SUPERINTENDÊNCIA
DA MOEDA E DO CRÉDITO (Sumoc)
A
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) foi criada pelo Decreto-Lei nº
7.293, de 2 de fevereiro de 1945. Sua criação foi proposta em 1944 pelo
professor Otávio Gouveia de Bulhões ao ministro da Fazenda Artur de Sousa
Costa, como instituição que constituiria o embrião do futuro Banco Central do
Brasil.
Se
este era o objetivo fundamental a alcançar a médio prazo — na verdade, a
transição da Sumoc para o Banco Central demandaria duas décadas —, havia dois
objetivos mais imediatos. O primeiro dizia respeito à tentativa de coordenação
das políticas monetária e creditícia, em particular de controle seletivo do
crédito estendido pelo Banco do Brasil, e o segundo ligava-se à necessidade,
tal como vista por Bulhões, de um interlocutor técnico privilegiado com as
instituições financeiras internacionais criadas em Bretton Woods, nos Estados
Unidos, em 1944, e destinadas a supervisionar, sob a hegemonia norte-americana,
a ordem econômica internacional do pós-guerra.
Assim
é que, tão logo criada, a Sumoc foi feita representante do governo junto ao
Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, passando a manter
relações estreitas com estas entidades e a adotar as medidas necessárias para
dar cumprimento à Convenção de Bretton Woods, ratificada pelo governo
brasileiro.
Decidida por Getúlio Vargas oito meses antes de perder os
excepcionais poderes de que dispunha — entre os quais o de editar decretos-leis
—, a criação do novo órgão não esteve isenta de controvérsia, em particular de
comentários provenientes da secular burocracia do Banco do Brasil, a cujas
ponderações foi ajustado o projeto inicial de Bulhões. Esse arranjo resultou na
solução “mista” para questão do Banco Central, segundo a qual o Banco do Brasil
continuaria — como até hoje — a desempenhar o duplo papel de banco comercial e
de autoridade monetária, juntamente com a própria Sumoc, que foi o embrião do
Banco Central por duas décadas.
O conselho da Sumoc, sua mais alta instância decisória, foi
constituído, além do ministro da Fazenda e do presidente do Banco do Brasil —
respectivamente presidente e vice-presidente do conselho —, pelos diretores da
Caixa de Mobilização e Fiscalização Bancária e das carteiras de Câmbio e de
Redescontos do Banco do Brasil e pelo diretor executivo da Sumoc, nomeado por
decreto do presidente da República.
É
a seguinte a relação dos diretores executivos (não interinos) da Sumoc, de sua
criação a abril de 1965, quando seu diretor passou a ocupar o cargo de
presidente do recém-criado Banco Central do Brasil: José Vieira Machado
(fevereiro de 1945 a fevereiro de 1951), Válter Moreira Sales (fevereiro de
1951 a maio de 1952), Egídio da Câmara Sousa (de maio a setembro de 1952), José
Soares Maciel Filho (de setembro de 1952 a agosto de 1954), Otávio Gouveia de
Bulhões (de setembro de 1954 a maio de 1955), Prudente de Morais Neto (de maio
a outubro de 1955), Inar Dias de Figueiredo (de outubro de 1955 a março de
1956), Eurico de Aguiar Sales (de março de 1956 a novembro de 1957), José
Joaquim Cardoso de Melo Neto (de novembro de 1957 a julho de 1958), José
Garrido Torres (de julho de 1958 a agosto de 1959), Marcos de Sousa Dantas (de
agosto de 1959 a junho de 1960), Francisco Vieira de Alencar (de junho de 1960
a fevereiro de 1961), Otávio Gouveia de Bulhões (de fevereiro de 1961 a janeiro
de 1963), Júlio de Sousa Avelar (de janeiro a fevereiro de 1963), Otávio
Augusto Dias Carneiro (de março de 1963 a maio de 1964) e Dênio Chagas Nogueira
(de maio de 1964 a abril de 1965). Dênio Nogueira foi o primeiro presidente do
Banco Central do Brasil após sua criação em abril de 1965, permanecendo no
cargo até março de 1967.
