SILVA,
Costa e
*militar; rev. 1922; rev. 1930; comte. IV
Ex. 1961-1962; ch. Depto. Ger. Pess. Ex. 1962-1963; ch. Depto. Prod. Obras Ex.
1963-1964; min. Guerra 1964-1966; pres. Rep. 1967-1969.
Artur da Costa e Silva nasceu
em Taquari (RS) no dia 3 de outubro de 1899, filho de Aleixo Rocha da Silva —
comerciante e um dos fundadores, em 1886, do Clube Republicano de sua cidade —
e de Almerinda Mesquita da Costa e Silva, ambos portugueses. Ao ingressar no
Exército, Costa e Silva declarou ter nascido em 1902, ano que adotou a partir
de então como de seu nascimento. Seu tio, Adroaldo Mesquita da Costa, foi
constituinte em 1934 e em 1946, ministro da Justiça de 1947 a 1950 e deputado
federal de 1950 a 1955.
Fez seus primeiros estudos na própria casa e, depois, na
escola da professora Ana Silva Job, em sua cidade natal. Matriculou-se em 1912
no Colégio Militar de Porto Alegre, fundado nesse ano, e em 1917 concluiu o
curso secundário como primeiro da turma, comandando o batalhão escolar na
condição de capitão-aluno. Sentou praça em março de 1918 na 1ª Companhia de
Estabelecimento, ingressando a seguir na Escola Militar do Realengo no Rio de
Janeiro, então Distrito Federal. Declarado aspirante-a-oficial da arma de
infantaria em janeiro de 1921, foi designado para o 1º Regimento de Infantaria
(1º RI) na Vila Militar do Rio de Janeiro e promovido dois meses depois a
segundo-tenente.
Em
1922 envolveu-se no levante deflagrado no dia 5 de julho, simultaneamente no
Rio de Janeiro e em Mato Grosso, em protesto contra a eleição de Artur
Bernardes à presidência da República e as punições impostas pelo governo
Epitácio Pessoa aos militares, com o fechamento do Clube Militar e a prisão do
marechal Hermes da Fonseca. Por ter-se recusado a acompanhar seu regimento na
repressão aos insurretos da Escola Militar, foi detido e transferido para o
navio-presídio Alfenas, onde permaneceria por três meses. Durante esse período
ficou noivo de Iolanda Barbosa, filha do general Severo Barbosa, seu professor
na Escola Militar, e com quem se casaria em 1925. O movimento rebelde, que
iniciou o ciclo de revoltas tenentistas da década de 1920, foi debelado no
mesmo dia, tendo envolvido no Rio, além da Escola Militar, efetivos da Vila Militar
e o forte de Copacabana, e, em Mato Grosso, o contingente local do Exército.
Promovido
a primeiro-tenente em outubro de 1922, Costa e Silva servia no 7º RI, em Santa
Maria (RS), quando foi convocado a comparecer ao Rio de Janeiro para responder
ao inquérito por envolvimento no levante da Vila Militar. Enquanto aguardava,
em liberdade mas desligado do Exército, o resultado do processo, residiu numa
pensão no Rio de Janeiro com o então tenente Juarez Távora e, para sobreviver,
escreveu nessa época, sob o pseudônimo de Raul D’Alva, para o jornal O
Imparcial. Manteve também no Taquariense uma coluna intitulada “Coisas do Rio”,
ministrando além disso aulas particulares para alunos da Escola Militar.
Impronunciado
pela Justiça Militar, Costa e Silva retornou ao 7º RI. Servia ainda nessa
unidade quando, em 5 de julho de 1924, foi deflagrado novo movimento
tenentista, dessa vez em São Paulo, sob o comando do general Isidoro Dias
Lopes. O levante encontrou simpatizantes no Rio Grande do Sul e Costa e Silva,
juntamente com o então tenente Osvaldo Cordeiro de Farias, tentou convencer os
soldados do 8º RI, de Cruz Alta (RS), a não aceitar a missão de reforçar os
contingentes legalistas que cercavam os revolucionários na cidade de São Paulo.
Assim, quando o comboio passou por Santa Maria, os dois tenentes improvisaram
um comício, concitando os soldados à rebelião, mas foram dominados e detidos.
Em São Paulo, depois que os revolucionários controlaram a capital durante três
semanas, foram obrigados a abandoná-la. Rumaram então para o oeste do Paraná,
onde planejavam fazer a junção com os insurretos gaúchos que, afinal, se
levantaram em outubro. Segundo Nélson Dimas Filho, Costa e Silva pretendia se
incorporar em dezembro de 1924 às forças rebeldes estacionadas em São Luís Gonzaga
(RS), sob a liderança de Luís Carlos Prestes, mas foi acometido de grave crise
de apendicite que se prolongaria até ser operado, em abril de 1925. Nesse mesmo
mês, os contingentes paulistas e gaúchos uniram-se em Foz do Iguaçu (PR)
formando a Coluna Prestes.
Em 1924 e 1925 Costa e Silva serviu como inspetor do Tiro de
Guerra na 3ª Região Militar (3ª RM), em Porto Alegre, sendo depois transferido
para o 10º RI, em Juiz de Fora (MG), onde permaneceu até 1926. Em dezembro
desse ano, foi incorporado ao 8º Batalhão de Caçadores (8º BC), localizado em
São Leopoldo (RS), atuando em operações de guerra até janeiro de 1927, pois o
8º BC fora mobilizado para deter os exilados no Uruguai e na Argentina, alguns
deles remanescentes da Coluna Prestes, que vinham tentando se rearticular e
reiniciar as hostilidades através da fronteira do Rio Grande do Sul.
Retornando ao Rio de Janeiro, serviu na 1ª Circunscrição de
Recrutamento de 1929 a 1930. Em abril deste último ano iniciou o curso da
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), que concluiu no dia 1º de
outubro. Dois dias depois, foi deflagrado o movimento revolucionário
desencadeado pela Aliança Liberal no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba.
Na noite de 2 de outubro, informado da iminência da eclosão do levante, Costa e
Silva buscou contato com o 3º RI, na praia Vermelha, onde tanto o comandante,
coronel Alfredo Soares dos Santos, como a imensa maioria da oficialidade
estavam comprometidos com a causa da revolução. A unidade, entretanto, só viria
a tomar uma posição no dia 24, quando os generais Augusto Tasso Fragoso e João
de Deus Mena Barreto, juntamente com o almirante Isaías de Noronha, decidiram
afastar o presidente Washington Luís e constituir uma junta militar. Nesse dia
Costa e Silva, conduzindo a bandeira nacional, seguiu com o 3º RI em missão de
ocupação do palácio Guanabara, onde se encontravam o presidente deposto e
alguns de seus ministros.
