento sindical e o imposto sindical. O
Decreto-Lei nº1.402, de 5 de julho de 1939, reformou a legislação anterior
sobre a sindicalização, adotando os novos princípios da Carta outorgada. Com
a reforma do Departamento Nacional do Trabalho, criou-se a Divisão de
Organização e Assistência Sindical, com a incumbência de fiscalizar, orientar
e controlar os sindicatos, jungindo-os totalmente ao Ministério do Trabalho,
desde o processo eleitoral até o orçamento e prestação de contas. Para efeitos
de construção da pirâmide da organização corporativa, vertical, aprovou-se um
quadro prévio de atividades e profissões, duas a duas, que culminariam por
desembocar nas grandes corporações, como órgãos do Estado. O enquadramento
sindical representa a organização horizontal do corporativismo estatal,
contrário à tese de conflito ou de luta de classes. O enquadramento é
simétrico e rigorosamente ordenado.
Por
outro lado, todos os integrantes de qualquer categoria - econômica,
profissional, diferenciada ou autônoma - devem pagar uma contribuição anual
compulsória a favor das entidades sindicais - sindicato, federação e
confederação. Para o trabalhador subordinado corresponde a um dia de
trabalho.
Apesar
de tudo isso, ou talvez exatamente por tudo isso, não conseguiu nunca ser de
massas o movimento sindical brasileiro. Sem motivação, sem interesse, sempre
foi pequena a taxa de sindicalização, contribuindo o indivíduo a favor de uma
entidade da qual não faz parte, e nem quer fazer, de cuja vida associativa não
participa. A 1º. de maio de 1943, o chefe do governo fez um apelo patético a favor
do que chamou "a campanha da sindicalização em massa".Sem resultado,
porém. Tudo o que se encontrava em vigor impedia qualquer resquício de
liberdade e autonomia sindical: proibidas eram as confederações gerais e
quaisquer outras modalidades de organização associativa não previstas na lei. O
sindicato transformara-se, praticamente, em órgão oficial do próprio Estado.
Informa Oliveira Viana que se chegou até a sugerir a nomeação dos dirigentes
sindicais pelo Ministério do Trabalho.
De 1946 a 1964
Com
a promulgação da nova Constituição Federal, a 18 de setembro de 1946, parecia
que tudo ia mudar, pois extinto estava o Estado Novo, como modelo político
autoritário e autocrático. A nova Carta aproveitara o que de melhor se dispunha
na Constituição de 1934, inclinando-se nitidamente para um sentido
social-democrata. Vinda de um Executivo hipertrofiado, restabelecera a
competência e o prestígio dos outros dois poderes, com orientação liberal.
Mantivera todas as conquistas trabalhistas anteriores e acrescentara novas como
o salário familiar, a participação dos lucros, o repouso semanal remunerado, a
estabilidade na exploração rural, entre outros. Extinguira a contribuição
sindical obrigatória, mantendo, porém, as funções delegadas ao sindicato pelos
poderes públicos. Revogara a proibição da greve, instituindo o seu direito,
cujo exercício ficara para a regulamentação da lei ordinária.
Pois
bem, apesar de tudo isso, a despeito de novo regime constitucional inteiramente
oposto ao precedente, manteve-se a mesma, a mesmíssima legislação ordinária,
com o mesmo, o mesmíssimo modelo de organização sindical. Em 1951, com a volta
de Getúlio Vargas à presidência da República, anunciou o seu ministro do
Trabalho a extinção do atestado negativo de ideologia.
Mantinham-se,
na legislação ordinária, as proibições de greve nas atividades fundamentais,
com o 9.070, de 15 de março de 1946, em vigor, e de formação de organismos
centrais, como entidades de cúpula, na organização sindical. Enquanto se
discutia se o 9.070 era constitucional ou não, dele iam se desinteressando os
trabalhadores, transformando-o em letra morta, acabando a jurisprudência por
considerar como injusta a dispensa do trabalhador que simplesmente houvesse
participado da greve, sem incitamento nem atos de violência. Por outro lado,
foram-se organizando os órgãos superiores de cúpula como coordenadores dos
interesses mais gerais dos trabalhadores, a despeito da Consolidação de 1943.