A Sumoc na década de 1940
Ao longo de seus primeiros seis anos de vida, sob a
relativamente longa gestão de Vieira Machado, funcionário de carreira do Banco
do Brasil, a Sumoc — revela o estudo das atas das reuniões de seu conselho —
dedicou-se basicamente a questões relacionadas à reorganização da rede bancária
e à regulamentação de capitais externos. Seu corpo técnico próprio era
praticamente inexistente até 1950 (quando a Instrução nº 34 criou a seção de
estatística própria da Sumoc) e seu relatório anual de atividades era
apresentado como uma subseção do relatório anual do Banco do Brasil (isso
ocorreria até 1955, quando foi publicado o primeiro relatório da Sumoc,
independentemente da publicação do tradicional relatório do Banco do Brasil).
Na
verdade, até o início da década de 1950, a Sumoc constituiu de facto, ainda que
não de jure, apenas um órgão a mais no Banco do Brasil, absorvendo alguns
encargos das carteiras de Câmbio e de Redescontos e, especialmente da Caixa de
Mobilização e Fiscalização Bancária. A inexistência de uma caixa própria
tornava a superintendência dependente do Banco do Brasil do ponto de vista
material e técnico, restringindo em muito o alcance político e econômico da
projetada “transferência” para o novo órgão dos depósitos compulsórios em moeda
dos bancos comerciais, que continuariam sendo recolhidos pelo Banco do Brasil
“à conta da Sumoc”. Os depósitos voluntários dos bancos comerciais jamais foram
transferidos, nem mesmo após a criação do Banco Central em 1965.
A
Sumoc desempenhou papel importante, na década de 1940, na reorganização e
regulamentação do sistema bancário, à época necessárias, dado que o número de
estabelecimentos bancários havia passado de 1.648 em 1941, para 2.549 em 1944,
incluindo filiais. Entretanto, do ponto de vista de suas implicações políticas,
foi a atuação da Sumoc no que diz respeito à regulamentação do movimento de
capitais externos que despertou o maior interesse, em particular após a
violenta condenação de sua atuação, feita por Vargas em 1951.
Com
efeito, em 16 de agosto de 1946, o Decreto-Lei nº 9.602 havia ampliado as
atribuições da Sumoc nesta área. Mediante instrução e “tendo em vista as
condições do mercado de câmbio”, a Sumoc poderia elevar, reduzir ou até mesmo
abolir temporariamente o imposto sobre operações de remessas ao exterior, bem
como interpretar de forma liberal o significado dos limites percentuais sobre a
repatriação do capital e remessas de lucro e dividendos.
Comprometidas
com a doutrina liberal e com o projeto norte-americano de uma economia mundial
aberta, as autoridades monetárias relaxaram várias restrições à saída de
divisas do Brasil, uma medida aparentemente destinada a estimular novos
ingressos de capitais privados no futuro. Uma análise mais cuidadosa, não só da
situação internacional, como da composição das reservas e da estrutura do
comércio internacional do Brasil, teria aconselhado uma atitude mais cautelosa.
Com
efeito, é — e era — sabido que, à época, existiam estreitos controles sobre
fluxos financeiros internacionais, e que os objetivos norte-americanos e,
especialmente, do FMI, consistiam na eliminação de restrições ao comércio
internacional. A ausência de fluxos internacionais de capitais privados e de
linhas organizadas de crédito internacional criou um problema de liquidez
mundial, somente resolvido, no imediato pós-guerra, através da União Européia
de Pagamentos, do FMI e de empréstimos do governo sob a égide do Plano
Marshall.
As autoridades monetárias e cambiais do governo Eurico Dutra,
contudo, aparentemente depositaram vasta confiança em uma solução duradoura
para o potencial desequilíbrio do balanço de pagamentos nacional através da
conta de capital, vale dizer, através de uma política liberal de câmbio que, em
estimulando as saídas de capital, pudesse estimular também ingressos brutos.