Esses
acontecimentos impediram que na época Costa e Silva usufruísse do prêmio a que
fizera jus — uma viagem a França para complementar os estudos — por ter-se
classificado em primeiro lugar no curso da EsAO. Instalado o novo governo,
recusou convites para cargos públicos, inclusive um para assumir a
interventoria federal no Maranhão, que, segundo Nélson Dimas Filho, lhe foi
oferecida por Osvaldo Aranha, ministro da Justiça.
Promovido a capitão em agosto de 1931, foi destacado para a
Vila Militar, servindo numa companhia de metralhadoras do 1º RI. Em julho de
1932, deflagrada a Revolução Constitucionalista de São Paulo, sua unidade foi
enviada para Pinheiro, no vale do Paraíba onde se concentrava, sob o comando do
general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, o grosso dos contingentes mobilizados
pelo governo federal. Costa e Silva esteve em Itatiaia (RJ), Engenheiro Passos
(RJ), Queluz (SP), Cruzeiro (SP), e Lorena (SP), e foi quem construiu a base de
fogo da fazenda das Palmeiras, que serviu de apoio à ofensiva governista contra
os redutos paulistas na área, abrindo caminho para a tomada de Campinas (SP).
Terminando o conflito em outubro de 1932, voltou à Vila Militar do Rio de
Janeiro, servindo na Escola de Infantaria até março de 1935, quando foi
transferido para o 11º RI, em São João del Rei (MG). Em 1936, iniciou o curso
da Escola de Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, que concluiria em
1938. Nesse ínterim foi promovido a major, por merecimento, em maio de 1937. Em
1938, já sob o regime do Estado Novo, instaurado em 10 de novembro do ano
anterior, serviu no gabinete do chefe do Estado-Maior do Exército (EME),
general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, e novamente no 7º RI.
De
volta ao Distrito Federal em junho de 1940, Costa e Silva exerceu a função de
instrutor-adjunto de tática geral na Escola do Estado-Maior do Exército,
assumindo em fevereiro de 1941 a direção da Escola de Motomecanização. Em abril
do ano seguinte, passou a integrar, como representante dessa instituição, a
comissão constituída para elaborar o Plano de Motomecanização do Exército e, em
maio, foi promovido por merecimento, a tenente-coronel. Quando o governo
brasileiro declarou guerra aos países do Eixo em agosto de 1942, coube-lhe a
tarefa de organizar a unidade blindada que iria combater na Europa, e para
atualizar-se em suas técnicas, viajou aos Estados Unidos, onde estagiou de
janeiro a junho de 1944 em Fort Knox. Em dezembro desse mesmo ano foi elevado à
patente de coronel, por merecimento. Depois da deposição de Vargas
(29/10/1945), Costa e Silva foi nomeado em fevereiro de 1946, ao início do
governo Dutra, comandante do 9º RI, em Pelotas (RS). Exerceu esse cargo até
dezembro de 1948, quando foi designado chefe do estado-maior da 3ª RM sediada
em Porto Alegre. Aí permaneceu até dezembro de 1949 e, de janeiro do ano
seguinte a maio de 1952, serviu como adido militar junto à embaixada do Brasil
na Argentina. Foi promovido a general-de-brigada em agosto de 1952, assumindo
no mês seguinte o comando do Núcleo da Divisão Blindada, no Rio de Janeiro.
Exerceu essa função até abril de 1954, quando foi designado para comandar a 2ª
Brigada de Infantaria em Caçapava (SP).
Encontrava-se ainda no comando dessa unidade quando o
ministro da Guerra demissionário, general Henrique Teixeira Lott, deflagrou em
11 de novembro de 1955 um movimento destinado a assegurar a posse na
presidência e vice-presidência da República de Juscelino Kubitschek e João
Goulart, eleitos em 3 de outubro daquele ano. Interpelado sobre sua posição
diante dos acontecimentos pelo general Olímpio Falconière da Cunha, que estava
a caminho da capital paulista para assumir, por ordem de Lott, o comando da
Zona Militar Centro, Costa e Silva manifestou-se a favor da resolução de Lott,
pela posse dos eleitos e pela sustentação das normas disciplinares. Foram suas
tropas que, cumprindo ordens de Falconière, desmontaram em Cumbica (SP) uma tentativa
de resistência por parte de um contingente da Força Aérea Brasileira (FAB), sob
o comando do brigadeiro Antônio Guedes Muniz, solidário com o governo de Carlos
Luz, deposto por Lott.
Ainda em novembro de 1955, assumiu interinamente o comando da
2ª Divisão de Infantaria (2ª DI), exercendo-o durante dois meses. Foi então
nomeado diretor de Motomecanização do Exército, cargo que ocupou até janeiro de
1957. Designado comandante da 3ª RM em março desse ano, foi promovido a
general-de-divisão em abril de 1958 e, em fevereiro do ano seguinte, reassumiu
o comando da 2ª DI, que exerceu até julho de 1961. Um mês depois foi nomeado
comandante do IV Exército, sediado em Recife, e em novembro foi promovido a
general-de-exército. Na jurisdição do seu comando enfrentou um período de
intensa crise política e social, onde os estudantes se destacavam em campanhas
de oposição ao presidente Jânio Quadros, que cumpria os últimos dias de seu
efêmero governo. Costa e Silva reprimiu essas manifestações com rigor,
chegando, para impedir a realização de uma passeata dos alunos da Faculdade de
Direito, a armar um dispositivo com base em tanques de guerra distribuídos em
torno do local previsto para o ato público, que acabou não se realizando.
Renunciando em 25 de agosto de 1961, Jânio foi substituído no governo pelo
vice-presidente João Goulart. Em abril de 1962 Costa e Silva proibiu também uma
manifestação na Paraíba em repúdio ao assassinato do presidente da Liga
Camponesa de Sapé, João Pedro Teixeira. Alguns dias depois viajou ao Rio de
Janeiro, especialmente para entregar ao ministro da Guerra, general Amauri
Kruel, um relatório denunciando a agitação política que, no seu entender, as
forças de esquerda promoviam no Nordeste.