Caracterizou-se
esse período pela politização dos sindicatos, à maneira do que ocorrera antes
de 1935, deixando as entidades mais representativas de se submeter docilmente
ao controle do Ministério do Trabalho e dos órgãos de segurança. A liderança
sindical ousou dizer o que pensava e o que queria, atingindo-se um nível de
liberdade e de autonomia desaparecido havia mais de dez anos. Em verdade
havia surgido uma nova classe operária no após-guerra, com plena consciência de
suas reivindicações no capitalismo que ajudara a criar. A industrialização
crescera substancialmente, com a relativa queda da indústria têxtil, que
muito se aproveitara do protecionismo que lhe fora dispensado durante a
conflagração. Segundo relatório do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai) tomando-se por base o ano de 1946, enquanto a mão-de-obra de fiação e
tecelagem chegava a 116,0 em 1960, a da alimentação ia a 131,6 e a da gráfica a
181,7. A indústria siderúrgica se instalara e desenvolvera no mesmo período,
que também assistiu à instalação da indústria automobilística. Era toda uma
nova classe operária, em qualidade e quantidade, que surgia. Dela se
destacavam os trabalhadores metalúrgicos e das indústrias petroquímicas.
Com
exceção de algumas manifestações revolucionárias mais ativistas, nacionalismo
e desenvolvimento constituíam as duas palavras de ordem dessa liderança
sindical, correspondendo aos apelos do governo, que delas também se vinha
utilizando como motivações ideológicas de sua filosofia econômica. A redemocratização
do país, o crescimento numérico da classe operária, com cerca de dois milhões
e meio de trabalhadores, a formação de partidos políticos e o direito de voto,
tudo isso veio dar uma importância até então insuspeitada ao movimento
sindical. Movimento este que arregimentava ainda uma pequena minoria dos
integrantes das categorias profissionais, com predominância de elementos
qualificados e profissionalmente gozando de status superior à média dos
trabalhadores. Foi esta a conclusão a que chegaram dois pesquisadores em
estudo publicado em 1962, sobre o Congresso Nacional dos Trabalhadores
Metalúrgicos, realizado àquela época. Assim mesmo, segundo dados oficiais, a
mão-de-obra qualificada, no estado de São Paulo, não abrangia ainda mais do
que 20% do total, isto é, 149.379 para 774.733.
De 1964 em diante
Como
havia acontecido em 1935 com o estado de guerra, o mesmo estancamento do
movimento sindical brasileiro volta a ocorrer em abril de 1964, com a tomada do
poder pelo grupo militar que comandou o golpe de Estado. Talvez que o seu objetivo
primordial tenha sido exatamente a mudança de sentido que vinha tomando o
movimento operário. Baseado na mesma legislação do período de 1937 a 1946,
interveio o Ministério do Trabalho em centenas de entidades sindicais de todos
os graus, por prazo indeterminado, com destituição das respectivas diretorias
e prisão de muitos líderes sindicais. Alguns fugiram, outros foram
condenados, sendo de logo dissolvidas .quaisquer manifestações de órgãos de
cúpula. Um pesado silêncio, triste e fúnebre baixou sobre a massa operária,
sujeita ainda aos rigores de uma legislação de arrocho salarial, vendo pouco
depois cair o instituto da estabilidade no emprego, conquista que vinha de
1923. Só uma classe passou a ser diretamente responsável pela inflação, a dos
trabalhadores, que tiveram seus salários reais drasticamente reduzidos, abaixo
do custo de vida e com perda crescente do seu poder aquisitivo.
Embora
tentando chegar aos trabalhadores com uma linguagem muito afim do antigo paternalismo,
de pronto acionou todos os instrumentos de repressão contra a autonomia sindical,
transformando as associações de classe em meros organismos burocráticos,
assistenciais e beneficentes, rigidamente submetidos à política oficial e
mantidos pela contribuição compulsória, voltada novamente ao texto constitucional
em 1967. Longa e escura tem sido esta noite de sufocação e repressão, mas a
partir de 1974 como que vem despertando o movimento sindical, tomando
consciência de sua força, questionando criticamente a sociedade, nas suas
bases econômicas e na sua regulação jurídica. Mais uma vez colocaram-se à
frente desse movimento de revisão os trabalhadores social e profissionalmente
mais qualificados, devendo ser destacados os metalúrgicos e os bancários.
Eclodiram greves reivindicatórias nas atividades tidas por lei como fundamentais,
em geral vitoriosas. Os congressos operários têm sido convocados, com comparecimento
de alguns líderes a Brasília, como grupo de pressão, como lobby junto ao
Congresso, em prol de melhores leis sobre o direito de greve. Consta do texto
da Constituição de 1967, com todas as emendas posteriores, a proibição de greve
em atividades essenciais.