Fontes insuspeitas, ao analisar o período, consideram que, “evidentemente, não
havendo capitais nos países europeus, o que houve foi uma saída espantosa de
divisas do país”. De fato, entre 1946 e 1952, a economia brasileira
experimentou uma saída líquida de divisas da ordem de quinhentos milhões de
dólares. Obviamente, parte da saída de divisas deveu-se à progressiva
valorização do cruzeiro, dado que a taxa de 18 a 19 cruzeiros por dólar
norte-americano permaneceu praticamente constante de 1939 a 1952, enquanto os
preços internos mais que quadruplicaram no período. Em 1952 a taxa cambial no
mercado negro era de ordem da taxa oficial.
A
alegação das autoridades monetárias e cambiais do governo Dutra, ou, mais
precisamente, da Sumoc, para a liberalização cambial de 1946 — “condições
favoráveis do mercado de câmbio” — deveria ter sido objeto de uma discussão
mais aprofundada, posto que as condições favoráveis se limitavam à área de
moedas inconversíveis, e não era aqui que residia o problema fundamental do
balanço de pagamentos brasileiro. Felizmente, a excepcional elevação dos preços
internacionais do café a partir de 1948 e o licenciamento de importações
adotado a partir de junho de 1947 impediram que uma grave crise cambial tivesse
lugar ainda na década de 1940.
Entre 1940 e 1949, condições climáticas adversas haviam
estabilizado a produção de café e elevado a uma redução líquida de estoques
estimada em 16 milhões de sacas (além dos 65 milhões de sacas queimadas durante
a década de 1930). Quando, em junho de 1948, o governo Dutra — preocupado com a
inflação — decidiu que não desvalorizaria e a Sumoc comunicou ao FMI que a
paridade oficial do cruzeiro em relação ao dólar seria a mesma de 1939 (18,50
cruzeiros por dólar), os importadores de café que estavam aguardando uma
desvalorização desde a expiração, em 1948, do Acordo Interamericano do Café,
lançaram-se ao mercado e causaram uma surpreendente elevação dos preços em um
prazo extremamente curto para um mercado que estivera, por quase três décadas,
sujeito à superprodução. Entre 1948 e 1950, o preço do café aumentou em 125%,
elevando-se de 23 para 51 centavos de dólar por libra-peso.
A Sumoc na década de 1950
Na
década de 1950, a Sumoc continuou a desempenhar papel importante em duas áreas
cruciais. A primeira dizia respeito à sua tentativa de coordenar a política
monetária e creditícia, em particular de controlar a expansão dos empréstimos
do Banco do Brasil ao setor privado, ao setor público e ao Tesouro. Para tal a
Sumoc investe na elaboração de um sistema consolidado de contas das autoridades
monetárias — inexistentes até meados da década de 1950 —, tentando distinguir o
que seriam as contas típicas do Banco Central das demais contas do balancete
consolidado das autoridades monetárias.
Apesar
de importantes progressos nesta área, consubstanciados na qualidade da
informação dos boletins e relatórios anuais que a Sumoc começou a publicar a
partir de 1955, a eficácia operacional da superintendência nesta área de
controle monetário e creditício foi extremamente limitada ao longo da década de
1950 — exceção feita à breve passagem de Eugênio Gudin e Bulhões,
respectivamente no Ministério da Fazenda e na diretoria executiva da Sumoc
durante o governo de João Café Filho.
A razão é relativamente simples: dos três instrumentos
clássicos de controle de liquidez e da expansão monetária — o open market, o
compulsório e o redesconto —, o primeiro simplesmente não existia, a elevação
do compulsório significava, de fato, maiores recursos para o Banco do Brasil, o
que acabava por ter efeito expansionista, e o redesconto não era controlado
pela Sumoc. Na verdade, a Carteira de Redescontos do Banco do Brasil atendia ao
sistema bancário e às necessidades do Tesouro, e era através desta carteira que
legalmente tinha lugar a emissão de papel-moeda. A impotência da Sumoc para
efetivamente controlar a expansão de crédito por parte do Banco do Brasil
marcou todo o período de vigência da Constituição de 1946 e expressou-se,
politicamente, nas várias controvérsias entre ministros da Fazenda e
presidentes do Banco do Brasil (Pedro Luís Correia e Castro versus Guilherme da
Silveira, na década de 1940, e Horácio Lafer versus Ricardo Jafet e Lucas Lopes
versus Sebastião Pais de Almeida, na década de 1950).