Em outubro de 1962, foi transferido para a chefia do Departamento
Geral de Pessoal do Exército, no Rio de Janeiro, retornando os contatos com
antigos companheiros, como os generais Olímpio Mourão Filho, Osvaldo Cordeiro
de Farias, Nélson de Melo, Odílio Denis e Humberto Castelo Branco, que
vinham-se articulando para depor o presidente Goulart. Quando, em maio de 1963,
o general Antônio Carlos da Silva Murici foi criticado publicamente pelo
deputado federal Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e cunhado
do presidente da República, Costa e Silva enviou a Murici um telegrama de
solidariedade. Essa atitude, considerada hostil ao chefe do Executivo, resultou
na sua transferência para a chefia do Departamento de Produção e Obras em
agosto de 1963.
A animosidade militar contra Goulart, acusado de conivência
com guerras e agitações sociais, que os quartéis viam como resultado de
infiltração comunista, aumentou com as manifestações políticas que os
suboficiais e sargentos começaram a realizar. Boa parte da oficialidade
considerava que elas eram inspiradas pelo próprio governo, que teria o intuito
de subverter a hierarquia militar.
No antigo Ministério da Guerra, no Rio, onde funcionava o seu
departamento, Costa e Silva pôde manter contatos diários com o general Castelo
Branco, chefe do Estado-Maior do Exército (EME), juntamente com outros oficiais
de alta patente, a fim de formar um pólo conspirativo no então estado da
Guanabara. Embora sem uma coordenação mais precisa, amadureciam em outros
estados articulações semelhantes, unindo militares e civis. Em fevereiro de
1964, estando em férias, Costa e Silva viajou a São Paulo, incumbido de
aproximar o governador Ademar de Barros, também envolvido na conspiração, do
novo comandante do II Exército, general Amauri Kruel, o que garantiria a adesão
de expressivas forças políticas e da guarnição militar paulista ao plano de
deposição de João Goulart.
Na segunda quinzena de março, Costa e Silva reuniu-se no Rio
de Janeiro com os generais Castelo Branco e Cordeiro de Farias, quando foi
feito um balanço da situação nos quartéis de todo o país, foram revistos os
códigos que seriam utilizados pelos insurretos e divididas as tarefas. A
Cordeiro de Farias coube a coordenação, a partir de São Paulo, da região Sul do
país, a Castelo Branco, as articulações com o governador de Minas Gerais, José
de Magalhães Pinto, e a Costa e Silva, a coordenação da região em torno do Rio
de Janeiro.
Na madrugada do dia 31 de março o general Mourão Filho,
comandante da 4ª RM, sediada em Juiz de Fora (MG), iniciou a movimentação de
tropas em direção ao Rio de Janeiro. Informado de que a sublevação se iniciara,
Costa e Silva passou a emitir ordens para os oficiais de ligação junto às
unidades do estado da Guanabara e, ainda no dia 31, assinou, juntamente com os
generais Castelo Branco e Décio Palmeiro Escobar, um manifesto conclamando
todos os militares das diversas forças a se unirem na luta contra o governo.
Alguns comandantes do Exército ensaiaram atitudes de resistência, mas a maioria
da oficialidade era favorável ao movimento rebelde.
Enquanto
a situação militar não se definia no Rio, Costa e Silva transferiu seu
quartel-general da sede do antigo Ministério da Guerra para uma residência
particular em Botafogo. De lá comunicou-se por telefone com o general Emílio
Garrastazu Médici, comandante da Academia Militar das Agulhas Negras, dando
conta de que por ali deveriam passar as tropas do general Amauri Kruel,
comandante do II Exército, que aderira ao movimento. Médici respondeu-lhe que a
academia estava pronta para marchar ao lado dos revoltosos e que já havia
obtido a adesão do Batalhão de Infantaria Blindada, sediado em Barra Mansa
(RJ).
Às
14 horas do dia 1º de abril, Costa e Silva telefonou para o general Armando de
Morais Âncora, então no comando do I Exército e no exercício interino do
Ministério da Guerra, fazendo um relato da situação e insistindo para que ele
desistisse de qualquer tentativa de resistência. Na noite desse mesmo dia,
depois de uma reunião entre os dois generais efetuada na sede do I Exército,
Costa e Silva expediu uma notificação a todos os comandos militares
informando-os que “dada a situação de fato criada com os últimos
acontecimentos..., em virtude de ser o membro do Alto Comando mais antigo”,
assumia o comando do Exército. Âncora deixou então o cargo de ministro interino
da Guerra, dando por encerrada a ação do sistema defensivo do governo. Também
na noite do dia 1º, Goulart deixou Brasília com destino a Porto Alegre. Na
madrugada do dia 2 o presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri
Mazzilli, assumiu interinamente a presidência da República, mas o poder de fato
ficou nas mãos do Comando Supremo da Revolução, formado pelos três ministros
militares: Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro
Francisco Correia de Melo.
Iniciaram-se então uma série de reuniões no Rio de Janeiro,
onde os líderes civis do movimento — entre eles os governadores Magalhães
Pinto, Ademar de Barros e Carlos Lacerda (este da Guanabara) — tiveram
importante participação. Durante as discussões, Costa e Silva defendeu o
adiamento da eleição do novo presidente e manifestou-se favorável à manutenção
por mais algum tempo do Comando Supremo da Revolução. Ainda que o nome de Costa
e Silva fosse apontado por alguns como alternativa para a presidência, no Alto
Comando o general Castelo Branco, apoiado também pelos clubes Militar e Naval,
surgia como a opção mais provável. Costa e Silva não desejava a candidatura de
Castelo, mas apresentava suas objeções apoiadas no argumento de que a indicação
de qualquer militar só serviria para comprometer a unidade das forças armadas.
Como era também contra qualquer tipo de eleição naquele momento, preferia a
continuação de Mazzilli. Ao final, entretanto, cedeu, acatando o nome de
Castelo. No dia 4 de abril, foi empossado oficialmente no Ministério da Guerra.
No
dia 9 Costa e Silva presidiu uma reunião do Comando Supremo da Revolução da
qual resultou um ato institucional — que, mais tarde, com a edição de outros
similares, ficaria conhecido como AI-1. Esse ato determinava a eleição por via
indireta do presidente e do vice-presidente da República dois dias depois e
outorgava ao chefe do Executivo, entre outras atribuições, a competência para
decretar o estado de sítio, cassar mandatos eletivos e suspender por dez anos
direitos políticos, e ainda obter aprovação para seus projetos por decurso de
prazo na hipótese de não serem apreciadas pelo Poder Legislativo no prazo de 60
dias.