O
que não se fez em 1946 talvez se faça agora, em 1979, no sentido de uma
revogação total da legislação coercitiva de 1937, com liberdade e autonomia da
vida sindical, à margem do Estado e contra ele, se necessário. A grande
maioria da liderança sindical tem-se manifestado a favor do diálogo direto
entre empregados e empregadores na regulação das condições de trabalho. Outro
ponto capital é o da constituição de comissões de empresa ou de fábrica,
inclusive com designação de delegado sindical. Dada a índole da legislação brasileira
do trabalho, imposta paternalisticamente pelo Estado de fora para dentro, como
que se impediu o contato direto entre os próprios interessados, que só agora
vão começando a sentar-se na mesa das negociações para cuidarem autonomamente
das suas próprias vidas. Só então - e isso parece que se vai realizando agora -
será adulto o movimento sindical brasileiro, autônomo e livre diante do Estado
e do patronato. Esta é a tendência que se delineia e cujas primeiras
manifestações já se vão concretizando e obtendo êxito.
Evaristo
de Morais Filho
colaboração
especial
FONTES:
CARONE, E. Primeira; CARONE, E. República velha FAUSTO, B.
Trabalho; LOWY, M. Opiniões, MORAIS FILHO, E. Apontamentos;
MORAIS FILHO, E. Problema; NIEMEYER, V. Movimento; PINHEIRO,
P. Política; RODRIGUES, J. Sindicato; RODRIGUES,
L. Conflito,, SIMÃO, A. Sindicato, VIANA, F. Problemas;
VIANA, L. Liberalismo.
De
1964 a 1985
Com
a derrocada do regime democrático em abril de 1964, o sindicalismo dominante
sob a Constituição de 1946 sofreu ataques por dois flancos: à direita, do
governo militar; e, à esquerda, de setores do próprio movimento sindical.
Imediatamente
depois do golpe que derrubou o presidente João Goulart, o governo do general
Castelo Branco investiu duramente contra os sindicatos mais ativos e seus
principais líderes. O objetivo era desmantelar as bases sindicais da aliança
nacional-desenvolvimentista que sustentara o governo deposto. Para tanto, o
novo regime se valeu tanto dos recursos da repressão policial, quanto daqueles
previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como a prerrogativa de
intervenção nos sindicatos, destituindo dirigentes eleitos e substituindo-os
por interventores nomeados. Entre 1964 e 1966, 84 dirigentes sindicais
tiveram cassados os seus direitos políticos. Entre 1964 e 1965, sofreram
intervenção 428 entidades sindicais, assim distribuídas: 383 sindicatos (18%
do total), 45 federações (42% do total) e quatro confederações (66.7% do
total). Na região Sudeste, as intervenções atingiram 25,6% dos sindicatos.
A
repressão atingiu com a mesma intensidade o sindicalismo rural, que
experimentara significativa expansão no início da década de 1960. Foram
fechados, também, os organismos de coordenação horizontal, do tipo centrais
sindicais - notadamente, o Comando Geral de Trabalhadores (CGT) e o Pacto de
Unidade e Ação (PUA) - que, embora funcionassem à margem da organização
sindical legal, eram reconhecidos como interlocutores legítimos pelos governos
civis.