Foi
na área de política cambial e de comércio exterior, contudo, que a Sumoc
desempenhou um papel-chave na década de 1950. Por exemplo, a adoção do sistema
de taxas múltiplas e leilões cambiais contemplados pela famosa Instrução nº 70
da Sumoc, de outubro de 1953, não deixou de ser uma imaginativa resposta à
grave crise cambial de 1952 e 1953 e uma substancial alteração em relação ao
sistema anterior. Em primeiro lugar, porque era um sistema de restrições
quantitativas que permitia um papel às “forças de mercado” através dos leilões
de divisas. Em segundo lugar, porque eliminava a possibilidade de uma
acumulação rápida de atrasados comerciais como em 1951-1952; o que estava sendo
vendido não eram licenças de importação desvinculadas da real disponibilidade
de divisas. Em terceiro lugar, porque o governo se apropriava do diferencial
entre as taxas de importação — que resultavam dos leilões — e as taxas às quais
os exportadores eram obrigados a converter suas cambiais.
Eugênio
Gudin, à época, como (até o início da década de 1980) o principal economista
liberal brasileiro, considerou o novo sistema como um sistema intermediário
entre o “quase caos” (o sistema anterior) e a “normalidade” (uma taxa única de
câmbio determinada pelo mercado) e chegou a escrever, após sua curta passagem
pelo Ministério da Fazenda (setembro de 1954 a abril de 1955): “Meu apoio
descompromissado à adoção do sistema foi concedido na suposição de que o plano
proposto seria adotado por um período limitado, um ano ou dois no máximo... e
de que os recursos apreciáveis a serem obtidos com os leilões seriam totalmente
usados para o combate à inflação.”
Na
verdade, o sistema, em suas linhas gerais, permaneceu em vigor (com alterações
em 1957 associadas à introdução da Lei de Tarifas) até ser modificado
fundamentalmente pelo governo Jânio Quadros, em março de 1961. Da mesma forma,
os apreciáveis recursos obtidos com os leilões não foram totalmente usados para
o combate à inflação. Como é sabido, o saldo da conta de ágios e bonificações
constituiu, exceção feita ao ano de 1959, uma importante fonte da receita
governamental, utilizada para financiar parte da substancial elevação do gasto
público que teve lugar a partir de 1956, com o governo Juscelino Kubitschek.
No governo deste último, uma instrução da Sumoc, baixada por
Eugênio Gudin em janeiro de 1955, foi amplamente utilizada: dos 565 milhões de
dólares de capital de risco (investimento direto) que ingressaram no Brasil
entre 1955 e 1960, cerca de 401 milhões ingressaram nos termos da Instrução nº
113 da Sumoc, de janeiro de 1955, vale dizer, sem cobertura cambial e com
significativo subsídio implícito, na medida em que ingressavam como equity
capital, convertido em cruzeiros pela taxa mais favorável do mercado livre, e
as remessas posteriores para o exterior se realizavam ao favorável custo de
câmbio, aproximadamente igual à sobrevalorizada taxa média para exportações.
Da
mesma forma, dos 1,710 bilhão de dólares de empréstimos e financiamentos
obtidos pelo Brasil no período de 1955 a 1960, mais de 60% (1,163 bilhão) foram
subsidiados pela política cambial, vale dizer, também ingressavam no país sob a
forma de máquinas, veículos e equipamentos, sem cobertura cambial — isto é, sem
precisar comprar os dólares necessários nos leilões de categoria relevante —, e
tinham assegurado o direito de remessas para o exterior ao favorável custo de
câmbio.