Com base no AI-1, no dia 11 de abril, o Congresso elegeu
Castelo Branco e o deputado José Maria Alkmin, respectivamente, presidente e
vice-presidente da República, com mandato até 31 de janeiro de 1966.
Reorganizado o ministério, apenas Costa e Silva foi mantido em sua pasta,
passando a chefia do Departamento de Produção e Obras para o general Raul de
Albuquerque.
No Ministério da Guerra
Costa
e Silva respondeu pelo Ministério da Guerra numa conjuntura em que o cargo, por
força da situação excepcional criada com a deposição de um presidente
constitucionalmente empossado, assumiu dimensões particularmente políticas. Os
novos dirigentes do país se empenharam, desde logo, em apurar as
responsabilidades por atos considerados de subversão e corrupção e, com esse
fim, instauraram em todo o país inquéritos policial-militares (IPMs),
entregues, na sua maioria, a coronéis caracterizados como integrantes da
chamada “linha dura” do novo regime. As investigações resultaram na cassação de
mandatos parlamentares e de direitos políticos, bem como na prisão de muitos
dos indiciados.
Nesse clima político reforçara-se o controle sobre as antigas
lideranças, como Juscelino Kubitschek. De acordo com Jaime Portela, Costa e
Silva teve um papel decisivo na cassação dos direitos políticos do
ex-presidente e então senador, que desfrutava de grande popularidade. Como
Castelo Branco teria vacilado em incluí-lo na primeira lista de cassações, em
função do apoio que Kubitschek teria prestado à sua eleição, Costa e Silva
ordenou ao seu gabinete um levantamento completo da vida de Juscelino, que
acabou servindo de base para a decisão de cassar o seu mandato em 10 de junho
de 1964.
No
entanto, as lideranças do movimento vitorioso não estavam irrestritamente
unidas em torno de um mesmo projeto político. Os líderes civis logo começaram a
se sentir alijados dos processos decisórios, aproximando-se muitos deles — como
Carlos Lacerda — da oposição. Segundo Jaime Portela, Costa e Silva
encontrava-se entre os que defendiam a prorrogação do mandato de Castelo,
argumentando que a revolução teria que prosseguir com ele no governo ou então
estaria perdida e as reformas que pretendia efetuar não seriam realizadas. Além
disso, Costa e Silva participava das preocupações acerca de uma possível
candidatura de Lacerda à presidência da República, caso houvesse eleições.
Assim, em conversas com diversos parlamentares, como os senadores Daniel
Krieger, líder do governo no Senado, e Filinto Müller, líder do Partido Social
Democrático (PSD), e com governadores, como Magalhães Pinto e Ademar de Barros,
já defendia a suspensão das eleições presidenciais marcadas para 1965. Afinal,
no dia 22 de junho de 1964, apesar das violentas críticas de Lacerda, foi
aprovada pelo Congresso a Emenda Constitucional nº 9, que prorrogava por um ano
o mandato presidencial, transferindo a data de transmissão do cargo de 31 de
janeiro de 1966 para 15 de março de 1967.
Entre os militares, um importante setor considerava Castelo
Branco liberal em excesso, exigindo um “combate sem tréguas contra o comunismo
e a corrupção”. Essa ala, identificada como a “linha dura” tinha organizações
próprias, como a Liga Democrática Radical (Líder). Sensível às pressões vindas
desse setor, Costa e Silva declarou em 1º de abril de 1965: “O Exército é o
partido forte do governo e não deixará, com o marechal Castelo Branco ou sem
ele, que o país mergulhe novamente na desordem.”
Com a aproximação das eleições para os governos estaduais,
marcadas para outubro de 1965, oficiais identificados com a “linha dura”
manifestaram-se contra algumas candidaturas, especialmente as de Hélio de
Almeida, ex-ministro de João Goulart, e de Sebastião Pais de Almeida,
postulantes, respectivamente, aos governos da Guanabara e de Minas Gerais. Em
13 de julho de 1965, Costa e Silva recomendou expressamente a todos os
comandantes de unidades militares e auxiliares diretos que evitassem declarações
públicas sobre temas políticos. Dois dias depois, o presidente Castelo Branco
sancionou a Lei das Inelegibilidades, aprovada na semana anterior pelo
Congresso, declarando inelegíveis até 31 de dezembro de 1965 todos os ministros
de Estado da fase presidencialista da gestão de João Goulart, com exceção dos
titulares das pastas militares e parlamentares em atuação. Com essa medida, as
pressões da “linha dura” amainaram, já que ficava impossibilitada a candidatura
de Hélio de Almeida.
Nos primeiros dias de agosto, no entanto, o marechal Henrique
Teixeira Lott anunciou que disputaria na convenção do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) a indicação do seu nome à sucessão na Guanabara em
substituição a Hélio de Almeida. No dia 5 Costa e Silva caracterizou a candidatura
de Lott como “aglutinadora das forças anti-revolucionárias e subversivas”.
Alguns dias depois, entretanto, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) da
Guanabara, culminando um processo jurídico, negou o registro da candidatura de
Lott, sob a alegação de falta de domicílio eleitoral do candidato na Guanabara.
Diante dessa decisão, o PTB apoiou o nome de Francisco Negrão de Lima, lançado
pelo PSD, que tinha como principal adversário o candidato da União Democrática
Nacional (UDN), Carlos Otávio Flexa Ribeiro, apoiado pelo ex-governador Carlos
Lacerda. Em Minas Gerais foi também impugnada a candidatura de Sebastião Pais
de Almeida ao governo. Segundo Luís Viana Filho, não influíram para isso apenas
os gastos que o ex-ministro da Fazenda de Goulart efetuara na sua eleição para
deputado federal por Minas, em outubro de 1962. Pesavam contra ele também,
segundo os grupos militares mais radicais, suas afinidades políticas e pessoais
com o ex-presidente Juscelino Kubitschek. Afastada a candidatura Pais de Almeida,
seu nome foi substituído pelo de Israel Pinheiro.