Ainda
na gestão Castelo Branco (1964-1966), o período mais duro da repressão deu
lugar à tentativa de normalização controlada da vida sindical. Foram
autorizadas eleições para substituir os interventores nomeados, ao mesmo tempo
em que se aplicavam ao pé da letra as disposições da CLT permitindo o controle
governamental sobre a vida associativa e se mantinha a vigilância policial
sobre os ativistas mais destacados. A fresta aberta pelo governo militar
propiciou tentativas de articulação de um sindicalismo de oposição nos
principais centros industriais do país. Elas foram levadas a cabo por ativistas
ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), à esquerda católica e a outros
agrupamentos de esquerda, todos tratando de formar chapas para disputar as
direções sindicais. O movimento foi muito marcado pela crítica interna à
atuação anterior da esquerda, particularmente do PCB, em especial durante o
governo Goulart. Os dirigentes sindicais comunistas foram acusados de excessiva
confiança num processo de mudança social pacífica; de subordinação às
lideranças burguesas da aliança nacional-populista; de comprometimento com as
negociações políticas de cúpula; de abandono da organização e da mobilização
das bases sindicais; de adaptação às limitações impostas pela CLT; e,
finalmente, de incapacidade de organizar a resistência popular ao golpe
militar. Em conseqüência, os líderes emergentes propunham concentrar a
atividade sindical nos locais de trabalho – em comitês de fábrica – que
deveriam servir de base para a retomada da ação dos sindicatos e o
desenvolvimento de uma estratégia de confronto com o regime autoritário. Sua
principal bandeira era a luta contra a política salarial imposta pelo novo
governo - consubstanciada nos Decretos-Lei nº 54.018 e nº 54.228, ambos de
1964, que davam sustentação ao chamado arrocho salarial -, política essa
entendida como parte de uma política econômica recessiva e geradora de
desemprego. Denunciava-se também o controle governamental sobre a vida
associativa, propiciada pela CLT. Em termos numéricos, os líderes combativos
eram minoria, mas suas bases de apoio estavam nos estados mais industrializados:
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
A
relativa distensão do autoritarismo no início do governo Costa e Silva
(1967-1969) permitiu que a atividade das correntes sindicais de oposição
ganhasse expressão pública. Alguns de seus líderes eram parte do movimento de
revisão crítica da atuação da esquerda brasileira, que começava a caminhar na
direção da preparação da luta armada contra o regime militar. Ainda no fim de
1967, foi organizado em São Paulo o Movimento Sindical Anti-Arrocho (MIA), para
conduzir a mobilização dos trabalhadores contra a política econômica. Em 1968,
no contexto dos protestos estudantis contra o regime, os novos dirigentes
organizaram duas explosões de descontentamento operário, dentro da estratégia
de confronto que deveria preparar a luta armada. Em abril, 6.700 operários da
cidade industrial de Contagem, próxima a Belo Horizonte, entraram em greve
contra o arrocho salarial. Em julho, ocorreu a greve dos metalúrgicos de
Osasco, na Grande São Paulo, com ocupação de empresas e choques com a polícia.
A
violenta carga repressiva que se abateu sobre toda a oposição a partir do Ato
Institucional nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, atingiu fortemente o
movimento sindical e os líderes que haviam emergido foram reprimidos
violentamente. Entre 1968 e 1977, a vida nos sindicatos ficou reduzida à
prestação rotineira de serviços sociais e jurídicos e a uma ou outra cuidadosa
manifestação de dirigentes sindicais contra os excessos de controle
governamental sobre as entidades e a política salarial. Em poucos sindicatos,
movimentos da chamada oposição sindical, abrigados pela Igreja Católica,
mantiveram-se ativos, dedicando-se a criar ou a recriar organizações de
empresa, constantemente desarticuladas pela demissão de seus membros.
A
partir de 1974, uma nova forma de oposição à estrutura sindical vigente e à
política da ditadura começou a brotar no próprio sistema corporativista.
Nascia o que se chamou então de “novo sindicalismo”, cujo berço foi o Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Sua diretoria
era formada por líderes jovens, em geral sem laços nem com o sindicalismo
anterior ao golpe militar nem com o sindicalismo de confronto de 1968. Esse
sindicalismo se desenvolveu com maior força nas áreas mais modernas e
concentradas da indústria – os setores automobilístico, metal-mecânico,
siderúrgico, petrolífero e petroquímico. Os novos líderes com freqüência tinham
ascendido a cargos de direção em eleições sem competidores. Seu discurso
sindical era essencialmente antiestatista e democrático-participativo. A
reivindicação central era tirar o Estado das relações trabalhistas e conseguir
uma negociação coletiva livre e direta entre empregados e empregadores; o
direito irrestrito de greve; a liberdade e a autonomia sindicais e o direito de
organização no interior das empresas; ou seja, o fim da política salarial e a
liqüidação da organização sindical corporativista. Para esses novos líderes,
as mudanças pretendidas seriam alcançadas pela organização e a mobilização das
massas de trabalhadores.
As
greves nas empresas metalúrgicas da região do ABC paulista, na Grande São
Paulo, em 1978 e 1979, transformaram o “novo sindicalismo” de simples
aglomerado de líderes inovadores num movimento com apoio de massas. Sua principal
figura, o metalúrgico Luís Inácio da Silva, Lula, ganhou projeção nacional.
Assim, durante o governo do último presidente militar, general João Batista
Figueiredo (1979-1984), emergiu uma nova forma de sindicalismo, também de
confronto, porém distinta daquele de 1968, assentado dessa vez na oposição
sistemática às políticas governamentais e na mobilização grevista.
De 1985 a 1995
Sob
o regime democrático restaurado, o movimento sindical expandiu-se e
diversificou sua forma de organização, tornando-se um influente ator político.