Estas importações sem cobertura cambial chegaram a
representar uma parcela significativa (70% em média) das importações de
máquinas, veículos e equipamentos no período de 1956 a 1960. E o mais
relevante, talvez, que tais importações, para as quais não havia cobertura
cambial, representaram em média 1/4 das importações totais do Brasil no período
de 1956 a 1960. Na verdade, esta foi uma das formas de evitar que a restrição
de divisas ou o “estrangulamento externo” levasse ao abandono das inversões
contempladas no Programa de Metas, dada a estagnação, ou melhor, o declínio das
receitas de exportação associadas ao problema do café.
A influência da Sumoc nesta área externa diminuiu
consideravelmente após a saída de Lucas Lopes, Roberto Campos e Garrido Torres,
respectivamente do Ministério da Fazenda, do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE) e da diretoria executiva da Sumoc, em agosto de 1959, após a
“ruptura” do governo Kubitschek com o FMI. A Sumoc só voltaria a ter influência
em 1961, já no governo Jânio Quadros.
A Sumoc na década de 1960
Otávio Gouveia de Bulhões voltou à diretoria executiva da Sumoc
com a posse de Quadros. A identificação com o ministro da Fazenda, Clemente
Mariani — que havia sido presidente do Banco do Brasil na gestão Gudin —, e a
homogeneidade da equipe econômica permitiram a ambos angariar em menos de cem
dias a confiança da comunidade financeira internacional e o amplo respaldo
econômico e político da nova administração norte-americana chefiada por John F.
Kennedy, cuja posse teve lugar quase simultaneamente com a de Quadros.
Jânio não hesitou em denunciar publicamente, em seu discurso
de posse, a “terrível situação financeira” que lhe legava o governo anterior, e
declarou aceitar integralmente “os inevitáveis sacrifícios” de uma “restrição
financeira dolorosa, a fim de estabelecer mais tarde as bases de um novo
desenvolvimento”. Aplicou uma política de estabilização, que previa uma severa
contenção de gastos públicos e o controle da expansão monetária, assim como uma
desvalorização cambial de 100% e a abolição da Instrução nº 70. Enviou também
duas missões paralelas aos Estados Unidos e à Europa para negociar os termos da
dívida externa brasileira e a extensão de novos créditos. A missão enviada aos
Estados Unidos era chefiada por Válter Moreira Sales e integrada entre outros
por Casimiro Ribeiro, enquanto a equipe enviada à Europa tinha à frente Roberto
Campos. Ambas obtiveram em maio e junho de 1961 um significativo sucesso nas
negociações, conseguindo a consolidação e extensão da dívida de curto prazo,
que tanto impressionava Quadros. De uma dívida externa de 2,655 bilhões de
dólares, mais de 1/3, 859 milhões de dólares, teve seus termos renegociados.
Foram contratados também, em princípio, empréstimos condicionais num valor
superior a 650 milhões de dólares, graças ao aval conferido pelo FMI à política
creditícia austera do programa de estabilização que se propunha reequilibrar as
contas externas do Brasil. De fato, o fundo impressionara-se favoravelmente com
a pronta liberalização cambial instituída logo após a posse do presidente pela
Instrução nº 204 da Sumoc, que significava o sistema vigente desde 1953.
Na
verdade, as renegociações de 1961 apenas promoveram um alívio temporário,
adiando a crise de liquidez do balanço de pagamentos por mais um ou dois anos.
Apesar do retorno europeu à completa conversibilidade em 1959, 15 anos após
Bretton Woods, no período de 1960 a 1963 28% das receitas de exportações
brasileiras provinham ainda de áreas de moedas inconversíveis. As exportações
de café representavam ainda mais da metade (52% em média) das receitas totais
de exportação no período de 1961 a 1963. Nesses três anos, três de cada quatro
dólares obtidos na exportação dependiam de cinco produtos: café, cacau,
algodão, açúcar e minério de ferro. Para estes produtos, uma desvalorização
cambial possuía efeito limitado em termos de elevar a receita total em dólares.