As facções mais radicais no interior das forças armadas
permaneciam inquietas frente às eleições, temendo que assumissem os governos
estaduais políticos vinculados ao regime anterior. Em setembro de 1965, foi
detectada uma articulação destinada a depor Castelo Branco, cujo líder seria o
chefe do estado-maior do I Exército, general Afonso Augusto de Albuquerque
Lima, o qual teria o apoio de vários coronéis do Exército e oficiais da Marinha
como os almirantes Sílvio Heck e Augusto Rademaker. Na ocasião, Costa e Silva
precisou ir pessoalmente à Vila Militar do Rio de Janeiro discutir com os
líderes da conspiração. Defendendo o governo, afirmou que o Exército não era um
corpo político, “mas um organismo de apoio e que, como tal, se submeteria às
decisões do presidente com respeito à posse dos novos governadores”. Frisou,
também, que a volta do antigo regime estava para sempre afastada. Com essa
intervenção e a transferência do general Albuquerque Lima para o comando da 2ª
Divisão de Cavalaria, no Paraná, o movimento foi neutralizado.
Diante das pressões concentradas na Vila Militar, alarmada
pelas vitórias eleitorais de Israel Pinheiro em Minas e de Negrão de Lima na
Guanabara, Castelo tentou, através do Congresso, propor uma emenda
constitucional que limitava enormemente as prerrogativas dos estados. Assim,
além da instituição do pleito indireto para presidente da República e
governadores, Castelo pretendia que os casos em que a intervenção federal era
possível fossem ampliados e que os secretários de Segurança, juntamente com os
comandantes das polícias militares, fossem escolhidos de comum acordo com o
ministro da Guerra. Segundo Luís Viana Filho, não havia condições dentro do
Congresso para a aceitação dessas medidas. Juraci Magalhães, que substituíra
Mílton Campos na pasta da Justiça, fez diversas tentativas juntamente com o
general Cordeiro de Farias, no sentido de obter a concordância dos deputados e
senadores. Diante da evidência de que a proposta seria rejeitada, a 27 de
outubro de 1965, Castelo editou o AI-2, que estabeleceu a dissolução dos
partidos políticos existentes, a reabertura do processo de cassações de
mandatos parlamentares e suspensões de direitos políticos e a transferência
para a competência da Justiça Militar da apreciação dos chamados delitos contra
a segurança nacional, além da adoção daquelas providências que Juraci, sem
êxito, havia procurado negociar junto ao Congresso.
Mesmo
após a edição do AI-2, não cessaram as pressões contra os dois governadores
recém-eleitos. Em novembro, Costa e Silva recusou-se a aprovar o pedido de
suspensão dos direitos políticos de Negrão de Lima, acusado pelo encarregado do
IPM do Partido Comunista Brasileiro (PCB), coronel Ferdinando de Carvalho, de
ter ligações políticas com o partido proscrito.
Ainda
em dezembro de 1965, uma reportagem do jornalista Oiama Teles, do Correio da
Manhã, e uma declaração do deputado Anísio Rocha, do PSD de Goiás, revelaram
que a maioria da oficialidade radical, da qual faziam parte os coronéis
encarregados dos IPMS, havia tomado posição inarredável ao lado da candidatura
Costa e Silva à sucessão de Castelo. A 6 de janeiro de 1966 Costa e Silva,
deixando em seu lugar, na qualidade de ministro interino, o chefe do EME,
general Décio Escobar, embarcou com destino a vários países da Europa, Ásia e
África, afirmando que iria negociar a compra de material bélico para o Exército
e inspecionar a tropa brasileira que integrava o contingente das Nações Unidas
no canal de Suez. Na véspera da viagem avistou-se com Castelo, que o interpelou
a respeito de sua candidatura, imediatamente confirmada pelo ministro da
Guerra. Castelo observou-lhe que o governo tinha outros nomes em cogitação,
indicando os de Nei Braga, Osvaldo Cordeiro de Farias, Juraci Magalhães e Olavo
Bilac Pinto. Costa e Silva retrucou, dizendo que aceitara sua candidatura e
estava disposto a lutar por ela. Indagado pelos jornalistas se a sua viagem
seria uma desincompatibilização, Costa e Silva respondeu: “Vou e volto
ministro.” Nesse dia, cerca de três mil oficiais da área do I Exército
compareceram ao seu embarque, em expressiva manifestação de apoio ao seu nome.
Durante a viagem, Costa e Silva declarou, em entrevista concedida em Paris, que
preferia se candidatar à presidência pelo partido governista, mas admitia
também ser indicado pela oposição.
Outros oficiais surgiram como candidatos, entre eles o
general Cordeiro de Farias, titular do Ministério Extraordinário de Coordenação
dos Organismos Regionais, que parecia contar com o apoio majoritário do
Congresso. O próprio Castelo Branco manifestou, em diversas ocasiões, desagrado
pela maneira “intempestiva” com que fora lançada a candidatura do seu ministro
da Guerra. Em maio, a convenção da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido
situacionista recém-organizado, homologou os nomes de Costa e Silva e Pedro
Aleixo como candidatos a presidente e vice-presidente da República. Em fins de
junho, Costa e Silva deixou o ministério, desincompatibilizando-se para se
candidatar às eleições indiretas. Na cerimônia de posse do seu substituto,
marechal Ademar de Queirós, declarou que levaria o país à liberdade.
Durante os três meses que precederam o pleito, Costa e Silva
orientou-se como se estivesse em campanha com vistas a eleições diretas.
Acompanhado pela esposa, percorreu municípios, presidiu inaugurações e
participou de banquetes. Sua propaganda eleitoral o apresentava como o “seu
Artur”, bonachão que iria descontrair o país. Em Recife, no dia 25 de julho, em
plena campanha, sofreu um atentado a bomba no aeroporto de Guararapes, quando
morreram o almirante Nélson Fernandes, diretor da Companhia Hidro Elétrica do
São Francisco, e Edson Régis, chefe do Gabinete Civil do governador Paulo
Guerra. Na ocasião, duas outras bombas explodiram, simultaneamente, na sede da
United States Agency for International Development (USAID) e no prédio da União
dos Estudantes de Pernambuco. Ainda nesse mês, foi promovido a marechal e, em
homenagem que líderes empresariais lhe ofereceram em setembro, afirmou que o
seu ideal era estabelecer uma nova filosofia nas relações entre patrões e
empregados, “abrindo caminho para se atingirem no Brasil as igualdades humanas
que permitam aos ricos serem mais ricos e, graças a eles, os pobres se tornarem
menos pobres”.
No dia 3 de outubro de 1966, com a abstenção de toda a
bancada do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido oposicionista, que
se retirou do plenário, Costa e Silva e Pedro Aleixo foram eleitos pelo
Congresso Nacional. Na ocasião, alguns parlamentares da Arena, como os
senadores Afonso Arinos de Melo Franco e Mem de Sá, ex-ministro da Justiça de
Castelo Branco, se abstiveram.