Seus apoios sociais mais importantes eram os trabalhadores da grande indústria
moderna, os servidores públicos e, em menor medida, os trabalhadores rurais. O
associativismo do setor público ganhou enorme impulso na década de 1980.
Primeiro, por meio de entidades não reconhecidas. Depois, em sindicatos
oficiais, por ter a Constituição de 1988 estendido o direito de organização aos
servidores públicos. No total, os sindicatos reuniam, naquele ano, um
contingente de 15 milhões de assalariados, dos quais 8,3 milhões no campo.
Embora a população sindicalizada só representasse cerca de 11% da população
economicamente ativa (PEA), conferia às entidades sindicais uma base de massas
respeitável.
A
convergência em torno da oposição ao autoritarismo que reunira as lideranças
renovadoras do “novo sindicalismo” rapidamente se desfez, na medida em que a
transição para a democracia foi se consumando. Opções partidárias, diferenças
com relação à estrutura corporativista e à atitude a tomar frente ao novo
governo civil, além de disputa pelo poder, foram os principais motivos de
conflito. As divergências se cristalizaram em diferentes centrais sindicais,
que se foram organizando, fundindo ou reestruturando ao longo do período. Já em
1983, a corrente majoritária dos sindicalistas renovadores, ligados à Luís
Inácio da Silva e ao recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT), gerou a
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Seus opositores, que de início formaram
a Unidade Sindical, criariam em 1986 a Central Geral dos Trabalhadores
(CGT), posteriormente dividida em duas entidades com a mesma sigla: a Central
Geral dos Trabalhadores e o Confederação Geral dos Trabalhadores (1989).
Finalmente, em 1991, sindicalistas ligados à Central Geral dos Trabalhadores
criaram a Força Sindical, que rapidamente se tornou a segunda maior organização
de cúpula do sindicalismo brasileiro, depois da CUT.
Ao
longo da década de 1980, o impulso de reforma da estrutura sindical
corporativista foi perdendo força, mesmo entre os sindicalistas da CUT, os mais
ferrenhos adversários daquele modelo. O projeto inicial de superação do sistema
corporativista, com o estabelecimento da autonomia e da liberdade sindicais
plenas, cedeu espaço a uma estratégia de reforma moderada que tratava de abolir
os instrumentos de controle e coerção sobre as entidades sindicais em mãos do
governo, preservando os dispositivos que asseguravam recursos de poder às
lideranças sindicais, como o monopólio da representação e a contribuição
sindical compulsória. Essa reforma moderada foi vitoriosa na Constituição de
1988 e deu origem a um sistema sindical híbrido, que combinava pluralismo na
cúpula com as velhas regras corporativistas.
As
divergências, reforçadas pela competição entre as centrais, giravam também em
torno das estratégias a adotar diante das políticas de estabilização da moeda.
A CUT e os sindicatos a ela filiados apostaram na oposição intransigente às
políticas antiinflacionárias, sustentada por sucessivas greves que tratavam de
reduzir os períodos entre os reajustes salariais e de obter a melhor indexação
possível das remunerações. Já as CGTs e especialmente o grupo que desembocaria
na Força Sindical tenderam a uma atitude mais negociadora, quando não submissa
diante do governo, ainda que também lutassem pela indexação. Pouco eficaz para
defender o poder de compra dos salários, a estratégia de confronto foi ainda
assim um poderoso instrumento para construir o poder da CUT, a ponto de
transformá-la na maior e mais abrangente das entidades sindicais de cúpula.
Na
década de 1990, porém, o confronto foi se tornando cada vez mais
contraproducente. Uma nova agenda começava a se desenhar para fazer face tanto
às mudanças resultantes da abertura da economia e à competição externa, quanto
à transformação das políticas governamentais que dizem respeito mais de perto
aos assalariados, como a reforma do sistema previdenciário. Esses desafios
conduziram o sindicalismo a formas novas de negociação e cooperação no nível
das empresas. No plano das atitudes em face do governo, a mudança foi menor. O
movimento sindical continuou dividido entre a colaboração submissa e uma
oposição que sabia que o confronto não era mais possível nos moldes anteriores
e que a simples denúncia era insuficiente – mas, ainda assim, não conseguia
elaborar propostas alternativas de ação.
Maria
Hermínia Tavares de Almeida
FONTES:
ALMEIDA, M. Crise; RODRIGUES, L. Partidos; RODRIGUES, L. Tendências.