É
interessante ver o tratamento que mereceram as diversas reformas nas reuniões
do conselho, e a esse respeito uma das atas mais ricas é a referente à 965ª
reunião, de 13 de março de 1961. O ministro da Fazenda, Clemente Mariani, abriu
a sessão ponderando que “dado o déficit orçamentário e as perspectivas de
enorme deficiência de caixa do Banco do Brasil, torna-se urgente a modificação
do sistema cambial” e leu o projeto da Instrução nº 204, que permitia
quaisquer operações de câmbio para a importação de mercadorias pelo mercado de
taxa livre, abolindo assim o sistema instaurado pela Instrução nº 70, de
outubro de 1953. O diretor da Carteira de Câmbio expôs a “gravidade da posição
do nosso balanço de pagamentos... resultante da imoderação de gastos e
compromissos que caracterizaram a política econômica, financeira e cambial do
governo anterior” num longo parecer que justificava a adoção da reforma
cambial, “já excessivamente adiada”, na opinião do ministro da Fazenda. Este acrescentou
que a situação extremamente séria do balanço de pagamentos desaconselhava o
reinício dos leilões da categoria geral (ou segunda categoria), pois a escassez
de divisas certamente iria provocar violenta alta dos ágios, provavelmente mais
forte que a alta do dólar no mercado livre. E como o governo teria de igualar o
valor do cruzeiro em ambos os mercados, seguia-se que seria preferível pôr
termo aos leilões, dando assim um passo decisivo na reforma cambial. O sistema
de leilões cambiais, que vigorara por oito anos e chegara a representar em
média, no período de 1955 a 1960, cerca de 80% da receita fiscal do governo,
graças à conta de ágios e bonificações, foi então extinto, e uma desvalorização
de 100% foi decidida para o cruzeiro, não sem que “antes de divulgado o ato do
conselho” fosse enviado um telegrama, consultando o FMI quanto ao acerto da
medida.
O
ministro da Fazenda fez uma veemente e articulada defesa da Instrução nº 204
perante a Câmara dos Deputados em 19 de abril de 1961, tratando da reforma
cambial no contexto da situação financeira geral do país. A exposição teve o
mérito de focar a questão em torno de um dos temas centrais — até o presente —
do debate macroeconômico no país: a relação entre o desequilíbrio financeiro do
setor público e o desequilíbrio do balanço de pagamentos.
Celso Furtado, anos depois, em sua análise do modelo
brasileiro, assim interpretou o significado da Instrução n º 204 da Sumoc: “o
setor público teve nesse período (1961-1967) responsabilidade fundamental,
tanto na redução do nível de emprego, quanto no aumento da pressão
inflacionária. O ponto de partida desse processo parece estar na reforma
cambial de 1961, a qual provocou fundo desequilíbrio, que somente será
eliminado anos depois, mediante progressivas reformas fiscais. O salto para
alcançar a ‘verdade cambial’, dada pelo presidente Quadros sem as precauções
necessárias, acarretou um desequilíbrio no esquema de financiamento do setor
público, cujas conseqüências não foram percebidas na época. No triênio 1958-1960,
o saldo de ágios havia representado para o governo federal uma fonte de
reservas tão importante quanto o imposto de renda, ou seja, cerca de 1/3 da
renda tributária da União. Sua eliminação provocou, em 1961, uma queda em
termos reais de 15% na receita da União (tributária mais saldo de ágios). Em
1964 a União ainda não havia recuperado o nível da receita (não consideradas as
autarquias) de 1960. Essa situação forçou o governo federal a reduzir os
investimentos públicos (entre 1960 e 1963 a participação dos investimentos do
governo no investimento total declinou de 27,1 para 23,3%) e a apelar ainda
mais para a inflação. Com efeito, o déficit do setor público (despesa total
menos receita corrente), que entre 1956-1960 representara em média 0,7% do Produto
Interno Bruto (PIB), subira a 4% no período 1961-1964. A isso devem-se
adicionar as dificuldades que o governo enfrentou para obter financiamentos
externos, na fase final desse período. Esses fatores não podem ser ignorados na
explicação da conjuntura que se forma a partir de 1961, e que é em grande parte
responsável pelo colapso do crescimento da produção industrial, cuja taxa média
anual declina de 11% em 1956-1961, para zero no período 1962-1965. O tema ainda
hoje se presta a uma ampla e, por todos os títulos, legítima controvérsia.