Alguns
dias após a eleição de Costa e Silva, foi lançado o manifesto de criação da
Frente Ampla, movimento organizado para “lutar pela pacificação política do
Brasil, através da plena restauração do regime democrático”. Embora o documento
fosse de responsabilidade exclusiva do ex-governador Carlos Lacerda, a
iniciativa contava com o apoio dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João
Goulart. Inicialmente, o movimento não suscitou represálias do governo, e Costa
e Silva declarou que não tomaria qualquer medida contra ele, desde que a ordem
pública não fosse perturbada.
Em janeiro de 1967 foi promulgada pelo Congresso a nova
Constituição que conferia ao presidente da República uma soma de poderes muito
mais ampla do que o fazia a Carta de 1946.
Na presidência da República
No dia 15 de março de 1967 Costa e Silva e Pedro Aleixo foram
empossados. Na ocasião o presidente prometeu “governar para o povo”, “respeitar
o Legislativo”, “multiplicar as oportunidades de educação” e “reatar os
entendimentos com a classe trabalhadora”.
Logo após a posse, Costa e Silva anunciou o seu ministério,
composto por oito oficiais da ativa, dois da reserva, seis técnicos civis e
três políticos. Segundo o cientista social suíço Georges-André Fiechter, os
auxiliares do novo presidente poderiam ser caracterizados como um representante
da direita (o almirante Augusto Rademaker, ministro da Marinha), um membro da
“Sorbonne”, nome com que ficou conhecida a Escola Superior de Guerra ESG (o
general Aurélio de Lira Tavares, ministro do Exército), quatro pilares da
“linha dura” (o general Emílio Garrastazu Médici, chefe do Serviço Nacional de
Informações (SNI), o marechal-do-ar Márcio de Sousa e Melo, ministro da
Aeronáutica, o coronel José Costa Cavalcanti, ministro das Minas e Energia e o
general Jaime Portela, chefe do Gabinete Militar), um ambivalente (o general
Afonso de Albuquerque Lima, ministro do Interior), um técnico e hábil político
(o general Edmundo de Macedo Soares, ministro da Indústria e do Comércio) e um
“protótipo do gerente fardado” (o coronel Mário Andreazza, ministro dos
Transportes). Dentre os civis, o ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e
Silva foi caracterizado pelo estudioso como um “militar à paisana”. Para o
Ministério das Relações Exteriores foi nomeado Magalhães Pinto, para o da
Agricultura, Ivo Arzua, para o da Educação e Cultura, Tarso Dutra, para o do
Trabalho, o coronel Jarbas Passarinho, para o da Saúde, Leonel Miranda, para o
das Comunicações, Carlos Simas e para o Gabinete Civil da Presidência da
República, Rondon Pacheco.
Para a condução da política econômica foram nomeados Antônio
Delfim Neto, ministro da Fazenda, e Hélio Beltrão, do Planejamento. No ato de
sua posse, o novo ministro da Fazenda anunciou como meta estratégica a
aceleração do desenvolvimento econômico do país, em combinação com o combate ao
processo inflacionário. Três meses depois, em junho, o ministro do Planejamento
anunciou oficialmente o programa de desenvolvimento do governo Costa e Silva —
Programa Estratégico do Desenvolvimento —, que se propunha, entre outras metas,
a solucionar os problemas relacionados com a estrutura e o financiamento da
comercialização de alimentos e a eliminar os principais pontos de
estrangulamento da infra-estrutura, da produção industrial e do mercado
interno.
No setor educacional, o projeto de transformação progressiva
do ensino público em pago, prenunciado pela introdução da taxa de matrícula nas
universidades, acirrou conflitos já existentes com a área acadêmica. Além
disso, a reivindicação de ampliação das verbas e vagas nas universidades
mobilizava os estudantes, ocasionando conflitos de rua com as forças policiais.
O clima de insatisfação tendeu a se generalizar no segundo ano do governo de
Costa e Silva, quando os protestos públicos passaram a abranger setores cada
vez mais amplos da sociedade. Enquanto intelectuais, estudantes e clérigos
lideravam passeatas contra as restrições, às liberdades públicas e à política
salarial, algumas greves operárias começaram a eclodir.
Também nas forças armadas registrava-se a instabilidade
política, refletindo antigas divergências não superadas. Um artigo do marechal
Mário Poppe de Figueiredo — “Revolução e desenvolvimento” — publicado no Jornal
do Brasil levou o presidente a reforçar a disciplina militar para impedir
manifestações públicas de oficiais da reserva. Por outro lado, denúncias sobre
violências contra presos políticos, cometidas em órgãos policiais e militares,
ganhavam corpo e eram veiculadas na imprensa nacional e internacional, o que
levou o ministro do Interior, general Albuquerque Lima, a emitir nota oficial
acusando-a de “sensacionalismo na divulgação das notícias”.
Uma
ponderável parcela dos estudantes universitários do país se mobilizava exigindo
uma efetiva reforma do ensino. Seu movimento chegaria ao auge em março de 1968,
quando estudantes cariocas promoveram uma passeata contra o aumento do preço
das refeições do restaurante do Calabouço e a intervenção da Polícia Militar
resultou na morte do estudante Edson Luís de Lima Souto. Em resposta, foi
decretada uma greve estudantil nacional, enquanto no Rio de Janeiro as forças
policiais eram postas de prontidão. O corpo do estudante foi velado na
Assembléia Legislativa da Guanabara, de onde partiu o cortejo fúnebre
acompanhado por cerca de 50 mil pessoas.
O cerrado ataque desferido desde o início do ano pelo
ex-governador Carlos Lacerda contra a política salarial do governo, o
militarismo e o suposto envolvimento de militares em atos de corrupção fizeram
com que, em abril de 1968, o ministro da Justiça proibisse as atividades da
Frente Ampla. No mês seguinte, em nova intervenção de Gama e Silva, agora
motivada por violentos conflitos ocorridos em São Paulo, foram proibidas
quaisquer manifestações de rua no país.
O
projeto governamental de transformar as universidades em fundações provocou, em
junho, novas greves na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), levando o
I Exército a entrar em rigorosa prontidão e a determinar a prisão de vários
estudantes. Em fins de junho, estudantes e professores lideraram uma passeata
gigantesca realizada com a permissão do governador Negrão de Lima, que ficaria
conhecida como a Passeata dos Cem Mil. Alguns dias depois, Costa e Silva
recebeu uma comissão de representantes escolhidos na passeata, que reivindicou
a reabertura do restaurante do Calabouço — fechado desde a morte de Edson Luís
—, o fim da repressão policial e da censura às artes. O presidente, contudo,
não atendeu às reivindicações. Na seqüência dessa crise, a Universidade de
Brasília foi invadida em agosto, sendo presos estudantes e professores.