A renúncia de Quadros alterou significativamente a situação.
A crise política que se seguiu, “resolvida” temporariamente com a adoção do
parlamentarismo, assinalou o fim do experimento ortodoxo em curso. No último
trimestre de 1961 ocorreu uma substancial elevação do déficit governamental (as
despesas, no ano, previstas em 302 milhões de cruzeiros, chegaram a 420
milhões). A taxa de câmbio permaneceu inalterada até maio de 1962,
sobrevalorizando o cruzeiro em cerca de 30%. Em parte conseqüência deste fato,
as receitas totais de exportações declinaram de 1,405 bilhão de dólares em 1961
para 1,205 bilhão em 1962. Dada a redução dos empréstimos e financiamentos (de
417 para 317 milhões de dólares), o déficit global do balanço de pagamentos
chegou a quase 350 milhões de dólares. A taxa de inflação em 1962 superou os
50% contra cerca de 35% em 1961. O déficit do governo chegou a 215 milhões de
cruzeiros em 1962, mais de 40% da receita total e cerca de 3% do PIB.
A política econômica dos sucessivos gabinetes
parlamentaristas (Tancredo Neves, Francisco de Paula Brochado da Rocha, Hermes
Lima) era na verdade uma política passiva, incapaz de coordenar decisões e
fixar diretrizes e objetivos. Celso Furtado, que ocupou o cargo de ministro extraordinário
para o Planejamento de fins de 1962 ao segundo trimestre de 1963, colocou esta
questão em termos dramáticos em depoimento histórico: “O governo Goulart, a
rigor, nunca existiu. Essa é que é a pura realidade. Foi demasiadamente
contestado pelo sistema de poder no Brasil, seja pelos setores privados, seja
pelos setores militares. [Goulart] nunca conseguiu sair de uma situação de
transitoriedade. No começo, sua luta foi fundamentalmente para restabelecer o
poder do presidente e, em seguida, foi absorvido pelo problema sucessório...
Repito, o governo Jango nunca existiu. Ele não pode ser comparado com um
governo normal. Nunca dispôs de suficiente poder. Na verdade, durante quase
todo o seu governo [Goulart] foi uma espécie de candidato a alguma coisa e não
propriamente um presidente.”
A bem da verdade, houve um esforço sério no sentido de lidar
com a situação econômica em rápida deterioração e de demonstrar à comunidade
financeira internacional e ao governo norte-americano, em particular, que havia
um programa de governo a ser implementado tão logo Goulart recebesse no
plebiscito de janeiro de 1963 os poderes presidenciais que a Constituição de
1946 lhe outorgava. Este esforço se consubstanciou no Plano Trienal (1963-1965)
elaborado por Furtado em fins de 1962 e efetivamente implementado nos primeiros
trimestres de 1963, com conseqüências que se vêm prestando a uma ampla e
fecunda controvérsia.
A Sumoc, através do chefe de seu departamento econômico, teve
uma ativa participação na elaboração da parte monetária do Plano Trienal, que
estabeleceu que o crédito ao setor privado deveria crescer em montante
correspondente à elevação do nível de preços adicionados ao aumento do produto.
No segundo trimestre de 1963, contudo, o Plano Trienal havia
perdido qualquer vestígio de apoio político e empresarial. A influência da
Sumoc praticamente desapareceu. Com efeito, Otávio Gouveia de Bulhões deixou a
diretoria executiva da Sumoc quando terminou o experimento parlamentarista em
janeiro de 1963. Em maio e junho de 1963 Celso Furtado e Francisco Clementino
de San Tiago Dantas deixaram respectivamente os ministérios do Planejamento e
da Fazenda. A partir dessas datas e apesar dos esforços de Otávio Dias Carneiro
como diretor executivo, a Sumoc refletiu a crise decisória que marcaria os
últimos meses da administração Goulart, devido a conflitos políticos, decididos
com a intervenção militar de março de 1964.