Nos
primeiros dias de setembro, a situação política do país se agravou. Discursando
na Câmara Federal, o deputado Márcio Moreira Alves (MDB-GB) denunciou as
violências praticadas contra os estudantes, responsabilizando os militares
pelas ocorrências. Como forma de protesto, o parlamentar conclamou a população
a não comparecer às comemorações do Dia da Independência. Esse pronunciamento
desencadeou reações entre os militares, que o consideraram ofensivo às forças
armadas. Alguns dias depois, o procurador-geral da República, Décio Miranda, enviou
ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de cassação dos direitos políticos
de Moreira Alves, instruído pelo parecer do ministro da Justiça, que pedia o
enquadramento do deputado oposicionista no artigo 151 da Constituição, por ter
feito “uso abusivo do direito de livre manifestação e pensamento” e por
“injúria e difamação das forças armadas com intenção de combater o regime
vigente e a ordem democrática instituída pela atual Constituição”.
Reunido como Alto Comando militar nesse mesmo mês, Costa e Silva
declarou em seguida que acataria as decisões dos poderes Legislativo e
Judiciário no caso do processo de Moreira Alves. A Câmara dos Deputados, porém,
apresentava sérias resistências em conceder às autoridades militares a licença
necessária para processá-lo, considerada por Costa e Silva, em encontros com
líderes da Arena, como de vital importância para a manutenção do regime e das
instituições.
Após
tramitar pela comissão competente, o pedido foi rejeitado na Câmara dos
Deputados no dia 13 de dezembro de 1968, por uma diferença de 75 votos,
conseguindo a posição governamental vitórias apenas nas bancadas baiana e
capixaba. Imediatamente, Costa e Silva reuniu-se com os ministros militares e
comandantes de exércitos, colocando em prontidão as forças armadas e a Polícia
Federal. Através do Conselho Nacional de Telecomunicações, as emissoras de
rádio e televisão foram proibidas de divulgar informações do processo de
Moreira Alves e, ainda nesse dia, Costa e Silva baixou o AI-5 decretando, entre
outras medidas, a suspensão das garantias constitucionais de vitaliciedade,
inamovibilidade e estabilidade da magistratura, a suspensão do habeas-corpus e
a atribuição do presidente do poder de intervir nos estados e municípios,
cassar mandatos, suspender direitos políticos por dez anos, confiscar bens
adquiridos ilicitamente no exercício de função pública, decretar o estado de
sítio sem anuência do Congresso, promulgar decretos-leis e atos complementares
e demitir ou reformar oficiais das forças armadas e das polícias militares.
Pelo Ato Complementar nº 38, foi decretado também o recesso do Congresso por
tempo indeterminado.
Por força do AI-5 foram cassados os mandatos e suspensos os
direitos políticos do deputado Márcio Moreira Alves e de diversos outros
parlamentares, como o senador Mário Martins e os deputados Hermano Alves, Celso
Passos, Edgar da Mata Machado e José Martins Rodrigues. Foram ainda suspensos
por dez anos os direitos políticos do ex-governador Carlos Lacerda e de Niomar
Muniz Sodré Bittencourt, proprietária do Correio da Manhã. Até mesmo o STF foi
atingido, com a aposentadoria dos ministros Evandro Lins e Silva, Hermes lima e
Vítor Nunes Leal.
Em
entrevista concedida em março de 1969, Costa e Silva justificaria a edição do
AI-5, com base em críticas à Constituição de 1967: “Após pouco mais de um ano
de sua aplicação, ela não se revelou um instrumento capaz de preservar a
segurança interna, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a
harmonia política e social do país. Daí a necessidade imperiosa em que se viu o
presidente da República, no interesse da Nação, do povo e da Revolução, em
editar o Ato Institucional nº 5.”
À edição do AI-5, seguiu-se o agravamento do quadro político
nacional. Nos primeiros dias de 1969, dois senadores, 28 deputados federais, 38
deputados estaduais e um vereador tiveram cassados seus mandatos e suspensos os
seus direitos políticos. Durante dois meses que se seguiram, cerca de 30
parlamentares tiveram cassados os seus mandatos e mais de cem pessoas tiveram
os direitos políticos suspensos por dez anos, enquanto centenas de pessoas eram
presas por motivos políticos. Foi, também nesse período, decretado o recesso
nas assembléias legislativas dos estados da Guanabara, Rio de Janeiro, São
Paulo, Pernambuco e Sergipe. Até julho foram adotadas novas medidas de
fortalecimento do Poder Executivo e de controle da oposição, como a alteração
nos dispositivos da Lei de Segurança Nacional, que passou a estabelecer como
delito a divulgação truncada de notícias e permitiu ao ministro da Justiça
intervir nas empresas jornalísticas de radiodifusão e televisão. Por outro
lado, organizações guerrilheiras de orientação esquerdista começaram a tentar
deflagrar um processo de luta armada contra o regime praticando assaltos a
bancos e atentados contra unidades militares.
No dia 26 de agosto de 1969, Costa e Silva anunciou à
imprensa a conclusão da reforma constitucional elaborada pelo seu governo. O
texto final, em fase de redação, deveria ser aprovado pelo Congresso, que para
isso seria reaberto no mês seguinte. De acordo com o jornalista Carlos Chagas,
assessor de imprensa da Presidência da República, Costa e Silva tentara, em
vão, incluir na reforma o retorno às eleições diretas para os governos
estaduais e a escolha do seu sucessor pelo Congresso. Ainda na tarde do dia 26
de agosto, Costa e Silva recebeu em audiência os ministros militares que lhe
transmitiram as apreensões detectadas em suas áreas diante da hipótese de
reabertura do Congresso. Segundo Carlos Chagas, o presidente encaminhou aos
gabinetes Civil e Militar o texto final da reforma constitucional que lhe fora
apresentado por Pedro Aleixo, mas o coronel encarregado da coordenação das
sugestões do Conselho de Segurança Nacional teria comunicado ao general Jaime
Portela, chefe do Gabinete Militar da Presidência, que o documento continha 37
omissões, devendo, portanto, ser revisto.