A inacabada transição para um banco central
O governo Humberto Castelo Branco marcou a volta ao poder dos
grupos de técnicos desde a década de 1940 ligados institucionalmente à Sumoc.
Foi este grupo que elaborou, entre outras, as duas leis básicas que
estabeleceram os novos alicerces institucionais do sistema financeiro nacional:
A Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, conhecida como a “Reforma Bancária”,
e a Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, conhecida como a “Lei do Mercado de
Capitais”.
A primeira delas, em seu artigo primeiro, reza: “O Sistema
Financeiro Nacional, estruturado e regulado pela presente lei, será
constituído: I — do Conselho Monetário Nacional, II — do Banco Central do
Brasil, III — do Banco do Brasil, IV — do BNDE e das demais instituições
financeiras públicas e privadas.”
Representaram esta lei e a criação formal do Banco Central do
Brasil (por conseguinte a “extinção” da Sumoc) a efetiva instituição de um
banco central nos moldes clássicos, cujo advento desejara preparar o criador da
Sumoc 20 anos antes? A resposta é: ainda não. Continuamos com um banco central
misto. Não por razões teóricas, mas pelo caráter “histórico” das relações entre
o Banco do Brasil e a antiga Sumoc, 20 anos depois transformada em banco
central.
Na
verdade, com a criação do Banco Central e a transferência para suas contas do
passivo das reservas compulsórias dos bancos comerciais, o Banco do Brasil
perdeu uma importante fonte de recursos. Para compensar esta perda, recebeu um
“empréstimo” de igual valor e maturidade indefinida, a uma taxa de juros
simbólica, de 1% ao ano. Devido à sua vasta rede de agências, o Banco do Brasil
foi designado como órgão executor das determinações do Banco Central. Uma conta
especial, que se tornaria famosa com o correr do tempo, a “conta de movimento”,
foi criada para o registro das transações entre as duas instituições. A conta
deveria teoricamente ser “zerada” semanalmente com o pagamento de 1% de juros
sobre o saldo. Isto, na verdade, nunca ocorreu. A conta de movimento ajustou-se
sempre passivamente à transferência de recursos para o Banco do Brasil, tal
como requerida para que este cumprisse as metas de empréstimos estabelecidas
pelo governo através do Conselho Monetário. Em 31 de dezembro de 1981, o valor
da conta de movimento era igual ao da base monetária, cerca de 50% do total dos
meios de pagamentos. Figurando no ativo do Banco Central e no passivo do Banco
do Brasil, a conta de movimento desaparece quando se apresenta o balancete
consolidado das autoridades monetárias, que incluem Banco Central e Banco do
Brasil.
Continuamos
portanto, após quase quatro décadas de preparação para o advento de um banco
central de estilo clássico, com um banco central misto (e é importante que se
diga que há argumentos em seu favor). Na verdade, como nota Casimiro Ribeiro:
“Jamais tivemos outra coisa em nossa história monetária. Não há exemplo, no
mundo, de país que tenha levado tão longo tempo para criar seu Banco Central,
muito menos que tenha deixado a obra inacabada.”
Na verdade, criou-se no Brasil um banco central que,
estranhamente, passou a exercer, juntamente com suas funções típicas de
autoridade monetária, atividades típicas de fomento. Em mais de um sentido, o
projeto original da Sumoc, de fevereiro de 1945, destinado a “preparar o
advento do Banco Central do Brasil”, não se conseguiu implementar cabalmente,
passadas quase quatro décadas. O tema se presta a amplas e legítimas
controvérsias e interpretações — econômicas e políticas —, que extravasam de
muito o âmbito de um verbete.
Pedro Malan
colaboração
especial
FONTES: BANCO DO
BRASIL. Relatórios; BULHÕES, O. Margem; ENTREV. RIBEIRO, A.; FONSECA, H.
Instituições; FONSECA, H. Sumoc; LAGO, P. Sumoc; MALAN, P. Relações; RIBEIRO,
A. Estrutura; SIMONSEN, M. Controle; SOCHACKZEVSKI, A. Financial; SUPERINTENDÊNCIA
DA MOEDA E DO CRÉDITO. Relatórios.