Antes,
no entanto, que se chegasse a um acordo definitivo em relação ao texto
constitucional, Costa e Silva apresentou sinais de doença. No dia 27, ao receber
o governador de Goiás, Otávio Laje, o presidente teve dificuldades para
acompanhar a conversa. No dia seguinte suas audiências foram canceladas e a
imprensa noticiou que Costa e Silva fora acometido de forte gripe. Os médicos,
contudo, já suspeitavam tratar-se de trombose. De acordo com Carlos Chagas, o
estado real do presidente foi comunicado aos ministros militares, mas não ao
vice-presidente Pedro Aleixo.
Caracterizada a doença de Costa e Silva como trombose, os
ministros militares assumiram o governo em caráter temporário, como junta
militar, alijando Pedro Aleixo do processo sucessório legal. Através da edição
do AI-12, no dia 31 de agosto os ministros militares legitimaram sua atitude,
invocando a vigência do AI-5 e a necessidade de dar continuidade à
administração de Costa e Silva durante o seu impedimento. Alguns dias depois, o
embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick foi seqüestrado por
organizações esquerdistas, levando a junta militar a baixar no dia 9 de
setembro o AI-14, instituindo as penas de morte e de prisão perpétua para os
casos de “guerra psicológica adversa” e de “guerra revolucionária ou
subversiva”, definidos pela Lei de Segurança Nacional.
No dia 8 de outubro, a junta militar anunciou a escolha do
general Emílio Garrastazu Médici para a sucessão de Costa e Silva e, segundo
Carlos Chagas, o presidente enfermo aprovou essa decisão. Pelo AI-16, editado
seis dias depois, a junta militar declarou vagos os cargos de presidente e
vice-presidente da República, alegando que Costa e Silva poderia ter o estado
de saúde agravado caso retornasse às funções presidenciais e que era seu desejo
ser substituído. A eleição do novo presidente foi marcada para o dia 25 de
outubro e, reaberto, o Congresso ratificou a indicação da junta militar, tornando-se
o general Emílio Médici e o almirante Augusto Rademaker, respectivamente,
presidente e vice-presidente da República.
Economia e administração
Entre
21 de novembro de 1966 e 14 de março de 1967, véspera da entrada em vigor da
Constituição de 1967, Castelo Branco baixou 253 decretos-leis. Alguns entraram
imediatamente em vigor, mas muitos deles só teriam vigência a partir de 15 de
março de 1967. Entre estes últimos estava o Decreto-Lei nº 200 de fevereiro de
1967, que instituía a reforma administrativa, a unificação dos institutos de
previdência, a implantação da reforma tributária e a aplicação, pela primeira
vez, do orçamento plurianual, que era uma forma de garantia prévia de
investimentos para programas setoriais do governo. Outras importantes medidas
tomadas nessa área, ainda no primeiro trimestre de 1967, seriam a
regulamentação do Decreto-Lei nº 157, destinado a incrementar a capitalização
das empresas privadas mediante investimentos dedutíveis do imposto de renda; a
redução das taxas de juros de 36% para 24% ao ano e a determinação às
instituições financeiras para que destinassem no mínimo 50% de suas operações
de crédito a pessoas e firmas com sede no país e cujo capital majoritário
estivesse em mãos de brasileiros.
Em dezembro de 1967 o governo Costa e Silva criou o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e converteu em Fundação Nacional do Índio
(Funai) o antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) do Ministério da
Agricultura. Em agosto de 1968 foi criada a Empresa Brasileira de Aeronáutica
(Embraer), com a finalidade de desenvolver no país a indústria de material
aeronáutico, incluindo a fabricação de unidades de vôo e instrumentos
sofisticados de controle e segurança das aeronaves. Ainda de acordo com as
diretrizes do Programa Estratégico para o Desenvolvimento no sentido de
melhorar o funcionamento dos canais burocráticos federais, o governo
transformou o antigo Departamento de Correios e Telégrafos em órgão de
administração indireta, criando a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos,
vinculada ao Ministério das Comunicações. Finalmente, em agosto de 1969, foi
criada a Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), inserida na
estrutura do Ministério das Minas e Energia, para, mediante encomenda do setor
privado ou por iniciativa do próprio governo, explorar as riquezas no subsolo
nacional.
Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV), o quadro inflacionário brasileiro ao início do
governo Costa e Silva, tomando como base o ano de 1966, apresentava um índice
de 38,8%. No ano seguinte, a inflação baixou para 24,3%, elevando-se a 25,4% em
1968, para declinar novamente em 1969, quando chegou a 20,2%.
A
política salarial do governo Costa e Silva preservou seu caráter contencionista
— ou de “arrocho”, como acusava a oposição — impresso já na gestão de Castelo
Branco. A aplicação da política salarial ocasionou três movimentos grevistas
importantes durante o ano de 1968: o primeiro em abril, envolvendo os
metalúrgicos do município de Contagem, na região metropolitana de Belo
Horizonte; o segundo em julho, em Osasco (SP), e o terceiro na área rural da
cidade do Cabo (PE), durante o mês de outubro. Ainda no campo da política
salarial, duas medidas merecem registro: em dezembro de 1968 foram
estabelecidas sanções para os empresários que sem motivo justo retivessem
salários depois dos prazos previstos em lei e, em junho do ano seguinte, foi
criado um abono de emergência com o objetivo de atenuar os efeitos do
achatamento salarial.
Depois de deixar o governo e sem ter se recuperado da
enfermidade que o acometeu, Costa e Silva morreu no Rio de Janeiro, no dia 17
de dezembro de 1969.
Foi casado com Iolanda da Costa e Silva, com quem teve um
filho, o coronel Álcio Barbosa da Costa e Silva.
Entre
as obras que tratam da vida e do governo de Costa e Silva, destacam-se as
publicadas por Nélson Dimas Filho, Costa e Silva, o homem e o líder (1966),
Carlos Chagas, 113 dias de angústia: impedimento e morte de um presidente
(1970, 2ª ed. 1979) e Jaime Portela, A revolução e o governo Costa e Silva
(1979).
O arquivo de Costa e Silva encontra-se depositado no Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da FGV.
Renato Lemos
FONTES: Almanaque
Abril (1975 e 1976); ALMEIDA, A. Dic.; ARQ. MIN. EXÉRC.; CACHAPUZ, P.
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Rio (20/7/62 e 20/12/69); KLEIN, L. Cronologia; MAGALHÃES, I. Segundo; MELO, J.
Revolução; MIN. GUERRA. Almanaque; MIN. GUERRA. Subsídios; Novo dic. de
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Cinco; Who’s who in Brazil.